Armando Nogueira, o mais recente santo

Armando Nogueira, falecido ontem, tem recebido notáveis encômios post mortem. Na verdade, eu pouco sei dele além das discretas participações nos debates da SporTV e de ter sido o fundador e primeiro diretor do Jornal Nacional, um dos principais esteios da ditadura militar. Sei que havia a censura e que os milicos mandavam tirar isso e colocar aquilo, sei da concordância de Roberto Marinho, mas o papel de Armando é muito semelhante ao de Klaus Maria Brandauer no clássico Mephisto. Ele parece ser um poeta, um amante da palavra e do bom futebol romântico, porém passou 25 anos obedecendo aos militares e a Roberto Marinho no mais importante jornal da onipresente Rede Globo daquela época em que só tínhamos a TV aberta.

No documentário Muito Além do Cidadão Kane, Armando Nogueira critica acidamente a edição do famoso debate Lula x Collor de 1989, que beneficiou escarradamente o segundo e provavelmente decidiu a eleição. Virou exemplo de jornalista ético, apesar de sua longa relação com o braço jornalístico da ditadura. Estranho.

Mais. Há o bem mais claro escândalo da Proconsult de 1982. Havia a disputa Leonel Brizola x Moreira Franco e Nogueira — conhecido à época pelo delicado apelido de “armando nojeira” — ficou em maus, péssimos e malcheirosos lençóis por ter manipulado (ou colaborado com a manipulação) resultados das pesquisas de opinião, fato que se tornou depois corriqueiro. Brizola deixou às claras a atuação do educado e culto moço da Globo.

Sobre o caso Lula x Collor — vejam Santo Armando com o dedo na boca, todo torto na cadeira, tentando tirar o seu da reta da história:

Não digo que ele tenha sido culpado — o que sei eu? — , mas o Jornal Nacional era dele e estávamos numa época complicada. Difícil acreditar que tudo foi feito sem a presença do diretor, principalmente numa edição tão importante, não? E aqui está a beleza produzida pela Rede Globo para o Brasil no Jornal Nacional, um ou dois dias antes da eleição:

Nosso país não prima mesmo pela memória. Ninguém quis lembrar que o ameno, leve e simpático Fernando Sabino escrevera, provavelmente sob encomenda, Zélia, uma paixão, em homenagem ao amor da ministra da Economia do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, pelo ministro da Justiça Bernardo Cabral. Todos só queram falar em Encontro Marcado e nas crônicas. Então, tá. Viva Armando Nogueira!

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  1. Muito importante o registro. Essa mania de santificar quem morre é muito chata. O curioso é que até mesmo o “Nojeira” previu isso:

    “quem morre muda, e quem muda melhora. Tenho notado que os meus amigos que morreram, melhoraram com a morte.”

  2. Milton…

    Não sejamos tão cruéis com a edição… Ela só empurrou o governo Lula para depois… Já pensou se pudesse ter empurrado mais algumas vezes também?

    Desculpe, mas é que todo esse país é uma piada.

  3. É hábito no Brasil capeta virar santo após a morte. Armando Nogueira ou Nojeira, como queiram, foi um grande canalha a serviço da ditadura e dos escusos interesses do sr. Roberto Marinho. Tentou derrotar Brizola no tapetão e quando caiu a máscara, chorou covardemente. Em 84, minimizou o sucesso e a cavalgada das diretas-já a serviço do mesmo trêfego Marinho. Em 89, ao editar o debate de Lula e Collor agiu descaradamente em favor do segundo, influenciando na sua vitória. E tem outra: nunca ví nenhum mérito no profissionalismo de Nogueira. era um oportunista a serviço de interesses ilícitos, contra o Brasil. Portanto, espero, se é que existe inferno, que vá pipocar de quatro costados.

  4. Quase que se pode estabelecer a “Lei do elogio Global”: Todo aquele que é, foi ou será elogiado pela Rede G merece nossa desconfiança. O pior é que essa lei não admite exceções… Lembro-me das manipulações globais, da adesão descarada à ditadura, dos serviços prestados à direita…

  5. Dias após Lula vencer sua primeira eleição p/ Presidente, Marilena Chauí histórica petista disse que havia se livrado de sua televisão assim que viu o Jornal Nacional produzir matérias jornalisticas elogiando Lula.
    Não seja ingênuo Milton, Business is business.
    Semanas atrás você disse que não havia na grande midia quem fosse favoravel à Lula. Recomendo você assistir ao Jornal Nacional (PAC todos os dias) ou ler O Globo (mesma coisa).
    Em tempo: a Folha se uniu ao Globo (históricos opostos) e criaram o jornal O Valor.
    Business Milton,business…

  6. pessoal, um reparo histórico.
    a edição do debate Collor Lula foi feita à revelia do Armando, num dos mais clássicos episodios de puxada de tapete do jornalismo brasileiro. ganha um maço de cigarros quem adivinhar o nome do fulano que depois disso assumiu o trono na direção do jornalismo do jardim botanico, já no governo collor. pra quem quiser , indico duas leituras:o livro dos 40 anos do JN que lava essa roupa suja, e Noticias do Planalto, do Mario Sergio Conti.
    Armando deixou a direção do jornalismo global depois do episodio . foi se dedicar ao esporte e à aviação. sei que vou ser massacrado aqui nos comentarios, mas confesso que gostava dele. e acho que a definição do Mephisto do Milton é perfeita pra explicar o papel dele no jornal,ismo brasileiro. noves fora, era de um texto poético, ímpar, daqueles que nao vemos mais hoje na cronica esportiva. acho que ele vai é se juntar ao Nelson Rodrigues e ao Mario Filho, lá em cima.

  7. Olá Milton,
    A questão da edição realizada pela Globo após o debate entre Lula e Collor ainda permanece como uma das maiores vergonhas da história do jornalismo brasileiro.
    No entanto, pelo que conheço do caso e pelo que li sobre o assunto depois, Armando não só não sabia de nada como se indignou com o ocorrido.
    Infelizmente para ele, o fato de ter sido o editor do JN na época fez com que ficasse com o ônus do ocorrido. Como de costume, surgir alguém empenhado em contar a verdade ou buscar reunir mais informações é algo bem mais raro do que aqueles que apontam o dedo depois de ouvir o galo cantar sem saber onde.
    Lamentavelmente, ele não está mais neste mundo para rebater as acusações e recontar novamente o que aconteceu.
    Abraço.

    1. Santos existe sim ! E foi roubado, na final de 95, contra o Botafogo do Armando Nogeira e este só faltou fazer poesia para o juiz, já que perpetrou, como de costume, odes ao vencedor. Coerente com sua carreira. Santista que se preze tem pelo menos duas razões pra não gostar dele.

  8. Cena 1
    Brizola chia contra os numeros da apuração, onde o percentual apurado do interior era muitas vezes mais rápido da apuração na capital que lhe favorecia, ao vivo no Jornal da Globo mas fala como eleito: quando eu assumir…
    Armando aparece
    em um telão e diz: Mas Doutor Brizola os números não lhe dão a dianteira
    Só se o senhor estiver acompanhando pela Globo
    Armando se cala e a saia justa vai ao comercial

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