Os Duelistas, de Joseph Conrad (e, secundariamente, de Ridley Scott)

Os Duelistas é uma novela escrita em 1908, mas parece ter sido criada para o cinema. É uma narrativa visual, toda ela imagem, ação e… , bem, honra. Ou será que a culpa desta notável novela me sugerir o cinema é de Ridley Scott? Pois, em 1977, Scott filmou a história com inigualáveis requintes visuais e grandes atuações de Keith Carradine e Harvey Keitel. Cada cena parece um quadro e as imagens vistas nos anos 70 me perseguiram durante toda a leitura.

O plot é o mais simples do mundo. Na França de Napoleão, no início do século XIX, os militares Féraud (Keitel) e D`Hubert (Carradine) envolvem-se numa disputa por uma ninharia que logo se transforma em animosidade. Eles duelam imediatamente — o que era proibido a oficiais franceses em tempos de guerra — , mas o primeiro duelo não acaba em morte e a honra não fica lavada. Então, duelam novamente e novamente, sempre de forma insatisfatória, até que… , bem, não devo contar o final. Conrad é um mestre. Assim como mal explica o motivo inicial da querela, ele, com sucesso, faz de tudo para que os leitores esqueçam o pouco que  disse sobre o início do ciclo de violência. Apesar da curiosidade de outros personagens, não retorna nunca ao tema e nem os duelistas o fazem. O motivo é simples: não interessa. O que importa é manter a honra. As cenas que Conrad cria para os duelos inconclusos são inteiramente críveis. A novelinha, também conhecida pelo título The Point of Honor, é uma joia.

D`Hubert é um estrategista que parece cada vez mais enfadado com os duelos sucessivos, apesar de se atirar a eles com todo o empenho — sempre a honra, a loucura. Seu adversário, Féraud, é um brutamontes cujo único interesse na vida parece ser o de reencontrar D`Hubert. A iniciativa é sempre dele. Eles pertencem a regimentos diferentes do mesmo exército e por vezes se cruzam nas batalhas. São cinco ou seis embates num período de quinze anos, tendo como pano de fundo as batalhas napoleônicas e sua derrocada final.

O absurdo, a irreflexão, a obsessão desmedida, o sentimento de “vazio” que a vida oferece sem uma boa confusão poucas vezes foram demonstrados com tamanha força. Indico ambos: o pocket da L&PM (só R$ 12,00 !!!) e o filme homônino, disponível em DVD.

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  1. Conrad é um dos maiores. Tenho muita coisa dele, mas esse livro, ainda não. Gostei muitíssimo de dois romances “exórdinos” dele, por fugirem do tema principal de honra e sacrifícios marítimos, que são “Sob os olhos ocidentais” e “O agente secreto”. Esses dois são narrativas incríveis, cheia da prosa exótica e profundamente filosófica de Conrad. Uma curiosidade: é atribuída a Otto Lara Resende a belíssima frase: “o homem passa a vida inteira tentando pronunciar suas últimas palavras”, e passei muito tempo dando vênias ao Lara por essa preciosidade, até descobri-la, um pouco modificada mas inconfundível, em “Lorde Jim”.

    Em seu discurso de Nobel, Saul Bellow inicia dizendo que faltava as aulas de formação em vendas para ficar trancado em seu quartinho de hotel em Chicago, lendo Conrad. “Nunca tive motivos para me arrepender.” Hemingway, na época em que Conrad começou a ser visto como ultrapassado e pouco moderno, escreveu que iria até londres com um moedor de carne atrás de T.S.Eliot, se as cinzas desse poeta fossem garantia de que o recém falecido Conrad voltasse à vida. Edward Said se doutorou em Conrad, sendo o tema de seu primeiro livro, de grande parte de “Cultura e Imperialismo”, e de uma série incrivelmente rica de seus ensaios.

    Edmund Wilson disse que “O Coração das Trevas” é a narrativa mais perfeita e brilhante da lingua inglesa, que eu concordo.

    Sobre “Os Duelistas”, eu que não gosto de Heavy Metal, curti muito o tema instrumental surpreendentemente sublime que o Iran Maiden fez para esse conto (as guitarras duelam numa rapidez e musicalidade difícil de encontrar em gêneros mais relevantes de música).

    1. Vou te dizer uma coisa que vai te chocar. Li Nostromo, Lorde Jim e Sob os Olhos. Gostei mais dos dois primeiros, quase fiquei indiferente ao terceiro, mas…

      Nunca li “Heart of Darkness”.

      Concordo com Hemingway: eu levaria mais moedores no caso do primeiro falhar! A frase de Conrad/Resende é mesmo verdadeira mas me passou batida.

      Incompetência.

      1. Li No Coração das Trevas. Pelo que me lembro (lá se passaram muitos anos, etc.) ela examina dois aspectos da barbárie humana, sendo uma a primitiva (a africana) e outra a civilizada (européia), que se equivalem e acabam por demonstrar, enfim, o mistério do horror da vida e da morte que parece nos levar, por caminhos diversos, à mesma violência e ao apego a tudo que é material e presente, bem como a seus símbolos místicos, para compensar nossas vidas incompreensíveis e possivelmente (para Conrad, para mim certamente) sem nenhum sentido.

  2. Não li o livro, mas vi o filme. Não sei se a abordagem do livro é a mesma mas, no filme, trata-se da constituição do animal político dotado de moral adequada para os tempos modernos, com o estabelecimento dos novos valores republicanos pós-revolucionários sobre o regime anterior, onde o bom equivale ao valente e à honra, antes da constituição de uma moral, o que revela, curiosamente, uma leitura posterior de Nietzsche, para quem o primado da violência é superado pela dialética da política, estando aí o espírito da civilização e, ao msmo tempo, da decadência humana pois, com a instituição de valores morais, o padrão espartano (quem não serve para guerrear que morra) cai em desuso, valendo, a partir disso, a lógica socratiana. Féraud representa, assim, o homem do passado, aferrado (desculpe!) à guerra como expressão de seu valor humano, enquanto D’Hubert encarna o homem moderno e afim à diplomacia, à política. Não mata seu opoente, mas o anula com um argumento que o sobrepõe, indicando isto que a fera (desculpe mais uma vez!) ainda vive na alma humana, mas está sob controle dos argumentos da razão. O livro vai por este caminho?

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