Há tanto tempo que te amo, de Philippe Claudel

Há tanto tempo que te amo (Il y a longtemps que je t’aime), de Philippe Claudel, é um filme de título enganador. Pensamos numa história de amor, mas não é nada disso. Há tanto tempo que te amo é uma frase de uma canção que as duas irmãs protagonitas do filme (Kristin Scott Thomas e Elsa Zylberstein) cantavam quando crianças. Na verdade, o filme mostra uma bergmaniana exposição da dor.

A história começa com a libertação da irmã mais velha, presa durante 15 anos. A princípio, não somos informados dos motivos da prisão por tempo tão longo. O estreante Philippe Claudel, com notável controle, vai aos poucos elegantemente nos concedendo os fatos. Por um motivo inteiramente pessoal, chorei inúmeras vezes. Os sentimentos e as reações de Scott Thomas são meus velhos conhecidos.

Explico: em 2004, uma motocicleta bateu em meu carro parado. O motoqueiro morreu. Não recebi nem multa de trânsito. Nada de álcool, apenas fatalidade. O perito disse que não podia precisar o que tinha ocorrido porque o pessoal da EPTC (empresa que administra o trânsito de Porto Alegre) tinha retirado meu carro e a moto do local. Meu advogado me alertou que eu deveria “forjar testemunhas”, pois ninguém viu o acidente, que acontecera muito cedo da manhã, em dia útil. Eu resolvi que não o faria por dois motivos: havia uma morte e não submeteria amigos meus à mentira de terem visto o acidente. Não tenho nenhuma reclamação da família da vítima. Eles queriam que eu fosse punido e conseguiram. Mas nunca entraram com processo civil por danos, etc. Eu pouco falei durante o processo. De uma forma perigosa para mim, respeitei a vítima.

Digo isto apenas para situar o que sei, o que passei, e o que mostra o filme: para algumas pessoas, a pior punição é a que nós mesmos decidimos receber. É nossa culpa, mesmo que esta seja pequena como a minha ou imensa como a da personagem de Scott Thomas quem decide. O filme de Claudel constrói minuciosamente a lógica interna de uma personagem que aceita o auxílio externo sempre com pesadas restrições, sempre em razão de ter decidido que só poderia elaborar e livrar-se da culpa se sofresse daquela forma. Eu passei 3 anos fazendo trabalhos comunitários (dei aulas de matemática), fui até feliz. Ela passou 15 anos na prisão. Porém, no fundo, a punição foi o lentíssimo tratamento da culpa.

Como disse um crítico do Estadão um tanto grandiosamente, “as prisões interiores podem mais opressoras do que as instituições penais da vida real”.

O trabalho das duas atrizes principais do filme é absolutamente arrebatador. Eu não sabia que Kristin Scott Thomas era capaz de algo tão perfeito e dilacerante.

4 comments / Add your comment below

  1. Vi este filme no cinema tempos atrás, não tenho lá muitas recordações dele, o que costuma indicar que nada vi demais nele.

    Há um subgênero no cinema que podemos chamar de “cinema de culpa”, ou “cinema de expiação de culpa”, em que somos instados a percorrer o rosário de sofrimentos de determinado personagem a carregar toneladas de culpas devido a coisas como genocídio, parricídio, matricídio, magnicídio, ou, como neste filme, infanticídio.

    Vejo nisso um problema, porque considero a culpa algo superficial, o sentimento mais óbvio, fácil e sempre em busca de perdão, sempre satisfeito com a resultante autoflagelação e, afinal, a autosuperação mergulhada no pires da hipocrisia.

    O prazer é mais profundo, ele nos toca em recônditos onde nem a mais sofisticada ivestigação chega, onde nem a melhor literatura oferece mais do que uma pálida imagem.

    Talvez por isso as páginas dedicadas à investigação do prazer, na literatura, não são tantas quanto na descrição sadomasoquista das culpas própria ou alheias. Ou então ao prazer consagra-se a pornografia juvenil e, pior, a poesia sentimental, roseabunda.

    Toda vez que a indústria quer fazer um filme “adulto” se mete nesses repertórios de culpas. É um saco.

    Toda vez que a indústria quer fazer um filme sobre o prazer termina realizando coisas horríveis, comparáveis a “Como água para chocolate”.

    Então, se é pra falar de culpa, só de uma: a culpa da indústria. Ela é culpada por essa merda toda que, além disso, não dá prazer nenhum.

  2. Milton,

    o filme é realmente bonito. o tempo do filme, a narrativa, a exposição de dores não coerentes, mas reais.
    desde o início do filme, o apoio do espectador à protagonista, ainda sem saber o que havia, prova que o diretor soube conduzir a personagem, humanizá-la.

    entendo e concordo muito com teu entusiasmo em relação ao filme, ainda que cheio de dor envolvida.

    sinto por tua dor. abraço.

  3. O filme é ótimo e as atrizes são maravilhosas!… Adoro filmes assim sem muito correria… Diálogos e olhares como um personagem… já assistiu ‘Antes que o dia amanheça’ e ‘Antes do por-do-sol?’

    Tenho um tio que passou uma grande parte da vida dirigindo caminhão e por uma fatalidade (o motorista de uma van perdeu o controle e entrou na outra pista e uma família inteira morreu) … e foram anos para que ele se recuperasse.

    Abraço!

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