Ah, pois é… Este movimento foi adotado por um amigo para conquistar uma mulher. A história do continho abaixo é real do início ao fim.
E o tal Allegretto está abaixo, do 14min45 até 24min06. O conto vem depois.
Da Pretensão Humana
É sempre da mais falsa das suposições que ficamos mais orgulhosos.
SAUL BELLOW
Alexandre chegou apressadamente a seu consultório antes do horário habitual. Sentou-se na confortável cadeira em que ouvia seus pacientes e pegou o telefone. Aguardando que a respiração se apaziguasse, revisava mentalmente tudo o que desejava dizer a ela — àquela bela mulher que conhecera através de amigos na noite anterior. Limpou a garganta e discou. Tinha planejado uma postura que poderia ser descrita como seria gentil, agradável, carinhosa, inteligente, divertida, interessada e, dependendo do andamento da conversa, também picante. Era cedo, ela devia ainda estar em casa. Porém, a voz que tanto ansiava reencontrar chegou-lhe burocrática, pedindo-lhe para deixar um recado logo após o sinal. Tomado de agitação, procurou em seus pensamentos algo espirituoso. Depois de alguma confusão, finalizou a mensagem:
— Dora, se queres me conhecer melhor, ouve o segundo movimento da Sétima Sinfonia de Beethoven. Sou eu…. Alexandre. Um beijo.
Desligou o telefone sentindo-se um idiota. Permaneceu primeiramente avaliando aquele “Sou eu, Alexandre”. Dora pensaria que sua intenção seria a de dizer que o segundo movimento da Sétima descrevia a pérola de homem que ele era ou concluiria tratar-se apenas da assinatura final do recado? Ou, de forma mais benigna, será que Dora presumiria que o intento de Alexandre seria o de proporcionar-lhe uma lembrança agradável ou de fazer uma piada? Mas antes, ele dissera “…se queres me conhecer melhor, ouve…”. Como assim? Poderia alguém ser descrito por uma sequência de notas musicais? E Beethoven retrataria alguém como Alexandre logo por aquelas notas? O que Dora pensaria? Tinham conversado bastante na noite anterior a respeito do concerto a que assistiam com amigos comuns. No intervalo, ela disse ser uma ouvinte contumaz de Beethoven, também declarou que, em sua opinião, faltava aos barrocos do concerto daquela noite o drama e as afirmativas curtas e repetidas de seu compositor predileto.
— Vim a este concerto por insistência da Carla e do João. Há meses fico em casa com meu filho. Sou uma descasada recente.
Alexandre ficara instantaneamente apaixonado, transtornado mesmo. Desejava aquela mulher linda e inteligente, queria ser admirado por ela, mas, sentado em sua sala, começava a desesperar-se com a evidente bobagem que deixara gravado. O que significava aquilo de comparar-se ao compositor que ela amava? Ontem, para agradar a Dora, ele tinha derramado todo o conhecimento musical que lembrava sobre o compositor alemão. Ao final do intervalo, trocaram seus telefones a pedido dele. Agora, ainda sentado, pôs a cabeça entre os joelhos e disse em voz baixa que até a megalomania tinha que ter seus pudores.
E Dora? Acreditaria que toda a perfeição daquele segundo movimento pudesse ser uma representação de Alexandre? Iria recusá-lo por pretensioso? Ficaria constrangida e oprimida? Fugiria por não ser-lhe digna? Faria piadas com os amigos? Ou será que pensaria que ele, romanticamente, ambicionava ombrear-se aos semideuses para ser-lhe digno?
— Burro, burro, burro – pensou Alexandre, caminhando pela sala.
Dora ligou dali a três dias. Alexandre procurou marcar um jantar, porém foram-lhe impostas tantas restrições de horário, fosse para um jantar, fosse para um almoço ou café… Enfim, ela parecia ter tantos compromissos — principalmente para cuidar de seu filho — , que ele logo pensou tratar-se de uma negativa e despediram-se sem marcar um reencontro.
— Não surpreende — disse para si mesmo ao desligar.
Dali a dias, durante a festa do Dia dos Pais, Alexandre, um pouco alcoolizado, perguntou a seu pai:
— Pai, se tu quisesses conquistar uma mulher e tivesses a ideia de sugerir uma música para ela ouvir, que música poderia te representar?
— Ora, meu filho, sugeriria que minha futura amada ouvisse aquela música que a Maria Bethânia canta.
— Que música?
— Gostoso demais.
Sem dúvida, há megalomanias e megalomanias.
Nossa! Belíssimo conto e belíssimo post. Obrigado!
Notadamente, é uma das melhores e genial criação, clássica! Mas, minha real preferência, recai sobre a batuta, do excelente Maestro Mariss Jansons..vale a pena conferir…http://www.youtube.com/watch?v=rypAowM9NiE
Abs.
Sebastião
Olá Milton! adoro esse conto!!
mas acho que a propósito de uma conquista , Orfeu & Eurídice do Gluck seria mais, digamos, representativo…Hahahaa
aiaiaiaia, como o Celibidache foi injustiçado….. nunca vi regência mais caricatural que essa!!!
Cá pra nós. HvK era grande regente e… um canastrão…
Celi é um gênio. Nada contra, imagina.