Um certo livro infantil

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Em minha curta experiência na Biblioteca do Instituto Santa Luzia, sempre perguntava quais eram os livros mais retirados e amados pelos alunos. O primeiro da lista era uma unanimidade entre as bibliotecárias: o belíssimo A Casa Sonolenta, de Audrey Wood (desenhos de Don Wood). Este livro foi lido e mostrado por mim e por minha ex para meus filhos incontáveis vezes. Trata-se de um dia chuvoso e chato em que todas as pessoas da casa só desejam dormir. Todos, desde a avó, vão se empilhando sobre uma cama periclitante até que uma pulga resolve morder o gato que está no alto da pilha. Este dá um salto e o resultado é mais do que acordar todo mundo. O bom é observar o susto de cada um, todos de pijamas, em trajes mais ou menos íntimos.

O que a criançada mais gosta são dos contos de repetição. Há uma situação — boa ou ruim — que se repete. Tal situação ou está ameaçada ou afirma-se inevitavelmente, sob as circunstâncias mais improváveis. Também contribui para o sucesso o fato de que tais histórias simples permitem certa “atuação” ao adulto que as relata. É divertido. As crianças amam as repetições e pedem para que a gente as conte trocentas vezes. Lembro de muitas outras que obviamemente acabei decorando. Uma das melhores é também do casal Wood: a deliciosa O Rei Bigodeira e sua Banheira. Ambas estavam entre os livros que mais recontava para meus filhos, mas havia um que acabei fazendo sumir lá de casa.

Um belo dia, provavelmente em 25 de setembro de 2001, vi que a Bárbara ganhara (de quem?, não lembro) um livro anormalmente bonito chamado O Homem que amava caixas, de Stephen Michael King. O livro foi dado a ela fora da festa, talvez por um colega de aula, pois lembro que ela chegara inesperadamente com a novidade e, ato contínuo, pediu para que eu lesse a história. Olha, não sei como cheguei ao fim. Não sou de chorar em filmes nem na vida. No final de As Pontes de Madison, por exemplo, olhei divertido o festival de homens e mulheres fungantes de olhos vermelhos, mas o livro que a Bárbara ganhara me fazia desmanchar a ponto de eu acabar por retirá-lo de circulação. Por quê? Ora, um certo pudor me dizia que era melhor não demonstrar uma comoção além da conta. Não faço a mínima ideia de onde o escondi, talvez tenha sumido na casa de minha mãe. Durante o feriado andei por aí atrás dele. Nada.

Fui à Internet e descobri que tem status de clássico. Muitos adultos escreveram a respeito, é a história preferida de vários, seu texto está reproduzido por todo lado e ele é mostrado e contado no YouTube. Acredito que esta história ocupe uma posição diversa do habitual. Pois ela fala demais ao adulto. Tenho certeza de que minha emoção vinha mais da minha relação com meu pai, já morto em 2001, e menos do relacionamento com meus filhos. Ou talvez fosse mais correto dizer que misture tudo.

Então hoje é o dia de submeter meus sete leitores a uma “contação de histórias” (isto se eles conseguiram chegar até este ponto do post). Uma certa Kika gravou um vídeo em que ela mostra o livro e lê O homem que amava caixas. Primeiro vai o vídeo e após o texto. Sim, mesmo que a tia Kika nos conte bem devagarinho e mexa o livro deixando o foco quase maluco, ainda fico comovido… Fazer o quê? Não, não choro mais, só faço ela contar de novo…

O homem que amava caixas

Era uma vez um homem
O homem tinha um filho
O filho amava o homem
e o homem amava caixas.

Caixas grandes
caixas redondas
caixas pequenas
caixas altas
todos os tipos de caixas!

O homem tinha dificuldade em dizer ao filho que o amava;
então, com suas caixas, ele começou a construir coisas para seu filho.
Ele era perito em fazer castelos
e seus aviões sempre voavam…
a não ser, claro, que chovesse.

As caixas apareciam de repente, quando os amigos chegavam, e, nessas caixas, eles brincavam…
e brincavam…
e brincavam.

A maioria das pessoas achava que o homem era muito estranho.
Os velhos apontavam para ele.
As velhas olhavam zangadas para ele.
Seus vizinhos riam dele pelas costas.

Mas nada disso preocupava o homem,
porque ele sabia que tinham encontrado uma maneira especial de compartilharem…
o amor de um pelo outro.

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39 comments / Add your comment below

  1. Livros infantis agora tem sido uma preocupação para mim, desde que me tornei pai. O Eric, conforme todas as espectativas conhecidas, se tornará um grande leitor. Ainda não tem a idade (é engraçado referir-me a idade em relação a alguém ainda tão sem substância!) para confiar-lhe alguns livros em quadrinhos, como as pranchas gigantes do Pequeno Príncipe da saudosa editora Brasil-América, mas o tempo passa numa velocidade inexorável e essa página se tornará parte da memória de uma rotina adotada por um grupo de pessoas que talvez não se encontrem mais antes que ele, e todos os filhos, avancem para as etapas do amadurecimento. Antes que o minuto passe, ele estará engatinhando, depois dizendo aquelas genialidades perigosas que desarmam todo sentido de respeito adulto que as crianças são mestres em dizer; antes que se possa perceber a real queda da tarde, ele estará ralando os joelhos no playground da escolinha, se apaixonando pela professora, pegando com orgulho o primeiro diploma da formatura do ensino fundamental. E antes que a noite caia, já estaremos, ele e eu, enredados nessa armadilha da distração, ele dedicando uma fração de segundo em perceber que a contagem do tempo não é valido para medir o comprometimento emocional, e eu já assolado por essa certeza quando ele tiver que sair de casa para lutar pela vida.

    Acho que a tendencia universal da desfragmentação da família tem o sentido compensador de transformar alguns filhos abandonados nos verdadeiros pais, reafirmando em contraste o elo da paternidade que tinham nossos avós e que pulou uma geração. Quando namorava com minha esposa, seu sobrinho, um menininho adorável abandonado pelo pai e criado pela mãe e os avós, desenvolveu um amor comovente por mim. Ele e eu éramos tão ligados, que minha mulher simulava ciúmes por eu visitá-la com o explícito propósito de brincar com o Rui. O primeiro nome que ele disse (e esse é um dos meus orgulhos!), foi “Charlles”. Mas passei um mês viajando sem ver o Rui. Quando eu e minha esposa chegávamos à pé a duas esquinas da casa, eu lhe dizia: “O Rui não vai se lembrar de mim.” Mal disse isso, ouvi o Rui gritando: Charlles; soltando-se da mão da avó e disparando em meu encontro. Foi um alvoroço por parte de todos, querendo deter aquele pirralho que seguia desembestado pelo meio da rua. Ele pulou em meus braços e me deu o abraço mais gostoso da minha vida. Um amor tão verdadeiro só havia sentido do meu cachorro_ aliás, cães e crianças tem uma semelhança espiritual. Me casei e distanciei-me do Rui. Mas antes, quando o visitei em sua cidade, passado muito tempo, ele me olhou com curiosidade e soltou essa: “Você fala é assim?”. “É, filho da puta!”, respondi, lhe dando de leve um cascudo, “você já me amou sem reservas para nunca ter percebido na minha gagueira.”Ontem mesmo, sua mãe me falava pelo telefone: “Você deve ter lançado alguma praga no Rui naquele dia. Ele tá ficando gago!”

    Vou comprar o homem das caixas, com certeza! Mas não pelo apelo do laconismo do pai com o filho. Sou chorão. Não assisto filmes sentimentais com ninguém. A ruptura familiar me herdou duas coisas: o refúgio nos livros e a gagueira. Coisas com falso ar prosaico por detrás das quais se escondem exigências sérias demais para eu não saber que devo dizer aos meus cachorros, à minha esposa, e ao Eric, que eu os amo incondicionalmente. O tempo corre!

    1. Achei muito bonito o que escreveste. Como todo palhaço, faço grande sucesso entre as crianças. Sempre fui detestado pelos animadores de festa que me viam como um concorrente, principalmente quando as festas eram em minha casa e me aparecia uma Branca de Neve loira e incrivelmente bronzeada. Quase matei as crianças, tanto que riram da mulher, coitada, que estava lá fazendo seu trabalho. Ainda bem que era bem humorada.

      Há algo no incondicional amor dos cães que nos comove como o diabo… Mas os filhos nos acertam direto no estômago; são os pedaços de carne que dão-nos a sensação da única possível e, claro, falsa imortalidade.

      Charlles, acho que serás um excelente pai, ocorra ou não alguma maldita “fragmentação”. Há algo no tipo de atenção que demonstras e que me garante isto. Já tinha esta certeza antes, mas agora ela fica ainda mais firme porque há anos desenvolvi uma tese que ainda não foi refutada pela realidade. Alguém pode não querer ter filhos. É uma opção respeitável, ora. Outros talvez não possam tê-los e isto não é culpa deles. Mas acredito que só alguém que despreza crianças e a infância pode ser efetivamente mau. Para me afastar de alguém, basta observar algo que não goste em relação a elas. Preste atenção e cuide-se! (A outra tese que tenho é a de classificar a direção política da pessoa não pelo que ela diz, mas através da forma como ela utiliza seu dinheiro e posses. Porém, tergiverso).

      Nasci de uma família anormal. Talvez meu pai amasse minha mãe e vice-versa. Algo não deu certo e tudo ocorreu fora do normal. A fragmentação aconteceu em meu casamento quando já tinha dois filhos. E não adianta: foi e é meu maior trauma e fracasso. Durante a “terapia de casal”, eu dava minhas razões para passar a me detestar por estar me separando e aquelas minhas frases, das quais não lembro 20%, não obtiveram resposta da terapeuta que me olhava meio abobalhada. Porém, tergiverso novamente.

      Sim, compre não apenas O Homem das Caixas, os outros também, e não dê a mínima se o Eric não gostar de ler. Apenas mostre a ele que um maluco por literatura é um cara digno de ser muito amado. O resto virá ao natural.

      1. Obrigado, Milton, pelo elogio do excelente pai. Eu realmente adoro crianças. E digo, sem falsa modéstia, que elas, sentindo isso, se apegam naturalmente a mim. Com elas, minha veia de palhaço (eu também sou!) se solta completamente, até limites do escracho absoluto (já contei a aula de religião que dei a alunos do ensino fundamental, em que despachamos demônios para casa etc). Também alimento minhas teorias pessoais sobre o desabonador nas pessoas, e elas sempre são confirmadas pela experiência diária: afasto-me daquelas que não gostam de crianças, animais e música_ por mais que me pareça excessivamente incapaz uma pessoa não gostar dessas três coisas.

        Em relação a outra vertente do universo cultural infantil, um amigo, pai também de um bebê, me apresentou a um grupo musical chamado Palavra Cantada. Não sei se conheces: ótimo!

        1. Charlles,
          seus textos fizeram-me lembrar do final do “Escuta Zé Ninguém” de W. Reich. Ei-lo:

          “Ainda bem que o destino me concedeu até hoje uma vida limpa e sem ambições, que pude acompanhar o crescimento dos meus filhos, ouvir-lhes as primeiras palavras, vê-los mover-se, andar, brincar, fazer perguntas, assistir à sua, alegria; ainda bem que não deixei passar a Primavera sem a sentir, que pude gozar o vento ameno e o rumorejar dos regatos e o canto das aves; que não perdi o meu tempo em mexericos com os vizinhos, que amei a minha companheira e que senti correr no meu corpo o fluxo da vida; ainda bem que, mesmo em tempo de perturbação, não perdi o norte nem o sentido da vida. Pois que me foi possível escutar a voz que murmurava no meu intimo: ‘Existe apenas uma única coisa que vale a pena: viver bem e alegremente a própria vida. Escuta a voz do teu coração, ainda que tenhas de afastar-te do caminho trilhado pelos timoratos. E não consintas que o sofrimento te torne duro e amargo.’ E assim, na quietude do cair da tarde, quando me sento na erva em frente de minha casa, depois de um dia de trabalho, com a minha mulher é os meus filhos, ouço no pulsar da natureza à minha volta a melodia do futuro: ‘Humanidade inteira, eu te abençôo e abraço.’ E desejaria então que a vida aprendesse a defender os seus direitos, que fosse possível modificar os espíritos duros e os medrosos, que só fazem troar os canhões porque a vida os desapontou. E quando o meu – filho instalado no meu colo me pergunta: ‘Pai, o sol desapareceu, para onde foi, achas que volta depressa?’, respondo-lhe: ‘Sim, filho, há-de voltar amanhã para nos aquecer.’”

        2. hj pela manhã mesmo eu, q não sou dado a formulações dessas teorias, me peguei pensando q deve ser louvável desconfiar de pessoas q não gostam de MÚSICA. mas, é certo, para ciranças vale tbm. adoro-as. hj mesmo, no almoço, uma bebezinha me encantou, e, não fosse o bastante, sorriu para mim.

        3. Crianças, música e animais

          Por força de minha condição – sou deficiente físico e consegui, por manifestação de caridade hipócrita de meu patrão, emprego de caixa em um botequim, onde me assento numa cadeira atrás da registradora depois de acomodar minhas muletas no armário lateral (ando com muita dificuldade, mas não tolero cadeiras de rodas, por isso prefiro equilibrar-me com uma meia perna e as muletas que me impedem de cair a cada cinco metros, mais ou menos). Ganho um salário mínimo mais os trocos que os mais penalizados inserem num cofrinho posto ao lado, com a inscrição “Deus lhe pague”. Sou um estorvo para minha família de dois irmãos – moro com ambos em um pequeno apartamento no Méier – e não suporto, claro, a mim mesmo.

          Procuro de proteger de cães e gatos; os primeiros mordem minhas muletas, mijam nelas, latem desconfiados; os segundos pioram minha asma.

          A vida seria uma desgraça sem meus olhos, um dos meus poucos órgãos que funcionam bem e são cotidianamente testados, enquanto meus braços doem por força de minha teimosia e o sexo, bem, o sexo só piora minhas dores musculares, bem entendido seja.

          Com os olhos vejo os pequenos seres, ainda menores que eu, em seus carrinhos de bebê, colos de mães e pais, andando como patos desajeitados, expressões das mais variadas nos rostos, incontroláveis, desde os escancarados sorrisos às dores insuportáveis e impronunciáveis que descarregam nos músculos da face seus movimentos convulsivos. A alegria e perplexidade deles valeriam por toda a vida, se não crescêssemos e fossemos lapidando nossas expressões, dotando-as de estilo – no geral, gélido, contido, tendente à hipocrisia, até mesmo por medo.

          Sigo-as com meus olhos, fotografando-as mentalmente, produzindo filmetes de suas passagens, abraçados ternamente aos pais ou com eles travando discussões onomatopaicas.

          No final do dia, preso à minha cama, fisicamente esgotado, ponho para tocar em minha mente uma das músicas que cultivo, montando-as com as imagens guardadas. Vivo a vida me evadindo dessa forma das paredes desbotadas de meu quarto nesse apartamento miúdo e fedorento, por onde passeiam baratas e, às vezes, algum rato, que por aqui morrerá de fome. Criaturas nojentas.

          Mas projeto na janela aberta as pequenas criaturas e suas esperanças e seus desconfortos e tanta curiosidade que finjo que nenhuma delas dará naquilo que sou ou tantos outros são (aleijados de corpo ou de imaginação, não importa, carregando suas cruzes, como dizem), tudo envolto numa música cujo nome desconheço, mas não é nova e não é de hoje, e lá se vão aqueles em seus passinhos tortos e seus abraços minúsculos, gente sem poder e com necessidades urgentes de tudo que ainda não são e não sabem. Amanhã, mais uma vez, os trocados do cofrinho (em cujo fundo há uma abertura para retirada da féria do dia, disso os clientes não sabem) me confortarão com os doces que compro com eles, minha pequena infância suplementar. Em casa, guardo umas notas para comprar um pequeno aparelho portátil para tocar CD’s. No momento, ainda sou obrigado a ouvir os latidos dos cachorros que infestam esse beco suburbano, diabos os trouxeram aqui. No momento, recordo e sorrio.

      2. Conheço. São remanescentes do Grupo Rumo e têm Luiz Tatit e seu irmão, o que é uma garantia contra a burrice. Estou precisando de umas crianças para me atualizar!

        1. iria arrumar um jeito de contar a vcs, agora o milton deu o link. não foi o Luiz Tatit, mas, ontem, compareci a um seminário (Novas ideias sobre a música; continua hj com Carlos Sandroni – 19h – salão de atos – ufrgs – gratuito) em q falaram Guilherme Wisnik (filho de Zé Miguel) e Francisco Bosco (filho do João). Sensacional. Falaram sobre o estado da canção brasileira atual, dos prováveis rumos, arte em geral… enfim, foi muito bom. Não conhecia o Francisco, mas já gostei muito do trabalho do cara. Ele apresentou um texto inédito, um ensaio sobre a carreira do Arnaldo Baptista, q, ao meu ver, foi longe. Abordagem psicanálita pra Nunes algum botar defeito hehe.

          [charlles, poderia me indicar o post em q narra “a aula de religião que dei a alunos do ensino fundamental, em que despachamos demônios para casa”?]

        2. Para o Nunes:

          Não gostei da sua segunda crônica, ainda que, como sempre, bem escrita, coloquial, ligeira e reflexiva ( mais uma vez explicativa demais, privando ao leitor do mínimo contato que seja com a insinuação, tão importante ao texto).

          Sua intenção é visível em excesso, a de mostrar o caráter maniqueísta desses outros comentários cheios de marolas afetivas, confetes e chocalhos, em que o não gostar de cães, bebês e música torna-se objeto de descriminação. Só que, diante essa platéia que te conhece tão bem, o aleijado nunesiano (vamos chamá-lo assim) é indissociável de seu autor, prestando puramente a ser um veículo de ideias por demais conhecidas, para as quais o Milton deu o nome apropriado de sacrófagas. Justamente por essa intimidade que você angariou com nós é que a coisa se reverte e volta contra seu texto, tornado-o maniqueísta, um tanto ingênuo na provocação. Você cortou toda possibilidade real de retratar a insensibilidade de forma mais sutil e visível, para encarná-la num personagem panfletário, que gasta todo o argumento de uma existência de outra forma consolidada na rejeição em um dia em que expõe todos os três motivos de sua insuficiência: o não gostar de cães, crianças e música.

          Ou seja, uma provocação aos moldes de Marcos Nunes, mas toda provocação cai por água abaixo quando é previsível. Numa alternativa inversa de exposição, na mesma proporção, seria a de fazer uma crônica onde um sujeito adora cães, afaga criancinhas o dia inteiro, e a música é seu elemento espiritual_ daí então, na última linha, quando é dividida a dose de veneno em comunhão até mesmo para sua cadela Blondi, o autor revela o nome de tão admirável persona: Adolf Hitler.

  2. Baita história! Mas tu tá muito IMPERIALISTA, Milton, uhsuhdsuhdauhasd

    Tem vários ótimos livros infantis brasileiros. O Caparelli tem uma obra-prima da poesia infantil que é o Boi da Cara Preta!

    1. Não sou muito não. Adoro Tibicuera e li vários bons livros em meu tempo de bibliotecário. Mas esses aí são boníssimos.

      E, veja bem, são livros quase sem texto. São para crianças entre 5 e 8-9 anos.

      Abraço.

  3. CIGARRAS
    by Ramiro Conceição

    O que tem valor…: é o talento!
    Se o mundo valoriza excrementos
    então o problema é do mundo.
    Porque o que tem valor: é o talento!
    Talentos a gerar ordinários
    não são talentos! Pois se fundamentam,
    a priori, no assassinato de muitos.
    Talento…: é gerar do nada
    uma música debaixo do tempo;
    é o grito extraordinário das cigarras
    a pedir passagem debaixo do vento.

    Talento de construir! Talento de imaginar!
    Talento de amar! Talento de rir!
    De que precisa o mundo?
    “De bilhões de talentos!”

      1. Não entendi bem a piada, Milton…
        Mas lá vai uma do deprimidozinho:

        Nas pessoas de capacidade limitada, a modéstia não passa de mera honestidade, mas em quem possui grande talento, é hipocrisia.

        Arthur Schopenhauer

      2. Piada sem graça.

        Talento era a moeda da Roma Antiga. Parece que começou na Grécia e tinha subdivisões malucas: dracmas, minas, etc.

        Bilhões de talentos aplicados desde aquela época deve ser uma boa soma.

  4. Tinha uma caixa

    Tinha uma caixa no meio do caminho do quarto de brinquedos. Uma caixa vazia. Olhei para os lados, para o corredor, para a sala, para o quarto dos meus pais. Nada. Mas a caixa estava ali. Vazia. Nada escrito fora, nada guardado dentro. Entrei na caixa. Coube direitinho nela. Deu trabalho. Abaixei a cabeça e olhei para dentro dela. Estava vazio. Senti o cheiro do papelão. A casa estava silenciosa. Dentro da caixa, fazia menos barulho ainda. Olhei para fora mas não havia ninguém ali, além dos móveis e objetos que não se movem nunca. A caixa se movera até ali sozinha? Deitei no fundo da caixa e comecei a pensar em como seria possível para uma caixa chegar até ali. Dizem que o mundo se move mesmo quando tudo parece estar parado. Deitado no fundo da caixa em sentia o mundo rodar enquanto eu estava ali, parado, no meio de todo aquele silêncio de objetos imóveis. Me levantei e tudo ficou de novo quieto em seu lugar. Acho que é possível, mudando a caixa de lugar, ver as coisas se mexerem de outras maneiras. Como acontece quando um caminhão de mudança vem e os homens vão colocando nas caixas as coisas e elas mudam definitivamente de lugar. Penso então que, se morar dentro da caixa, posso eu mesmo mudar de lugar várias vezes enquanto vejo também o mundo rodar. Com tantas coisas possíveis, é bem capaz dessa coisa toda ficar bastante divertida!

  5. minha esposa q fala deste rei bigodeira. eu tinha – e amava o livro até como objeto, é claro – as fábulas do La Fontaine. Grande, capa dura, meio carcomido. Acho q tinha sido do meu pai. Comprei esses dias, num sebo, pra filha de meu primo, q nasceu faz dois meses.

  6. Olá Milton, que alegria ver tua citação ao meu blog! Obrigada. Este livro, do homem que amava caixas tem um sentido muito especial para mim. Dei-o de presente ao meu pai e fiz uma dedicatória. É uma bela e comovente história, um resgate de tantas relações familiares difíceis por aí, e é de uma poesia e qualidade gráfica impressionante tb.

    Grande abraço. Volte ao meu blog quando quiser. Seja bem-vindo.

    1. Eu é que devo agradecer, Shirley.

      Tinha que estabelecer o link, pois nossa relação com o livro é, digamos, MUITO ANÁLOGA. Meu pai não foi um artista, mas tinha profundo amor pela arte — principalmente pela música — e o temperamento e compreensão necessárias a um destino que só se realizou como pianista amador.

      Dia desses, falo mais sobre ele.

      Seja bem-vinda.

  7. Está no post “Ensino Religioso em Estado Laico”, arbo.

    Tive de procurar para encontrar, pois já havia me esquecido do tema do dia; e eis que, pelo canto do olho, resolvo um mistério: então tu chamas realmente “arbo”? Rômulo Arbo!

    Sempre achei que fosse algo como as suas iniciais (daí a brincadeira do novo nome da lésbica coreana), ou um pseudônimo relativo a árvore.

  8. Milton
    Vou comprar “O Homem que amava caixas”. Assim como o Charlles, também choro a toa.
    Imagina o que aconteceu quando vi os desenhos da história que você me trouxe neste final de tarde.

  9. Estava puxando pela memória algum livro infantil de que eu gostasse, e hoje me veio, de súbito, o “Platero e Eu”, do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez. Muito popular na primeira metade do século passado, hoje exige atenção mais restrita e uma sensibilidade apurada, passando a ser destinado a crianças, poucas, que num momento descubram a felicidade de um mundo anterior onde as coisas eram menos autônomas, e havia espaço para a delicadeza. Charles Bukowski escreveu: “Onde foram parar as coisas doces e delicadas desse mundo?”. Um pouco delas estão em Platero.

    A Menininha

    A menininha era o encanto de Platero. Quando se encaminhava para êle, entre os lilases em flor, com seu vestidinho branco e o chapéu de palha-de-arroz, chamando-o, dengosa, de Platero! Platerinho! o burrinho queria arrebentar a soga, e saltava como uma criança, e rebusnava como louco.
    Com uma confiança cega, passava por baixo dêle, e dava-lhe palmadas, e punha a mão_ cândido nardo_ na bôca de Platero, ornada das ameias dos grandes dentes amarelados; ou, então, agarrando-lhes as orelhas e puxando-as até a altura de seu rosto, chamava-o por tôdas as variações de seu nome: _ Platero! Platerão! Platerinho! Platerete! Platerote!
    Durante os longos dias em que a menininha navegou em seu berço de aurora, rio abaixo, até a Morte, ninguém se lembrou de Platero. Ela, em seu delírio, chamava por êle, triste:_ Platerinho! Da casa sombria e cheia de suspiros, ouvia-se, às vezes, o grito distante e choroso, do amigo a chamá-la. Oh! verão melancólico!
    Como Deus cobriu de esplendor e beleza a tarde do ênterro! Setembro, rosa e ouro, como neste instante, declinava. Como vibravam os sinos naquele ocaso maravilhoso! Voltei pelo taipal, sòzinho e triste, entrei em casa pela porta do cercado e, fugindo do convívio dos homens, encaminhei-me para a estrebaria e sentei-me, a recordar, com Platero…

    1. Caro Charlles,

      Quanto às suas observações, esclareço que:

      1) o homem só não gostava de bichos, enquanto se encantava com crianças pequenas e alguma música;

      2) o excesso de especificações deve-se principalmente ao caráter do personagem, algo imóvel, o que o torna obsessivo em suas observações;

      3) já discutimos sobre homens célebres que, mesmo tiranos, eram pessoalmente simpaticíssimos;

      4) mesmo assim, achei engraçada sua classificação justo por maniqueísta;

      5) eu gosto de crianças, música e animais, mas quanto aos últimos me mantenho escrupulosamente em silêncio, por carnívoro; dizer que “adoro cães!” e não refutar um prato em restaurante coreano, bem, parece que faltou a especificação “adoro cães… assados!”;

      6) melhor perder essa mania de achar que eu falo pela boca de personagens, quando os utilizo dentro de um contexto para falar de possibilidades além daquelas nutridas pela minha, ahn, formação, ahn, humana (?).

      1. Pô, Nunes! Pensei que não iria ver meu comentário! tava pra te mandar um email. Nunca na história deste país ficamos sem uma tréplica. Cães assados foi muito bom; espetinho de gato é mais normal.

        1. Na verdade eu não ia contestar, tava com preguiça e… entrei pro moivimento Ui, Cansei!, que é formado exclusivamente por ex-abortos-de-intelectuais-resmungões. Nesse movimento a gente não reclama de nada e, quando tem vontade disso, recitamos nosso mantra que atende pelo título de Odara.

          Às vezes, claro, não dá só hilaridade ler os furibundos comentários vaticinando barbáries eternas, mas aí eu me seguro e vou pelas indiretivas ficcionais, baixo um caboclo qualquer e começo a pensar contra mim mesmo, método garantido para exterminar seriedade compulsiva.

          Acho até que o Milton deve estar de saco cheio de minhas croniquetas, mas… se não posso encher o saco dos amigos virtuais, faço o que? Encho da minha mulher? Envio para o blog dela catilinárias a exigir a destruição de Cartago?

          Bom, hora do mantra…

  10. Devo dizer que você é um mal necessário, o segundo que leio, ou o primeiro, algumas poucas vezes, o único. Uma fidelidade só compatível àquela da dor de molar. E seu tom mais ameno (olha só que despropósito, estava para escrever “carinhoso”, hahaha!) deve-se a nós, para quem o exercício constante do mantra um certo dia foi para o escambau e revidamos. Maior hilaridade é escrever os furibundos eternos e renegá-los em crônicas que sub-liminam a incapacidade de se fugir deles.

    omani, pamani, ummmm

  11. Vim parar aqui sem querer e já chorei sem querer.
    Lá em casa, dava pra escrever essa historinha trocando as caixas por música, guitarras, chocalhos e teclas e sopros e coisas assim.
    E apesar de todas essas coisas no meio, eu e meu filho não temos vergonha de dizer que nos amamos. As vezes fazemos isso escondidos, de noite. E dormimos de mãos dadas, noite sim, noite não.

    Abs.
    MarcosVP

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