Praga tem monumentos estranhos. Há o Edifício Dançante.
Na frente do Museu Kafka, tem também aquele cara mijão que gira o púbis, regando tudo em torno de si.
E a belíssima cidade vai empilhando atrações clássicas com outras nem tanto.
Recentemente, a capital da República Checa, recebeu uma escultura de bronze de uma menina sem calcinha. Mas não é só isso: ela está agachada, com o rosto sobre a perna de um homem, sugerindo ter feito ou estar prestes a praticar felação (ou um “boquete”, para usar o termo mais comum). A escultura causou escândalo, como era de se esperar.
Oficialmente, a escultura recebeu o nome de “Morsa”, mas os habitantes da cidade a chamam de forma unânime de “Monumento às Prostitutas”. Originalmente, a escultura, que é de autor anônimo, ficaria no bairro Dvorak, conhecido por sua abundância de bordéis. Mas os habitantes locais não quiseram ver o bairro ainda mais estigmatizado e opuseram-se à obra.
Por incrível que pareça a escultura acabou em uma tranquila área residencial. E tornou-se imediatamente atração turística. É considerado um bom presságio ir até ela e esfregar o dedo no clitóris da moça. Criou-se a fama de que as mulheres que assim o fizerem atingirão mais e melhores orgasmos, assim como os homens… Não conferimos o veracidade do fato.
O astrólogo da Corte calculou o dia exato. O Imperador Carlos IV deveria colocar a primeira pedra ao pôr-do-sol no nono dia do sétimo mês de 1357, exatamente às 17h31. A obra só terminou no século XVI, duzentos anos depois. Provavelmente, a construção sofreu interrupções, pois não é muito grande. Mas o astrólogo tinha razão, desta vez ela não caiu, justificando todo o cuidado.
Kafka tinha com Praga um caso semelhante a Machado de Assis com seu bairro de Cosme Velho, na zona sul do Rio de Janeiro: o checo nunca abandonou a cidade e circulava em um perímetro pequeno dela, que já não é muito grande. No Museu Kafka, descobri uma coisa que não sabia — minha filha Bárbara chamou minha atenção para o fato: Kafka era um contumaz namorador, teve inúmeros casos. As tchecas são muito bonitas e também são assim as namoradas do escritor. A menos bela era a preferida da família, Felice; a mais bela era a preferida do escritor, Julie ou Julia, não lembro bem. Seu pai Hermann fez tudo para separar o casal, pois a moça não era judia. Conseguiu. Mas tergiverso.
(Tergiversando um pouco mais: a música de Praga é o jazz. Há grupos de jazz tanto sobre a Ponte quanto nos bares e teatros. Acho incrível).
Estou lendo um livro sobre a Praga de Franz Kafka que comprei naquela cidade — calma, o livro é em espanhol — e descubro que o autor passava mais de uma vez por dia pela Karlův most, ou a Ponte Carlos. Mais: descubro que, antes de completar 20 anos, rabiscou para si mesmo o poema abaixo, sem título, mas em honra a um dos lugares mais belos que conheço.
Homens, que cruzam pontes escuras
passando junto a Santos
ornamentados por débeis luzes.
Nuvens, que correm pelo céu cinzento passando junto a igrejas com mil torres que condenam.
E alguém, apoiado no parapeito de alvenaria, que olha na água da noite, suas mãos sobre velhas pedras.
O dia de hoje foi dividido em duas partes, uma muito longa, outra bem curta e a terceira média. A muito longa foi a do Castelo de Praga; a curta, a do Museu Kafka; a média, um Concerto no Rudolfinum.
O Castelo de Praga é, segundo o Guiness, o maior do mundo. É uma fortificação de 570 metros de extensão com largura média de 128 m. Para se ter uma ideia, ele tem mais área do que sete campos de futebol juntos. E haja perna para se chegar lá em cima! Mesmo caminhantes natos, tivemos que fazer dois pit stops nas intermináveis escadarias. Economia máxima, meus sete leitores. Carro, ônibus, o que significa isso? Mas valeu a pena.
A origem do Castelo é medieval, como se poderá notar pela masmorra e pela Basílica de São Jorge, mas ele também possui construções e reformas que foram finalizadas só em 1920. Digo tudo isto para explicar os vários estilos presentes. Logo na entrada, damos de cara com a Catedral de São Vito, construção embasbacante, verdadeiramente impressionante que é vista de toda a cidade.
O livro de Praga do Lonely Planet diz que, se quisermos ver tudo, só passando lá o dia inteiro. Acho que vimos tudo ou quase. Chegamos ao Castelo às 10h e saímos por volta das 16h. Se você cansar no primeiro dia, não há problema: curiosamente, a entrada vale por dois dias. Visitamos também o Palácio Lobkowitz, que tem ingresso à parte por ser privado. Ele pertence à família que, entre outras notáveis realizações de mecenato, disse para Beethoven: “Nós vamos te sustentar até o fim da vida, componha o que quiser”. (Ludwig van era muito jovem na época, nem tinha composto o ciclo de quartetos Op.18, e o habitual na época era encher o qualquer compositor de encomendas para cada ocasião).
Bem, o Castelo de Praga é absolutamente obrigatório. Pequeno e simpático é o Museu Kafka com seu ambiente escuro, muitos manuscritos, fotos e informação. Infelizmente, não se pode tirar fotos lá. Se você gosta de Kafka, vai porque vale a pena.
Também são proibidas fotos na Sala Dvorak do Rudolfinum. Li depois nas dicas do amigo Gilberto Agostinho que ali rolava muito boa música, talvez a melhor de Praga. Digo que li depois porque já tinha notado e comprado ingressos para o Concerto do Quarteto Zemlinsky. Começou com Beethoven — justo o citado Op. 18, Nº 1 –, depois seguiu com o excelente Quarteto Nº 3 de Martini e terminou com um Quarteto de Mendelssohn, o Op. 44, Nº 2.