OK, o título é pura provocação, não acredito nisso. As previsões são previsões, como diria Gertrude Stein. A Folha de São Paulo que o diga. Vejam uma página de tecnologia que o jornal publicou em 1996 e que foi garimpada pelo Tiago Dória:
Muitos já anunciaram o fim do rock, do romance, de um monte de coisas, mas tudo o que mexe com paixões são complicadas de matar. As únicas coisas que efetivamente acabaram foram a privacidade e o cinema de primeira linha. A nova moda é proclamar o fim do livro e a grande novidade é que tal morte é apoiada por boa parcela dos ecologistas, os quais falam nas vantagens de se produzir menos papel. Só que, como sabemos, os ecologistas não contam. Como em Copenhagen, quem decide é o mercado.
Não adianta. Eu gosto de livros. Eles existem há séculos, bem mais do que os disquetes que ainda insistem em aparecer em minhas gavetas e que têm quanto? 10 anos? Creio que o formato convencional acabará junto com o mundo, mas, neste ínterim, dividirá o espaço com os e-books.
O que é Kindle? É isso aqui:
É um aparelho criado pela Amazon que tem como função principal ler e-books (livros digitais) e outros tipos de mídia digital. O Kindle 3 lê também jornais, os mais famosos blogs dos EUA, toca mp3 e faz o diabo. É como os celulares de hoje. Pode armazenar uns 1500 livros em formato pdf ou Kindle, mas isso depende, claro, do tamanho da memória. Dizem que a luz ambiente não interfere na leitura, que podemos sublinhar e anotar nossos pitacos no texto, que tudo é maravilhoso — só faltaria o cheiro do livro — e que serão riscados da face da terra os jornais em papel, os livros, etc.
Como se publica um livro? Simples. Manda-se um arquivo para a Amazon e ele te devolvem no formato Kindle sob um módico pagamento. Como colocar à venda? Não sei, mas é óbvio que é só pagar mais à Amazon para fazer também isso.
Já há Kindles com conexão à internet — permanente ou não — , o que permite a compra de livros eletrônicos sem passagem por nenhum PC. Claro, os Kindles um dia terão as funções de um PC e talvez até possam ser guardados dentro dos saltos de nosso sapatos, apesar de que não vejo grande utilidade nisso. Os livros vendidos pelas editoras através da Amazon custam em média US$ 9,99 cada um e, se eu quiser disponibilizar meu blog lá, custaria US$ 1,99 mensais ao leitor, sendo 2/3 para eles e o resto para mim. Um jornal pode ser entregue diariamente no Kindle por US$ 2,99 mensais.
Será mais um gadget caro. Alguns o considerarão vital a ponto de verem ameaçadas suas contemporaneidades quando o vizinho comprar um Kindle que mostre séries de TV americanas ou que substitua o celular e o liquidificador. Já pensaram um que escolha a música conforme a leitura? Eu já estou esperando o Kindle câmara de vídeo com a finalidade de fazer estudos lombrosianos de comparação entre quem lê Kafka e quem vê House. Ou entre quem lê Paulo Coelho e Thomas Bernhard, sei lá.
Um dia eu estava no meio de uma discussão sobre isso, defendendo os livros. Dizendo o quanto o objeto livro é legal, que é fácil de carregar, declarei meu amor às capas, às orelhas, à leitura de parágrafos aleatórios pra sentir o estilo do autor.
Até que o outro lado me informou que eu poderia ter vinte livros da bolsa graças ao Kindle. Eu, que leio vários e carrego nenhum. A partir disso, passei a achar que os livros morrerão sim.
Talvez morram, mas acho que não verei isso acontecer.
Leio Adorno falando que a banalidade nas artes chegará num estágio tão avançado, devido à mediocridade alavancada pelos primores da técnica, que os únicos livros merecedores de serem lidos serão os mimeografados.
Mas não acredito no fim do livro. De algum modo positivo, Paulo Coelho, J. K. Rowling e Dan Brown afirmam uma época em que a leitura está à mil. Passei dos quadrinhos aos livros; do Flash Gordon para Os Idiotas.
Caí na besteira de comprar o Símbolo Perdido ( por que não o Símbolo Sumido? Não ficaria mais lusitanamente interessante? Infiel, mas interessante), e na besteira maior ainda de começar a lê-lo, com a indagação na cabeça: vamos ver o que esse Dan Brown tem, afinal de contas. E não é que estou absolutamente hipnotizado por essa trama boçal onde o bandido, ao invés de falar ao Robert Hanks o que ele quer que ele encontre pelamordedeus e demuavezportodas, não; vai cortando mãos, juntando símbolos, atirando nosso herói para subterrâneos em Washington, na completa e infantil ignorância da praticidade maquiavélica que tem a linha reta. Um bandido infantil, e um herói antipatizado pelo pedantismo lógico.
Eu não gosto de Adorno escrevendo sobre música — ele se arrisca e equivoca-se repetidamente. Mas isso que escreveste… O cara está no caminho, sem dúvida.
Só compraria o Kindle quando eles conseguissem reproduzir o cheiro do livro.
Eu acho que não me adaptaria. Não dá para torcer nem para atirar longe quando o autor é irritante.
offtopic:
Primeiro foi você, agora vários dos teus leitores estão me dando a honra de freqüentarem (sim, eu amo a trema) o meu blog. Estou me sentindo fodona, igual tu! =D
Mas, menino, que responsabilidade! Os comentários são melhores do que os posts!
Acho o teu blog é muito bom e o número de leitores será inevitavelmente crescente. Tanto que leio sempre e me sinto motivado a comentar.
Ah, quanto ao fodão… Sou apenas fodinha.
Sobre o Kindle: http://www.interney.net/blogs/lll/2009/12/22/kindle_faq/
Estou respondendo os comentários de trás para diante. Li há pouco o artigão do Alex. Excelente.
Como é uma questão de mercado – e no mundo em que a maior parte das pessoas vive realmente o é – acredito que o Kindle (e seus concorrentes) irão se proliferar realmente tão logo os livros esteja disponíveis mais maciçamente e com grandes vantagens monetárias. A maior parte dos livros hoje tem diferenças de preço muito pequenas na versão Kindle e na versão impressa.
E o que vai ser das prateleiras sem os livros? E as traças, imagine o que vão passar a comer? Será que não estamos criando uma incrivel raça de traças superpoderosas devoradoras de Kindles & afins?
E haverá PQP Bachs de livros?
PASSARINHOSAMENTE
by Ramiro Conceição
Debaixo do frio olhar da insensatez
joga-se – escada abaixo! – os pedaços
inocentes dum futuro amar… crescente.
Aí, senhoras e senhores,
só resta a presença de demônios
oriundos dum mundo obscuro.
Aí, senhoras e senhores,
só resta sair – o mais rápido possível –
em direção ao temível penhasco
para respirar livremente… o mar…
e então saltar… passarinhosamente.
Calma, Ramiro, não és Ícaro. Fica com a gente e a insensatez.
Sim, Milton, não sou Ícaro, por isso do advérbio “pasarinhosamente”. Ícaro representa o orgulho, a presunção, a onipotência da insensata vaidade humana.
É engraçado que o mito de Ícaro, historicamente, ficou associado à aviação; porém, o mais lógico é que esta deveria estar associada a Dédalo, pai daquele. Sim, porque Dédalo, além de arquiteto e inventor genial, conhecia todos os perigos e segredos do voar. Assim, para mim, “passarinhosamente” representaria a lucidez, a maturidade de Dédalo: o voo possível!
Isso é que é coincidência (ou será que não?). Agora mesmo estava lendo o blog do Rafael Galvão, com dois posts sobre o Kindle e um link para http://www.interney.net/blogs/lll/2009/12/22/kindle_faq/
De lá mesmo cheguei até aqui pelo link disponibilizado pelo Rafael Galvão. Incrível.
Bem, não será no post 758 que vou começar a chupar textos de outros, né? (Mas creio que estou me armando desnecessariamente, não me acusaste de nada, certo?) Porém, li o texto do Rafael na semana passada. O do Alex, que é muito extenso e excelente, li agora.
As informações foram retiradas da própria Amazon, de sites que vendem similares chineses do Kindle e do Sergio Rodrigues.
Milton,
tenho diversos livros no meu micro, ma jamais os li. Talvez com o kindle isto seja possível. Eu não me adaptei, há muito o que melhorar, mas não duvido.
Vamos perder algumas coisas boas sim, como o cheiro, a capa (como já ocorreu com os LPs), orelha, folhear no Ateneu. Hábitos gerados, dialeticamente,pela condição do livro ser como ele é, não necessariamente melhores ou piores que os que surgirão.
Vou aguardar com forte espírito crítico, mas serei receptivo.
A propósito, tua comparação lombrosiana é exclusiva? Pois eu leio (ou melhor, nesta altura releio) Kafka e assisto a House. Já minha filha menor leu/viu e detestou ambos.
Abraços
Branco
Sabe? Pensei em ti e na minha irmã!
Vcs adoram o House. Aqui em casa, já consegui convencer as espectadoras de que o House conta SEMPRE a mesma história e, pior, com a mesma estrutura de
1. exposição de um conflito com ironias arrasadoras
2. desenvolvimento com ironias arrasadoras
3. virada com ironias arrasadoras
4. final feliz (a cura) com ironias arrasadoras
Elas acabaram detestando o troço…
(Bá, tenho, uma dívida contigo. Fiquei de revisar aquela tabela e não fiz até agora. Merda!)
Amo livros.
Amo-os antes de saber lê-los. Verdade! Tenhos fotos para provar. Leio tudo (ou quase tudo). Gosto do peso, das cores, do formato da lombada e, claro, do cheiro.
Porém, pensando historicamente, talvez no passado tenha existido aqueles que lamentaram quando os pergaminhos deram lugar aos livros (mais compactos e fáceis de transportar) e, talvez, eles também tenham maldito o nascente e cretino mercado que estava tirando toda a poesia da coisa.
Sinceramente, acho que me importo menos com a existência do Kindle do que com o fato de saber que sua existência mostra que as pessoas estão lendo e fazendo isso cada vez mais. É puro egoísmo: eu prefiro “realmente” viver num mundo de pessoas que leem. Conversar é bem mais fácil quando o BBB não é o tópico.
Não acho que o livro vai acabar, assim, de uma hora para outra. Acho que apaixonados como eu serão dinossauros difíceis de extinguir e poderemos ainda contaminar gerações vindouras (meu filho nem tem dentes e tem mais de 20 livros só dele). Mas eventualmente, isso vai acontecer. E nós, mesmo fazendo parte da resistência, somos mais facilmente conquistáveis do que gostamos de nos imaginar.
Por fim, a frase que fará o Milton me expulsar do blog novamente: cheiro de livro novo é o cheiro da cola. Papel e cola. Talvez não seja tão difícil reproduzir.
Concordo contigo. Livros são bens muito antigos e, mesmo que substituídos, não irão para as fogueiras, continuando sua luta ancestral contra o pó e as traças.
Quanto à provocação final:
1. Linha 2: Gosto do peso, das cores, do formato da lombada e, claro, do cheiro.
2. Duas últimas linhas: … cheiro de livro novo é o cheiro da cola. Papel e cola. Talvez não seja tão difícil reproduzir.
Pelo visto, ambos gostamos de cheirar cola!
Pois é, não é, Milton? E dizem que esse troço vicia. Oh céus!
É o fim dos tempos!
Aproveitei que é a vez da Nikelen trocar as fraldas do Miguel e vou anexar meu protesto ao comentário dela.
Puxa, justo ela que me ensinou a amar os livros ainda mais do que eu amava. Minha companheira para ficar horas e horas em bibliotecas. E depois ficar falando delas! A pessoa que lê, como ela mesmo disse, quase tudo que lhe cai nas mãos.
Vejam, quando casei, minha biblioteca viu seu número de exemplares aumentado em 10 vezes (não é exagero, é isso mesmo, matemático).
Eu vou usar os leitores eletrônicos, com certeza. Mas digo não à morte do livro tridimensional.
Está decidido: quando a Nikelen comprar seu primeiro Kindle, vou me apossar de todos os livros e só vou deixá-la entrar na nossa pequena biblioteca nos finais de semana.
Isso se ela ganhar esse direito em juízo.
Céus! Provocamos uma pequena cizânia conjugal!
Notei que tu, Nikelen, é do meu time. Gostas de uma provocação, né? O Farinatti deve sofrer nas tuas mãos!
Cheiro de cola? Realmente nunca percebi! Há alguns meses pedi pela EV o The Adventures of Augie March, por uma pexinxa de 8 reais. Quando chegou, uma surpresa incrível: era a primeira edição norte americana, de 1953. O objeto mais valioso que tenho na biblioteca. O cheiro dele? De velhice, recordações alheias, um cheiro amarelo, meio de degradação e persistência segura (e algo indefinidamente chicagoano). O Kindle pode reproduzir?
É mesmo, recebeste uma raridade assim no mais? Que bom!
È, cara! E o pior, pareceu com aquela vaidade masculina de “sabe quem tô comendo?”; só que não tinha ninguém para contar. Cheguei a levar o calhamaço para meus colegas de trabalho, mas eles olharam para a coisa amarela e com um ar de bronquite com a maior indiferença possível. Deu vontade de mandar um email para o sebo com: “vocês não sabem o que perderam, iuiuiu”. Tá lá na estante ao lado de um exemplar de “Do Outro Lado do Rio, Por Entre as Árvores”, do tempo em que Hemingway era vivo. Me passa pela cabeça aquele fetiche meio idiota meio sagrado, quando pego este último, de que o americano respirava quando as páginas estavam sendo impressas. Kindle?! Sinceramente…
É, eu também tenho restrições. Amo os livros do ponto de vista físico…
Na maioria das vezes os futurólogos tecnológicos erram: ou fazem previsões pessimistas ou otimistas demais. Foi assim com o “fim do cinema” com a TV, o fim da TV com o vídeo-cassete. A tecnologia também se supera: quem não lembra que as fitas VHS foram superadas pelos “Vídeos-Discos”, do tamanho de LP´s. Ainda bem que não comprei o tal aparelho.
Concordo contigo que a mudança de hábito vai ser lenta e talvez não a vejamos ser finalizada. Penso que uma mudança sempre leva a criação de novas oportunidas. Se não existissem os Blogs, certamente estarias distribuindo teu fanzine, datilografado e copiado no mimeografado, na Rua da Praia.
Temos que pensar também nas pobres traças que, com o advento do tal Kindle-ovo-livro, seriam exitintas. Os furinhos nas páginas dos livros podem ser simulados facilmente na tela.
É, e dá para colocar um tom sépia nos livros velhos…