Ontem, a OSPA esteve em grande dia. Tocaram muito, o solista e o regente eram ótimos e tudo estava bem ensaiado, mas …
Bem, o programa era o seguinte:
Obras:
W.A.Mozart: Sinfonia nº 25, KV 183, em sol menor
R.Schumann – Concerto para Violoncelo, op.129, em Lá menor
M.Mussorgsky: Quadros de uma exposiçaoSolista: Rodrigo Andrade – Violoncelo
Regente: Karl Martin
Local: Salão de Atos da UFRGS
Há nas escolhas da orquestra um problema de repertório, não? A OSPA repete seus programas de forma muito frequente. OK, sei que Quadros de uma Exposição e que o Concerto de Schumann fazem parte do repertório tradicional das orquestras, mas parece que o da OSPA é mais curto. Por exemplo, apenas uma Sinfonia de Shostakovich é repetida, a 5ª. Já ouvi a 8ª (foi maravilhoso), mas apenas uma vez, há uns dez anos. Haja 5ª! Nunca ouvi a OSPA tocar um Bruckner que não fosse a 4ª Sinfonia e, no ano em que Mahler completa 150 anos de nascimento, dá-se importância aos 200 anos de Schumann, um compositor bem mais fácil e, digamos, menor. Era o ano de se programar uns 3 ou 4 Mahler, certo?
Mais: se quiserem realmente nos fazer chafurdar num repertório repetitivo, há a surpreendente versão de Vladimir Ashkenazy para Quadros de Exposição, a qual apresenta outro colorido, tão fascinante quanto a versão orquestral de Ravel para a obrinha pianística de Mussorgsky. Acho que está mais do que na hora da OSPA decidir seus programas anuais com representantes de seu público, pois o que há hoje é um certo desconhecimento dele por parte da orquestra. (Não, não sou candidato. MESMO! Minha mulher me mataria se eu arranjasse mais um compromisso não remunerado!)
O público da OSPA é formado por eventuais, velhos viciados que gostam da música ao vivo (eu) e jovens. Os eventuais são eventuais. Os velhos viciados ou não conhecem música ou a conhecem. Os que não conhecem engolem qualquer coisa, os que conhecem acabam rindo das mancadas e reclamam e ironizam tudo. Os jovens são jovens e estão numa idade em que as lembranças nos impregnam e permanecem> talvez este seja o momento de formar o público do futuro, sabe-se lá. Mas o grave que ocorre com eles é que a pobreza do repertório acaba forçando com que terminem suas “formações” como ouvintes com gravações, deixando a Orquestra na mão. Quando eles envelhecem, referem-se à OSPA com indulgência e certa pena. Faço esta pequena digressão porque acompanho a Orquestra há 40 anos e sei que seu público diminui, enquanto o interesse pelos eruditos aumenta no Brasil — tenho dados que comprovam o fato.
Eu sou um dos jovens, Milton, e só comecei a frequentar quando os concertos quando a OSPA migrou para a UFRGS. Até hoje não havia percebido a limitação do repertório – mas, admito, não entendo quase nada de música (sendo que o quase se limita a diferenciar os violoncelos dos contrabaixos).
Gustavo,
na minha opinião, não entender de música é um conceito muito vago e, desculpe, inútil para quem aspira apenas a ouvir. Eu posso opinar sobre o repertório por causa de minha vivência, porém, de resto, tuas opiniões tem tanta validade quanto as minhas.
E então, estavas lá ontem? Congelaste na saída?
Abraço.
Ontem, casualmente, não. Mas compareço sempre que posso. Provavelmente nos encontraremos em um concerto próximo!
Gustavo, visitei teu blog e adorei a paródia com o Johnny Walker.
Milton, concordo com tudo o que você disse, exceto a respeito da Sinfonia no.25 de Mozart. Você realmente acha essa obra péssima?! Engraçado, essa é uma das sinfonias de Mozart que não falham em agradar o público, penso eu. Eu adoro a sua dramaticidade. Enfim. E você recebeu um email meu? Te mandei no gmail porque o mdsinfo me mandou ele de volta umas três vezes. Grande abraço!
Ah, Gilberto. Começaste teu e-mail falando sobre tua incapacidade de manter contatos atráves de bilhetinhos… É o meu caso tb. Li tudinho e ainda vi o filminho do Bregovic no rio.
Prometo reouvir hoje à noite a 25ª. Se concordar contigo, te aviso.
Legal Milton, sem pressa para responder. Eu só não tinha certeza se você ainda checava o gmail. Reouça a 25 e me conte depois. Um grande abraço!
Caríssimo, concordo em gênero, número e grau contigo. O problema em POA é que ninguém fala publicamente o que realmente pensa. Os que ainda pensam. Ao contrário do resto do país onde se encontram com facilidade projetos de excelência voltados aos clássicos, aqui ainda se insiste em um modelo velho e completamente ultrapassado. Ninguém aguenta mais Carmina Burana e IX Sinfonia. O público, além de ter diminuído substancialmente, emburreceu pelo hiato da falta de oferta. Se ainda por cima virar moda tocar gato e dizer que tocou lebre realmente não sei onde vamos parar. Triste.
Tocar gato ou lebre é com o Hermeto Pascoal. Com ele não tem dessa: o que vier ele traça, ou toca.
Embora more em uma cidade (Rio de Janeiro) com uma oferta razoável (não boa, razoável) de música instrumental, vez por outra corre-se o risco de se entrar em uma roubada, principalmente quando nossa carência nos coloca diante de um evento “a preços populares”, o que geralmente se reflete na falta de respeito com o povo, isto é, “aquele chato que justifica nossa existência enquanto músicos de orquestra, mas não entendem nada de música, ficam pigarreando em meio à execução (ou até roncando) e ainda batem palmas na hora errada, para os quais nós tocamos aquelas peças fáceis ou corriqueiras que ninguém aguenta mais nem olhar para a partitura”.
Não raro, também nos eventos mais caros, somos colocados numa fila imensa que não anda nunca, ou a compra dos ingressos necessariamente passará pelas mãos de algum “agente de eventos”, isto é, um cambista.
Superando todos esses problemas, poderemos ouvir, quem sabe, boa música, tocada por um bom grupo ou orquestra, bons cantores (se for o caso e estiver no programa), tendo a companhia de um contingente de pessoas com idade avançada, ainda mais que nossa, e que, invariavelmente, aproveita a hora do concerto para tirar uma soneca, podendo até roncar – mas aí o executante é mais compreensivo, e a platéia, de regra, dá uma cutucada no companheiro, de maneira mais educada do que os usuais termos utilizados em concertos populares – “Ê, olhaí, o mané dormiu e ronca que nem um porco!”, etc.
Por essas e por outras, tenho preferido ouvir música em casa mesmo, e de todo gênero. Ou, de forma canalha, ficado na fila do gargarejo quando a música é uma pianista russa daquelas de manter atenção até dos coroas mais dispostos á soneca cultural. Os canalhas nunca envelhecem.
Não, nunca. E Porto Alegre está cada vez mais olhando para o céu onde passam as pianistas russas — e todos os outros — em seu caminho de São Paulo para Buenos Aires.
oi Milton
como músico e ospiano, considero salutar, e, mais que isso, urgente que esse tipo de discussão emerja e que os cidadãos mostrem que as instituições da cultura lhes são importantes e que elas precisam melhorar
quanto ao pretenso erro no programa, acho que você se enganou – a edição integral das sinfonias que eu tenho mostra, sob o título “Sinfonia nº 25, KV 183, em sol menor”, exatamente a música que foi tocada/ouvida ontem
a sinfonia nº 29 é em tom maior (lá), uma música luminosa e que não poderia ser mais diferente dessa tempestuosa nº 25
de resto, concordo com os anseios aqui expressados; faço porém uma ressalva: referir-se a obras de arte consagradas (e que muita gente admira, incusive os que disso mais entendem) de maneira depreciativa ou mesmo desrespeitosa não qualifica o debate, e pode até produzir resultado oposto ao pretendido
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a.
http://www.musiquando.blogspot.com
Oi, Artur, fico feliz de te ler aqui. Sabes de minha admiração por ti.
Não vou discutir a questão da 25 x 29. Tu deves ter razão. Só que dois discos meus estão errados, o de Amadeus e um CD do Pinnock. Acho estranho, mas seria muita estupidez minha seguir teimando, ainda mais que o cerne da questão não é este.
Quanto ao “desrespeito ou depreciação”… Bem, não gosto da música sinfônica de Schumann. É enjoada como poucas. É questão de gosto? Mas é claro! É consenso? Claro que não! O problema é que a gente convive com o próprio gosto e opiniões, não? Além do mais, sou de opinião que a cultura é algo vivo e alegre, para ser tratada com a irreverência que tratamos com alguém ou algo íntimo. Da mesma forma que trato mal Bob Schumann, posso ridicularizar um escritor qualquer.
O debate sobre o repertório é o que realmente me interessa e faz sofrer. O ar de coisa vista e ouvida é irrespirável. Creio que o repertório é algo que se aprende e forma. Ele tem de aumentar de ano para ano, abrindo um leque cada vez mais amplo. Não escrevi em minha descuidada crônica, mas e a música brasileira de concerto? Pô, na OSPA conheci Cláudio Santoro, Mignone, Marlos Nobre, Pe. José Maurício, etc. Por que parou? Não entendo, não entendemos. Penso que a OSPA tornou-se fértil em autoindulgência e em pensar que seu público é… limitadinho. Até é, mas poderia sê-lo bem menos, não?
Grande abraço.
Pois é, Milton, o que é significativo neste pequeno debate é o despertar (ou a percepção do despertar) de um interesse público por questões estéticas que nós, músicos, às vezes imaginamos esquecidas.
Isso traz uma solidão e um vazio, estes sim, insuportáveis.
Que bom que há gente para quem faz diferença se a OSPA toca Mahler ou Schumann. Que toma parte de seu precioso tempo livre para ainda escrever e publicar sobre este assunto!
Minha observação sobre o ‘tom depreciativo’ não se dirige pessoalmente (só) a ti, e tampouco é uma crítica nem uma reclamação. Pessoalmente até acho de mau gosto se expressar dessa maneira, mas não é isso que interessa.
O que interessa é o seguinte: imaginemos um cenário futuro no qual passe a de fato existir uma participação do público na programação da Orquestra. Precisaremos de um discurso que, ainda que baseado no gosto individual, se articule em outros níveis. Do contrário esse debate nem chega a acontecer, acaba se desqualificando antes.
É só uma dica, ou talvez uma intuição.
A música brasileira é absurdamente pouco tocada no RS, e isso não é (infelizmente) um problema só da OSPA. A xenofilia começa com as primeiras aulas de música, piora na universidade e se perpetua nas orquestras.
Aliás, o Gismonti já disse que os músicos de concerto brasileiros não sabem tocar música brasileira. O que é um exagero, mas dentro de um certo contexto é uma triste verdade.
Não vai ser não tocando que vamos melhorar isso.
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a.
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Vou alterar o texto na questão da numeração das sinfonias. Se tu tens a partitura é burrice insistir no meu erro.
Eis a no.25 Milton, só para esclarecer o problema:
oi Milton! Eu sou parte integrante do público jovem mas acompanho a orquestra a bastante tempo, pois estudei na Escola da Ospa durante anos e mesmo tendo concluido meu estudo lá, nunca deixei de ir aos concerto e sim, durante esses anos, muitas obras, como as que o Flavio Leite citou, IX sinfonia e Carmina Burana são executadas quase todos os anos, entre outras obras. Na minha opinião, isso significa que talvez esteja ocorrendo um certo desleixo por parte de quem programa os concertos do ano, pois não há nada de novo a se ouvir! Há excessões, mas excessões não atraem público novo, seja jovem ou velho. A música de clássica no Brasil não é cultura de massa como é praticamente em outros países, é algo que muitos deixam de ir ou porque não conhecem absolutamente nada, ou por medo de acabar dormindo e roncando alto ou porque não conhecem mais do que a IX sinfonia de Beethovem e as 4 estações do Vivaldi. Mas, infelizmente não se admite isso aqui, então se arruma pretextos como inclusão de música e/ou artista popular no meio do concerto para se ter alguém conhecido no palco e, só assim, chamar público. Enquanto o público de Porto Alegre não for ao concerto da OSPA para assistir APENAS a OSPA tocando uma bela sinfonia ou concerto que há anos a orquestra não executa ou até sendo pela primeira vez, esse debate vai se repetir por décadas! Acho que deveria haver um investimento massivo em música para crianças (como já está tendo), jovems e adultos acostumados ou não a música clássica, concertos no teatro e fora dele…enfim, uma orquestra que se faz presente em Porto Alegre e leva música clássica (diversificada) para criar ouvintes e fomadores de opinião, como a tua sobre as obras de Schumann, da qual eu compartilho! Negar que possa haver opiniões e gostos contrários, negativos com relação a compositores de música clássica é mais um exemplo de como o público (e os músicos) de Porto Alegre precisam de uma repaginada nos seus conceitos sobre música de concerto ( incluindo a brasileira) e sua orquestra! 😀