Esta peça de teatro de Sorókin foi vendida, até na contracapa, como se pudesse ser lida como um romance ou novela. OK, romances e novelas são mais populares do que peças por escrito — e só isso justifica tal tentativa de tornar Dostoiévski-trip uma especie de transgênero, pois trata-se claramente de uma boa peça teatral.
Bem e se o resultado da obra é sério, a ideia inicial é cômica. Sete pessoas estão em local não identificado aguardando um traficante que lhes trará drogas que atendem pelos nomes de Céline, Tolstói, Genet, Sartre, Faulkner, Nabokov, etc. Todas estas drogas podem ser diluídas em autores menores, de forma a reduzir seus efeitos. Naquele dia, o traficante trará uma novidade: Dostoiévski.
O grupo ingere a droga e subitamente cai dentro de uma cena capital de O Idiota (quem leu o livro provavelmente lembra de todas as loucuras cometidas, principalmente por Rogójin e Nastácia Fillíppovna, na cena). Logo, o diálogo dos personagens dostoiévskianos muda para uma linguagem contemporânea e depois os personagens de Dostô são substituídos pelo grupo inicial.
Não sei, mas eu não gostei muito das simetrias que a peça apresenta nesta última fase. A leitura de uma obra teatral é muito diferente de estar na plateia de um teatro. No palco, certamente a engenharia da obra não se tornaria tão clara, coisa que acontece na leitura, quando temos mais tempo para refletir sobre o que virá a seguir.
Mas vale a leitura devido a todas as originalidades do enredo. E, com efeito, Dostoiévski não existiria nos nossos dias… Não teria a menor chance, o coitado. Alguém lhe daria antidepressivos e ele seria um chato feliz em vez de um deprimido brilhante e meio descontrolado.