O Restaurante Pagoda fechou

Sim, estou ficando velho. Hoje, ao caminhar pela Protásio Alves, dei da cara com um pequeno cartaz avisando que o Pagoda fechava suas portas agradecendo a todos os clientes que o frequentaram em seus 50 anos de vida.

O Pagoda foi uma alegria infantil para mim. Havia apenas dois restaurantes chineses na cidade, o Pagoda na Protásio e o Lokun na Venâncio Aires. Meus pais gostavam, eu amava e não lembro da opinião de minha irmã. Fui uma criança tarada por arroz. Comia arroz com feijão como se o mundo fosse acabar e o arroz chop suey do Pagoda era deglutido ao vivo e em fantasia. Lembro de salivar só pensando nele.

Depois, passei a ir lá com minhas namoradas. Lembro de uma vez em que era domingo e quase fui expulso por não sair da mesa. Havia fila lá fora e eu fazendo graça para a moça que, decididamente, valia a pena. Fiquei umas duas horas quando, pela primeira e única vez, me entregaram a conta sem eu ter pedido. Achei uma merda, mas tudo acabou em excelente digestão. Meus filhos também amaram o Goda. O Bernardo tinha certeza que o nome do restaurante era apenas Goda. Foi na porta do Pagoda que ele levou o maior tabefe de sua vida. Tinha uns dois anos e saiu correndo porta afora, atravessou a rua e eu só o alcancei no corredor de ônibus. Lembro de minha ex e dos pedestres gritando para ele parar. Lembro do silêncio que ficou quando o agarrei pelo braço e, descontrolado, meti-lhe um tapa que lhe deixou a marca dos meus dedos na bochecha. Nunca mais fez aquilo, claro, nem eu.

Lembro da Bárbara ficar horas no banheiro do restaurante a ponto de eu ir lá bater ou pedir para uma garçonete ver o que estava acontecendo. Ela sempre foi muito autônoma e nunca quis ir no banheiro masculino com o papai, de modo algum. Ah, as garçonetes… Ficavam lá por anos, sempre as mesmas. A gente podia acompanhá-las desde jovens, bem magrinhas, para depois ganharem corpo, muitas vezes um barrigão, um sumiço passageiro e o retorno, sempre saudado pelos clientes.

Outra vez, estava febril, enormemente gripado e achei que só a sopa do Pagoda poderia resolver minha necessidade de líquidos. Sentei sozinho naquela mesa para dois, logo na curva da entrada e fiz o pedido. Na hora de pagar, a D. Maria não aceitou — vira que a sopa era um remédio para mim e o Pagoda não era farmácia… Grande D. Maria. Sempre sorridente, deve ter adaptado seu nome para o Brasil. Quando a Claudia apareceu — minha mulher decididamente atrai pessoas — , ela veio muitas vezes até nossa mesa. Na primeira vez em que saiu detrás de seu eterno balcão, trouxe-nos uma sacola imensa de lichias, uma fruta absolutamente maravilhosa, que tentamos plantar sem sucesso. Nossa frustração agrônoma servia de pretexto para a D. Maria vir conversar. Era uma senhora doce e educada, sua fala branda adorava ironias.

Pois bem, o Pagoda fechou e a Claudia disse tudo ainda há pouco no MSN:

— Espero que a Dona Maria envelheça bem.

Eu também. Só gostaria de saber onde haverá um camarão ao molho de saquê que faça sombra ao do Pagoda.

P.S.- Se algum leitor tiver contato com a D. Maria, avise-a deste textinho, por favor. É o meu agradecimento.

Update (pelo twitter): @miltonribeiro RT @Liskan: @vinicius_m A dona faleceu ano passado e ele era mantido pelos funcionários. Em março ele já tinha fechado 🙁

54 comments / Add your comment below

    1. Talvez seja o Kowloon ! Também foi-se…
      Ou o outro restaurante entre o Zaffari da Cristovão e a Delegacia de Polícia.

      Inclusive as cadeiras eram iguais ao do Pagoda (pretas estofadas, tipo de escritório anos 80…

  1. Sempre gostei de gente autêntica e despretensiosa, acho que a Dona Maria o era.

    Sinto que o Pagoda tenha fechado suas portas e Milton, tenha certeza, nunca mais uma sopa terá o gosto daquela e nem os camarões com saquê mais sofisticados terão o gosto dos de lá.

    Este sabor agora é da tua memória afetiva.

    Quando me falaste das Lichias fui ver se era possível conseguirmos uma muda. Bem, descobri um viveiro que vende mudas já produzindo mas acho que não teremos a nossa Lichia… é que ela precisa de distanciamento de 10m para ser plantada… abacateiros também…

    Quero morar numa chácara!

  2. Aqui eu tenho a Lancheria Itália. Minha mãe ia lá desde criança, e passou a nos levar quando voltou para Curitiba, separada. Lembro que meus pés ficavam balançando nos bancos. E que tomava Wimi sem gelo. Eles têm um único sabor de pizza (muzzarella), que sai como pão quente. A gente se serve direto no guardanapo, que fica todo espetado no balcão. Duas funcionárias lá ainda são do meu tempo…

    Lugares assim não deveriam fechar. Mal e mal deveriam sofrer reformas, só o essencial.

      1. Fiquei emocionada ao ler teu comentário.Como gostaria de saborear novamente o Camarão ao molho de Saquê. Muuuuuuita saudade!!!!!
        Parabéns pela narrativa tão real,só quem conheceu sabe do que estamos falando!
        Abraço

  3. Qual será verdade?

    17/04/10 – http://www.deolhoseouvidos.com.br/: “Fechamento do Pagoda! Os taxistas sabem tudo,ou quase nesta vida: um deles, o Japa,como chamam, sabe o motivo pelo qual o restaurante que tinha mais de 50 anos de funcionamento em Porto Alegre, o PAGODA, fechou as portas: faleceu a senhora que era a “alma” do Pagoda. A família mora no mesmo prédio onde ele funciona, na Protásio Alves, perto do viaduto Tiradentes, nas imediações do Clínicas.”

    05/03/10 – na coluna de Roberto Brenol Andrade, Jornal do Comércio: “Depois de 40 anos brindando os porto-alegrenses e outras pessoas do Rio Grande, do Brasil e mesmo do exterior, fechou o tradicional restaurante Pagoda, na Protásio Alves. O seu proprietário se aposentou, após 48 anos na profissão. Deixará saudades em todos os que apreciavam o seu frango xadrez, uma delícia. (Rodrigo Ferreira, Porto Alegre)”

    Que ia fechar estava anunciado desde fevereiro:

    13/02/10 – twitter de Ivone Herz: “O restaurante PAGODA vai fechar no final de fevereiro. Merecia uma homenagem e uma tentativa de evitar o fechamento. Que pena!”

  4. A noticia nao é boa. Na ultima vez que almocei lá, com minhas ias e primos, as garçonetes nos informaram que a dona havia falecido e que eles é que estavam tomando conta. A filha, que foi colega de minha prima trabalhava com imóveis.
    Realmente é uma pena -meus pais, eu e meu irmão – e mais tarde meu marido e filhos sempre íamos ´la, mesmo depois que saimos de Porto Aegre, sempre que passamos por ai íamos ao Pagoda – camarão empanado com molho agi-doce – meu prato predileto e o aperitivo a moda de casa (não sei de que era feito – mas era ótimo). Saudades!!!

  5. Frequentei muito o Pagoda nos meus 20 anos, na década de 80. Tinha um chinês na Cristóvão chamado Kowlow ou Koulong algo do tipo. Mas era self service e, portanto,não tinha o charme do velho Pagoda. A última vez que fui ao Pagoda faz um bocado de tempo, era aniversário de uma tia e fiquei meio decepcionado. Dizem que o melhor restaurante do Rio é um chinês e o dono é o Eike Batista, fica na Lagoa. Em Porto Alegre não existe um bom restaurante chinês. Outro dia fui no You Yi na Cândido Silveira e é bem razoável. Depois da febre dos restaurantes japoneses, hoje a moda – e eu detesto isso — é servir sushi e churrasco no mesmo restaurante, os chineses entraram em baixa.

  6. Que pena !
    Saudade dos camarões crocantes.

    A ultima vez que fui lá, em 2009, quase tive que lavar a louça pois não aceitavam mais o Visa…

    Vão-se os restaurantes orientais de Porto Alegre.

    Soma-se aos fechados como Kowloon e o outro na Cristóvão entre o Zaffari e a Delegacia que não lembro o nome – seria Jumbo ? Além dissso o Fuial na Assis Brasil – próximo ao Bourbon – também fechou no ano passado.

    Ali perto do Pagoda também tinha o Nankim…

    Resta-nos os deliverys e nos shoppings. Terríveis

  7. Este restaurante fez parte da minha vida por muito tempo,
    meu namoro, noivado e não era de vez em quando era praticamente
    todos os dias eu e meu noivo na época iamos jantar e almoçar com
    os filhos de seu primeiro casamento, depois de casada trambém, sinto
    muito em saber que fechou o tão tradicional Pagoda imbatível nas comidas
    Chinesas, é uma pena… Vai fazer muita falta os camarões ao molho de Sake.

  8. Se nossa memória afetiva fica órfã do suporte físico (muda a cidade, desmancham-se os prédios, morrem pessoas) ainda assim podemos fazê-la eterna: em crônicas como a que você escreveu hoje, por exemplo. Que Porto Alegre faça por merecê-la em seus anais.

  9. Fomos almoçar no Pagoda, desde que vim morar em POA a mais de 14 anos, e encontramos a placa.
    “O Pagoda fechou”
    muito triste, minha esposa que adorava o Pagoda ficou muito triste imediatamente fomos experimentar o You Yi nem perto.
    Mais uma coisa boa de POA se foi.

  10. Eu nao acredito que o Pagoda fechou!
    Atualmente moro em SP e sempre que vou a POA, procuro visitar os locais que me trazem boas lembranças!
    Estava agora procurando no google o telefone para fazer uma reserva para o Dia das Mães buaaaaa
    Queria levar minha filha!!!
    buaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!

    Ana Maria

  11. Beleza de texto. Uma cidade sempre é melhor quando tem cronistas assim. O trecho da corrida perigosa da criança até a porta da rua é genial. Qual é o pai ou mãe que já não ficou com um tapa desses na memória como marca de arrependimento e do temor pelo que podia ter acontecido?

    E é interessante como aquela emoção desesperada sempre volta com a lembrança, como se o moleque ainda tivesse de ser salvo tantos anos depois.

    Porto Alegre é uma sortuda de ter o Milton Ribeiro. E os filhos do cronista também não precisam de pé de coelho.

  12. Prezados saudosos do Pagoda

    É triste mas é a realidade da vida, coisas tradicionais como eram feitos no Pagoda não voltam mais.
    Só que os pratos feitos tradicionalmente tem um gosto peculiar que muitos cozinheiros ocidentais não conseguem assimilar.
    Sentiremos saudades dos pratos do Pagoda e até agora não consegui aprender o pão branco deles que era divino.
    O que mais me deixa triste é que os pratos orientais estão sendo vulgarizados que o destino destes pratos é tornar como feijão e arroz no Brasil.
    Mas vamos descobrir um restaurante chines bom em Porto Alegre e relembrar das coisas boas do Pagoda.

    Abraços a todos

    Takuo Okada

  13. é uma pena, não moro mais em Porto Alegre, mas fiquei triste em saber. Eu adorava o Nankin, que era bem pertinho do Pagoda, que fechou já há mais tempo, colocaram outro no lugar que não era bom, não sei se existe ainda.
    A verdade é que não existe maais resturante chinês bom. Nos anos 80 era moda, agora é só japonês. Estou grávida aqui em Floripa e com desejo p/ comer macarrão chop suey frito, nos restaurantes chineses daqui ninguém nem sabe o que isso. Os pratos em restaurantes chineses todos tem nomes japoneses. Que pena, vou ter que me contentar c/ a lembrança do gosto…

    1. Eu fui cuidadora do Sr Tong esposo de dona Maria,depois que ela faleceu a família se desenterrou pelo menos foi oque me disse um dos cuidadores dele,Sr Tong estava com mal de halsaymer e os dois filhos um casal brigavam pela herança,Sr Tong era agressivo mas por causa da doença, o cuidador dele uma pessoa muito especial,o levava a Chácara que a família tinha em Viamão. Os filhos nunca foram visitar o pai enquanto estive lá,soube que o colocaram em uma Clinica.Nunca mais tive notícias dele.
      Os irmãos brigavam entre si pela a herança.

  14. Quase tive um xilique ao ver que o Pagoda havia fechado as suas portas.Passei minha adolescencia e vida adulta frequentando-o.Meus pais comemoraram as Bodas de Ouro ali.Jamais,em outro lugar do mundo(dos que eu visitei),comi uma comida chinesa tão boa quanto a deles.A musse de chocolate era incomparável…sem mencionar a grande maioria dos pratos.O atendimento era ótimo,as gurias eram como familiares da gente,trocávamos ideias sobre filhos,etc.Ali comi lichias pela primeira vez,e meus filhos adoraram.Nas ultimas vezes que fomos ali a dona já não estava bem de saude,o movimento havia caído muito,mas a qualidade,jamais!Soube hoje que estão vendendo tudo o que está dentro do restaurante.Amanhã darei uma passada lá para ver se trago alguma coisa de lembrança,prá não ficar só na memória e no coração…

  15. Lamentei profundamente o fechamento do Pagoda. Será que ninguém ficou com ,pelo menos, a receita do molho agridoce, sabe aquele molho vermelho que só o pagoda sabia fazer….Por favor senhores proprietários, AMIGOS, mandem para mim, eu que tantas vezes almocei neste saudoso restaurante..bj Nádia

  16. sinto com muita saudade a partida do pagoda – eu me ”gabo” de me exibir q fui na ultima semana do mesmo…..era começo de março de 2010…fui despretensiosamente ao Pagoda – era uma noite quente de quarta feira….a mesma garçonete q tava lá a ”zilhoes” de anos veio me informar q a casa estava fechando as portas nakela semana…fikei arrasado….”qse perdi a fome…….”assim como ele foram varios embora:lokun,kowloon,chinatown,chinamerica…………lembranças boas q nao voltam mais

  17. Fiquei chocada agora quando li que o Pagoda fechou, estava pensando em ir lá no dia 27 pois é meu aniversário de casamento, foi o primeiro restaurante onde fomos jantar, meu marido adorou. Não tinha comoda como aquela, fiquei muito triste.

  18. D. Maria era o sabor do Pagoda. Figura meiga e suave e com uma gravidade que só velhos e tradicionais orientais tem, se postava no caixa supervisionando tudo. As vezes na sua ronda habitual pela mesas chegava ao nosso grupo sugerindo: “estamos cozinhando para um grupo de conterrâneos um prato diferente” Era a deixa para também o nosso apetite, sempre ávido de novidade, ser estimulado. E ela sorria ao perceber o prazer com que degustávamos a novidade. Nunca mais provarei outro camarão empanado em molho agridoce como aquele. E o Chapéu… e tudo mais…
    Lastimável lacuna…

  19. MUITO TRISTE””” ATE ME LEMBRO QUANDO FECHOU O ANTIGO LOKUN NA VENANCIO TIVE PREVILEGIO E HONRA DE TER TRABALHADO LA NOS ANOS 80 ERAM GRANDES AMIGOS SR MU PROPRIETARIO DO LOKUN E SR TONG PROPRIETARIO DO PAGODA DO LOKUN TAMBEM DA MESMA FAMILIA VEIO A NASCER O ANTIGO KOWLOON NA CRISTOVAO COLOMBO TAMBEM TRABALHEI LA RSRSRS FECHADO MUITO ANTES QUE O PAGODA UMA JUDIARIA MEMO FIQUEI SUPER TRISTE TANTO PAGODA COMO LOKUN FORAM LOCAL DE GRANDES ENCONTROS E ALEGRIAS PARA O POVO DE POA CASAMENTOS,NAMORO NASCIMENTOS DIAS DAS MAES ENTAO NEM SE FALA RSRSRS ….. NAS DECADAS DE 70 CHEGARAM SER PREMIADOS PELA ZERO HORA E PREFEITURA DE POINT MAIS FREQUENTADO DE POA FIQUEI TRISTE COM FECHAMENTO DO PAGODA SEM PALAVRAS….

  20. Fui pela 1ª vez em 1972 jantar com meu 1º e unico namorado depois marido!!! Que novidade maravilhosa.Quantas vezes comemoramos nossos aniversários e os de casamento tb.O camarão ao molho de sake não existia igual e o mousse então nem se fala….Quero sentir aquele sabor novamente, por favor se alguem souber onde encontro o camarão, me avisem!!!!!

  21. Boa noite. Trabalhei na lancheira su yung em 1977 e algumas vezes ia até o Pagoda, os donos eram parentes. Gostaria de saber o endereço do contador da lancheira su yung, pois preciso de uns documentos da época pra me aposentar. Pode me auxiliar? Obrigada

  22. Nunca fui no Pagoda. Durante muitos anos esteve fora de minhas possibilidades frequentar restaurantes. Mas me lembro de, em muitas noites frias de inverno, a noite, quando voltava da aula, ficar esperando o ônibus olhando o lindo aquário que ficava para o lado de fora. Meu pai dizia que dali se escolhiam os peixes que se iria comer no restaurante. Acho que para evitar que eu pedisse para jantarmos lá. Eu tinha 10 anos… Já não há mais meu pai, já não há mais dona Maria, já não há mais Pagoda… Vida que segue.

  23. Interessante o turbilhão de memórias que vieram de chofre ao ler seu texto. 8 anos após seu relato é um sentimento nostálgico de um passado infantil. A muitos anos em Florianópolis e foi ótima a experiência. Muito obrigado.

  24. Também procuro saber se alguem tem receitas das comidas do Pagoda. Alguém que trabalhou lá… Adorava o Molho doce, os Camaroes à milanesa, porco frito com sal preto, arroz shop Suey. Nunca mais comi nada igual as coisas feiras por eles…

Deixe uma resposta