Karajan: o maestro super ego

Karajan: o maestro super ego

MAIS ACLAMADO REGENTE DO SÉCULO 20, HERBERT VON KARAJAN, QUE ESTARIA FAZENDO CEM ANOS, ESTERILIZOU A IMAGEM DA MÚSICA ERUDITA PARA AS FUTURAS GERAÇÕES, DIZ CRÍTICO INGLÊS

NORMAN LEBRECHT

Quando acordo ao som da música de Herbert von Karajan [1908-89] no rádio, esfrego os olhos para ter certeza de que Mao Tse-tung não continua no poder e a União Soviética deixou mesmo de ser uma potência mundial.

Houve um momento, definido pela forte presença de ditaduras, no qual Karajan parecia ser o fundo musical inevitável. Nos anos 70 e 80, ele era onipresente, uma presença cultural imponente cercada por admiradores nos mais altos postos. Afinal, era tudo que um político decaído aspirava ser: ultra-elegante e onipotente.

O centenário de seu nascimento, no último dia 5, está sendo celebrado por um dilúvio de produtos de uma indústria musical que ele conduziu à prosperidade e depois lançou à quase ruína.

Se o mercado de música clássica convencional se estreitou imensamente nos cinco últimos anos, isso é consequência inevitável dos excessos da era Karajan. Se a própria música clássica é vista por muitos (injustamente) como elitista, antiquada e retrospectiva, deve-se agradecer a Herbert von Karajan por tê-la transformado em uma forma de entretenimento seguro, empresarial, apresentado em festivais cujos preços são proibitivos ao espectador comum.

Trata-se de afirmações que mal requerem prova, mas continuam a existir nostálgicos que defendem a “grandeza” de Karajan em certas seções da imprensa.

O termo não significa nada em termos críticos, e até mesmo alguém um dia ousado como Simon Rattle se sente obrigado, à frente da Filarmônica de Berlim, que por tanto tempo foi dirigida por Karajan, a homenagear o velho tirano no ano de seu centenário. Quem sabe reviveremos também o culto a Brejnev [1906-82, presidente da União Soviética].

Karajan, como diretor musical e negociante escuso, dominou o cenário em Berlim e Salzburgo dos anos 1950 em diante, pagando cachês extravagantes a seus amigos e usando os ensaios de sua orquestra, cujos salários eram pagos pelo Estado, como sessões de gravação de discos comerciais.

Karajan enriqueceu de forma desmedida e levou muitos de seus músicos à prosperidade com ele, deixando uma fortuna avaliada em US$ 500 milhões [R$ 844 milhões], estruturada de maneira a evitar impostos, e uma pilha de 900 discos.

Ele manipulou a indústria fonográfica, dividindo para conquistar, sempre trabalhando com dois dos grandes selos e cortejando um terceiro. Em dado momento, ele respondia por um terço da receita da Deutsche Grammophon (DG), a maior gravadora mundial de música clássica.

Beleza artificial

Quase tudo o que regia soava muito liso, mais ou menos como camisetas de algodão que passaram por um banho de amaciante de roupa.

Não importa que estivesse executando Bach ou Bruckner, “Rigoletto” [de Verdi] ou uma rapsódia, a música acompanhava uma linha inconsútil de beleza artificial que devia menos à inventividade do compositor do que à intenção do regente de manufaturar um produto reconhecível.

Criado em Salzburgo depois da Primeira Guerra Mundial -uma cidadezinha que se tornou a segunda maior do Estado austríaco encolhido pela derrota-, Karajan aprendeu os perigos de viver em posição de fraqueza.

Quando Hitler subiu ao poder, em 1933, ele aderiu ao Partido Nazista não só uma como duas vezes, e foi recompensando com um posto oficial em Aachen -o mais jovem diretor musical do Reich.

Não demorou para que começasse a ser elogiado pelos jornais controlados por Goebbels como “Das Wunder Karajan” (o milagre Karajan), em contraste com Wilhelm Furtwängler, maestro que não merecia a confiança política do regime. Karajan aprendeu com Goebbels como dividir para governar, entre outras artes obscuras da política.

Exibiu seus talentos sombrios na Paris e na Amsterdã ocupadas, servindo para todos os efeitos como o menino de ouro do nazismo.

Industriais ricos

Depois da guerra, foi suspenso de apresentações públicas enquanto suas conexões com o nazismo eram investigadas, mas um executivo da gravadora EMI, Walter Legge, o levou a Londres para conduzir a orquestra Philharmonia, composta por soldados britânicos recentemente desmobilizados.

O relacionamento explosivo entre maestro e orquestra duraria uma década, deixaria Karajan bem treinado nas artimanhas políticas e estimularia sua propensão ao conflito.

Depois da morte de Furtwängler, em 1954, ele se tornou maestro perpétuo em Berlim e usou a destruída capital do Reich como ponto de partida para sua expansão imperial. O festival de sua Salzburgo natal foi transformado em um evento quadrimestral, freqüentado por industriais ricos vestindo smokings, aspirantes a senhores do universo.

Conservadorismo

Nenhum músico da história procurou o poder que Karajan obteve com sua pompa, um poder que se estendeu, por emulação ou submissão, a muitas salas de concertos e festivais do planeta. Reacionário por natureza, ele sempre se manteve fiel ao romantismo convencional, excluindo a música atonal e os estilos de execução posteriores.

Christoph von Dohnányi chegou a acusá-lo de destruir a arte da regência na Alemanha, ao impor à disciplina, de modo tão vigoroso, seu gosto estreito.

Nikolaus Harnoncourt, violoncelista na orquestra de Karajan em Viena, foi excluído de Berlim e Salzburgo depois que começou a reger grupos que utilizavam instrumentos de época, de uma maneira que contrariava a ortodoxia proposta e imposta por Karajan.

A cada vez que gravava um ciclo de Beethoven -e o fez por cinco vezes-, reduzia a chance de interpretações alternativas. Sua hegemonia era autocrática e não admitia oposição.

Quando os músicos de Berlim se recusaram a admitir a clarinetista Sabine Meyer na orquestra, porque não queriam tocar com uma mulher, ele se transferiu para a orquestra rival, a Filarmônica de Viena.

Insatisfeito com a DG, ele estava conspirando para se transferir à Sony na época em que morreu. Karajan só era leal a si mesmo. Seu amor à música estava confinado à maneira como ele a executava.

Imenso charme

O poder dele, ao contrário do que acontecia no caso de Brejnev, no entanto, se baseava em um imenso charme. Muitos regentes que foram vilipendiados por Karajan durante anos, como Daniel Barenboim, se sentiram tentados a esquecer as mágoas em anos posteriores, quando o soberbo maestro os abordou de forma lisonjeira.

Na única ocasião em que me convidou para uma conversa, em 1985, decidi recusar a entrevista, preferindo observá-lo à distância, como a maioria dos músicos fazia. Ele era capaz de gentilezas pessoais tocantes em benefício de seus músicos, mas também de crueldades injustificadas, como a de cortar completamente o contato com um velho amigo sem que houvesse motivo aparente.

O passado nazista de Karajan não é incidental, ainda que ele não estivesse envolvido na promoção de holocaustos. Não há suspeita de que tenha cometido crimes raciais, e sua carreira no Reich encontrou percalços depois de 1942, quando se casou com uma rica herdeira que tinha ancestrais judeus.

O que ele adotou do nazismo foi um conjunto de valores que passou a aplicar à inocente e ineficiente indústria da música de maneira impiedosa e incansável. Se há uma lição que ele aprendeu com os nazistas é a da superioridade da música alemã e o imperativo do domínio mundial. Ele demonstrou que música era, acima de tudo, uma questão de poder.

Muita gente se deixou impressionar, e essa admiração continua. Alguns, como eu, viam sua atitude como desfavorável à música. Para mim sempre foi difícil ouvir Karajan no rádio com isenção.

A “celebração” de seu centenário é uma tentativa final da indústria fonográfica de extrair lucros de um leão morto. Algumas das celebrações são bancadas por subsídios ocultos oferecidos pelo riquíssimo e muito bem organizado espólio do maestro.

Mas é um tanto surpreendente descobrir que a Philharmonia, que nunca o aceitou integralmente, tenha decidido executar um tributo a Karajan.

Um aspecto do debate sobre Karajan, proposto por Dominic Lawson, é se “deveríamos aderir à celebração da vida de um ex-nazista” -e de um homem que jamais renegou suas afiliações passadas. Lawson ampliou a questão para discutir se um mau homem pode fazer boa arte e como devemos nos relacionar com a arte proveniente de fontes maculadas.

Essa questão, relevante quanto a Wagner, importa pouco no caso de Karajan, que jamais criou arte original. Determinar se Herbert von Karajan era um bom ou mau homem é irrelevante. Foi um brilhante organizador, capaz de moldar uma orquestra para executar seu som pessoal, uma capacidade que ele explorou ao extremo.
Karajan infligiu seu ego ao mundo da música clássica de forma que esmagou a independência e a criatividade e prejudicou a imagem da música diante das futuras gerações. Não é o mau homem que deveríamos deplorar, mas o legado reacionário e de exclusão que está sendo “celebrado”.

Para os amantes da música, não há muito a comemorar.

Quando a festa do centenário acabar, a cortina descerá para sempre sobre uma vida reprovável, carente de ideias novas e que não afirmou nenhum valor humano digno. Karajan está morto, e a música passa muito melhor sem ele.

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Da Paixão segundo São João, de Bach: Es ist vollbracht, ária para contralto

Da Paixão segundo São João, de Bach: Es ist vollbracht, ária para contralto

Es ist vollbracht significa Está consumado. Bach compôs duas Paixões que poderíamos considerar como óperas da Paixão de Cristo. Quando é Bach, a gente é obrigado a respeitar. Foi o maior dos artistas.

O pessoal que toca abaixo é de primeiríssima linha, todos. A regência é de Nikolaus Harnoncourt, a orquestra é o Concentus Musicus Wien, o solista de gamba é Christophe Coin, o coro — que se ergue mais não canta… — é o Tölzer Knabenchor e o menino é o desconhecido, genial e efêmero (refiro-me à voz, claro) Panito Iconomou. Ah, e quem me apresentou a gravação foi o Gilberto Agostinho. Tudo de primeira linha, repito. Não deixem de ver, é inacreditável.

Dia desses, disse aqui que uma das coisas que mais amava na São João é seu coro inicial, que começaria como um súbito mergulho. E não é?

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A última resistência cai e a mulher vai tomando definitivamente a batuta

A última resistência cai e a mulher vai tomando definitivamente a batuta

A nomeação de uma regente titular para a orquestra de Birmingham é sinal inequívoco de novos rumos.

No Dia Internacional da Mulher,
Para todas as mulheres que trabalham em orquestras medievais.

Mirga Grazinyte-Tyla
A regente lituana Mirga Grazinyte-Tyla

O último bastião sexista da música erudita está indo ao chão. A City of Birmingham Symphony Orchestra, mais conhecida como CBSO, uma das mais respeitadas do planeta, anunciou no início de fevereiro que seu maestro titular será uma maestrina: a lituana Mirga Grazinyte-Tyla (Vilnius, 1986). Seus dois antecessores no cargo foram gigantes: Simon Rattle e Andris Nelsons. Rattle de saiu de Birmingham em 2002 para o cobiçado posto na Filarmônica de Berlim e Nelsons recentemente foi para a Sinfônica de Boston e a Gewandhaus Leipzig.

Grazinyte-Tyla é, de certa forma, ligada a outro craque da regência, o venezuelano Gustavo Dudamel. Ela foi assistente dele Dudamel na Filarmônica de Los Angeles a partir de 2012. Dois anos depois, ela começou a dirigir seus próprios concertos matinais no Walt Disney Hall. E logo surgiu na cidade californiana o que um crítico do Los Angeles Times denominou de “Mirgamanía”. Adjetivos como “naturalidade”, “dinâmico” e “forte” costumam acompanhá-la. Trata-se de uma excelente maestrina, e esta é sua outra conexão com Dudamel.

A maestrina lituana Mirga Grazinyte-Tyla
Mirga mandando ver.

Tais fatos vão mexendo as peças do jogo. Grazinyte-Tyla não faz o estilo fora de moda do gerentão irritado. Carrega com leveza aquilo que Elias Canetti chamou de “a expressão mais óbvia de poder”. Dona de grande carisma, ela constrói um modelo diferente com base na cumplicidade e empatia com os músicos: “Reger é algo que fica entre a inspiração e a comunicação. Com os músicos, busco encontrar uma forma de soar e de interpretar. A sensação de compartilhamento deste milagre é fundamental”, disse em uma entrevista para o site da CBSO.

A escolha do Grazinyte-Tyla para o chefia da CBSO não é um fenômeno isolado. É parte de uma tendência que está se consolidando.

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Naturalidade

O feminino no pódio é um movimento ascendente. Para a mexicana-norte-americana Alondra de la Parra (Nova York, 1980), a chave reside na naturalidade do gestual: “Sou pianista e violoncelista, é claro que isto foi fundamental na minha formação, mas há que considerar como as mulheres são. Nós crescemos cantando, dançando e expressando-nos corporalmente”. De la Parra tem impressionado na Orquestra de Paris e na Filarmônica de Londres, o que lhe rendeu uma recente nomeação como chefe de uma das principais orquestras australianas. Já Karina Canellakis (Nova York, 1982) é uma violinista que trocou o arco pela batuta e trabalha em Dallas Symphony como assistente. Ela estreou na Europa em junho passado, substituindo Nikolaus Harnoncourt, já adoentado, na direção da Orquestra de Câmara da Europa. Outro caso de instrumentista transformada em maestrina é o da coreana Han-Na Chang (Suwon, 1982).

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“Se um chefe de orquestra sabe o que quer, se tem conhecimento técnico de cada instrumento, se tem uma visão clara, a orquestra o segue sem se importar se é homem ou mulher”. É o que diz a única mulher a ganhar o Prêmio Alemão de Maestros, a estoniana Kristiina Poska (Turi, 1978), atualmente trabalhando na Komische Oper Berlin: “As diferenças entre os diretores de orquestra vêm mais da personalidade e caráter do que sexo”.

As pioneiras

Houve muitos obstáculos para as mulheres que se tornarem regentes. A geração anterior sabe muito bem disso. A australiana Simone Young (1961) ou as norte-americana Marin Alsop (1956) e Anne Manson (1961), abriram brechas nas salas de concerto, auxiliadas por seus mestres Daniel Barenboim, Leonard Bernstein e Claudio Abbado. Mas usavam um figurino artificial, masculinizado. Foi ainda mais difícil para as pioneiras no passado, que enfrentaram condições ideológicas e culturais totalmente hostis, vindas de músicos, críticos, agentes ou público como Ethel Leginska e Antonia Brico, que atuaram no pódio das Filarmônicas de Nova Iorque e Berlim em 1925 e 1930. A célebre Nadia Boulanger — formadora de toda uma geração de músicos notáveis — evitou a batuta. Outras tiveram uma carreiras confinadas no poço de um teatro para não serem visíveis ou ficaram em seus instrumentos sem poderem orientar uma orquestra.

Antonia Brico
Antonia Brico

Mas a melhor notícia sobre uma mulher conduzindo orquestras será quando… Isto não for mais notícia.

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O movimento é ascendente mesmo, tanto que já tenho três maestrinas em minha timeline do Facebook: Alessandra Arrieche, Ligia Amadio e Valentina Peleggi.

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Tradução livre (e certamente traidora) deste blogueiro a partir do El Pais espanhol. Sugestão de Helen Osório.

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Muito obrigado, Nikolaus Harconcourt

Muito obrigado, Nikolaus Harconcourt

maestroharnoncourtPoucas vezes eu fico triste quando um sujeito muito produtivo morre aos 86 anos. Teve longa vida, fez muito, foi reconhecido, morreu. Foi assim com Eco. Mas lamentei muitíssimo a morte de Nikolaus Harnoncourt (1929 – 2016) no último sábado. Conheci-o de forma contrária à maioria. Primeiro, li seus livros O Discurso dos Sons e O Diálogo Musical, depois fui ouvir seus discos, como por exemplo, a integral de Cantatas de Bach que ele gravou em parceria com Gustav Leonhardt. O incrível é que o músico era ainda maior do que o autor que me ensinara tanta coisa. A leitura de seus livros abriu minha cabeça para muita música que desprezava por limitação ou preconceito. Ele mudou totalmente minha forma de ouvir música, deu sentido a muita coisa que me parecia arbitrária. Suas explicações sobre a grandeza da Bach são absolutamente convincentes e brilhantes.

https://youtu.be/Vr5cKdC3v3E

Antes de se tornar maestro, foi excelente violoncelista. As gravações demonstram. Sua integral das Suítes para Violoncelo Solo de Bach são magníficas. Foi pioneiro na música historicamente informada, mas não era intolerante como alguns que não aceitam que cada época dê sua versão de um autor. Só que ele, Harnoncourt, preferia a recriação rigorosa daquilo que o compositor compôs e fora ouvido pelo próprio. Ele também trouxe à tona um repertório riquíssimo de compositores negligenciados, talvez pela preguiça dos intérpretes. Investiu sobre o classicismo e o romantismo, dirigindo orquestras como a Filarmônica de Berlim e a de Viena, a Ópera de Viena, a Orquestra de Câmara da Europa, o Concertgebouw de Amsterdã, entre muitos outros. Mas sua existência sempre ficará associada à orquestra que fundou em 1953 e com quem mais gravou: o Concentus Musicus Wien.

Alguns engoliam com dificuldade suas interpretações históricas, outros não suportavam suas decisões estilísticas. Mas a abordagem histórica de Harnoncourt às sinfonias de Beethoven abriu os ouvidos e corações do grande público. Sua influência foi sentida em toda a Europa. Na área da música de concerto, foi o mais importante músico dos últimos 50 anos.

Os depoimentos são inequívocos. Todos amavam Harnoncourt no invejoso e complicado mundo musical. Norman Lebrecht diz que poucas vezes conheceu uma pessoa mais benigna. Quando se conheceram, Harnoncourt apontou um pequeno erro no livro de Lebracht The Maestro Myth. Segundo Lebrecht, aquilo foi dito com tal simplicidade e interesse que não parecia vir de um músico. E o maestro respondia a seus próprios triunfos com humildade e indiferença. Apenas encolhia os ombros e sorria. Achava estranho que o chamassem de maestro. Nos ensaios, era muito sério, focado, recusando-se a deixar passar um trecho antes de ficar satisfeito com ele.

Foi um idealista e como concordo com ele! Queria e queria que as pessoas tivessem acesso à música. Não dar acesso à música era um erro completo de educação. E, como brasileiro consciente de nosso IDH rasante, falo simplesmente em dar acesso, em dar contato. Já faria uma enorme diferença na vida de muita gente. Ninguém vai descobrir na primeira audição todo o ódio de Shostakovich por Stalin contido em sua 10ª Sinfonia, mas, tocado de alguma forma, poderia adquirir vivência com uma das formas mais sofisticadas e inteligentes de arte. Dar acesso, simples assim. Como diz Harnoncourt no vídeo abaixo:

Muito obrigado pela de lições, Nikolaus Harnoncourt. Foste um enorme e compreensivo  mestre!

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Es ist vollbracht significa Está consumado. A regência é de Nikolaus Harnoncourt, a orquestra é o Concentus Musicus Wien, o solista de gamba é Christophe Coin, o coro — que se ergue mais não canta… — é o Tölzer Knabenchor e o menino é o desconhecido, genial e efêmero (refiro-me à voz, claro) Panito Iconomou. Ah, quem me apresentou a gravação foi o Gilberto Agostinho. É inacreditável.

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Gustav Leonhardt (1928-2012), morre um mensageiro de Bach

Não direi que foi uma grande perda porque sua grande obra está aí disponível. QUE GRANDE VIDA teve o cravista, regente, organista e musicólogo Gustav Leonhardt!

Ele foi um dos principais impulsionadores da interpretação histórica da música antiga, tendo influenciado diversas gerações de músicos. Leonhardt estudou na Schola Cantorum Basiliensis, na Basileia (Suíça), com Eduard Müller. Depois atuou como docente em Viena e em Amsterdã, tendo sido um dos pioneiros na gravação da obra de Bach, com seus registros das Variações Goldberg e da Arte da Fuga no início da década de 1950.

Gustav Leonhardt virou referência na interpretação e direção de um grande repertório de música de câmara, orquestral e vocal da Renascença, do Barroco e do Classicismo. Junto com Nikolaus Harnoncourt, Leonhardt empreendeu a primeira gravação integral das cantatas de Bach em instrumentos históricos, um projeto que demandou quase 20 anos de trabalho e que está documentado na caixa Bach 2000, disponível no PQP Bach. O artista também gravou a Paixão segundo São Mateus, a Missa em si menor, o Magnificat, os concertos e grande parte da obra de Bach. Foi colocaborado do Collegium Aureum e fez o pepal de Bach num filme de 1968, Crônica de Anna Magdalena Bach., de Daniele Huilet and Jean-Marie Straube (na época aluno de Leonhardt, Bob van Asperen foi Johann Elias Bach e Nikolaus Harnoncourt o Príncipe de Anhalt-Cöthen).

http://youtu.be/3SioCmZfwdE

Paralisados antes de você ver o filme, Gustav Leonhardt e Nikolaus Harnoncourt

Como escreve o site da revista inglesa Gramophone, a lista de discípulos de Gustav Leonhardt equivale a um “Who’s Who” da excelência do teclado, reunindo nomes como Bob van Asperen, Christopher Hogwood, Philippe Herreweghe, Richard Eggar, Ton Koopman, Andreas Staier, Pierre Hantaï, Skip Sempé e muitos outros. Além de seu trabalho na música de Bach, o repertório de Leonhardt ia desde a música elizabetana para teclado até Mozart, mas a ênfase sempre foi no período barroco. Gravou 150 CDs, 70 deles em gravações solo para a Vanguard, Telefunken/Teldec, Deutsche Harmonia Mundi, Harmonia Mundi, EMI Electrola, Seon, RCA, Philips, Virgin Classics, Sony Classical and Alpha.

Com informações da Concerto

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