Amizades imprescidíveis que me chegaram através da rede (Parte I)

Publicado em 19 de outubro de 2004

Caetano Veloso já perguntava em “Língua” sobre quem haveria de negar que a amizade é superior ao amor. Não vou discorrer a respeito, até porque ambos nos dão ganhos diferentes e não há motivo que nos impila a uma escolha. Fica-se com os dois e fim.

Tenho um grande amigo virtual na pessoa do escritor pernambucano Fernando Monteiro. Foi ele quem me escreveu primeiro e, ainda hoje, creio ser ele quem mais estimula nossa amizade acrescentando-lhe fatos novos. É que realmente não sou o campeão da auto-estima e fico constrangido de encher-lhe o saco… Tudo começou quando, ao responder em um post antigo (de 2 de agosto de 2003) a algumas questões sobre literatura, sentencei que o livro Aspades, ETs, etc., de Fernando, era um dos poucos livros dos últimos 10 anos que mereceriam a honraria de obra-prima. Então ele leu, descobriu meu e-mail e começamos uma animada conversação.

Neste ínterim, ficamos nos conhecendo um pouco mais e Fernando chegou a me citar numa coluna publicada no jornal literário Rascunho.

Há duas semanas, ele voltou a me surpreender. Recebi mais um presente pelo correio – mandei-lhe 2 e recebi uns 10! – e era uma descoberta estarrecedora. Explico: quem me lê sabe de minha admiração por Johann Sebastian Bach, Ingmar Bergman e Anton Tchékhov, entre outros. Num post anterior, escrevi sobre a curiosa ligação que Bergman tinha com Bach. Pois Fernando me manda um artigo de Hélio Pólvora em que está esmiuçada a relação que o filme Gritos e Sussurros, um pontos mais altos de Bergman, tem para com a obra-prima de Tchékhov As Três Irmãs. Após ler o texto ficamos sabendo que, inequivocamente, são obras… irmãs.

Após receber o mimo, escrevi a Fernando o que segue:

Meu amigo!
Muito obrigado pela lembrança. O artigo do Pólvora abriu meus olhos para uma obviedade de que não tinha me dado conta. Bergman deve ter dirigido peças de Tchekhov a vida inteira, nada mais natural então que se inspirasse nele de vez em quando, assim como fez com Strindberg. Será que há alguma coerência em minha paixão por Bach-Bergman-Tchekhov?
Fernando, tenho tratado muito mal todos os meus amigos; na verdade estou passando por apertos de todo o lado. Falo sobre tempo e dinheiro. Nada muito grave, nada que não possa ser resolvido com um pouco de “mais aperto”, mas fico preocupado, durmo mal, etc. Imagine que minha irmã pediu que eu pirateasse 10 CDs de música a minha escolha para lhe dar de aniversário e ainda não gravei nenhum para ela… que nasceu num 31 de julho!
Tenho que mudar minha vida e já. Este negócio de assumir as minhas broncas, as dos outros, de manter blog, coluna esportiva, de aceitar vários convites, de achar que tenho tempo para tudo, para a Claudia, para os filhos, para os amigos, para ser dono de restaurante e de empresa de informática, para escrever um livro (que está rigorosamente parado, morto lá pela página 30) está me atrapalhando muito.
Está na hora de pensar na vida. Desculpe o desabafo.
Grande abraço e, novamente, muito obrigado.
A propósito: quando é que sai o Graumann II?
Milton.

Recebi como resposta:

Milton amigo:
o Graumann II deve sair neste mês — caso não se atrase mais, na W11. Eu queria que saísse com o três, estava disposto a dar uma “corrida” neste, porém o Wagner Carelli preferiu lançar só “As Confissões de Lúcio”, por ora… o que me deu tempo de trabalhar mais no último volume do que, vá lá, pode ser chamada de “trilogia” graumanniana.
A vantagem de lançar juntos seria principalmente o impacto (?) dos dois livros – porém o Wagner me convenceu de que não se podia contar com a certeza dos distribuidores e/ou livreiros comprarem quantidades iguais de ambos, pra começar.
E eu queria — ao mesmo tempo — mais tempo para o 3.
Tempo, tempo – tudo é tempo. Tenha cuidado com o seu, sem dúvida. Principalmente, não se disperse, porque, depois dos 45, tudo vai se tornando urgente.
Abs, Fernando
PS. Bach-Bergman-Tchekohv são três encarnações do mesmo mistério, claro.
F.

E assim continuamos nossas conversas, eu em Porto Alegre, ele no Recife. Nunca nos vimos.

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Outro amigo virtual: meu primeiro contato com Alexandre Inagaki foi o pior possível. Ele escreveu um comentário apontando que eu tinha escrito um post que utilizava uma idéia que ele, Inagaki, já utilizara. Foi direto ao ponto, sem agressões ou ironias. Só que a idéia utilizada não era de nenhum de nós, mas de François Truffaut e referia-se aos “Grandes Filmes Doentes” (post de 13 de agosto de 2003). O comentário do Ina foi perdido numa destas crises do blogger, infelizmente. Rebater a suspeita foi fácil. Disse-lhe que havia lido a expressão na página X do livro com a grande entrevista que Truffaut fez com Hitchcock. Ele que olhasse no dele. Devo ter sido irônico e creio ter-lhe perguntado se ele não queria que eu mandasse o livro manuseado que possuo como prova… Fiquei irritado, mas a coisa não prosperou; comecei a ler o extraordinário Pensar Enlouquece e ele começou a me visitar. A desconfiança deu lugar ao respeito, o respeito foi superado pelo bom humor e admiração, os quais permaneceram, só que acompanhados pela confiança. Vim conhecê-lo em Parati, durante a FLIP.

Eu o imaginava como os japoneses das piadas, com tudo pequenino e aquilo proporcional. Mas estava enganado (o “aquilo” eu não vi nem quero, Ok?): o cara tem 1,80m, ou seja, é 9 cm mais alto que eu. E não é magro nem longilíneo. Está naquela fase da vida em que temos que optar: vou ser forte ou gordo? Creio que a segunda opção esteja fustigando nosso blogueiro campeão, mas ele ainda resiste.

Quando me apresentei (sim, parei na frente do japa e perguntei se ele era o célebre Inagaki), tive duas primeiras impressões. A primeiríssima era a de que ele inaugurava, na minha experiência, a classificação do “Japonês Baiano”. Nasceu em Campinas – até torce para um time de lá que logo logo irá para a segunda divisão – mas o ar descansado, de quem dorme 12h todas as noites, aquela cara sorridente, aquela malemolência… ah, é coisa que parece ter origem no mar da Bahia. A segunda primeira impressão foi de que ele entrava com méritos numa outra classificação: aquela que distingue as pessoas cuja inteligência parece ser tanta que esta ameaça sair pelos olhos. Não espero ser compreendido, mas quem conhece minha irmã sabe do que estou falando. E, quando começamos a conversar, vi que ela também podia sair pela boca. Porém daquele jeito tranqüilo, lento, baiano.

Conversamos 3 vezes, nunca longamente. Posso testemunhar que o Ina é daquelas pessoas com as quais a gente se sente tão bem que podemos deixar a conversa morrer e renascer sem a menor pressa. Vamos melhorar a frase anterior: o que quero dizer é que Inagaki nos dá tal impressão de calma, gentileza e espontaneidade, que em sua presença não nos sentimos pressionados a atuar, a falar por falar. Ele está ali, disponível, conversando e ouvindo. Gostei do cara.

Quase 4 meses após nossos encontros, ele vem e escreve um testimonial na minha abandonada conta do Orkut. Como 100 % destes textos, trata-se de um elogio. Sei que vocês, meus 7 leitores, vão pensar que a cópia deste texto aqui equivale a um auto-elogio e, como tal, seria um vitupério que lanço a mim. Porém acreditem, esta voz gentil é realmente a dele, a de sua expressão verbal. Leiam lentamente, em ritmo malemolente; imaginem uma voz baixa e sorridente:

Literato, musicólatra, cortês. Milton Ribeiro é um desses caras que tornam a vida da gente mais rica. Quem lê seus textos é constantemente brindado com doses precisas de emoção, bom humor, erudição, talento. Um dia ainda terei o privilégio de receber em mãos um livro autografado desse cara. Ok, eu já sei que na dedicatória Milton me escreverá algo do tipo “um abraço por trás, viadinho”. Tudo zen: esse cara é meu amigo.

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