Spinoza: "Deus é o asilo da ignorância"

Ontem, Idelber Avelar publicou um rumoroso post MANDANDO os ateus saírem do armário. Como já estou aqui fora tomando sol e chuva faz uns 40 anos (sim, tenho 51 e uns 40 de ateísmo) e ouvi o chamado do Mestre Idelder, cá estou para dizer que, em minha opinião, Deus é uma criação humana, mais ou menos assim como, digamos, meu amado Dom Quixote. Um trecho do post diz o seguinte:

Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo, mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente. Mais que negros. mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença. Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay, são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões.

Vou contar uma coisa para vocês. Entrei em três concursos literários até hoje: ganhei um, fui menção honrosa em outro e perdi o terceiro. Nada demais; eu estava quieto, no meu canto, só que um dia me contaram porque eu tinha perdido este concurso e me afirmaram que, se fosse possível entrar em contato comigo e se eu retirasse o trecho a seguir, teria vencido… O trecho também não é nada demais. Aqui está:

— Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá pela fraqueza, medo, culpa e imaginação de alguns, feito à nossa imagem e portador de nossos defeitos, olha por nós, pobres pecadores, que não usamos teu nome para nada e que vivemos pelo mundo como cães sem dono. Permite que os cães com dono não nos mordam – aqui olhou para o amigo — e que as boas intenções e desespero enviados diariamente por eles a ti, retornem na forma de grandes chuvas de bênçãos e não como tens feito ultimamente. Que a beleza da tua figura, formada em cada poro e célula por nosso afeto a nós mesmos e nosso horror ao vazio, possa espalhar-se pelo mundo e transformar-se em vales de onde jorrarão o leite e o mel necessários a nutrir teu povo…

Era uma oração. Obviamente, eu não retiraria este trecho de meu conto. Por que o faria?

Mas voltemos ao post do Idelber. Vou ser um pouco imodesto ao dizer que a parte que mais me entusiasmou no post é aquela em que ele amplifica de forma mais inteligente coisas que este que vos escreve repete há anos:

1. Que a maior TOLICE é afirmar que os ateus, ao se organizarem, criam uma seita e, portanto, tornam-se tão religiosos quanto blá-blá-blá. Cada vez que ouço alguém sofismar desse modo — sempre com aquele ar professoral que os tolos são hábeis para fingir –, saio em procura de meu copo, do livro que estou lendo ou de alguém que me salve.

2. Que os cristãos não aceitam críticas, mas metem o nariz onde não são chamados, como, por exemplo, na homossexualidade e no útero das outras.

3. Que o fato de instituições religiosas não pagarem impostos é a maior sacanagem que há contra as instituições laicas como, por exemplo, o colégio de meus filhos. Há empresas que se tornaram as maiores em suas áreas pelo simples fato de não pagarem impostos. Tenho exemplos, mas a autocensura está me pegando forte depois da agressão que sofri (vocês sabem). É claro que há alguma benemerência aqui, ali e acolá — e que são importantes –, mas as vantagens empresariais herdadas de Cristo são o sonho de todo o neoliberal.

4. Que quem é ateu e declara tal “absurdo” não tem nenhuma chance política.

E (o Idelber não afirma o que escrevo a seguir):

5. Que respeitar a religião dos outros é aceitar uma opção íntima que, se for vendida, merece imediata reação da parte do ateu, que pode, sim, fazer proselitismo em sua defesa.

E vou trabalhar. E estou de péssimo humor.

(A citação acima foi retirada de um comentário de Maurício Santos, um dos 264 que o post do Idelber gerou).

31 comments / Add your comment below

  1. Sou daqueles ateus para quem propagar o ateísmo é tão inútil quanto fundar um partido político. No final das contas, ficamos a brigar por hegemonias e espaço em estruturas de poder, tal qual os religiosos. O lema do ateu seria mudar o mundo sem tomar o poder, mas isso é uma utopia e toda utopia não possui base científica segura, nasce de um sentimento denominado esperança, algo que só morre com o sujeito, daí talvez o sucesso das religiões: elas carreiam os esperançosos para seus quadros junto com os dízimos. A melhor difusão do ateísmo é a difusão do conhecimento, não do ateísmo, onde qualquer um pode chegar pela via científica, ou simplesmente pela insubmissão (há disso, ateus que não acreditam na ciência ou em coisa nenhuma, alguns são seguidores de Nietzsche, hoje a espécie de santo que um dia ele disse temer se transformar, outros são nazistas e uns tantos exemplares de Bartlebys). Todos nascemos ateus, mas alguns degeneram. Só não sei se isso, afinal das contas, altera nossos destinos, a história e todas as ilusões que somos capazes de fomentar vida afora.

    1. marcos nunes, achei interessante teu comentário, e, talvez sendo mais leigo q laico, vou me arriscar a discordar dessa frase “Todos nascemos ateus, mas alguns degeneram.”… parece-me q, se se o ateu nega uma crença, não é qualidade inata – o ateísmo. é preciso, antes, dar conta daquilo a q se contrapõe. nesse sentido, a atitude agnóstica é a q me parece mais “natural”, pra ficarmos nesses termos. ainda assim, estamos falando de opiniões, ou tomadas de posições sobre questões q nos aparecem no deslocamento dos anos…
      em suma, dizer q todos nascemos SEM DEUS (talvez o q tu quisesse manifestar) é diferente de dizer q todos nascemos ATEUS. Ou estou equivocado? Abraço.

      1. Ah, tem razão, eu não desci (quer dizer, subi) às filosofias para abordar o problema. Talvez o melhor seja dizer que, nascidos na ignorância de tudo, nossos bebês dão-se a alegria de não cogitar qualquer idéia acerca da existência ou não das divindades; quando podem considerar a questão, a mesma é entregue num pacote tal que dá medo, aí a resposta do bebê crescidinho fica condicionada pelo meio, e azar o dele se for filho de padre. A tal frase foi só uma brincadeira motivada pelas bobeiras futebolísticas, pois no meio flamenguístico “Todos nascem Flamengo, mas alguns degeneram”. Mas, pensando bem, todos nascem sem deus é muito forte, é melhor simplesmente “Todos nascem, crescem, ficam burros e rezam”. O que, é claro, é outra paráfrase doutra brincadeira tão famosa quanto tola.

        1. hehehe, verdade. devo ter “subido às filosofias” por ter lembrado da mesma relação (mais complexa) “gays nascem gays”, e aí solicitei um capricho meio sem cabimento mesmo.

  2. A crença em um deus todo-poderoso, que nos criou à sua imagem e semelhança, é a expressão máxima da vaidade humana. É difícil, para a maioria das pessoas, admitir que somos animais, com uma casquinha de verniz por cima, e que, como todos os outros animais, um dia chegaremos ao fim e que depois dele não há nada. Eu sempre recomendo aos crentes que leiam “Os dragões do Eden”, do Carl Sagan.

  3. esse é o problema destas questões cabeludas, achar que sua simples exposição já as resolveriam. independente se sou ou não ateu, a proposta (melhor: como quer o idelber, copiando a tendência do dawkins: a imposição)de um proselitismo da não crença é algo profundamente estúpido, vaidoso e descomedido. explico: estúpido pois o ateísmo como dogma não traz nenhum benefício como quer esses distintos doutores. Eles proclamam o asteamento redentor do ateísmo como se vissem pela frente um novo iluminismo, que retirará as rédeas e os grilhões da humanidade. Vaidoso : pois agora é sinal de extrema inteligência decretar-se ateu. Dá o maior charme! ainda mais com essa autoproclamada retalhação que diz-se cair sobre o ateu. por sermos tão lúcidos, o restante do rebanho humano nos condena. è tão ridículo que não lhes é visível que seguem passo a passo o cânone do cristianismo? pequena seita perseguida, os privilegiados mártires da verdade a ser aceita após anos de trevas, etc. Descomedido: do alto da lucidez, o sacerdócio ateu é superficial quanto ao estudo do animal humano, acham que se todos se tornassem ateus, todos compulsoriamente se tornariam tão inteligentes e bem posicionados na vida quanto dawkins e sagan. o que é uma idiotice: como disse maquiavel, o homem é por natureza medíocre, por isso deve ser dominado pelo soberano esclarecido. ou seja, do coitado que professa sua fé na maior miséria, retira-lhe a igreja e, além de miserável, o promove a um desesperado. nada tem para dirigir suas esperanças. tá, não vamos respeitar a religião não, nada dessa balela de que a crença mereça respeito( a constituição não serve para nada mesmo, né, então vamos lhe rasgar essa página). avaliemos as consequencias disto: se somos tão privilegiados intelectualmente, sabemos da mania de nossa espécie de derivar. derievamos: que tal fundarmos o partido do ateu heterossexual? faremos assim: nada de aceitar a opção sexual do outro não, vamos espancar os boiolas, explodir os redutos gays, etc. não é a mesma linha de raciocínio? ou mandar tudo pra puta que pariu fica bonito na estética do texto do idelber, mas a realidade é algo bem diferente? E mais: as tribos pré colombianas só não se lançavam no extermínio das que revelavam maior força espiritual, as que tinham deuses mais poderosos. a crença em deus é um constituinte intrínseco à nossa espécie. sem esse temor_ ééé, temor, veneração, respeito, somos animais e não é a impressão de superioridade técnica da microsoft que vai extinguir esses genes milenares_ partiremos para o massacre um contra os outros. simples assim, o resto é retórica.

  4. Escreve Mário Ferreira dos Santos em seu livro Sobre Deus (interessante como o que ele fala se relaciona amplamente com o que você falou acima) :

    “Nota-se, como teremos oportunidade de ver no corpo desta obra, que o que caracteriza o ateu é a sua incompleta, imperfeita e deficiente concepção de Deus. Ele sempre constrói uma idéia de Deus muito antropomórfica, muito aproximada ao que, comumente, é apresentado nas manifestações religiosas mais populares. Até certo ponto se justifica que interpretem assim, porque as religiões na sua propaganda, na sua catequese, na sua ação pastoral, têm apresentado Deus de formas tão antropomórficas, tão primárias, que é natural que aqueles que não tem um conhecimento mais profundo da teologia oponham-se a tais concepções e construam então concepções deístas, e algumas teístas, mas pelo menos contrária ao teísmo expresso, em geral, nas religiões predominantes.”

  5. Milton esses dias fui incluir um curriculum em uma empresa e lá me perguntava qual era minha religião… absurdo!
    Trabalhei em uma universidade em que o reitor era um católico fervoroso e chegou a construir uma igreja dentro do campus… absurdo!
    Aqueles jogadores rezando num campo de futebol… absurdo!
    Não chego a ser uma ateia pois desde criança tenho a ideia de um Deus, mas religião seja ela qual for: tô fora!

    O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
    Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…
    Nem mudar água pura em vinho tinto…
    Milagre é acreditarem nisso tudo!
    Mário Quintana.
    Beijos muitos!

  6. já ontem li esse post do idelber. parei de acompanhar os comentários centenários lá pelo meio, por falta de tempo – hj retomarei. mas já li ótimos argumentos lá q, se reafirmam a existência das falsas simetrias a respeito do assunto, são muito críticos no tocante à legitimidade dessa “bandeira”.

  7. Caminhante disse: Já existe associação pra lutar pelo direito dos ateus.

    Realmente, existe uma ONG oficialmente cadastrada na receita federal, com histórico de ações, petições e processos em prol dos Direitos Humanos para Ateus.

    ATEA – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos
    Cadastrada sobre o CNPJ: 10.480.171/0001-19
    website: http://atea.org.br

    1. Essa associação não está com nada! Uma verdadeira associação de ateus não pode existir em sintonia com agnósticos, esses titubiantes desprezíveis! Deus não existe, porra…

  8. esse é o problema destas questões cabeludas, achar que sua simples exposição já as resolveriam. independente se sou ou não ateu, a proposta (melhor: como quer o idelber, copiando a tendência do dawkins: a imposição)de um proselitismo da não crença é algo profundamente estúpido, vaidoso e descomedido. explico: estúpido pois o ateísmo como dogma não traz nenhum benefício como quer esses distintos doutores. Eles proclamam o asteamento redentor do ateísmo como se vissem pela frente um novo iluminismo, que retirará as rédeas e os grilhões da humanidade. Vaidoso : pois agora é sinal de extrema inteligência decretar-se ateu. Dá o maior charme! ainda mais com essa autoproclamada retalhação que diz-se cair sobre o ateu. por sermos tão lúcidos, o restante do rebanho humano nos condena. è tão ridículo que não lhes é visível que seguem passo a passo o cânone do cristianismo? pequena seita perseguida, os privilegiados mártires da verdade a ser aceita após anos de trevas, etc. Descomedido: do alto da lucidez, o sacerdócio ateu é superficial quanto ao estudo do animal humano, acham que se todos se tornassem ateus, todos compulsoriamente se tornariam tão inteligentes e bem posicionados na vida quanto dawkins e sagan. o que é uma idiotice: como disse maquiavel, o homem é por natureza medíocre, por isso deve ser dominado pelo soberano esclarecido. ou seja, do coitado que professa sua fé na maior miséria, retira-lhe a igreja e, além de miserável, o promove a um desesperado. nada tem para dirigir suas esperanças. tá, não vamos respeitar a religião não, nada dessa balela de que a crença mereça respeito( a constituição não serve para nada mesmo, né, então vamos lhe rasgar essa página). avaliemos as consequencias disto: se somos tão privilegiados intelectualmente, sabemos da mania de nossa espécie de derivar. derivemos: que tal fundarmos o partido do ateu heterossexual? faremos assim: nada de aceitar a opção sexual do outro não, vamos espancar os boiolas, explodir os redutos gays, etc. não é a mesma linha de raciocínio? ou mandar tudo pra puta que pariu fica bonito na estética do texto do idelber, mas a realidade é algo bem diferente? E mais: as tribos pré colombianas só não se lançavam no extermínio das que revelavam maior força espiritual, as que tinham deuses mais poderosos. a crença em deus é um constituinte intrínseco à nossa espécie. sem esse temor_ ééé, temor, veneração, respeito, somos animais e não é a impressão de superioridade técnica da microsoft que vai extinguir esses genes milenares_ partiremos para o massacre um contra os outros. simples assim, o resto é retórica.
    dawkins gastar seicentas páginas para dizer que deus não existe. sagan gastar mais uma tantas pra desmentir o bicho papão. e tudo porque a religião é maléfica, castradora. em que época esses laboratoristas vivem? são contradições ambulantes, negativos legitimadores do que condenam. quase os verdadeiros cristãos.os tipos ideais do ratzinger. não sabem que pouco o mundo se importa pra proibição do aborto ou pro não uso da camisinha, parecem ingênuos demais. já se confecciona vaginas para o deleite do homem em se sentir penetrado. estamos em babel, não na nova jerusalém. deixem o homem comum em paz e vão enxugar sabão, porra!

    1. Bem, Magno, é como sempre digo prum “amigo” meu: “Contigo não discuto religião, política, futebol, sexo, estética ou ciências”… Apesar de deus, sinto-me perfeitamente como um homem comum e, dialogando com os homens incomuns, percebo-os tão comuns quanto eu. Vai ver que são deuses também.

      (P.S.: Não ligue para o comentário. É que recuperei, como todo paranóico ciclotímico, o velho bom humor cretino. Droga, fiquei deprimido de novo!)

  9. milton,
    num concurso literário é absurdo que tenham te limado por conta da oração do conto. aliás, o final é muito bonito.
    Sobre o ateu ser discriminado, certamente é verdade. você mesmo diz ter sido discriminado.
    porém, se um religioso prestar concurso literário e falar de um Deus vivo com toda poética elegante de que for capaz? diz aí, grande milton, o que aconteceria? eu não tenho dúvida de que ele seria limado também. o negócio é não falar de Deus ou do cristianismo. Veja que ninguém critica aquele que dispõe no seu perfil na internet informações sobre seu signo zodiacal. Mas muita mente brilhante mudará de página se souber que aquele outro blogueiro é cristão. non è vero?

    numa banca de concurso para professor preste atenção nas expressões dos entrevistadores quando souberem que se é cristão. aliás, cristão, não! eles perguntam: você é evangélico? “Evangélico” é o termo para se referir pejorativamente a todo protestante ou pentecostal de forma estereotipada, desconsiderando a história e as atitudes contemporâneas de cada segmento. Pondo todo mundo no mesmo bolo fica mais fácil criticar a religião. Assim, eu também seria ateu ou agnóstico.

    histórico de anticientificismo da religião? Qual religião? as de matriz africana, maia, asteca, judaica? os chineses inventaram um punhado de coisas relevantes e consta que eram religiosos. os árabes muçulmanos e suas contribuições ao avanço tecnológico. e o protestante isaac newton, e pascal, pasteur, kepler. houve uma posição anticiência por parte da igreja católica. mas aí é preciso separar tais eventos da cosmovisão protestante.

    entendo que pra cada kaká há dez marcelinhos-cariocas. mas convenhamos, para cada blog do idelber, quanta ruindade e mediocridade há na rede! o máximo que kaká faz é mostrar a camisa após o jogo e isso parece incomodar. já marcelinho…
    o avanço do lobby pentecostal, a má-fé dos líderes, a exclusividade, a ingerência, a gritaria, a reza ecumênica no meio do campo, a musica terribilis do gospel tupiniquim só lançam vergonha ao evangelho simples de Cristo.
    um abraço

  10. Eis que, quando a refrega acabava, ele, covardemente saca do coldre o seu Walt Whitman:

    “E à raça humana eu digo:
    _ Não seja curiosa a respeito de Deus,
    pois eu sou curioso sobre todas as coisas
    e não sou curioso a respeito de Deus.
    (Não há palavra capaz de dizer
    quanto eu me sinto em paz
    perante Deus e a morte.)

    Escuto e vejo a Deus em todos os objetos,
    embora de Deus mesmo eu não entenda
    nem um pouquinho,
    assim como também eu não entendo
    que possa alguém ser mais maravilhoso
    do que eu.

    Por que haveria eu de querer ver a Deus
    melhor que neste dia?
    Eu vejo algo de Deus em cada uma
    das vinte e quatro horas
    e em cada instante de cada uma delas,
    nos rostos dos homens e das mulheres
    eu vejo a Deus
    e no meu próprio rosto em cada espelho,
    acho cartas de Deus caídas pela rua
    e todas assinadas com o nome de Deus,
    e eu as deixo onde estão,
    sei muito bem que aonde quer que eu vá
    outras me hão de chegar pontualmente
    sempre e por todo o sempre.”

    Em verdade vos digo, irmãos: Joêzer falou muito bem; no “evangelismo”, na letargia do catolicismo, nas igrejas da prosperidade, não encontraremos Deus. Isso é comércio, não religião. Professo o que Pascal disse, em um de seus momentos de atormentada lucidez, que sua religião era da dúvida sincera. Shaw_ que como todos sabem, era muito religioso_ passeava com sua bicicletinha pelas charnecas inglesas, até se deparar com uma perdida igrejinha de pedras qualquer, onde entrava para ficar horas ali sentado, relaxando. Irmãos, recomendo a leitura do ensaio sobre Swedenborg, escrito por Borges ( a do Emerson também é ótimo) e verâo o que a intuiçâo do insondàvel fez a um dos maiores_senão o maior_ cientista da Terra. Ele dizia que para alcançarmos Deus, além da caridade, haveríamos de ter a Inteligência (Blake apareceria depois, acrescentando a Arte.) O ateísmo dogmático contra as igrejas fundamentalistas, até que se justificaria, apesar de uma ação já de início destinada ao completo fracasso; mas como desmerecimento do abstrato que há por detrás dos últimos quartetos húngaros de Beethoven, Dawkins precisará de uma dieta mais consistente do que peixe e batata. Lidar com o homem comum é fácil, é só colocar slogans nos ônibus londrinos ( o que dá intelectual querer chafurdar no mundo publicitário), mas debater com outros intelectuais, de argumentação eficiente, aí é outra coisa.

    Além do mais, qual é o mais absurdo: a idéia de Deus ou E=MC²?

    1. Pois eu continuo achando disso tudo é que periga a gente se transformar num fictício Edward Casaubon da vida, o idiota prieiro marido de Dorothea em Middlemarch, de George Eliot, e não num real Emanuel Swedenborg. É tudo muito elegante e parece casar à perfeição, mas retire o chão teológico que a abstração ainda forjará hipóteses e realizações sem qualquer menção a um criador. Tem troços que os métodos facultam o acesso e invenção, tem outros que ilusoriamente nos conduzem da mesma forma, mas continuo a insistir da ilusão pura e simples, e não na necessidade/referência divina. É melhor conta a história do mundo a partir do impulso que parte da estupidez do que o outro, que partiria de um deus qualquer. Quanto ao Emerson, acho que ele nunca jogou nada, e não passa de um cabeça-de-área metrido a volante.

      1. Olaf stapleton (que diabo de mania de ficar citando autores, parece um TOC!)disse (lá vai mais uma) que a humanidade ainda sobreviverá um bilhão de anos, depois de guerras, fomes e quase extinções. Segundo esse autor, pelos padrões evolutivos, o homem será um ser de uns quatro metros de altura, com umas mãos capazes de desfragmentar uma pedra(??), e um intelecto poderosíssimo. Bellow, avaliando esse comentário (em Um Planeta para o Sr. Sammler), cogita: será que então, Deus vai finalmente poder se comunicar com o homem, numa espécie de semi-igualdade? talvez tudo poderá ser explicado nesse futuro longuínquo. Por enquanto, como claramente se vê, ficamos aqui com essa puta viagem. Ainda acho que não há aquele que no fundo não estude a possibilidade de que exista algo, seja Idelber, Dawkins, saramago, Nunes, Campos, etc.

        1. Já falei que não existe porra nehuma, cara… Não existe criador, céu, santissima trindade, santos, anjos e todas aquelas babaquices dos carolas. Também não existe nenhum deus exigindo de nós posturas éticas e cumprimento de rígidos códigos morais asfixiante! Estamos livres, seus basbaques! Podemos ser senadores, deputados, pederastas, machorras, safados, ladrões ou até mesmo corretos, honestos, solidários e respeitáveis… Não entendem uma coisa tão elementar como essa? Estamos livres, liiivreees… Sempre estivemos. Parem com esse masturbatório filisófico em busca de deus!

    2. É tão primitivo e tacanha essa confusão entre divindade e moralidade. Ora, há centenas de concepções religiosas que desvinculam a crença em “algo mais” de qualquer comportamento religioso: só que não são, é claro, as concepções mais populares (pois aquelas que vinculam religião à moral são mais difundidas até por interesse na manutenção da paz social pelos dirigentes da sociedade). O problema dos ateus é justamente esse: eles atacam exclusivamente as manifestações mais popularescas e primitivas de religiosidade (que, afinal, estão aí para serem atacadas mesmo) o que na minha opinião só confirma que a militância ateísta é algo para ser resolvido no divã do psicanalista: em geral, os ateus declarados nasceram no seio de famílias cristãs e não tiveram uma experiência positiva com a religiosidade na sua infância e adolescência. Como eles ainda tem recalques com essa experiência pessoal, tentam “universalizar” suas neuroses atacando um fantasma inexistente, confundindo toda e qualquer forma de religiosidade com a concepção antropomórfica, moralista e tacanha de deus difundida pelas diversas formas de cristianismo.

  11. A oração citada, “– Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá pela fraqueza, medo, culpa e imaginação de alguns, feito à nossa imagem e portador de nossos defeitos, etc” não é de vossa lavra.
    O autor ( o autor, queremos o autor ), é Adrem Atup, Parati, RJ.

  12. Estou lendo seus textos sob a tag “religião” e vou comentar aqui algo que vi neste e em outros posts. Talvez eu esteja enganada – se for este o caso já peço desculpas de antemão -, mas tenho a impressão de que você, Milton, tem o pensamento de que “ser cristão é ter aversão ao homossexual e querer a exclusão deste”.
    Se for isso, olha, não é bem assim. Talvez o seja entre católicos, evangélicos, embora eu saiba que existem alas católicas, p.ex., que são favoráveis aos direitos dos gays (obs: há até grupos de mulheres católicas que pregam a legalização do aborto!). De qualquer modo, minha religião pertence ao cristianismo e desde há muito tempo vem dizendo que os homossexuais devem ser tratados como iguais, porque são iguais aos héteros. Assim, o “cristão => exclusão do/aversão ao homossexual” não é verdadeiro. Há que se fazer ressalvas e dizer que existem grupos vinculados ao cristianismo que não se encaixam nessa proposição.
    Discussões à parte, eu espero de coração que daqui a alguns anos os gays possam ter direito ao casamento em si, não só ao reconhecimento da união estável. Embora a interpretação do STF tenha ido contra a lei (ao menos quando se leva em conta interpretação gramatical da lei, a meu ver), fiquei feliz que os Ministros do Supremo tenham feito o Brasil avançar.

    Um abração,

    ps.: Lamento pelo fato de você ter sido discriminado no concurso literário. Infelizmente, há muita gente cabeça oca neste mundo. Mas um dia isso ainda vai mudar… eu tenho fé no homem de que vai sim (bom, eu tenho fé no reino divino também, mas isso já é outra história).

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