Ássia, de Ivan Turguêniev

Assia Ivan TurguenievComparar Dostoiévski e Tolstói sempre me pareceu coisa de amador. Os dois são tão diferentes que parecem trabalhar em faixa própria. Tolstói tem melhor texto, se o encararmos do ponto de vista clássico, e, de certa forma, é um escritor que aspira à imortalidade. Ele a obteve com folgas… Já Dostoiévski é mais escabelado e moderno, fazendo com que sua prosa dobre-se aos personagens. Eu, que não sou bobo, não faço escolhas e gosto de ambos. Porém, havia outros enormes escritores circulando pela Rússia czarista e havia um que trabalhava na faixa de Tolstói. Era Ivan Turguêniev. Escritor de grandes recursos, criou algumas novelas perfeitas e um romance idem: Pais e Filhos.

Tenho especial consideração pelas novelas, estas narrativas que ficam entre o conto e o romance, seja em tamanho, seja em alargamento de intenções. Grandes escritores se dedicaram ao gênero. Kafka escreveu A Metamorfose, A Colônia Penal e outras; Henry James tem obras-primas como A Volta do Parafuso, Os Amigos dos Amigos, A Vida Privada, O Altar dos Mortos, a insuperável A Fera na Selva, etc.; Isak Dinesen tem Os Sonhadores e outras; Heinrich von Kleist escreveu uma inesquecível: Michael Kolhaas; Tolstói tem seu trio de ferro: Sonata a Kreutzer , A Morte de Ivan Illich e A Felicidade Conjugal; Goethe tem Werther. Estes exemplos foram os primeiros a me ocorrer, há muitíssimos mais.

Voltemos a Turguêniev ou Turguenev, como queiram. Quando vi que a Cosac & Naify tinha lançado a novela Ássia, animei-me imediatamente – seria ela um outro O Primeiro Amor, seria ela outra grande novela de Turguêniev? Não, não é tão boa, mas estão lá todas as características que fizeram deste russo um escritor tão singular. Lá está a prosa impecável do russo e lá estão os aristocratas inúteis de sempre, porém o narrador de Ássia é, além de inútil, um covarde emasculado. Ássia é uma jovem que se apaixona por ele. Só que o narrador fica confuso no momento decisivo e deixa a moça pensar que ele não a ama.

Este tema é um clássico em várias literaturas. Inclusive Machado de Assis constrói um de seus melhores e mais importantes contos sobre o tema do momento decisivo – o Missa do Galo (que é muito melhor que Ássia, bem entendido). Só que Turguêniev não deseja apenas mostrar um desencontro fortuito entre dois amantes, mas uma “história moral de sua geração”. Talvez por isto tenha criado um narrador tão inerte e irritante. Esta aristocracia russa, cuja psicologia é tão bem descrita neste livro e em grande parte da obra de Tchékov, mereceu plenamente a revolução que a sepultou.

Não ignoro que na literatura russa do século XIX havia eslavófilos e europeístas. Eu passei intencionalmente por cima desta esta classificação, OK?

11 comments / Add your comment below

  1. Se eu não conhecesse e admirasse o tremendo gozador e grande jornalista Sergio Leo, talvez até me irritasse com o comentário…

    :¬)))

  2. Prezado Milton Ribeiro,
    Há muito freqüento aqui, especialmente aos sábados. Hoje pela sincronicidade, resolvi fazer esse breve comentário.
    Com o perdão de J. L. Borges, defensor intransigente da estrutura perfeita e não amorfa do conto, também sou um entusiasta das chamadas novelas. Acrescento às suas ótimas referências, algumas a mim caras: Bartebly, o escriturário (Melville), Coração das Trevas (Conrad) e Espingarda de Caça (Inoue).
    A sincronicidade se refere ao que escrevi , imediatamente antes de entrar no seu blog, sobre esta última novela, lá no http://www.dezpolegadas.blogspot.com

    Saudações cá das Alterosas!
    E parabéns pelo excelente blog!

  3. O propósito era só fazer rir, caríssimo Milton, excelente resenhista (só li pais e Filhos desse moço; você me deixou curioso dessa Ássia aí. Mas se toda vez em que eu fizer uma gracinha eu receber um elogio desses, pode esperar pelas próximas… (-;

  4. A propósito, fui criada à base de “pais e filhos” (a revista).
    Será que é por isso que fiquei assim (digo como mãe e filha…)?

  5. Fecho contigo em Bartebly (Melville), em O Coração das Trevas (Conrad) e infelizmente desconheço Espingarda de Caça (Inoue).

    A ler, a ler!

    Obrigado pelo comentário e, amanhã ou mais tarde, leio teu post sobre a Espingarda. Agora, tenho que fazer o Pq Hj é Sáb.

    Ao trabalho, ao prazer!

  6. Milton,
    sempre cosiderei o Turgueneiev um injustiçado. Também acredito que a literatura é obra de quem a lê tanto quanto de quem a escreve, portanto, a preferência por Dostoievski ou Tolstoi não está na qualidade deles, mas no que se quer ler.
    Bartebly é aquele que fica um tempão escondido ou me confundi com Hawthorne? Gosto muito daquele marinheiro do Melville, Billy Bud ou coisa assim.

    Abraço

    Branco

  7. Homo, não consegui comentar lá no Dez Polegadas, que acabo de linkar. Teu blog é excelente e será visitado por mim.

    Abraço.

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