Grigori Perelman, sou teu fã

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Com todo o meu amor e consideração às pessoas um pouco deslocadas, com todo meu amor semileigo à matemática e, pior, sabendo que alguns teoremas são verdadeiros poemas (Ave, Ramiro) em sua beleza, concisão, elegância e — por que não? — lirismo, só posso achar admirável a história de Grigori Perelman, um matemático que vive em São Petersburgo.

Há sete problemas matemáticos para serem resolvidos neste milênio, segundo os entendidos. Agora são seis. Um deles era a Conjetura de Poincaré, nome que já é belo por si só. O Instituto Clay de Matemática (da Universidade de Cambridge, Massachusetts) oferecia 1 milhão de dólares a quem comprovasse matematicamente o que era apenas uma “conjetura”, uma suposição. Jules Henri Poincaré (1854-1912) concebeu a coisa há mais de 100 anos e durante este período nenhum matemático conseguiu escrever a comprovação. Perelman resolveu o problema em 2003, mas este é tão complexo que os avaliadores levaram muito tempo para entender que Perelman tinha efetivamente matado a charada. O problema tem a ver com a topologia, ou seja, versa sobre espaços e geometria tridimensional.

Então, foram entregar o milhão de dólares a Perelman, o qual recusou  a soma, dizendo que o reconhecimento a seu trabalho lhe bastava. Isto já era a maior das gratificações.

Ah, é claro. Talvez a maioria de meus sete leitores pensem que Perelman seja doido varrido. Não pretendo discutir isso com eles, até porque o gênio é paupérrimo, desempregado, não tem nada de seu, vive com a mãe num prédio infestado de baratas e não se liga muito nessas coisas de banho ou corte de unhas; mas não adianta: ele é alvo de minha admiração. O homem ama a matemática e deve caminhar pela Perspectiva Nevsky em seu mundo, sem olhar para ninguém, do mesmo modo que fez Raskolnikov antes de matar a velha usurária para NÃO obter muitíssimo menos que 1 milhão de dólares.

Do mesmo modo, o russo disse não aos inevitáveis convites de várias universidades.

Eu fui casado com uma cientista jet setter… Sei que quase todos são assim: os jantares destes grupos de cientistas assemelham-se a reuniões de agentes de viagens. Bá, muito avião, UniSmiles, CapesTur, congressos turísticos, diárias, um estresse só… Muita, muita ciência (?) e mais títulos do que o Danrlei no Grêmio. Se alguém daquele departamento universitário ganhasse um prêmio de 1 milhão de dólares, não apenas faria plantão na porta do Instituto Clay, como a cesta de ofídios explodiria em milhares de pedidos de — sempre falsos — de coparticipações, coautorias, cocôs e cobranças de “lembra que eu te ajudei aqui?”. Então, entendem que para mim também há um divertido lado B na história de Perelman? Ele não apenas recusa as sinecuras científicas como não quer dinheiro… É meu ídolo!

Às vezes, prolongados afastamentos da atividade de ensino, que são motivados na realidade pelo gosto do turismo ou simplesmente pelo desejo de mudar de ares, são justificados a pretexto de missões de pesquisa ou de participação em colóquios e congressos cujo proveito científico é no mínimo duvidoso. No caso, a “primazia da pesquisa” representa muitas vezes um álibi perfeito, aceito universalmente. Seria muito mais difícil, dados os costumes vigentes na universidade, justificar ausências tão frequentes e tão longas pelas necessidades reais do ensino.

Wladimir Kourganoff, A face oculta da universidade. Unesp, 1990, p. 132

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20 comments / Add your comment below

  1. Há uma interessantíssima matéria sobre o Perelman numa Piauí de uns dois anos atrás. Tá no site da revista. Também admiro o cara, apesar de se o ver no metrô como nas fotos acima, meu pensamento não estará na matemática nem na literatura, mas em Deus, para que Ele me desse a chance de escapar do local antes que o louco disparasse a bomba.

    Abraços e bom fim de semana.

  2. Coloque mais uma aí na lista de fãs. Primeiro, porque qualquer um que entenda matemática pura já está acima de qualquer coisa que eu possa conceber. E segundo, pelo desprezo a todas essas mesquinharias de dinheiro e reconhecimento que seres normais como nós precisam em maior ou menor grau.

    1. também acho que é por aí. alguém que pode recusar um milhãozinho ultrapassa imediatamente a fronteira da humanidade. equipara-se à genialidade que estamos acostumados a associar à uns poucos escritores e mestres da arte, frequentemente excêntricos, de horizontes esmagados por uma concretude ampla demais. ninguém no mundo vira as costas pra um dinheiro desses, e é o caso: figuras como Perelman definitivamente não “estão” nesse mundo, como demonstram sua aparência e jeito de viver. e adiciona-se mais um estudo de caso àquela frequente associação entre genialidade e loucura. deveria ser possível estudar o cérebro desse homem.

  3. Pessoas como o Grigori não podem ser comparados com o que se costuma chamar de “pessoa normal”. O conceito de normalidade já é questionável, muito mais que o de gênio. Nós, pessoas “comuns”, admiramos a genialidade e a ex-centricidade porque apontam para ideais extremos, inalcançáveis e impraticáveis. No caso do matemático russo, causa-me admiração e santa inveja: “já tenho tudo de que preciso”, teria dito ao recusar o prêmio. A recusa denuncia a insensata “fome de ter” e salienta a distância entre desejo e necessidade. Pois foi exatamente o ‘desejo’ que causou a dedicação plena à matemática. O necessário? Ora, minha mãe proverá. Viva Grigori!

  4. Caro Milton,
    não tenho mais qualquer dúvida da beleza semelhante contida numa equação matemática ou num verso poético. Sou uma prova viva disso. Na parede da sala principal de reuniões do Departamento de Engenharia Metalúrgica de Materiais da EPUSP, há uma foto da minha Tese de doutorado que ficará exposta às próximas gerações de politécnicos. Ela foi publicada nas principais revistas internacionais de metalurgia (EUA, Canadá, Inglaterra e Japão). O título da obra é “A Flor de Ferro”. É incrível, pois consegui encontrar uma flor dentro de uma pelota auto-redutora de minério de ferro. Tal foto foi obtida via microscopia eletrônica de varredura (MEV). Não possuo mais os negativos. Vou tentar escaniá-la, para enviá-la a você. O mágico da história é que a microestrutura possuí altura de 20 micrometros (20 milionésimos de um metro!!). É simplesmente fantástica!

  5. Eu também já recusei não um mas alguns milhões de dólares, mas talvez pelo fato de ser burro e ignorante e não ter descoberto bolhufas, muito menos resolvido teoremas, me acontento com a fama que adquiri nesses anos, ou seja, nenhuma. Simplicidade voluntària é algo que paga mais que qualquer dinheiro.

  6. tem me chamado atanção é o uso dessa palavra “fã”.
    cada vez a desdenho mais (e tb desenvolvo o dom de falar nào da coisa mas da sobre coisa ou, neste caso, talvez sub.)
    Como tb continuo gostando cada x + de provocar e fazer piadas que frequentemente entendem errado, ia escrever aqu: preferia quando tu eras meu fã. travei não pelo risco da leitura equivocada ou burra, mas por causa da palavra fã, pela qual ‘garrei nojo nos últimos tempos. J’a viu como essa coisa rola nos s”sites de relacionamento? tem gente que eu acho que adiciona e j’a clica como “fã”. entào ser fã é o que mesmo?
    J’a não gostava quando algum colega ou estudante/novi’co me dizia isso ou via alguém dizer isso na universidade. N~ao gosto justamente pela coisa hier’arquica sabe?, bem ao gosto acadêmico. Cientistas têm isso tb sabia? Relações confessas de vassalagem acadêmica. Detesto esnobaæç˜åo ostentatória hierárquica científico-acadêmica tanto qto tu, milton, mas na mesma medida que detesto a correlata baba’cão de ovo. Ok, sei que nao ‘e o teu caso aqui – livre pensar ‘e s’o pensar, ainda mais sem pagar e na cx de comet’arios alheia.
    (desculpa, voltei a usar o mac e esqueço os macetes do teclado, entao acentos etc, estao saindo malucos)
    No fundo, arrumei um pretexto rebuscado pra dizer buá vc não liga mais p mim! fui a Palegre e vc nem tchum. Para o idelber, vc d’a uma da fâ e leva para casa, alimenta, cuida do filho, e eu nem um telefoneminha. bu’a bu’a bu’a
    vai arrumar para ti um cientista maluco que nunca vai fazer um comet’ario aqui e nem vai gastar uma tarde inteira resolvendo problemas teus no tumultuado, cansativo e insano centro de florian’opolis! Fica a’i fã de gente que nunca vai torcer por ti nem perguntar pelos teus filhos.
    Cultiva a’i teu fãzinato, que eu mantenho por aqui mais mais tolos e autênticos gestos de amizade…

  7. “O homem magnânimo deseja ocupar-se de poucas coisas, e estas têm de ser verdadeiramente grandes aos seus próprios olhos, e não porque outros assim pensem. Para o homem dotado de uma alma grande, a opinião solitária de um único homem bom conta mais que a opinião de uma multidão.”

    Quando publiquei o link para uma das notícias a respeito em meu Twitter, o fiz acompanhar desta citação, que segundo o site de onde a copiei é de Aristóteles. Folgo em saber que não sou o único a admirar a atitude do Prof. Grigori Perelman.

  8. Um cara como este deveria ser exemplo para a maioria dos cientistas que brigam por misérias, criam misérias em nome de um duvidoso progresso que está deixando o planeta em situações cada vez mais catastróficas.
    Sou fã de Perelman

  9. até q enfim uma alma sensível ao Perelman. Escrevi algo sobre ele lá no blog com temática semelhante, tem mais informações q iluminam um pouco mais da personalidade do russo. té mais ver.

  10. sou teu fã (2)
    a rússia produziu alguns dos maiores gênios da humanidde:
    dostoiévski, tolstói, bakunin e agora esse cara.
    É uma pena que tenha produzido algem como stalin. (nada é perfeito)

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