A Pequena Missa Solene numa bela noite na Santa Teresinha

A Pequena Missa Solene numa bela noite na Santa Teresinha

No calor de ontem em Porto Alegre, decidimos enfrentar a Igreja Santa Teresinha. O concerto estava marcado para às 20h30, mas o alta temperatura do dia permanecia nos prédios e em nossos corpos. Tudo ficou justificado logo no começo do concerto, durante os primeiros e perfeitos acordes de Rossini. O programa continha apenas uma obra, a Pequena Missa Solene de Rossini (1792-1868). Há anos adoro esta obra. Escrita para um agrupamento inacreditavelmente pequeno de coro, solistas, piano e harmônio, a Missa parece destinada ao riso. Mas isto só até a música começar. A abertura, utilizada com notável sensibilidade por Pedro Almodóvar em seu filme A Má Educação (cena das crianças fazendo ginástica na escola, lembram?), é linda e tem a propriedade de instalar-se em nossa cabeça de uma forma difícil de controlar… É um dos pecados da velhice de Rossini. Explico.

Rossini começou a escrever música muito jovem. Era prolífico e compunha, em média, duas óperas por ano. Escreveu 40 delas entre 1810 e 1829. Então, aos 37 anos — enfadado do frequente contato com cantores temperamentais e diretores de teatro ainda piores –, parou de trabalhar seriamente com música, tornando-a um divertimento pessoal. Riquíssimo e célebre, dedicou-se ao lazer e a um irônico e gentil convívio com todos, itens nos quais era mestre. Costumava promover grandes festas em sua casa. Ali, bebia-se champanhe, vinho, comia-se esplendidamente e ouvia-se música. Às vezes, Rossini apresentava ao piano peças de certo compositor anônimo. O compositor ressurgiu surpreendentemente aos setenta e poucos anos publicando duas extraordinárias peças sacras — o Stabat Mater e a Petite Messe Solennelle (Pequena Missa Solene) –, além de peças para piano. Tais obras foram agrupadas sob o título genérico de Péchés de vieillesse. O pecado apresentado ontem foi escrito em 1863 especialmente para a consagração da capela privada da condessa Louise Pillet-Will.

O time todo esteve impecável sob a regência de João Paulo Sefrin. Os solistas foram Rosemari Oliveira (soprano), Angela Diel (mezzo-soprano), Maicon Cassânego (tenor) e Daniel Germano (baixo), com Cristina Caparelli (piano) e Alexandre Frietzen (harmônio). O coral era o Madrigal Presto.  Ou seja, dificilmente daria errado.

Olha, foi muito bonito, muito prazeroso, raramente sinto tal prazer estético. Os bancos duros da igreja, o calor, o som dos ventiladores, nada atrapalhou. Vou bastante a concertos e creio ter sido este um dos dois melhores deste segundo semestre em Porto Alegre.

O grupo da Pequena Missa Solene
O grupo da Pequena Missa Solene

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2 de fevereiro: Londres

O rebote do dia anterior fez-nos começar mal o dia 2. Acordamos só às 11h. Fomos direto ao Museu de História Natural, templo de Charles Darwin. Havia muita gente na entrada, mas como ele é imenso, achamos que ia dar para uma boa visita. Engano. Deu para uma caminhada curta, poucas fotos e para um lanche. Só. Era tanta gente que mal conseguíamos caminhar. No restaurante, conhecemos dois goianos que moram em Londres, o Edson e a Andréa. Estão satisfeitos na cidade, ele mais do que ela, pois tem emprego fixo num supermercado e ganha bem. Então, como o Museu estava um atrolho e era sábado, digo-lhes que este dia da semana é inviável no Museu de História Natural.

Na entrada, minha filha Bárbara, observava: “Essas pombas daqui são do bem, se aproximam numa boa. As de Porto Alegre estão formando gangues. Qualquer hora dessas, a ZH vai noticiar que há pombas assaltantes em Porto Alegre. Classe média sofre, pai”.

Adiamos a visita à Darwin e formos ao Victoria and Albert Museum, bem ao lado. Maravilha. Uma bela e necessária ida a um Museu fundamental da cidade. Como os ingleses trouxeram tudo aquilo demonstra um apetite para a pilhagem que vou lhes contar. E há o British para ver, ainda.

Depois saímos para uma caminhada, Zara e metrô até a Igreja de Saint-Martin-in-the-Fields — em frente à Trafalgar Square — , onde assistimos a um concerto perfeito que constava de uma única peça, a Pequena Missa Solene de Rossini. Executada com a instrumentação original e com cantores e coral impecáveis, saí de lá nas nuvens. A Bárbara me disse que achou bonito, reconheceu a notável qualidade acústica do local, sentiu que os caras cantavam bem demais, mas que aquilo tudo não chegava a emocioná-la. Preferia algo apenas instrumental. Já eu fiquei ao lado dos ingleses que aplaudiram muito — dentro de seu contido padrão habitual — ao grupo.

E depois terminamos o dia num pub, o primeiro da Bárbara.

(As fotos da máquina da Bárbara, a boa, estão indisponíveis. Ela esqueceu do recarregador em Porto Alegre. A qualidade das fotos vai baixar…).

Vista do The National Gallery desde a Trafalgar Square.
Fish and Chips and Guiness
O primeiro pub a gente nunca esquece…
O consumo de álcool tem efeitos conhecidos.

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O concerto de ontem nas Dores / Todos os Pecados Perdoados

A Pequena Missa Solene é o principal “pecado da velhice” de Rossini

Ontem, às 19h30, houve um especialíssimo concerto na Igreja das Dores. A obra apresentada foi a Pequena Missa Solene, de Rossini. Tinha missa antes, e o padre fez atrasar o concerto. O público do concerto ficou lá fora, esperando sob imenso calor; Afinal, nossa religião é outra, é a da música. A apresentação foi muito boa, com destaque para o mezzo-soprano Angela Diehl, o baixo Daniel Germano, o coral Madrigal Presto e a dupla Olinda Alessandrini e Fernando Cordella, no piano e no órgão. Impressionou-me de forma muito forte o Agnus Dei, muito bem conduzido pelo regente João Paulo Sefrin.

Abaixo, deixo uma história que, de forma muito particular, descreve esta obra de Rossini. Deixei os comentários do post original, apenas acrescentando esta introdução.

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Todos os Pecados Perdoados

A Fernando Monteiro

Eu estava estudando na Itália, mas o tema de maior interesse, aquele sobre o qual me debruçava com verdadeira afeição, era Antonella, minha pequena e saltitante romana. Um dia, tivemos uma discussão acerca de algumas grosserias que, segundo ela, eu cometera, e ela rompeu nossa ligação.

Dias depois, telefonei-lhe e convidei-a para assistirmos à Pequena Missa Solene de Rossini, que estaria sendo apresentada na Parrocchia dell’Assunzione, no Tuscolano. Depois de alguma hesitação e surpresa – ela não esperava uma ligação minha, ainda mais sem referências a nosso impasse -, ela aceitou. Antonella amava a música de tal forma que eu não tinha como saber se a aceitação do convite significava um perdão ou a mera impossibilidade de recusar a missa de Rossini.

Caminhamos lado a lado, sem nos tocarmos. Tive todo o cuidado em ser verbalmente o mais gentil com ela, já que as circunstâncias não permitiam nada além. Quando a Missa começou, ela se riu. Disse em meu ouvido que achara engraçada a pobre instrumentação que Rossini utilizara. Passaram-se alguns minutos e notei que Antonella estava muito emocionada. Abracei-a e ela apoiou sua cabeça em meu peito. Enquanto lhe acariciava o rosto, sentia suas lágrimas molhando meus dedos. Soube que estava perdoado.

Rossini começou a escrever música muito jovem. Era prolífico e compunha, em média, duas óperas por ano. Então, aos 37 anos – enfadado do freqüente contato com cantores temperamentais e diretores de teatro ainda piores -, parou de trabalhar seriamente com música, tornando-a um divertimento pessoal. Riquíssimo e célebre, dedicou-se ao lazer e a um irônico e gentil convívio com todos, itens nos quais era mestre. Costumava promover freqüentes festas em sua casa. Ali, bebia-se champanhe, vinho, comia-se esplendidamente e ouvia-se música. Às vezes, Rossini apresentava ao piano peças de um certo compositor anônimo… O compositor ressurgiu surpreendentemente aos setenta e poucos anos publicando duas extraordinárias peças sacras – o Stabat Mater e a Petite Messe Solennelle (Pequena Missa Solene) -, além de peças para piano. Tais obras foram agrupadas sob o título genérico de Péchés de vieillesse.

Fomos a meu apartamento, onde nos amamos e dormimos como fazem os casais. Quando acordei, não vi Antonella. Havia somente um bilhete em italiano sobre meu criado-mudo. Meu amigo, fomos engolfados por um dos “pecados da velhice” de Rossini. O que aconteceu não tem nada a ver com nossa situação. Não me procure mais. Antonella.

Nunca mais vi minha pequena Antonella. Porém, ontem, recebi de um amigo uma gravação da missa de Rossini. Comecei a ouvi-la, mas logo interrompi a audição por pudor. Deixei todos dormirem para religar o aparelho de som. Então, enquanto minha mulher dormia, ouvi toda a gloriosa Missa, imóvel, sentado no escuro, sentindo a presença de minha adorável Antonella e de uma outra vida perdida.

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Pequena Missa Solene, de Gioacchino Rossini

Abaixo, temos a versão original do movimento de abertura, Kyrie, da Pequena Missa Solene (Petite Messe Solennelle) de Rossini. Depois, após o pequenérrimo conto que este coitado escreveu, há uma versão que não é a original, mas que é cantada por um coral muito melhor. Então, entre as duas versões, há um antigo conto meu que usa a Pequena Missa de Rossini como personagem. Bom divertimento!

Todos os pecados perdoados

A Fernando Monteiro

Eu estava estudando na Itália, mas o tema de maior interesse, aquele sobre o qual me debruçava com verdadeira afeição, era Antonella, minha pequena e saltitante romana. Um dia, tivemos uma discussão acerca de algumas grosserias que, segundo ela, eu cometera, e ela rompeu nossa ligação.

Dias depois, telefonei-lhe e convidei-a para assistirmos à Pequena Missa Solene de Rossini, que estaria sendo apresentada na Parrocchia dell’Assunzione, no Tuscolano. Depois de alguma hesitação e surpresa – ela não esperava uma ligação minha, ainda mais sem referências a nosso impasse -, ela aceitou. Antonella amava a música de tal forma que eu não tinha como saber se a aceitação do convite significava um perdão ou a mera impossibilidade de recusar a missa de Rossini.

Caminhamos lado a lado, sem nos tocarmos. Tive todo o cuidado em ser verbalmente o mais gentil com ela, já que as circunstâncias não permitiam nada além. Quando a Missa começou, ela se riu. Disse em meu ouvido que achara engraçada a pobre instrumentação que Rossini utilizara. Passaram-se alguns minutos e notei que Antonella estava muito emocionada. Abracei-a e ela apoiou sua cabeça em meu peito. Enquanto lhe acariciava o rosto, sentia suas lágrimas molhando meus dedos. Soube que estava perdoado.

Rossini começou a escrever música muito jovem. Era prolífico e compunha, em média, duas óperas por ano. Então, aos 37 anos – enfadado do freqüente contato com cantores temperamentais e diretores de teatro ainda piores -, parou de trabalhar seriamente com música, tornando-a um divertimento pessoal. Riquíssimo e célebre, dedicou-se ao lazer e a um irônico e gentil convívio com todos, itens nos quais era mestre. Costumava promover freqüentes festas em sua casa. Ali, bebia-se champanhe, vinho, comia-se esplendidamente e ouvia-se música. Às vezes, Rossini apresentava ao piano peças de um certo compositor anônimo… O compositor ressurgiu surpreendentemente aos setenta e poucos anos publicando duas extraordinárias peças sacras – o Stabat Mater e a Petite Messe Solennelle (Pequena Missa Solene) -, além de peças para piano. Tais obras foram agrupadas sob o título genérico de Péchés de vieillesse.

Fomos a meu apartamento, onde nos amamos e dormimos como fazem os casais. Quando acordei, não vi Antonella. Havia somente um bilhete em italiano sobre meu criado-mudo. Meu amigo, fomos engolfados por um dos “pecados da velhice” de Rossini. O que aconteceu não tem nada a ver com nossa situação. Não me procure mais. Antonella.

Nunca mais vi minha pequena Antonella. Porém, ontem, recebi de um amigo uma gravação da missa de Rossini. Comecei a ouvi-la, mas logo interrompi a audição por pudor. Deixei todos dormirem para religar o aparelho de som. Então, enquanto minha mulher dormia, ouvi toda a gloriosa Missa, imóvel, sentado no escuro, sentindo a presença de minha adorável Antonella e de uma outra vida perdida.

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Gioacchino Rossini: uma belíssima adaptação para orquestra do Kyrie da Pequena Missa Solene

Para a Claudia, como tudo o que faço.

Este é o Kyrie, primeiro movimento da Pequena Missa Solene de Rossini, personagem deste conto. O original foi escrito para coro, solistas, dois pianos e harmônica. A gravação — da Orquestra da Gewandhaus de Leipzig e do Coro da Ópera de Leipzig, sob a regência de Riccardo Chailly — é bastante anabolizada, mas, céus, está linda.

Os Sem-Firefox devem clicar aqui.

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