Publicado em 22 de julho de 2012 no Sul21.
Edward Hopper nasceu em 22 de julho de 1882, há 130 anos, numa localidade próxima a Nova Iorque, Nyack. Viveu até os 85 anos — faleceu em 1967 — e foi um pintor essencialmente realista, “pequeno” e urbano na sociedade norte-americana, a qual, principalmente no pós-guerra, valorizava a grandiosidade e o ufanismo. Este pintor que ia contra a corrente distinguia-se principalmente pela escolha de seus temas. Seja na pintura de paisagens rurais devastadas da Nova Inglaterra, seja nos panoramas arquitetônicos, há espaços quase esvaziados de figuras humanas – são composições de situações que evocam sentimentos de solidão e tristeza, quadros narrativos em que a cena é representada quase sempre imóvel, sob perspectivas que lembram muito as convenções do cinema e do teatro.
A arte de Hopper permaneceu afastada do sonho americano, da “América” como o grande país da liberdade e da prosperidade. A arquitetura de Nova Iorque e de outras cidades são mostradas meticulosamente – fachadas de lojas e farmácias vazias, lanchonetes quase vazias ou postos de gasolina igualmente – e parecem trabalhar apenas como pungentes símbolos da solidão e da desesperança daquelas pessoas, tão bem caracterizadas nos romances e nas peças de teatro da época, onde, como disse Sinclair Lewis em Rua Principal, Deus era o tédio. Essa relação com a literatura não é nada casual, pois foi nela que a alma dos EUA da primeira metade do século XX foi melhor retratada.
O realismo de Hopper não é uma tradução literal ou mimética da realidade, é antes interpretação. Em sua longa carreira, apenas em 1933 passou ver seu imaginário especificamente descrito como “solitário”. Perguntado sobre o motivo que o levava a pintar a Macomb’s Dam Bridge (1935), uma pintura vazia de pessoas que retrata uma parte bastante populosa de Nova York, inteiramente vazia, ele respondeu com simplicidade que achava que aquela era sua melhor representação.
Segundo o crítico Rolf Renner, a popularidade de Hopper, seus quadros vazios de seres humanos e suas figuras solitárias sugeriam as dores da solidão a um público cada vez mais interessado no pensamento psicanalítico e consciente do anonimato da vida urbana. Em 1964, a insistência destas interpretações de sua obra levaram Hopper a dizer que “a coisa da solidão é exagerada”. Porém, paradoxalmente, na mesma época ele respondeu a um jornalista sobre a solidão profunda e a falta de comunicação em sua arte com o comentário: “Isto é provavelmente um reflexo de minha própria vida e não sei dizer o quando isto é tem pontos de contato com outras pessoas ou com a própria condição humana”. Por algum motivo, mesmo quando as pessoas estão juntas em suas telas, a sugestão da solidão permanece presente.
Há um exemplo muito claro disso: quando Alfred Hitchcock filmou Psicose, desejava que a casa de Norman Bates tivesse um aspecto de isolamento e solidão, de um lugar onde ninguém entrava. Como o gordo inglês não era nada desconectado do que acontecia em outros setores da arte, pediu que se construísse isso aqui e estendeu a seus produtores uma cópia de um quadro de Hopper, House by the railroad, dizendo: “Vamos construir parecido com isso. Nada pode ser mais isolado. Não vamos reinventar nada, OK?”
Como referimos acima em palavras do próprio Hopper, ele foi, desde a infância, um solitário ou ao menos alguém que raramente falava de si. Muitas publicações falam em frustrações, mas pensamos ser mais acertado falar-se em timidez ou numa inadequação que ele representou de forma grandiosa em sua arte, não só através de melancólicas figuras solitárias, mas também através de metáforas de isolamento em lugares onde esperamos ver pessoas presentes.
Já sua associação com a arquitetura é mais complexa. A primeira metade do século XX foi um tempo de nacionalismo emergente e cenas típicas americanas aparecem como sujeitos de sua arte. Sua cidade natal, Nyack, por exemplo, oferecia exemplos de estilos arquitetônicos característicos da América do século XIX. Embora esses estilos tenham sido absorvidos por Hopper em sua juventude, foi só depois que ele viajou para o exterior, entre 1906 e 1910, que veio a apreciar seu encanto. Escrevendo na revista The Arts, em 1927, Hopper comentou sobre artistas contemporâneos norte-americanos cujo trabalho admirava e salientou a necessidade de desenvolver uma “arte nativa”.
Hopper apreciava especialmente um tipo de telhado frequentemente encontrado em casas americanas do estilo Segundo Império — nome emprestado aos franceses –, construídas entre 1860 e 1890. Este estilo, desenvolvido durante o reinado de Napoleão III, é caracterizado por um telhado coberto com telhas pintadas. Entre 1907 e 1909, Hopper fez várias pinturas do Pavillon de Flore do Louvre, que ele podia ver a partir do local onde morava na margem esquerda de Paris. Mais tarde, Hopper redescobriu estes telhados em casas de vários locais dos EUA — Gloucester, Massachusetts, Rockland, Maine, e, provavelmente, no estado de Nova York – e permaneceu atraído pelo estilo, que trazia logo abaixo arcos como no Pavillon ou janelas em arco.
Porém, seus temas e especialmente os lugares que ele pintou, parecem ser produto da necessidade de criar e parte de sua batalha constante contra o tédio que muitas vezes sufocava seu desejo de pintar. O que manteve Hopper em movimento foi sua busca por inspiração, que provocada em pequenas viagens.
Como explicou a um crítico: “O mais importante é ir adiante, ver tudo. Você sabe como as coisas são belas quando você está viajando, não?”.
Conversei uma vez com Guy Pène du Bois sobre isso. Ele utilizou o termo “inspiração”. Eu disse, “essa é uma palavra excelente”. Bem, talvez exista inspiração – talvez seja o clímax de um processo de pensamento. É, no entanto, é difícil saber o que quero pintar. Por vezes passam-se meses sem descobri-lo. Depois vem lentamente: aí entra em cena a imaginação. Acredito que muitas pinturas são pura invenção – nada vem de dentro. É claro que é preciso usar a imaginação: nada se faz sem ela. Mas há muita diferença entre a imaginação e o que o pintor encontra em si mesmo.
Belas e silenciosas como paisagens são suas figuras humanas. O realismo de Hopper flagra e capta o interior de cada uma delas – numa ida ao café, sozinhas na entrada de um cinema, num quarto de hotel, no trem, tomando sol. As figuras humanas pintadas por Edward Hopper demonstram uma melancolia e um silêncio que mais facilmente associaríamos a paisagens.
Hopper parece apenas convidar-nos para comentários verbais acerca dos quadros. Observador e observado entregam-se a um jogo onde o observador acompanha e procura a identidade daqueles que são retratados pelo artista. Os elementos de tal jogo são uma parte do conteúdo de suas obras — desaparecimento, silêncio, sossego, tensão, olhares fugitivos, mas nenhum desfecho.
Sua obra também documenta o paradoxo entre a contradição entre progresso material e individualidade, entre mito coletivo, experiência social e repercussão íntima, transforma em signos uma sociedade que perdeu contato consigo mesma. E esta riqueza é o que faz que seus quadros sejam tão valorizados por nossa cultura. Após a morte do pintor, sua esposa doou o que restava de seus quadros para o Whitney Museum of American Art. Outros trabalhos importantes de Hopper estão no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, no The Des Moines Art Center, e no Instituto de Arte de Chicago.