O estranho concurso da Ospa (Parte III – final: Os Requisitos)

O estranho concurso da Ospa (Parte III – final: Os Requisitos)
Venezuelanos, stay at home!
Venezuelanos, stay at home!

A primeira parte está aqui e a  segunda aqui.

Nas duas primeiras partes, contei com o auxílio de várias pessoas — citadas ou não — que falaram com muita seriedade e conhecimento a respeito do assunto. Finalizo mantendo a seriedade, mas contando apenas com o pouco brilhantismo de minhas opiniões.

Antes de analisar alguns dos requisitos, gostaria de escrever algumas frases sobre a pressa e o momento inoportuno em que ocorre o concurso. E nem falo mais no final do mandato do governo do estado.

O edital foi publicado no DOE (Diário Oficial do Estado) no dia 3 de outubro e o final das inscrições ocorrerá nesta sexta-feira, 24 de outubro, às 23h59. Penso que tudo foi feito dentro da lei, mas fora do bom senso. As provas serão realizadas em novembro, que é uma parte do ano em que todos estão muito ocupados. Também o pequeno prazo torna complicado marcar passagens, cancelar compromissos, etc., para as pessoas de fora de Porto Alegre. E acredito que a Ospa pense em obter os melhores instrumentistas para a orquestra, facilitando ao máximo o acesso ao concurso. As vagas não são milionárias mas há a estabilidade logo ali no horizonte. Por isso, muita gente se interessa. Seria o caso de fazer tudo com mais tempo, acredito.

Bem, a questão dos requisitos é delicada e costuma agredir os brios de muita gente. O primeiro problema é com o item b) no caso de estrangeiros, estar em situação regular no Brasil. Ora, estar em situação regular significa ter visto de trabalho. Ou seja, os que podem participar do concurso são os brasileiros, os estrangeiros naturalizados e aqueles que já estiverem trabalhando no país. Isso exclui o pessoal do Prata e, principalmente, os venezuelanos do El Sistema. Desta forma, podemos ter médicos cubanos, mas não violinistas venezuelanos! Ou seja, o item b) é limitador e, diria, provinciano. A Osesp, para dar um exemplo de alta qualidade no país, faz o mesmo — pois a lei exige, é claro, situação regular no país –, mas dá um prazo para que o estrangeiro regularize sua situação. A Ospa não poderia fazer o mesmo? Outro problema é que o formulário de inscrição da fundatec.org.br só fala português e, para poder chegar até a tela de inscrição, há que se informar o CPF… E há músicos desempregados e orquestras desmanchando-se na Espanha, Itália, etc.

Paradoxalmente, o item d) é extremamente democrático. É assim: podem participar do concurso os que d) possuir(em) escolaridade nível médio completo ou equivalente (estrangeiros) (sic). Tal indulgência extrema é empobrecedora ao não valorizar a educação e a cultura. A falta de uma formação musical acadêmica não deveria ser eliminatória, mas tal formação deveria ser pontuada. A Ospa não dá muita bola, mas creio que não precise explicar para meus sete leitores que educação é uma coisa boa. E talvez não precise explicar que a entrada de músicos de outras culturas melhoram o nível da orquestra, apesar do estado orgulhar-se de seu caráter insular. Não pontuar por títulos, não diferenciar a experiência, a vivência, o conhecimento e a cultura… Desculpem, mas eu ri. Com seriedade.

Faria mais alguns reparos, mas é semana de eleições e as obrigações me chamam.

Antes de terminar, gostaria de acrescentar à Parte I desta série que recebemos um telefonema informando que há 22 pessoas trabalhando na administração da Ospa. Destas, 20 seriam CCs. Pergunto: é verdade? Os espaços para comentários — nosso guichê de atendimento — está sempre aberto para esclarecimentos, elogios, choros, ofensas e bombons.

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Grigori Perelman, sou teu fã

Com todo o meu amor e consideração às pessoas um pouco deslocadas, com todo meu amor semileigo à matemática e, pior, sabendo que alguns teoremas são verdadeiros poemas (Ave, Ramiro) em sua beleza, concisão, elegância e — por que não? — lirismo, só posso achar admirável a história de Grigori Perelman, um matemático que vive em São Petersburgo.

Há sete problemas matemáticos para serem resolvidos neste milênio, segundo os entendidos. Agora são seis. Um deles era a Conjetura de Poincaré, nome que já é belo por si só. O Instituto Clay de Matemática (da Universidade de Cambridge, Massachusetts) oferecia 1 milhão de dólares a quem comprovasse matematicamente o que era apenas uma “conjetura”, uma suposição. Jules Henri Poincaré (1854-1912) concebeu a coisa há mais de 100 anos e durante este período nenhum matemático conseguiu escrever a comprovação. Perelman resolveu o problema em 2003, mas este é tão complexo que os avaliadores levaram muito tempo para entender que Perelman tinha efetivamente matado a charada. O problema tem a ver com a topologia, ou seja, versa sobre espaços e geometria tridimensional.

Então, foram entregar o milhão de dólares a Perelman, o qual recusou  a soma, dizendo que o reconhecimento a seu trabalho lhe bastava. Isto já era a maior das gratificações.

Ah, é claro. Talvez a maioria de meus sete leitores pensem que Perelman seja doido varrido. Não pretendo discutir isso com eles, até porque o gênio é paupérrimo, desempregado, não tem nada de seu, vive com a mãe num prédio infestado de baratas e não se liga muito nessas coisas de banho ou corte de unhas; mas não adianta: ele é alvo de minha admiração. O homem ama a matemática e deve caminhar pela Perspectiva Nevsky em seu mundo, sem olhar para ninguém, do mesmo modo que fez Raskolnikov antes de matar a velha usurária para NÃO obter muitíssimo menos que 1 milhão de dólares.

Do mesmo modo, o russo disse não aos inevitáveis convites de várias universidades.

Eu fui casado com uma cientista jet setter… Sei que quase todos são assim: os jantares destes grupos de cientistas assemelham-se a reuniões de agentes de viagens. Bá, muito avião, UniSmiles, CapesTur, congressos turísticos, diárias, um estresse só… Muita, muita ciência (?) e mais títulos do que o Danrlei no Grêmio. Se alguém daquele departamento universitário ganhasse um prêmio de 1 milhão de dólares, não apenas faria plantão na porta do Instituto Clay, como a cesta de ofídios explodiria em milhares de pedidos de — sempre falsos — de coparticipações, coautorias, cocôs e cobranças de “lembra que eu te ajudei aqui?”. Então, entendem que para mim também há um divertido lado B na história de Perelman? Ele não apenas recusa as sinecuras científicas como não quer dinheiro… É meu ídolo!

Às vezes, prolongados afastamentos da atividade de ensino, que são motivados na realidade pelo gosto do turismo ou simplesmente pelo desejo de mudar de ares, são justificados a pretexto de missões de pesquisa ou de participação em colóquios e congressos cujo proveito científico é no mínimo duvidoso. No caso, a “primazia da pesquisa” representa muitas vezes um álibi perfeito, aceito universalmente. Seria muito mais difícil, dados os costumes vigentes na universidade, justificar ausências tão frequentes e tão longas pelas necessidades reais do ensino.

Wladimir Kourganoff, A face oculta da universidade. Unesp, 1990, p. 132

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