Dazed and Confused (1969, 1968) – Uma coisa, outra coisa

Incrível o upgrade sofrido por Jimmy Page ao mudar-se do The Yardbirds para um certo Led Zeppelin. São absolutamente chocantes as diferenças na qualidade do grupo e na abordagem da mesma Dazed and Confused e isso com apenas um ano de diferença.

Led Zeppelin – Dazed and Confused (London 1969)

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The Yardbirds – Dazed and Confused (1968)

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O Fórum Social Mundial se despede

Publicado em 31 de janeiro de 2005

Durante a semana que está acabando hoje, recebemos 120.000 pessoas em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial. A cidade inchou, perturbou-se, dobrou-se e, por fim, penso que acolhemos adequadamente os visitantes. Assisti a vários eventos do FSM e tenho críticas à organização, à divulgação e à pauta do evento, mas não desejo nem reforçar as reclamações indignadas do fundamentalismo de direita, nem elogiar indistintamente algo tão polêmico, pois isso incluiria alguns grupos incompreensíveis a mim (principalmente na área ecológica… Grrr…). Posso dizer que passei uma semana muito feliz vendo o colorido das roupas, ouvindo estranhos fonemas e constatando que somos bons neste faz-de-conta de cosmopolitas… Fiz minha parte ao conversar animadamente com muitos alienígenas, sendo que o mais inusitado foi meu contato com vietnamitas numa língua inacreditável, pois eles não falavam nenhum idioma ocidental. Rimos muito e creio tê-los mandado a algum lugar. Fico conjeturando se estão vivos.

Sou dos que lamentam o fato do Fórum sair daqui nos próximos anos. Sei que todos sentirão falta dele, até seus críticos. Nosso prefeito de direita já suplicou: fiquem, voltem! Não vão voltar, claro.

O Acidente de Minha Filha & Festa de Aniversário de Tiago Casagrande

Publicado em 31 de março de 2005

Minha filha Bárbara ama os cavalos. Há quadros de cavalos em seu quarto, há revistas sobre cavalos na bancada onde estuda, há reclamações indignadas quando vê cavalos maltratados em carroças, há manifestações eufóricas quando vai ou volta da aula de equitação, há cômicos comentários (em minha opinião) sobre a vida particular de cada um dos animais da escola, incluindo os cães. Ela diz que será veterinária. Creio que já se faria um veterinário completo com apenas 20% de sua paixão.

Há dois anos atrás, ela convenceu-me a apoiá-la num de seus maiores sonhos. Desejava sair do balé – de que não gostava – e ir para a equitação. Recebeu a adesão da Claudia, minha atual mulher, que também queria fazer aulas. Shakespeare tem razão ao dizer que “Onde não há prazer, não há proveito”. Depois de conseguirmos a concordância de sua mãe, ela começou as aulas e surpreendeu-nos o imediato aumento de sua concentração para os estudos – antes sempre difíceis – e sua nova forma de organizar a vida. Ela melhorou demais. Nunca se saberá o papel exato que o esporte teve nisto, mas não posso evitar a idéia de causa e efeito. Além disto, o pessoal da escola é muito afetivo e sei que ela adoraria passar seus dias lá, mesmo sem aula.

Pois ontem a Bárbara desconcentrou-se e teve uma queda durante um galope. Eu estava na beira da pista, deitado, lendo o Quixote. Não vi a queda. Quando levantei a cabeça, observei que Gabrielito – o cavalo que ela montava – vinha sozinho e que a Bárbara caminhava atrás, limpando-se da areia. Ela não chorou, apenas referiu-se a uma pequena dor nas costas e preparou-se para reassumir cavalo que, segundo ela, tinha disparado. Pediu ao Sílvio – o dono da escola e professor, grande professor – para apenas andar a passo. Sílvio, experiente nestas coisas, respondeu-lhe que a aula continuava normalmente; ela deveria galopar. Bárbara achou graça e a aula terminou tranqüila, entre risos.

Para a Bárbara é sempre uma vitória enfrentar e superar tal gênero de situação. Depois, conta o ocorrido como se fosse a protagonista de uma grande aventura. E quem há de negar? Mais de uma vez, disse-me que só pessoas corajosas faziam equitação. Então, à noite, ela recebeu uma ligação casual de sua mãe e contou-lhe alegremente o caso.

– Mãe, caí do Gabrielito! Mas não houve nada, só estou com uma dorzinha nas costas.

Como resposta, obteve o seguinte:

– Pergunta para o teu pai se ele não consegue se colocar no meu lugar, pergunta sobre como eu vou me sentir se algo te acontecer, pergunta sobre o que vou dizer a ele.

Minha filha murchou no telefone e desligou. Mas… O que importa não é o que a Bárbara sentiria ou o que todos nós sentiríamos? Ou, por acaso, o que importa é como Ela – um ser dotado de natural e justa precedência divina – se sentiria?

É claro que tenho receio (muito receio, cada vez mais receio) de que algo, um dia, possa ocorrer e não precisaria de nenhum auxílio externo para me culpar. Eu mesmo trataria disto, não me faltaria vontade de morrer e talvez o fizesse. Mas não seria criminoso impedi-la de fazer o que gosta? Qual é o percentual de vítimas de equitação? É muito diferente do percentual de quem sai à noite e é baleado? E a auto-estima recém adquirida pela excelente amazona Bárbara, de dez anos de idade? Não conta? E como ficaria a oposição que, hoje, ela consegue fazer a uma mãe de personalidade totalmente diferente da sua e que não aprendeu nem a andar de bicicleta por preferir viver segura e plastificada? Só porque sua mãe vive num laboratório, preferindo evitar o contato com a realidade e as experiências mais dolorosas, não quer dizer que os outros não possam desejar uma vida real.

Sei lá. Fico tão incomodado com estas coisas que me perco. Prometo a mim mesmo estancar o giro da pimenteira sobre o que sobrou de minha relação, mas não consigo.

Ontem, aquele que é verdadeiramente o maior blogueiro do mundo (desculpa, Rafael Galvão), escreveu isto em seu decálogo:

10. Toda blogagem se dará em paz e exercitará a liberdade de expressão inerente a qualquer democracia. A blogagem estará a salvo de perseguição política, religiosa ou doutrinária de qualquer caráter. O blogueiro será livre para dizer o que lhe venha à telha, desde que, obviamente, não cometa com a linguagem crimes de calúnia ou plágio.

Estou salvo. Vamos então a algo feliz.

(Back to Last Thursday)

É simples fazer uma festa legal. Basta que haja um número suficiente de pessoas legais num ambiente legal e elas logo começam a demonstrar sua legalidade. Funciona sempre. A festa de aniversário do Tiago Casagrande foi assim. Apesar da espetacular entrevista que fiz com ele em 20 de janeiro – não deixo por menos -, ainda não o conhecia pessoalmente. Conheci o Tiago, o Gejfin, a Francesca, a Tatjana, o Rafa e muitos outros que o álcool impede de lembrar. Todos ali tinham 20 anos a menos do que eu e 10 a menos do que a Claudia, mas pessoas legais costumam conversar de igual para igual com crianças e velhos e em um minuto estávamos adaptados. O local – o Bongô, bar da Cidade Baixa de Porto Alegre – era perfeito. As cervejas sempre vieram rápidas e dentro da CNTPpC (Condições Normais de Temperatura e Pressão para Cervejas; isto é, geladíssimas). O preço era adequado. A cozinha era tão boa que voltamos no dia seguinte para conferi-la melhor. A decoração, cheia de capas de discos e de partituras de rock coladas às paredes, fez com que o grupo familiar do segundo dia passasse a desejar que o lavabo da casa que estamos construindo tivesse páginas importantes de grandes livros coladas às suas paredes. O cara poderia fazer suas necessidades lendo o trecho em que Sancho Pança chama pela primeira vez Dom Quixote de O Cavaleiro da Triste Figura ou a Parábola do Grande Inquisidor (Os Irmãos Karamázovi, Dostoiévski) ou o oitavo (discussão sobre o Opus 111 de Beethoven) ou o vigésimo-quinto (Adrian Leverkühn e o demônio) capítulos do Doutor Fausto de Thomas Mann ou uma partitura da Oferenda Musical de Bach… Já pensaram? Porém, pecado mortal, tergiverso. Voltemos à festa.

Em meio à conversa, Tiago disse que sou um excelente leitor, pois tinha-o desnudado (é uma metáfora, bem entendido) em sua entrevista, através de questionamentos que o fizeram perguntar a seu analista se ele, por acaso, era transparente. Bondade e elogio dele, é claro. Muito mais que bom leitor, sempre fui tido por excelente observador. Vi, por exemplo, o olhar comprido e nostálgico que ele lançava a certa moça em nossa mesa. A nostalgia é, em minha opinião, algo que manifesta-se não só como saudade do que passou, mas também como saudade do que virá, ou não. Vi também, deliciado, que a amizade que o une ao Gejfin é daquelas coisas que só casamentos ou nascimentos de filhos farão diminuir em freqüência, nunca em intensidade. Vi também que gostaria cultivar amizade com estes dois; são pessoas generosas, inteligentes, tagarelas, agradáveis, que valem a pena. Agradeço ao vasto mundo por fazer existir tão perto pessoas deste calibre.

Entrevista com a Mônica, do Crônicas Mônica

Estava procurando escrever posts menores, mas aí veio-me a idéia de entrevistar minha amiga Mônica. Na primeira versão que preparei havia 15 perguntas; na segunda, exatas 43; na terceira e última, voltei a razoáveis 20. Razoáveis? Olha o tamanho do post! Mas garanto a vocês, vale a pena ler!

Eu e a Mônica não nos conhecemos pessoal ou telefonicamente. Não uso o MSN e nem foto dela eu vi, mas sabia quão incontrolável ela poderia ser. Comprovei quando recebi as respostas. Havia perguntas nas quais depositava grandes esperanças e vieram respostas secas…, que foram compensadas por réplicas antológicas onde não esperava. Para facilitar a leitura de meus 7 fiéis visitantes, esclareço que a Adorável, citada na pergunta 7, é irmã da Mônica, é blogueira e é também conhecida por . Também explico que a única pessoa da blogosfera que desentendeu-se seriamente com a entrevistada foi exatamente… eu (pergunta 18), mas, como ela diz, hoje somos amigos, gostamos muito um do outro e vamos nos casar assim que ela me enviar uma foto. Para terminar (final da pergunta 19), fecho mais uma vez com a Mônica na indicação do CD El Negro del Blanco (Biscoito Fino), dos maravilhosos Paulo Moura e Yamandú Costa. Chega de papo e vamos à entrevista:

1. Que grau de compromisso tens com o Crônicas Mônica? É algo descartável ou deverá ter longa vida?

Não consigo pensar em nada descartável, pelo carinho. Gosto das pessoas e do blog em si. Levo bastante a sério. Mas posso implicar e acabar com tudo em um dia… jeitinho Mônica de ser.

2. O complemento do título do teu blog é “Uma escrita bem humorada sem compromisso literário”. Não consigo encarar este título de outra forma que não seja uma defesa de alguém que é normalmente muito autocrítico, mas que não quer ou pode dedicar-se 100% àquilo.

Bingo! E mal sabia eu que ao postar, pela primeira vez, já estava assumindo um compromisso danado.

3. Acho que as tuas melhores qualidades são a musicalidade e a falsa anarquia de teus textos. Às vezes uma sobrepuja a outra, mas, sob alguma forma, elas sempre estão lá. De onde tanta música? E esta vontade de quebrar tudo?

Sempre vou ter vontade de quebrar tudo; ao mesmo tempo, respeito as pessoas, me acho “meio” incorreta politicamente, então, nunca quebraria absolutamente tudo. A musicalidade? Bom, essa mora dentro do meu peito.

4. A clareza é outra característica tua. Os posts podem ser lidos rapidamente, mas uma segunda leitura sempre me demonstrou haver ambigüidades bem escondidas em tuas histórias que nos levam a rir ou a sentir compaixão por teus personagens. Quanto tempo te toma um post “daqueles”, isto é, daqueles bem trabalhados?

Acredite Milton, de 10 minutos a 2 horas, depende. Sempre tenho começo, meio e fim delineados na mente. O revisar, corrigir, formatar, muitas vezes toma mais tempo do que escrever (um daqueles bons). As ambigüidades são para os inteligentes…

5. Ainda no terreno dos elogios: afirmo que tens notável habilidade para criar climas, muitas vezes constrangedores, sempre engraçados. A Mônica real brinca também assim? És uma piadista nata?

Sou, sempre fui. Minhas filhas vivem dizendo: Comédia, você!!!!

6. Entrando levemente no terreno das críticas: teus últimos posts parecem ser mais descuidados do que os de três ou quatro meses atrás. Concordas com isto? Houve alguma coisa?

Milton, a última coisa que sou é uma pessoa descuidada. Mas cheguei a uma encruzilhada: paro agora (Wandeca) ou faço algo mais ligeiro, sem muita correção, tanta revisão. Não tenho mais tempo, entende?

7. Quais são teus melhores posts? Seria o famosíssimo da Miss Sujinha, aquele em inglês ou outro?

Na verdade, acho que você gosta da “Miss Sujinha”. Eu gosto também, mas depois de pensar em sua pergunta acabo achando que os posts de que mais gosto, não são os mais engraçados. Gosto de: “Quem matou Dana de Teffé” embora muita gente nem lembre de “O Cruzeiro” ou David Nasser; gosto de Tiazinha (Yolanda Penteado), A Moleca e alguns outros. De alguns não gosto e vejo que o leitor gosta.
Tem um não muito antigo, da Lígia, que transa virtualmente e quebra a perna.
Bom querido, eu tinha duas opções: deleteva tudo e deixava um “Gran finale”, um bom post, ou continuava, com menos tempo.
Vivo fazendo isso:
– ADORÁVEL, querida, nem reli! Leia e corrija pra mim, por favor (quando estou mais apelativa, digo; pelamordedeus). Obviamente, ela adora este trabalho, lê com grande prazer e me liga elogiando: arrumei algumas vírgulas bailarinas, alguns errinhos de gramática e está ótimo!!!
Milton, cansei um pouco de pensar, corrigir, revisar, reler e 90% das pessoas não entender nada.
Pense: ser avó, decorar uma casa, reformar uma outra, o apartamento da filha, decorar, enxoval de noiva e bebê, escrever para uma revista, fazer traduções. O fato da maioria não entender muito, desanima.

8. E o que mais te toca?

Palavras, música, às vezes, um olhar…

9. Qual é a freqüência de publicação em blogs que achas adequada para ti?

Penso que dois posts por semana estaria mais que bom, até porque acho que as pessoas sabem que deixo um post longo, algum tempo, propositadamente. O Crônicas Mônica fica pra depois, quando tiverem tempo. Ou seja, ao mesmo tempo que posso aborrecer o leitor com longos posts, dou-lhes tempo para ler.

10. Quando o teu computador não está infestado de vírus como agora, acordas e já vais ver os comentários e e-mails ou dá tempo para tomar um café?

Meu amigo, eu acordo, medito, tomo café e dou uma olhada antes de me enfiar em uma esteira. Geralmente estou on line, por ter uma filha fora de S. Paulo e outra bem barriguda…mas não necessariamente estou no computador.

11. O surpreendente post sobre a posição sexual 69 foi seguido de um meio anormal sobre “elegância”. O superego ordenou um arrependimento acompanhado de imediata reparação, os leitores te propuseram “coisas” ou o Milton está louco?

Milton é muito lúcido, mas aqui vou discordar. O post 69 é de autoria de Maitê Proença. Acho a escrita dela viva e gosto de gente que diz atrocidades com elegância. A Maitê tem aquele fio tênue entre a elegância e a vulgaridade. Gostei do artigo 69, publiquei…então eu pergunto no final (para fazer graça): Vamos lá! Todo mundo se entregando, quem faz? Quem não faz? Uns disseram: eu não me entrego assim fácil não, outros descreveram o ato completo… vai de gosto do freguês, no caso, do leitor.
Taí, eu gostei do post “Elegância”.
Eu me repito, ( já disse isso antes), se falo de amor, falo de novo, se falo de arsênico, em seguida falo de cicuta. Viagem, outra viagem. Doris Lessing disse (já disse isso também), que os personagens, às vezes chatinhos, a perseguiam. Eu me sinto igual. Como achei que, na medida do possível, Maitê foi elegante, falei de elegância, mas não foi para me redimir não, acredite. Foi um pensamento. Até porque não acho deselegante a modalidade.

12. Aquela série deliciosamente maluca, metade autobiografia, metade livre-associação, acabou? Se acabou, já digo: que merda!

Não acabou não, Lavoisier… aliás, comigo nada termina, tudo se transforma.

13. Levas a vida empurrando as coisas com a barriga ou ela é uma aventura jovem e surpreendente?

Uma aventura jovem, cheia de surpresas, e faço ontem o que preciso fazer amanhã. Adoraria ser um pouco inconseqüente e irresponsável, nunca fui…

14. A vida amorosa é tranqüila e linear ou é cheia de som e fúria?

Cheia de som e fúria.

15. E como convives com a jovem avó que está nascendo? (Escuta, o Francisco já chegou?)

Nossa!! Quase morri na primeira semana, choque! Achava que o “status” de avó não combinava comigo, agora amo a idéia e vai nascer em janeiro. Tenho uma barriga linda aqui perto de mim.

16. É paradoxal. A Mafalda Crescida te caracterizou como uma pessoa que dá conselhos, que auxilia. Eu mesmo já recebi vários conselhos teus e reconheço a pertinência – e a inteligência – de todos eles. És uma mãezona ou não? Porém, também opino que tens uma relação demasiado irônica com o mundo para ser aquela mãezona típica.

Ahhhhhhh, provavelmente a primeira palavra que vou ensinar pro neto é um palavrão. Mas tenho a “Lua em Câncer”, sou mãezona mesmo, cuido das pessoas, mimo-as.
Adoro dar conselhos, mas a experiência, me faz pensar duas vezes para aconselhar, o interlocutor pode não querer conselhos. Muitas vezes vejo com tamanha nitidez que preciso falar…

17. Meu Deus! E uma vez me pediste para fazer um link entre tu e a mesma Mafalda, pois, olha Milton, não parece mas sou muito tímida…

E aí, graças a você, conversamos duas vezes e ela é um amor… Sou tímida mesmo, mas acho que todo o ser humano é, cada um na sua área, do seu jeito próprio. Garanto que você, às vezes, é tímido também.

18. Tenho a impressão de que és como uma daquelas bolas de silicone que se usa para fazer exercícios com as mãos, só que com chumbo no centro. Há maciez no trato, mas cuidado! Esta bola pode voar em direção a alguém?

Posso ser. Especialmente se for vítima de alguma injustiça ou se alguém mexer com minhas filhas, mas acho que isso é natural. Normalmente, sou doce e meu limite de paciência é bem grande. Mas, se mandar a referida bola, mando em partes letais, falo baixo e arraso a pessoa.
Tenho verdadeiro horror a briga virtual, comentários maldosos em janelas, nem pensar…
Uma única vez briguei com uma pessoa virtualmente. Trocamos e-mails, a pessoa se desculpou, eu desculpei e hoje somos bons amigos, gosto dele….ele sabe disso.

19. Quem, dentre escritores, cineastas e músicos, te provoca frisson?

Ai! Esta pensei em dizer; sou eclética, gosto de tudo, mas isso não faz parte de mim. Então: palavrório, agüenta….
Escritores: O escritor promove aquilo que dizia Gilberto Freyre: e a carne se fez verbo! Então…
Machado de Assis : Meu preferido, eu acho, é preciso ter uma certa maturidade para entender a ironia de Machado, do Machado pós-1881. Outro dia eu estava lendo umas crônicas dele, numa seleção muito bem feita, da Editora Global. E lia umas crônicas que ele escreveu por volta do dia 13 de maio de 1888. Simplesmente saborosas, mostrando a realidade da escravidão, das relações menos folclóricas entre escravo e senhor.
Escrever é recorrer aos deuses internos e externos, para dizer algo relevante.
As crônicas, por mais ligeiras que sejam, podem e devem ser relevantes. As de Machado são excepcionais neste sentido. Parece que ele deu uma rasteira no deus Cronos e continua cada vez mais atual.
Oscar Wilde sempre amei. Conta-se que o pai dele, médico, recebia como pagamento de consultas, quando o paciente era pobre, histórias que, mais tarde, iria contar ao pequeno filho Oscar antes do menino pegar no sono.
“Se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração.” O. Wilde.
E Ernest Hemingway, sempre tive fascínio – O Velho e o Mar é um exemplo raro de narrativa poderosa, que jamais envelhece, e que fisga a gente!
Cineastas:
Orson Welles, Alfred Hitchcock, Quentin Tarantino, Frank Capra, e (pode rir) Steven Spielberg . Daqui há dez anos ele será reverenciado.
Lembro do meu amado Paulo Francis acabando com Steven.
(Ficou meio parecido com resposta de Miss? Nietzsche, Maiakovsky , Saint Exupéry e Paulo Coelho. Rss)
Músicos??? Milton Nascimento, (os mineiros todos, Clube da Esquina), misturo compositores e intérpretes: Mozart, Mendelssohn, Chopin, Weber, Liszt e Kachaturian; Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda, Almeida Prado, Edino Krieger, Villani Côrtes, Ernesto Nazareth, Eduardo Souto e Zequinha de Abreu, Villa Lobos, Tom Jobim, João Gilberto, João Donato.
Os cearenses: de Fagner a Belchior…..
Baianos…nem preciso citar, Caetano, Gil, Caymmi, João Gilberto…
Você há pouco tempo comparou Chico e Edu Lobo, então pensei: mas ele compara um poeta e um maestro?! Acho que você comparava a genialidade dos dois…
Elis Regina, Nana Caymmi, Zizi Possi, Adoniran Barbosa, Dominguinhos. Muita injustiça minha, passaria o dia aqui falando de nossos gênios, sem esquecer de Billie Holliday, Quincy Jones, Cesaria Évora, Nina Simone, Ella… Jim Morinson, Miles Davis, Chick Corea (chega, vou te aborecer, vc saberá do que gosto em breve). Ah! Gosto da Grande Fantasia Triunfal do Hino Nacional.
“Frisson”… atualmente quem me causa frisson é seu conterrâneo, Yamandú Costa. O último CD do Paulo Moura e dele é algo…

20. Como te sentiste respondendo a esta série de perguntas cujo único conector lógico é a numeração?

O conector lógico são números. Quem formulou as perguntas, foi alguém querido, adorei respondê-las.

Amizades imprescidíveis que me chegaram através da rede (Parte I)

Publicado em 19 de outubro de 2004

Caetano Veloso já perguntava em “Língua” sobre quem haveria de negar que a amizade é superior ao amor. Não vou discorrer a respeito, até porque ambos nos dão ganhos diferentes e não há motivo que nos impila a uma escolha. Fica-se com os dois e fim.

Tenho um grande amigo virtual na pessoa do escritor pernambucano Fernando Monteiro. Foi ele quem me escreveu primeiro e, ainda hoje, creio ser ele quem mais estimula nossa amizade acrescentando-lhe fatos novos. É que realmente não sou o campeão da auto-estima e fico constrangido de encher-lhe o saco… Tudo começou quando, ao responder em um post antigo (de 2 de agosto de 2003) a algumas questões sobre literatura, sentencei que o livro Aspades, ETs, etc., de Fernando, era um dos poucos livros dos últimos 10 anos que mereceriam a honraria de obra-prima. Então ele leu, descobriu meu e-mail e começamos uma animada conversação.

Neste ínterim, ficamos nos conhecendo um pouco mais e Fernando chegou a me citar numa coluna publicada no jornal literário Rascunho.

Há duas semanas, ele voltou a me surpreender. Recebi mais um presente pelo correio – mandei-lhe 2 e recebi uns 10! – e era uma descoberta estarrecedora. Explico: quem me lê sabe de minha admiração por Johann Sebastian Bach, Ingmar Bergman e Anton Tchékhov, entre outros. Num post anterior, escrevi sobre a curiosa ligação que Bergman tinha com Bach. Pois Fernando me manda um artigo de Hélio Pólvora em que está esmiuçada a relação que o filme Gritos e Sussurros, um pontos mais altos de Bergman, tem para com a obra-prima de Tchékhov As Três Irmãs. Após ler o texto ficamos sabendo que, inequivocamente, são obras… irmãs.

Após receber o mimo, escrevi a Fernando o que segue:

Meu amigo!
Muito obrigado pela lembrança. O artigo do Pólvora abriu meus olhos para uma obviedade de que não tinha me dado conta. Bergman deve ter dirigido peças de Tchekhov a vida inteira, nada mais natural então que se inspirasse nele de vez em quando, assim como fez com Strindberg. Será que há alguma coerência em minha paixão por Bach-Bergman-Tchekhov?
Fernando, tenho tratado muito mal todos os meus amigos; na verdade estou passando por apertos de todo o lado. Falo sobre tempo e dinheiro. Nada muito grave, nada que não possa ser resolvido com um pouco de “mais aperto”, mas fico preocupado, durmo mal, etc. Imagine que minha irmã pediu que eu pirateasse 10 CDs de música a minha escolha para lhe dar de aniversário e ainda não gravei nenhum para ela… que nasceu num 31 de julho!
Tenho que mudar minha vida e já. Este negócio de assumir as minhas broncas, as dos outros, de manter blog, coluna esportiva, de aceitar vários convites, de achar que tenho tempo para tudo, para a Claudia, para os filhos, para os amigos, para ser dono de restaurante e de empresa de informática, para escrever um livro (que está rigorosamente parado, morto lá pela página 30) está me atrapalhando muito.
Está na hora de pensar na vida. Desculpe o desabafo.
Grande abraço e, novamente, muito obrigado.
A propósito: quando é que sai o Graumann II?
Milton.

Recebi como resposta:

Milton amigo:
o Graumann II deve sair neste mês — caso não se atrase mais, na W11. Eu queria que saísse com o três, estava disposto a dar uma “corrida” neste, porém o Wagner Carelli preferiu lançar só “As Confissões de Lúcio”, por ora… o que me deu tempo de trabalhar mais no último volume do que, vá lá, pode ser chamada de “trilogia” graumanniana.
A vantagem de lançar juntos seria principalmente o impacto (?) dos dois livros – porém o Wagner me convenceu de que não se podia contar com a certeza dos distribuidores e/ou livreiros comprarem quantidades iguais de ambos, pra começar.
E eu queria — ao mesmo tempo — mais tempo para o 3.
Tempo, tempo – tudo é tempo. Tenha cuidado com o seu, sem dúvida. Principalmente, não se disperse, porque, depois dos 45, tudo vai se tornando urgente.
Abs, Fernando
PS. Bach-Bergman-Tchekohv são três encarnações do mesmo mistério, claro.
F.

E assim continuamos nossas conversas, eu em Porto Alegre, ele no Recife. Nunca nos vimos.

~~~~~
Outro amigo virtual: meu primeiro contato com Alexandre Inagaki foi o pior possível. Ele escreveu um comentário apontando que eu tinha escrito um post que utilizava uma idéia que ele, Inagaki, já utilizara. Foi direto ao ponto, sem agressões ou ironias. Só que a idéia utilizada não era de nenhum de nós, mas de François Truffaut e referia-se aos “Grandes Filmes Doentes” (post de 13 de agosto de 2003). O comentário do Ina foi perdido numa destas crises do blogger, infelizmente. Rebater a suspeita foi fácil. Disse-lhe que havia lido a expressão na página X do livro com a grande entrevista que Truffaut fez com Hitchcock. Ele que olhasse no dele. Devo ter sido irônico e creio ter-lhe perguntado se ele não queria que eu mandasse o livro manuseado que possuo como prova… Fiquei irritado, mas a coisa não prosperou; comecei a ler o extraordinário Pensar Enlouquece e ele começou a me visitar. A desconfiança deu lugar ao respeito, o respeito foi superado pelo bom humor e admiração, os quais permaneceram, só que acompanhados pela confiança. Vim conhecê-lo em Parati, durante a FLIP.

Eu o imaginava como os japoneses das piadas, com tudo pequenino e aquilo proporcional. Mas estava enganado (o “aquilo” eu não vi nem quero, Ok?): o cara tem 1,80m, ou seja, é 9 cm mais alto que eu. E não é magro nem longilíneo. Está naquela fase da vida em que temos que optar: vou ser forte ou gordo? Creio que a segunda opção esteja fustigando nosso blogueiro campeão, mas ele ainda resiste.

Quando me apresentei (sim, parei na frente do japa e perguntei se ele era o célebre Inagaki), tive duas primeiras impressões. A primeiríssima era a de que ele inaugurava, na minha experiência, a classificação do “Japonês Baiano”. Nasceu em Campinas – até torce para um time de lá que logo logo irá para a segunda divisão – mas o ar descansado, de quem dorme 12h todas as noites, aquela cara sorridente, aquela malemolência… ah, é coisa que parece ter origem no mar da Bahia. A segunda primeira impressão foi de que ele entrava com méritos numa outra classificação: aquela que distingue as pessoas cuja inteligência parece ser tanta que esta ameaça sair pelos olhos. Não espero ser compreendido, mas quem conhece minha irmã sabe do que estou falando. E, quando começamos a conversar, vi que ela também podia sair pela boca. Porém daquele jeito tranqüilo, lento, baiano.

Conversamos 3 vezes, nunca longamente. Posso testemunhar que o Ina é daquelas pessoas com as quais a gente se sente tão bem que podemos deixar a conversa morrer e renascer sem a menor pressa. Vamos melhorar a frase anterior: o que quero dizer é que Inagaki nos dá tal impressão de calma, gentileza e espontaneidade, que em sua presença não nos sentimos pressionados a atuar, a falar por falar. Ele está ali, disponível, conversando e ouvindo. Gostei do cara.

Quase 4 meses após nossos encontros, ele vem e escreve um testimonial na minha abandonada conta do Orkut. Como 100 % destes textos, trata-se de um elogio. Sei que vocês, meus 7 leitores, vão pensar que a cópia deste texto aqui equivale a um auto-elogio e, como tal, seria um vitupério que lanço a mim. Porém acreditem, esta voz gentil é realmente a dele, a de sua expressão verbal. Leiam lentamente, em ritmo malemolente; imaginem uma voz baixa e sorridente:

Literato, musicólatra, cortês. Milton Ribeiro é um desses caras que tornam a vida da gente mais rica. Quem lê seus textos é constantemente brindado com doses precisas de emoção, bom humor, erudição, talento. Um dia ainda terei o privilégio de receber em mãos um livro autografado desse cara. Ok, eu já sei que na dedicatória Milton me escreverá algo do tipo “um abraço por trás, viadinho”. Tudo zen: esse cara é meu amigo.

Música, Música, Música

Publicado em 4 de outubro de 2004

Música, Música, Música

O Concerto de Martha Argerich e Nelson Freire em Porto Alegre. O repertório pianístico que emprega quatro mãos, seja sobre um ou dois teclados, é considerado inferior. É um preconceito derivado da função utilitária que teve por muitos anos. Houve tempo em que os editores costumavam publicar obras orquestrais facilitadas em arranjos a quatro mãos, e esta formação foi sempre considerada menos música de concerto e mais “coisa de sarau”. Bem, mas quando se unem duas estrelas do porte de Nelson Freire e Martha Argerich, tudo o que não acontece é um sarauzinho.

O repertório original para esta formação não é nada espetacular, mas é suficiente para um concerto de primeira linha, e como! Fui preparadíssmo para lá, tendo lido duas horas antes o post da Laura-RJ sobre o concerto no Rio e ouvido o disco de 1983 (em vinil, ainda), em que Freire e Argerich executam quase que todo o programa da noite. Estava tão mobilizado e entusiasmado que levei o bolachão comigo – como se pudesse ouvi-lo no carro – porém esta revelou-se depois uma providência muito inteligente.

Martha começou o concerto no mundo da lua. As Variações Sobre um Tema de Haydn (o Coral de Santo Antônio) não é uma peça complexa, mas vimos Brahms colocar repetidas bolas nas costas da argentina, que acabou comendo notas e embolando algumas frases. Sua vingança veio na Suíte Nº 2 de Rachmaninov, obra exigentíssima onde o virtuosismo da dupla nos mostrou claramente com quem estávamos lidando.

O resto foi maravilhoso. Uma peça de Lutoslawski – as Variações Sobre um Tema de Paganini -, um delicado Rondó de Schubert e La Valse, que merece comentário especial.

Ravel costumava trabalhar em várias obras ao mesmo tempo. Então, não é surpreendente que ele tenha trabalhado La Valse entre os anos de 1906 e 1920. Primeiramente, seu nome era simplesmente “Johann Strauss”, depois foi rebatizada para “Viena – Poema Coreográfico” e só em 1919 tornou-se “La Valse”. Trata-se de uma série de valsas divididas em duas partes, sendo a segunda uma repetição intensificada da primeira. É uma obra difícil, moderna, uma brilhante paródia. Ravel descreveu-a como “uma espécie apoteose da valsa vienense” – e, puxa vida, é mesmo! -, dando “a impressão de um redemoinho fantástico e fatal”. A mim, dá a impressão de casais dançando uma peça que não conseguirão acompanhar até o final, morrendo antes. É estranho que Ravel tenha escrito “fatal”. É uma obra sem palavras e fico surpreso e feliz que minha impressão seja corroborada por ele com tanta simplicidade. A versão orquestral da obra é mais famosa e ouvida, mas creio que a versão para 2 pianos seja ainda mais impressionante. Como ela finalizava o concerto, é óbvio que a platéia veio abaixo. Resultado: houve 7 bis. Nunca tinha assistido a um concerto com 7 bis e achei que a Laura tivesse errado quando afirmou que isto ocorrera no Municipal do Rio. E não pensem que eles voltavam loucos para tocar, eles hesitavam, recolhiam as rosas que a platéia jogava e iam embora… só sentavam nos pianos quando a mão da gente já estava doendo… O que Argerich e Freire fizeram em La Valse é algo que desejo nunca mais esquecer. Foi i-na-cre-di-tá-vel.

Na saída, exultantes, ficamos conversando com amigos no hall de entrada quando surgiram Freire e Martha para os autógrafos. Não sabia que isto estava programado e, depois de longa hesitação, fui buscar meu vinil no carro e entrei na fila. Martita recebeu o disco com surpresa, olhou a capa onde aparece jovem e sexy aos 43 anos ao lado de um Nelson Freire com 40 e ficou balançando a cabeça negativamente; então, olhou-me e disse mírame ahora. Não fui digno da grandeza do momento, fiquei nervoso, engoli em seco e disse idiotamente: isto foi há 21 anos atrás, Martha. Deveria ter-lhe dito que ela continuava linda, competente, profissional, perfeita e atraente ainda hoje, aos 64 (não, não, melhor não falar em idade…), mas só saiu-me aquela besteira. Não obstante, ela brindou-me com um enorme sorriso e escreveu na capa do disco 21 anõs después, Martha Argerich. Já Freire olhou longamente o disco como se fosse algo muito raro e de que não tivesse ainda conhecimento e assinou simplesmente: Nelson Freire.

Festival Mozart no Santander. Completando o fim de semana musical, fomos assistir a um recital no qual vários grupos de instrumentistas da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) interpretariam obras de câmara de Mozart. A OSPA recém fez concurso e há uma série de músicos jovens e de primeira linha loucos para tocar. Ainda não estão contaminados… E como são bons! Eles – acompanhados por alguns renitentes veteranos como Augusto Maurer e Arthur Elias – formam o novíssimo Collegium Musicum da OSPA, que esperamos que não tenha a vida efêmera de várias boas iniciativas culturais de nossa cidade. O programa focou exclusivamente aquela música de câmara de Mozart para sopros e cordas, algo de anormal coerência e que faz a alegria de qualquer ouvinte mediamente informado. Eu, pessoalmente, detesto aqueles programas malucos em que temos de viajar anos e quilômetros entre uma obra e outra. Ouvimos o jovem Quarteto para Flauta e Cordas K. 285, o Adágio para Corne Inglês e Cordas K. 580a (lindo!) e o esplêndido Quinteto para Clarinete e Cordas K. 581. Tudo foi muito bem executado e os três solistas de sopro foram impecáveis. Temos músicos bons que moram aqui, que trabalham aqui e não há razão para não ouvi-los. Vida longa ao Collegium Musicum!

No dia 29 de outubro, às 21h, o grupo reaparecerá no Teatro São Pedro. Quem estiver em Porto Alegre e gostar de música já sabe onde ir.

Minha Caixa de Entrada

Publicado em 30 de setembro de 2004

Minha Inbox é uma pândega. Por lá, entram mais de 100 mensagens diárias de pura porcaria. Porém, também entram aquelas 3 ou 4 que precisam ser lidas. Tive algumas trocas de mensagens que gostaria de tornar posts, mas não faria isto hoje, tarde da noite, pois antes teria que pedir permissão, etc. Trata-se de demonstrações tão grandes de civilidade e gentileza, que, por puro deleite, fico lendo e relendo as mensagens. Elas vieram principalmente da Diana Zeit – minha correspondente mais frequente dos últimos dias -, mas também da Magaly, da Denise Amon, da Claudia, da Mônica, da Rosele, da Helen, etc. Só agora me dei conta de que todas são mulheres.

Hoje estou cansadíssimo da festa e mais ainda do pós-festa de aniversário de minha filha Bárbara. Desta forma, vou revisar um post antigo a que me referi em minha correspondência com a Diana. É um post que se refere a dois adjetivos derivados de nomes de escritores. No caso do balzaquiano tenho 100% de certeza do que falo, já no kafkiano, acho que dou larga margem para eventuais contestações. Quando reli o post, achei-o simplório, muitíssimo abaixo do nível que a Diana sempre propõe em nossos contatos, mas, para mim, é uma curiosidade.

Balzaquianas e Kafkianos.

A Mulher de 30 Anos é um dos piores livros de Honoré de Balzac. É, certamente, o pior que li. Logo ele, um minucioso criador de personagens e tramas, escreveu um história frouxa, desarticulada e meio sem pé nem cabeça – devia estar apressado e premido por dívidas, o que muitas vezes lhe acontecia. Não pensem que tenho restrições à Balzac, poderia citar-lhe uma dúzia de romances perfeitos, porém este é ilegível. Apesar disto, seu belo título inspirou-nos a criar o termo “balzaquiana” no Brasil. Esta palavra, que só existe por aqui, serve para caracterizar as mulheres na faixa dos 30 anos, como no título da obra. Na época de Balzac e mesmo depois, a idade de 30 anos era um turning point decisivo para as mulheres: ou estavam caindo fora do mercado casamenteiro para tornarem-se tias – tolerados fracassos sociais, bem entendido – ou, se estivessem vivendo casamentos infelizes, estavam perplexas ante o irremediável, como é o caso da personagem do romance. Isto excita nossa imaginação, mas…

Dos 17 volumes das obras de Balzac editadas e reeditadas pela Globo (com traduções impecáveis de gente como Mário Quintana, Paulo Rónai, etc.), li uns 12. Posso dizer que as balzaquianas são a exceção da obra de Balzac. As balzaquianas típicas são as jovenzinhas e as tias velhas, nunca as mulheres de 30 anos. Nossa confusão criou uma expressão culta e equivocada… pura fantasia sobre o nome de um livro. O autor não deu maior atenção aos problemas das trintonas.

Porém, além das mulheres balzaquianas, existem as “situações kafkianas”… e este penso ser um equívoco mundial. Cada vez que alguém está numa situação que julga incomprensível, passa a vivenciar uma “situação kafkiana”. Concordo que pequena parte da obra de Kafka seja dedicada a problemas de natureza incompreensível, mas e o resto? O fato literário mais típico e perturbador da obra de Kafka é a revolucionária e insistente utilização da parábola. Esta sim é kafkiana. Segundo o dicionário Aurélio, um dos significados da palavra parábola é o de ser uma Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior. Não é a descrição perfeita de Franz Kafka?

Rascunho sobre a Bárbara, que fará 10 anos sábado

Publicado em 23 de setembro de 2004

Minha querida filha está de aniversário novamente. Já recebeu antecipadamente seu presente – mais um bicho em nossas vidas -, mas creio que o mais importante ainda está por vir: a Claudia está organizando sua primeira reunião dançante – com DJ e tudo o mais. A evolução que a Bárbara teve nos últimos 12 meses é visível em centímetros e sensível quando falamos com ela. Mudou muito, tornou-se uma pequena mulher, cheia daquelas surpresas que estes seres não param de nos apresentar. Sob uma perspectiva muito pessoal, as últimas novidades são as inumeráveis variações de que se utiliza para expressar sua paixão por mim.

Ela disputa com a Claudia o número de beijos trocados comigo, diz que me conheceu antes (e que, por isto, já me deu muito mais beijos do que a Claudia poderia dar algum dia), quer e oferece provas de amor a cada momento, costuma ficar olhando e provocando minha companheira enquanto me faz carinho, mete-se entre nós quando nos abraçamos, diz que é mais bonita e é criativa ao imaginar suas vantagens, vinganças, trunfos. Faz tudo isto com inalterado bom humor para com sua grande amiga e colega de equitação e loucuras, que lhe retribui a amizade da mesma forma. Pela manhã, costuma invadir nosso quarto dizendo para a Claudia se afastar, pois, afinal, tu já passaste a noite inteirinha com ele, né…? Rimos muito. O que ela faz é uma caricatura sincera de ciúmes. Sorri muito, achando maravilhoso desafiar a Claudia e ficar me chamando de bonitinho, fofinho, quentinho. Eu adoro.

Filha de pais separados, tornou-se atenta à agendas e compromissos, às roupas que estão lá e cá, às coisas que tem que ser carregadas e costuma ver com antecipação os problemas que ocorrerão por incompatibilidade de horários. Tem extremo medo disto e quer agradar aos dois lados quando destes impasses. É tarefa impossível, Bárbara.

E, ora bolas, seus medos geram dor de barriga! Quando fica angustiada, é sempre acometida deste tipo de dor. Ao saber disto, minha mãe revirou os olhos e disse que até nisto ela é igual a mim. Dor de barriga, mãe? Sim, acompanhada de muito choro. Faz um mês, um cavalo mais agitado disparou quando ela lhe cravou os calcanhares. Ela não caiu, nada de grave ocorreu, só o susto. Mas depois, toda a vez que chegava a hora da equitação, vinham as dores. Ficou 15 dias sem poder ir às aulas de equitação.

Nos últimos 12 meses, seu desenvolvimento na escola foi estupendo. Sua organização começou a aparecer nos temas e no interesse em aprender. Já não era sem tempo! Não é nada literária, gosta de matemática e de animais, só lê quando obrigada, normalmente ameaçada por terríveis torturas. Por motivos que não entendo, fico comovido quando a vejo fazer seus temas, torço para que surjam dúvidas e para que ela não me interrompa imediatamente com um “Já entendi!” que sei nem sempre ser verdadeiro.

(Meus filhos não lêem meu blog. Escrevo isto sobre a Bárbara na esperança de que ela um dia se interesse por estas memórias a seu respeito. É uma forma simples de registrar a passagem do tempo, como os aniversários também fazem. É uma forma simples de registrar como sempre foi bom amá-la.)

Sonho com Marcelo Backes e Blogueiros + Inverno Quente

Publicado em 9 de setembro de 2004

Nossos termômetros chegaram a 36,4 graus e era 7 de setembro. Não temos termômetros malucos, somos apenas gaúchos. Pela manhã, não acreditava no calor que sentia; abri a janela e vi algumas pessoas caminhando com blusas de mangas compridas (estes confiam cegamente no calendário) e outras de camiseta ou sem camisa (os realistas). Eu e as crianças fomos para a piscina, mas é inverno e poucas estavam prontas para uso. Não senti frio algum quando entrei na água. Pensei: é setembro, tenho um monte de coisas por fazer, a Claudia ficou revisando um livro que recém traduziu e eu aqui, brincando de afogar o Bernardo e a Bárbara. Quem sabe volto para casa e dou um jeito de ser produtivo? Não, continuei na piscina.

Como a temperatura subiu, quis mudar de leitura. Ora, se o contexto é outro – calor, piscina, braços e pernas à mostra -, mude-se o livro! Peguei um comprado em Buenos Aires em 1990, El Mago, de John Fowles. Seu início é arrebatador, mas já estão dizendo que vai esfriar no próximo fim de semana e aí voltarei à mistura de Graciliano e Paul Auster em que me encontrava. O jornal decidirá. Abro na previsão do tempo: ficaremos entre 9 e 14 graus no próximo sábado. Sei que o jornal está certo, vivo neste estado há muito tempo e sei o quanto o tempo pode ser louco. I´m going back to Graciliano and Auster.

Há anos não lembro de meus sonhos. Eles se evaporam. Invejo a Claudia quando ela vem me contar o que sonhou logo cedo. Nunca tenho nada para contrapor e fico ouvindo suas histórias delirantes e cheias de ratos. Talvez tenha sido o calor, o fato é que lembrei de um sonho.

O SONHO. O começo é comum ao sonho de todos os brasileiros: ganhei na Megasena. Porém, minha primeira providência foi algo que nunca pensei fazer. Viajei imediatamente à Alemanha, mais exatamente à Freiburg para falar com meu amigo Marcelo Backes. Propus a ele fundarmos uma editora – a Ribeiro & Backes. Eu tinha a grana, estava rico. Instalamos a firma na casa de minha mãe, que é bem grande e logo ficamos com a garagem e todos os cantos cheios de Luiz Ruffato, Sergio Faraco, Fernando Monteiro, Luís Vilela, etc. Reeditamos também clássicos brasileiros em pocket. As capas eram espantosamente belas, como só se vê em sonhos ou na Cosac & Naify. Com Marcelo indicando os livros, conversando e pagando os editores culturais de várias publicações brasileiras e portuguesas, começamos a ganhar notoriedade e dinheiro. Só trabalhávamos à tarde. Pela manhã, tínhamos outras atividades. Por volta das 18h, fazíamos um happy-hour reunindo amigos e champanhe. Lembro de só de uma cena que nos incluía, além da Alda, Claudia, Franklin, Branco, Helen e alguns funcionários desconhecidos.

Um dia, com a bunda posta numa pilha do enorme, notável e nunca traduzido romance Daniel Martin, de John Fowles, um best-seller exclusivo da R & B (já sabem que não me refiro a Rhythm & Blues e sim a Ribeiro & Backes) , propus ao Marcelo lançarmos pockets de blogs. Em meu sonho disse-lhe para ler o Literatus, a Mônica, o Guiu, a Tchela, o Tiagón, a Meg, o Inagaki, a Mafalda Crescida, a Praia no Nelson, o Zadig e a Nora, lembro destes. (Calma, gente, isto é só o começo da coleção e o melhor fica para o final…) Marcelo era contra, mas resolveu aceitar; afinal, eu era o cara do dinheiro e meu plano era de fazer livros baratinhos com 100 páginas no máximo. Algo para se ler em duas horas. A capa da coleção – chamada apenas “Blogs” – era linda. Vi um exemplar do livro do Tiagón: letras pretas sobre fundo laranja: Bereteando com Tiago Casagrande – 50 Posts do Ano da Graça de 2004 e, abaixo, fotos em preto e branco e coloridas com referências à cultura pop. Só que a parte colorida formava um desenho que era plastificado – o restante era fosco – e, quando prestávamos atenção, víamos um pterodáctilo. Quem conhece o Tiago entende o motivo da presença do lagartão. Quando vi esta capa, acordei. Apesar desta descrição, juro-lhes, meus amigos, no meu sonho a capa era linda! Deve ter vendido bem.

Post em Três Partes

Publicado em 6 de setembro de 2004

A MORTANDADE DA RÚSSIA E O SORRISO DE BUSH. Não consigo entender os objetivos de algumas ações terroristas. Os chechenos e árabes da ação de Beslan esperavam outro final que não o que obtiveram? Pediam a retirada das tropas russas da Chechênia, mas qual chefe de estado os atenderia naquelas circunstâncias? Nenhum, menos ainda Putin. Então, o objetivo seria o de chamar a atenção do mundo? Concordo que a presença do Terceiro Mundo no Primeiro é a de mímicos que aparecem às vezes na televisão sob a voz de um locutor. A ação de Beslan conseguiu que tiros e gritos também aparecessem, mas, desta vez, penso que o beneficiário principal da ação estava na Casa Branca, cujo ocupante tem a santa intenção de “deixar o mundo melhor e mais seguro…”.

O final da tragédia foi casual: uma bomba presa com fita adesiva despencou do teto do ginásio e explodiu. Como conseqüência, um grupo de crianças – assustadas e vendo uma chance de sobrevivência na confusão – tentou fugir e os terroristas reagiram alvejando-as pelas costas. Do outro lado, estava o exército russo sem entender o que estava ocorrendo. Na dúvida… Conseguimos uma tragédia, mais uma, esta com 335 mortos, linchamentos e a intolerância internacional a pessoas das quais nem sabemos bem o ideário. Ou seja, os rebeldes chechenos permanecem mímicos. Já Bush não. Posso imaginar seu dedo em riste avisando-nos dos perigos do terrorismo internacional e oferecendo sua republicana solidariedade ao povo russo. E tudo isto em meio a uma convenção. É muita burrice junta. Nunca vi um anti-americanismo tão camarada, parece até encomenda.

Curiosamente, o Pravda informa que uma facção dos rebeldes queria matar os reféns e cometer suicídio, enquanto que outra não sabia disto e pretendia seguir até a vitória final. Imagino um diálogo entre as partes:

– Te avisaram a que nossa missão era suicida?
– Não, tô sabendo agora.

Como disse meu cunhado, as oposições radicais nunca se entendem.

Também estou no time da Chalotte, do Bomba Inteligente. Trato de ser profilático e deixo um aviso para meus 7 leitores: se um dia me fizerem refém, procurem deixar os russos de fora, tá? Lembram daquela invasão do teatro (170 mortos)?

OLGA, O FILME (MAIS UM ATAQUE DO PRESENTE CONTRA O RESTANTE DO TEMPO – Obrigado, Kluge). Detestei Olga, a minissérie, ops, o filme. Na verdade, não consigo imaginar como poderiam piorá-lo. O tom grandiloqüente, ultra-romântico, a tentativa lograda do diretor – nem quero saber quem é – de refazer Casablanca, os dialógos fracos que esculhambam o excelente livro de Fernando Morais, e a cena em que Olga conhece, digamos, a Coluna Prestes…, tudo é de matar de rir. Notem, sobre minha última referência: Prestes era um virgem de 37 anos. É, pois, bastante estranho que ele tome repentinamente ares de Tarcísio Meira para erguer sua Coluna e atacar a fortaleza judaico-alemã. Este é um detalhe que fala muito mal do roteirista e diretor, eles fugiram de uma das cenas mais difíceis do filme, uma cena que certamente lhes deixaria muito perto do patético, pois, hoje, é muito estranho alguém permanecer casto até aquela idade.
(Lembro do grande John Fowles descrevendo a primeira relação sexual de Charles Smithson no livro The French Lieutenant`s Woman, que diferença!)

Quem conheceu um pouquino o velho Prestes não o reconhece naquele personagem choramingas. Prestes costumava exibir sorriso e ironia perpétuos, era inteligente e bem falante, sem a postura lacrimosa e sentimentalóide do filme – nem quando o assunto era Olga. Em suma, trata-se de um filme tão piegas e mentiroso quanto as novelas da Globo.

Ah! A música deste filme inaugura um novo gênero: a do realismo socialista sexy. O coro feminino é um espanto!

MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA. Visualmente, é um dos filmes mais esplêndidos que conheci. Todas as principais obras de Vermeer estão espalhadas em cenas do filme, assim como que por acaso. É uma belíssima e merecida homenagem ao grande holandês dos pequeninos quadros. Porém…, o diretor musical tenta estragar tudo e quase consegue. Nossa história do século XVI é pontuada aqui e ali por uma música que ficaria melhor em Batman ou Homem Aranha. Que mancada! Os holandeses tinham uma música riquíssima naquela época. Os registros de música antiga daquele período que possuo são espetaculares. Acho que a equipe que fez um filme não precisaria de um musicólogo para acertar na música, bastaria um bom melômano para fazer a correção e então poderíamos rever o filme com som.

Obs.: Neste post não consegui cumprir minhas promessas de não entrar na pantanosa área política e nem de criticar acerbamente filmes brasileiros. Mas foi demais, não pude impedir.

O Mundo Médio, O Pior dos Mundos e o Mundo Bom

Publicado em 16 de agosto de 2004

O Mundo Médio. Trabalho insano. Passei a noite de sexta para sábado no restaurante. Saio de lá às 4h da madrugada. Tudo bem. Tudo bem? Tudo bem se não tivesse que acordar às 8h30 para abrir o bar em que o restaurante se transforma no sábado pela manhã, a fim de atender os alunos da Associação Italiana onde estamos sediados. Fico absolutamente irritado quando a Claudia me acorda, mas vou, desta vez com ela junto. Saio de lá ao meio-dia, almoço e vou para

O Pior dos Mundos. Para mim, nada foi pior do que os primeiros meses de separação. Mas a gente se refaz de quase tudo e hoje vejo aquele período como um fato indissociável e causador de minha tranqüilidade atual. Aprendi muito. Como estou separado há 3 anos – parece-me muito mais! -, é surpreendente que tenha que pedir ainda hoje auxílio a uma psicóloga para que possa conversar com minha ex. A nossa é muito boa, requisitadíssima e nos atendeu às 14h30 de sábado. O motivo alegado era o acerto da agenda das crianças; o real, um acerto de contas na forma de insultos. Chego à reunião absolutamente calmo, como se estivesse ouvindo Bach em casa. Quando me separei, estava transtornado, desesperado e cometi toda espécie de erros. As decisões que tomei contra mim foram… bom, melhor deixar de lado este assunto. Agora, sabe-se lá porque, o descontrole está do outro lado. É como se tivesse ocorrido uma separação unilateral há 3 anos; naquela época fui chutado e sofri sozinho. Tudo o que ouvia era tremendo e tinha como conseqüência um desmanche interno. Hoje, depois de 37 meses e 5 dias, tenho pela frente o Milton daquela época. Tudo o que digo parece ser tremendo e as bombas que me lançam podem ser rebatidas ou caem longe. Mas não é, de forma nenhuma, agradável. Fui patético há 3 anos, dizia e fazia bobagens; hoje, observo. Ao final da reunião, fico abruptamente sozinho com a psicóloga e vou ao

Mundo Bom. Converso com ela sobre o Bernardo. Ele tem 13 anos e sinto muitas vezes que ele poderia ter companhia melhor que a minha. Expressei-me mal, vamos de novo: sinto que estou sendo chato e que não sei mais como ser interessante para ele. Sou apegadíssimo a meus filhos e esta é uma enorme angústia. Quinta-feira, dia 19, completo 47 anos; quero ser flexível, alongado, sarado, ter uma mente jovem, permanecer bom pai, mas vou-me atrapalhando. Há alguns dias, intuí que ele desejava o Canal Playboy em seu quarto. Comprei-o para ele, digitei 79 no controle remoto, ele viu, voltei ao GNT e caí fora. Acho que faz parte do meu papel fazer isto, porém sei lá se é correto… Afinal, antigamente os pais levavam o filho púbere a um prostíbulo… Sempre achei isto uma violência. Sou tranqüilizado pela psicóloga que diz que fiz bem e me enche de sugestões sábias. Resultado: mesmo após mais uma noite passada no restaurante – até às 3h -, tive um domingo de sonho com ele, Bárbara e Claudia. Fizemos um churrasco juntos, conversamos, fomos ao cinema (dormi meu sono atrasado durante o filme “Eu, Robô”) e agora é a vez deles estarem dormindo. Assim, a vida já passa a valer a pena.

O Leitor Sem Método

Publicado em 5 de maio de 2004

Os livros que compro ou ganho vão sendo devorados aos poucos, obedecendo a uma inexplicável lógica. Durante este ano, tive a sorte de ler em seqüência quatro excelentes livros brasileiros recém-lançados. São eles O Grau Graumann (2002), de Fernando Monteiro; Armada América (2003), idem; Budapeste (2003), de Chico Buarque e As Pernas de Úrsula e Outras Possibilidades (2001), de Claudia Tajes. São romances que não guardam nada em comum entre si, mesmo considerando que temos duas obras de um mesmo autor. Os autores também não, pois se Fernando Monteiro é vítima da injustiça de ser pouco conhecido, Chico Buarque vende milhares de livros e Claudia Tajes é uma jovem gaúcha que vem tendo seus méritos reconhecidos.

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O Grau Graumann, que talvez seja o melhor dos quatro livros, inicia-se com a notícia de que o escritor fictício brasileiro Lúcio Graumann ganhara o Prêmio Nobel de Literatura. Finalmente! Tudo faria crer que teríamos uma curiosa farsa pela frente, mas vamos sendo minuciosamente contrariados pelo pernambucano Monteiro. Graumann não é obra de um escritor que joga para a torcida, é obra de alguém muito sofisticado e inteligente, que possui grande talento e informação literária. Suas quebras e mudanças de foco fazem lembrar William Faulkner, conservando, porém, sua originalidade. Graumann nega-se a dar entrevistas e permanece recluso em uma praia do nordeste; contudo, manda um recado à Folha de São Paulo sugerindo que aceitaria falar com um amigo, o jornalista Mauro Portela. Mauro é um ressentido e aceita o trabalho de free lance mais pelo dinheiro que por interesse no amigo. Procura então inutilmente arrancar algo bombástico ou significativo de um homem dobrado pela doença. O contraste entre uma provável comemoração pelo recebimento do prêmio e a depressão de Graumann é aterrador. Reconheço minhas dificuldades com o que chamo de excesso de verossimilhança de algumas obras. Graumann não é tão terrível quanto Vernônia, de William Kennedy, que é complicado de ler, mesmo sem as imagens de Babenco, mas a soma de Graumann + sua amante + sua fuga + seu “perseguidor” Mauro + o cenário formam um todo desolador. Graumann terá uma “continuação” chamada As Confissões de Lúcio, romance propositalmente quase homônimo ao de Sá-Carneiro, que conterá material iconográfico, tais como fotos, manuscritos, etc. e há ainda a idéia de um terceiro romance, escrito pelo próprio Lúcio Graumann e com capa creditada a ele… Imaginem!

Certamente O Grau Graumann é melhor, todavia meu obtuso ser divertiu-se mais com Armada América. São 14 relatos “americanos”, nos quais Monteiro constrói um significativo mosaico daquele país. Não há aceitação passiva do american way of life, nem inflamados discursos antiamericanos. É um livro dedicado aos americanos comuns, incluídos ou outsiders, e o quadro formado nos mostra um amplo retrato de um país sem muito glamour. Monteiro dá inúmeras demonstrações de um despreocupado virtuosismo, move-se pelo livro utilizando a primeira pessoa do singular. Às vezes, não sabemos claramente quem está contando a história, se um personagem ou outro, ou o próprio autor; no relato Benny Siegel há um inesperado e impagável comentário dirigido ao leitor: trata-se de um elogio quase incrédulo a um parágrafo escrito por… Fernando Monteiro: “Bonito, não?”, diz o narrador, para depois retomar o tom habitual. Por puro vício, esperava que Armada contivesse uma história sobre jazz, mas ela não existe. Errei, mas queria ter acertado. Em e-mail trocado com o autor, submeti a ele algumas observações. Resumidamente, eis sua resposta:

Embora agora lamente que, de fato, falte um relato exclusivamente sobre “jazz” – apesar de que, no segundo, conforme eu ainda não havia notado, haja referências ao jazz etc. -, acho que deveria haver ali uma coisa diretamente relacionada, sim, você tem toda razão…

Do “Graumann”, essa opinião de que é um livro que vai ficando opressivo, eu já a ouvi de outros, e suponho que seja mesmo a direção para a qual o romance se encaminha, conscientemente (como metáfora, inclusive, do fracasso da literatura, entre outras coisas).

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Claudia Tajes é engraçadíssima. Seu livro As Pernas de Úrsula e Outras Possibilidades é pontuado por uma comicidade irresistível. Tajes é boa observadora e usa de ironia e mordacidade para contar a história de um divórcio. Lembram daqueles testes psicológicos das empresas para avaliar nossa capacidade para ocupar um cargo? Uma das perguntas mais freqüentes era: qual sua maior qualidade e seu maior defeito? Sobre Claudia Tajes eu responderia o mesmo para os dois questionamentos: o fato de ser engraçada. E, àqueles psicólogos, diria que nossas maiores qualidades podem tornar-se defeitos quando levadas à exacerbação. Não sei o motivo de tanta vontade de fazer rir (a Síndrome L.F. Verissimo?), mas ela faz questão de duas ou três piadas por parágrafo. Sempre. Então, ao mesmo tempo em que nos entusiasmamos com a criatividade e bom humor do texto, notamos que até em trechos dramáticos há galhofa. Há assuntos que não são tão engraçados e ficam distorcidos quando ridicularizados. Woody Allen escreveu que o fato de ser jocoso sempre pode atrapalhar a narrativa. Allen, para desespero de alguns, retirou de Manhattan algumas cenas que, em sua opinião, prejudicavam a atenção do espectador por sua extrema comicidade. Já Tajes erra quando quer manter um perpétuo “Allegro Molto” mesmo em cenas onde há abandono de amantes e crianças.

Não obstante a crítica, confesso ter dado boas risadas, pois antes ou depois de ser mácula, a veia cômica é virtude.

Águas de Abril

Publicado em 19 de abril de 2004

Desta vez, nada de música, cinema ou literatura; quero comemorar a mudança do tempo. Toda vez que entro no carro, faço Elis e Tom me avisarem que são as águas de março fechando o verão. Meu sangue erra de veia e se perde ao notar que a dupla está novamente adiantada. Caro Tom, nossos verões só deixam entrar o outono em meados de abril. Você talvez tenha feito a maior de nossas canções, mas errou na metereologia. Uma pena. Choveu ontem e hoje, a temperatura finalmente desabou. A longa estiagem fez com que aflorasse uma pequena parte de nossa má educação. Os jornais se encheram de fotos do Guaíba metros abaixo de seu nível. Nas margens, via-se a areia cheia de garrafas, sacos plásticos e lixo de todo gênero. Descobrimos assim que nosso belo rio serve também para esconder-nos.

Minha filha dorme a meu lado. Estava conversando e subitamente calou-se. Coisa de criança. Cubro-a com um lençol e ela geme e se encolhe, enquanto uma enorme ternura me invade. Não pediu janela aberta, ventilador, ar condicionado, nada; apenas dormiu após um domingo especialmente aventuresco. Durante o dia, não prendeu os cabelos. É a época em que sumirão as coxas e os braços das mulheres, os decotes fechar-se-ão e as roupas ficarão tão escurecidas que sentiremos falta do calor. O consolo virá com o vinho, os fondues e as sopas e, sempre que quisermos algo mais, enfrentaremos intermináveis botões, zíperes e camisetas. Também é consoladora a luz do outono – a mais bela de todas nesta latitude. Tudo isto não deixa de ser uma promessa de vida em meu coração…

Não quero fazer com que meus 7 leitores salivem olhando para o monitor, mas digo-lhes que já fizemos o primeiro fondue de chocolate do ano. Sim, a Claudia é muito oportunista e nos deu esta sobremesa no almoço de domingo. Era para comer de joelhos. Não, eu não a empresto. A falta de prática nos fez perder muitas frutas dentro do chocolate e, como naquele episódio do Asterix, houve ameaças de punições e chibatadas aos faltosos.

Chega de conversa ribeira por hoje. Afinal, É a chuva chovendo, é conversa ribeira / Das águas de março, é o fim da canseira.

A Rádio da Universidade (Parte II) & Como Inventei os Blogues

Publicado no dia 5 de dezembro de 2003.

Meu último post teve repercussão inteiramente diversa dos anteriores. A repercussão positiva veio na forma de entusiasmados e-mails e telefonemas de apoio. Estes, na maioria de pessoas pertencentes ao Departamento de Música da UFRGS e à propria Rádio, não queriam ser identificados. Uma pena. A repercussão negativa veio dentro dos comentários do blogue, misturada a outros apoios. Fiquei discutindo com um grupo de alunos inteligentes e articulados – mas dos quais discordo! -, que desejavam, além de defender a profe (ou sora, segundo meus filhos), manter o que pensam ser um laboratório. Um laboratório público, bem entendido.

Estes talvez não precisem se preocupar, pois representam hoje o poder; mas suas idéias me deixaram pasmo. Algumas delas: a RU foi um equívoco por 45 anos e agora seus rumos estão sendo finalmente corrigidos… A gloriosa RU tem de ser dos alunos… Os ouvintes de música erudita melhor fariam se fossem para a Internet a fim de montar suas próprias rádios… Puxa, o correto não seria o inverso? Se a PUC tem uma rádio-laboratório, por que a UFRGS não pode manter uma? Com a Internet, isto é fácil de viabilizar. Há também, na idéia dos alunos, a crença de que somos elitistas, ricos, etc. Realmente, não nos conhecem. Somos pessoas de todas as classes sociais e muitos tornaram-se músicos ou apaixonados ouvintes por vivenciarem a antiga RU. Assim como não me conhecem as pessoas que querem que eu brigue sozinho pelo retorno da RU às origens, pois não podem aparecer, têm medo de retalhações, etc. Democrático, não? A continuidade lógica destas idéias obtusas leva-me a pensar também na extinção da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre). Por que não? Afinal, o que o Estado tem a ver com a arte?

Sugiro que o missão-devaneio que há no site da rádio mude imediatamente, seguindo a sugestão de uma amiga. De “Especializada em Música Erudita” para “Especializada na formação de novos comunicadores”. Maus comunicadores, pois serão especialistas em criar o que melhor lhe aprouverem , não a se adaptar a um meio de comunicação pronto, que é o que encontrarão na vida real. Vida real… Acho melhor voltar logo à literatura, à música e a meus comentários sobre qualquer assunto. Toda a vez que falamos na UFRGS vem junto uma política muito chata e complicada… Para terminar: se a Prof. Sandra de Deus quiser falar comigo, não há problema, basta vir a meu blogue e escrever qualquer coisa. Logo após, entrarei em contato. Se ela quiser, até peço desculpas pelas brincadeiras com seu nome.

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Eu inventei os blogues. Um dia visitei o site de Sergio Faraco e pensei em como seria interessante àqueles que o lessem se ali houvesse uma espécie de diário do escritor. Trata-se do maior contista brasileiro. Imaginei como seria bom se tivéssemos notícias sobre novas obras, sobre o último jogo de sinuca, sobre mecânica de automóveis e sobre tudo o que lhe passasse pela cabeça, desde considerações eruditas até abobrinhas. Fiquei pensando numa entrevista que ele concedera. Gosto de carros, de todos os esportes e de muitas outras coisas que nada têm a ver com prática literária. O prazer não me dá remorso. Onde não há prazer não há proveito, escreveu Shakespeare. Não sou como esses escritores que só sabem falar de literatura e cujas obras nunca se equivalem ao que sabem ou pensam saber. Falo de qualquer coisa, estou atento ao acontece ao meu redor. Não vivo num buraco, alimentando-me de sopa de letrinhas.

Nesta vontade de saber mais sobre Faraco, pensei que deveria existir alguma coisa pronta na Internet, um software que funcionasse como um diário, só que utilizada por gente interessante. Isto é, inventei internamente a idéia de blogue – nada brilhante para quem está sempre divagando -, depois fui para o Google e o descobri em 5 minutos. Entrei em alguns e fiquei decepcionado, era tudo muito fútil. Então, fiz a seguinte pesquisa: “Blog+Beethoven+111+Mann”. Imaginei que esta curiosa quase-livre-associação deveria fazer com que eu encontrasse um blogue de alto nível que estivesse a comentar o famoso oitavo capítulo de Doutor Fausto de Thomas Mann. E encontrei. Era o blogue do Zadig. E era brilhante. Tudo aconteceu em menos de 1 hora. Hoje, tenho outros amigos e amigas de mesmo tamanho na bloguesfera, mas Zadig foi o primeiro e o primeiro… (completem vocês)

Fiz-lhe um enorme comentário e recebi de volta um e-mail ainda maior me explicando detalhadamente o que era um blog. Ontem, recebi um belo e-mail do Zadig (que também atende por Adalberto Queiróz ou BetoQ) me propondo um texto a quatro mãos. Milton, numa dessas últimas Bravo! tem um artigo sobre o qual desejaria trabalhar a quatro mãos (se pensamos em escrever pelo teclado) ou a duas (se pensarmos na velha e boa lapiseira): seria como voltarmos ao problema bem situado por você quando falou sobre a…

Como dizer não? Gostei muito da proposta e do assunto, que vou deixar em segredo. No e-mail, havia também notícias de uma cirurgia de apêndice da Sherazade. O Zadig (com quem divido teto, prazeres, sonhos e dívidas, nessa ordem exata) me mostrou um texto do seu blog… Ela está em fase recuperação de uma apendicite e logo vai viajar para o casamento da filha Maíra, que mora fora do Brasil. Somaram-se duas ansiedades: uma boa – Maíra vai casar e está muito feliz; outra preocupante – Helenir adoeceu. Graças a Deus, tudo vai bem na sua recuperação, mas o susto ficou.

Eles são goianos e moram em Goiânia, mas estudaram na UFRGS (olha ela aí de novo, gente!). Maíra nasceu aqui em Porto Alegre e o casal tem outra filha, presumivelmente goiana. Temos muita coisa em comum. Muito legal conhecer você: minha mulher Helenir (que também é doida por Balzac) comentou quando viu partes do seu blog (ela não tem muita paciência com a web): “Mas este cara é seu irmão – leu tudo que você lê, gosta de muita coisa que você gosta. Infelizmente, não do Grêmio.”

É verdade. Sou colorado. Muito. E ele fuma charutos, enquanto eu detesto qualquer fumo; e ele é neo-católico, eu sou indiferente; e ele fala e escreve em francês, eu só fiquei francófilo antes da guerra e volto a ficar sempre que vejo a Juliette Binoche sorrir; e ele não gosta de cinema, eu o amo; e ele às vezes bebe além da conta, eu, só um cálice. Mas somos parecidos e amigos.

Conversamos várias vezes por semana. Já trocamos mimos pelo correio. Eles também o fizeram com o Guiu Lamenha, mas não sou ciumento, gosto de apresentar meus amigos uns aos outros. …não paro de ouvir a Missa de Bach que você me enviou. Como é possível não deixar o pensamento voltar-se a Deus ouvindo aquilo, Milton? É, Zadig, será duro me convencer, mas acho que se houver uma justiça divina melhor que a brasileira, estou salvo. Nos encontraremos no julgamento e vamos ser absolvidos, não se preocupe! Afinal, só faço mal à Sandra de Deus… Porém, como garantia, espero conhecer o cerrado e vocês pessoalmente antes.

A Morte da Rádio da Universidade – Uma Indignação

Quando publiquei este post pela primeira vez, em 2 de dezembro de 2003, em outro blog que eu possuía, houve uma confusão inédita. Alguém o repassou para os e-mails internos da UFRGS e o que se viu foi uma enorme briga. Infelizmente, perdi os comentários. A Rádio mudou muito desde então. Para melhor. Imodestamente, digo que mudou exatamente na direção apontada por mim. Devo ter influenciado um pouquinho. Deste modo, não houve a “Morte”.

A Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul existe há 46 anos. Ouço esta rádio diariamente há mais de trinta, sou íntimo. Se não costumamos expor os podres das pessoas que nos são íntimas, isto não é válido para uma estação de rádio, ainda mais quando ela nos trai. Sinto-me à vontade para falar bem ou mal dela. Não fui ouvinte por ódio e sim por admiração acompanhada de amor à música. São de meu conhecimento as dificuldades pelas quais a rádio passou e o heroísmo de seus antigos funcionários para mantê-la viva dentro do estilo a que se propunha. Ambos, eu e ela, nascemos em 1957 e sempre fantasiei que alguma coisa ligava minha vida ao esforço de sobrevivência da RU. Em seu site, ela se auto-define da seguinte forma: Somos uma emissora especializada em música erudita, oferecendo “aos” nossos ouvintes, cultura e entretenimento. Isto já foi verdade, porém desde que a jornalista e professora Sandra de Deus – que não conheço – assumiu o comando da emissora, ela virou coisa do diabo.

Meus 7 leitores podem não acreditar, mas sofro com a agonia dos propósitos definidos na missão-devaneio transcrita acima.

Meus amigos, minha querida rádio, que já foi escolhida a melhor do Rio Grande do Sul por nossos escritores e artistas, que foi tão citada nas obras de Erico, Dyonélio e outros, que era ouvida por Vasco e Iberê enquanto criavam, esta rádio está hoje invadida pelo pior jornalismo. Quando ela faz programas sobre negócios, sentimos saudades do superficialismo mais consistente da Globo; quando ela toca música brasileira, sentimos vontade de ouvir a FM Cultura, que faz isto com muito mais talento e repertório; quando ela apresenta programas étnicos, ficamos nos perguntando se há algum profissional por perto para ajudar o pobre amador responsável pelo espaço; e quando as matérias são produzidas pelos alunos, temos de aceitar, afinal a Rádio pertence a uma Universidade, o que fazer?

Esta grande emissora possui uma das maiores discotecas e cedetecas do país. Durante alguns períodos difíceis a rádio solicitava doações de obras em CDs. Vários conhecidos, including me, fizeram doações de discos, famílias deram e dão para a rádio o acervo de seus melômanos mortos e o diabo trai a todos, certamente irritado pelo fato dos mesmos estarem no céu, gozando das duvidosas delícias castas oferecidas nestes casos. E a Magnífica Reitora Wrana Panizzi, que certamente não se interessa um nadinha por música, fica cantando “tô nem aí”, enquanto penso sobre onde estão Flávio Oliveira, Rubem Prates e outros conhecedores de música neste momento. Alguém deveria dizer à diabólica Sandra que, se há um noticiário de uma em uma hora, só é possível executar as sinfonias Nº 1 e 4 de Mahler ou as Nº 4, 7 e 9 de Bruckner e nunca as outras obras destes autores, pois somente as citadas têm menos de uma hora de duração… Mas tentarei refrear a indignação e ir por partes:

1. Os horários:

Repetindo, como tocar uma sinfonia de Bruckner, Mahler, a West Side Story inteira ou uma ópera se de hora em hora há um programa de notícias? A programação da RU fica limitada e empobrecida devido a estas interrupções.

2. Quanto à qualidade das gravações:

As pessoas de mais de 35 anos que têm discotecas há decênios se deparam com um problema: a gravação em vinil ou a gravação em CD? Eu, que possuo mais de 1200 discos em vinil e uns 800 CDs, sei bem o que é isto. Às vezes, a qualidade musical de um CD é inferior ao de uma gravação em vinil. Então, se a RU ainda tem agulhas novas nada, mas nada mesmo, justifica a transmissão das Variações Goldberg de J. S. Bach por Christiane Jaccottet (ainda mais em um sábado de manhã!). Ela é simplesmente medonha. O fato de estarem presentes no acervo da rádio CDs da antiga Movieplay não obriga a emissão de todos eles. Ora, quem possui as Goldberg em gravações de Landowska, Leonhardt, Gould, Richter, Staier e Hantaï estará totalmente certo se esquecer os 12 volumes das obras para teclado de Bach pela Jaccottet. A boa qualidade do som do CD apenas deixa mais expostos os erros dela. Eu mesmo tenho estes CDs e já os esqueci. (Alguém aí na bloguesfera os quer?) Claro que isto não vale para todos os Movieplay, só para alguns.

3. O repertório:

Parece que a rádio está mais e mais acadêmica em seu repertório. Há uma variação muito pequena de autores/estilos/escolas. Ficamos todos os dias repassando os mesmos nomes. Um dia, por exemplo, foram colocadas consecutivamente três gravações da Sinfônica de Washington sob a regência de Rostropovitch. Eram autores diferentes e as gravações são boas, mas para que isto? Ninguém estava comemorando a détente, nem o aniversário de Shostakovitch ou alguma data russa ou soviética, estava? Outro fato que me intriga é que os autores – exceto Gorecki – que estão crescendo na consideração de qualquer publicação de música erudita não são mais repercutidos na RU. Cito os nomes de Spohr, Heinichen, Berwald, Ockeghem, Schnittke e em outros tantos que principalmente a Naxos está trazendo à tona. A atual RU parece ser programada por curiosos.

4. Os programas:

Há um programa sobre cinema que é um toca-cedês de trilhas de filmes. Há um que até não é péssimo mas é um mistério. Ele tem o horário nobre das oito da noite e se extendia primeiramente por meia hora. Hoje tem, no mínimo, uma hora e, às vezes, o apresentador de mente caquética se entusiasma e vai adiante. Nunca sabemos quando estaremos livres dele. O programa é dedicado aos tangos. Parece que a Buenos Aires dos anos 40 ou 50 baixa em Porto Alegre; porém, infelizmente, Borges fica em sua biblioteca enquanto Cortázar viaja e Sábato fica ouvindo seu amado Heifetz em casa. Tudo o que Roque Araújo Vianna apresenta é “maravilhoso” e “genial”, o programa já fez cinco anos e ele nunca encontrou nada “mais ou menos” em sua alentada discoteca. O nome da coisa é “Tangos en la Noche”, mas deveria ser “Tangos Todas las Noches”. Um saco! E há um programa feito por ecologistas que diz 3 frases e passa para alguma música bem alegre e acústica. Somos, pois, informados subliminarmente que aquilo seria música ecológica.

5. Intercâmbio com outras rádios e programas sobre música:

Desapareceram os programas da Deutsche Welle, BBC, etc. Estive em São Paulo e ouvi programas muito interessantes na Cultura. Vinham do Canadá, Suécia, Espanha, Suíça, DW e BBC. Eram todos em português. Desconheço a opinião da RU sobre eles, mas eu os achei ótimos. Serão eles caros? Eu, na minha ignorância, sempre pensei que viessem de graça, através de um serviço de intercâmbio cultural, sei lá. E por que não são criados programas dedicados a um ciclo de composições e a seus principais intérpretes. Exemplos: Sinfonias e Quartetos de Beethoven, Cantatas de Bach, Concertos para piano de Mozart, etc. Discoteca para isto a RU tem de sobra. E bastaria chamar um especialista do Departamento de Música para resolver o problema.

7. As vinhetas e chamadas:

Provando a estranheza da atual equipe com a música erudita, só se ouvem vinhetas e propagandas de programas com músicas populares, normalmente as eletrônicas dos anos 70 e 80.

8. Apenas um elogio:

O programa “A Hora do Jazz” é perfeito. Quem o apresenta sabe do que está falando. Não sei seu nome completo, é Günther mais um sobrenome alemão, é claro. Tal apresentador recebe uma hora semanal da divina Sandra. Por que não reduzir os tangos a este tempo?

O Milton de 2005 reúne-se aos de 2001 e 2003 (IV)

O Milton de 2005 junta-se a seu duplo e triplo mais jovens. Ficam conversando na calçada.

2003: (Hesitante) Vieste nos ver… Vamos saber tudo?
2005: Tudo? Não, não tudo. Tenho só dois anos a mais que tu… Se a vida de um brasileiro médio dura 70 anos, só vivi uns 3% a mais que tu e 6% mais do que o 2001. Vivi 69% do total. Restam 31% que não conheço. Mas sei o que te espera nos próximos dois anos. Não te preocupa, foram bons anos.
2001: Não trouxeste nenhum resultado da Megasena para nós?
2005: (Dá um tapa na cabeça.) Como sou burro! Mas, pensando melhor, se tu ganhasses a Megasena antes de chegar a quem sou hoje… que efeito teria isto sobre mim?
2003: Talvez estivesses com uma aparência menos cansada.
2001: É.
2005: (Rindo) É surpreendente a deselegância a que nossos duplos podem chegar. Estão me achando velho, acabado?
2003: Velho, não; sem dúvida cansado, usadinho.
2005: Podemos entrar ali no shopping depois? Quero ver minha cara num espelho. Estamos trabalhando muito, com planos de construir uma casa. E, quando chegamos em casa, há a Claudia, que é ótima, mas tem uma energia inesgotável. (Os duplos primeiro fazem cara de pasmo, depois sorriem.)
2001: Ela está acabando contigo? Que azar…
2003: Nos sugando a energia?
(Risadas)
2005: Não, não é por aí… É que chego em casa e quero ler, ouvir música como sempre fiz. Mas ela quer fazer planos, têm dúzias de idéias, enquanto que eu não tenho nenhuma… São horas de trabalho que continuam em casa!
2003: O bom da festa é quando chegamos em casa e tiramos os sapatos.
2001: Bêbados, de preferência.
2005: Como se bebêssemos muito… A casa será num terreno do pai da Claudia. O plano é construirmos um pequeno edifício com o irmão dela.
2001: Conte mais!
2005: O Grêmio caiu para a segunda divisão no ano passado.
(Todos riem, felizes)
2003: Que belo futuro nos espera! Mais, mais novidades!
2005: Vamos para a Libertadores no ano que vem. Quase ganhamos o Campeonato deste ano, mas o Corinthians o comprou antes. Ah, e publicamos 1/12 de livro: uma antologiazinha com outros.
2001: 1/12 de livro… Isto torna alguém publicado?
2003: Não.
2005: Claro que não. Mas também não temos a menor vontade de procurar editora. Contam cada história a respeito. Só o fato de ser estigmatizado como “estreante velho” já nos dará engulhos. Mas temos duas novelinhas e um livro de contos dentro do micro.
2001: Faça back-up, viu?
2003: É coisa boa?
2005: Não estou seguro. É bem escrito, mas talvez seja excessivamente cronístico.
2001: Como somos exigentes.
2003: Para que publicar qualquer merda? Já basta o que há.
2003: E nossa mãe?
2005: Alzheimer.
(Silêncio por algum tempo.)


René Magritte – O Duplo Secreto (1927)

2003: E os outros da família? E os amigos?
2005: Os outros estão inteiros.
2003: Mais alguma surpresa?
2005: A Bárbara quer morar conosco.
2003: Poxa, que legal! Que bom. Mas… há problemas entre ela e a mãe?
2005: Ela fala pouco a respeito; evita o leva-e-traz de informações.
2001: Boa menina.
2003: E como ficará isto?
2005: Não tenho a menor idéia, falei sobre as desvantagens que eu tenho a oferecer: casa pequena — atualmente — , expliquei que não vou ficar o tempo todo em casa, que ela ficará sem pátio, que passará as tardes sozinha, mas ela não quer saber, quer vir.
2003: É que há vantagens.
2005: O que tu sabes a respeito disso?
2003: Ora, eu conheço o funcionamento da família da Claudia, principalmente das figuras femininas. Há mulheres de personalidade, inteligentes. Vaidosas, também. São modelos muito sedutores para uma pré-adolescente. Há a Bianca, a Lia, a Claudia, claro, e até a “vódrasta”. Sabe como é.
2001: Discordo. Uma criança de 11 anos como ela em 2005 só quer carinho e atenção. É isso o que damos e daremos a ela e é isso o que ela quer e precisa. Não acredito nesta coisa de “modelos femininos”. Depois, quando ela for maior, talvez a grana que está do outro lado a atraia. Hoje, ela está se lixando.
2003: Que é isso? Por que este ataque a minha filha, digo, nossa filha. Que coisa absurda.
2005: Ele não está nada bem, 2001. Além disso, sabe que a grana em parte ficará lá porque ele botou nossa assinatura boba num monte de papéis que nos apresentaram.
2001: …
2005: Isso tem que mudar, né?
2003: Escute 2005, vamos negociar, da próxima vez que vieres, não dá para trazer uns números da Megasena?
2005: Porra, tu fazes as cagadas, mas só pensa em dinheiro. Até entendo tua loucura por dinheiro depois de sair de uma sessão com a Adriana Vergerus! (*)
(Risadas)
2003: Como vai ela? – pergunta ele rindo a 2001.
2005: (Ainda rindo) Com a diferença de que esta Vergerus não está num filme de Bergman, está na tua frente, te torturando.
2001: Psicológica e financeiramente.
2005: Tirando todo e qualquer advogado do caminho para fazer os acordos.
2003: Mas acaba logo, 2001, haverá muito sofrimento mas acaba. E bem, agora preciso trabalhar para sustentar o 2005 aí.
2001: Digam-me uma coisa: eu poderia ir para o futuro visitar algum de vocês ou só vocês podem vir para 2001?
2003: Só imagino o quanto ficarias confuso, mas acho que não há nada que te impeça. Adoraria te apresentar a Claudia. Vais gostar dela.
2001: Espero que sim.
(Sorrisos)
2005: Talvez fosse melhor não vires, ficarias ansioso por nossas mancadas, que são inevitáveis.
2001: (Alegre) Vou pensar a respeito. E tu, 2005, cuida bem de nós.
2005: Pode deixar.
2003: Quando vamos nos rever?
2005: Qualquer hora destas.

(*) Adriana Vergerus é um nome fictício. Os personagens perversos, assim como os que atraem ou prognosticam o mal nos filmes de Ingmar Bergman têm muitas vezes este sobrenome. Ao longo da obra do maior de todos os cineastas, há mais muitos Vergerus, todos monstruosos, quase todos médicos ou clérigos.

Maiores detalhes sobre os Vergerus e também sobre os Vogler neste post.

O Milton de Março de 2001 Entrevista o Milton 2003 (III)

O Milton de 2001 saía de um elegante edifício de uma das zonas nobres de Porto Alegre, quando foi novamente abordado por seu mais novo amigo, o Milton de 2003. Eles caminham juntos.

2001: Ah! Demorou mas cumpriste a promessa de me encontrar aqui.
2003: Vim outras vezes na saída da terapia familiar, mas fui embora por medo de que nossa ex me visse.
2001: Tua ex, não minha!
2003: Pode ser, mas imagine o pasmo dela ao me ver.
2001: De que servirá esta terapia?
2003: Bom, sabes que não somos hostis a este tipo de tratamento, mas a presença da shrinker servirá apenas para que a lei seja ignorada (com nossa concordância), para que as crianças fiquem bem (não ficariam sem a terapia?) e para que montássemos nossa agendinha. De qualquer maneira, aprendemos muito lá dentro, sem dúvida. No fundo tudo vale a pena, não?
2001: Vamos mudar de assunto. Podemos falar sobre as tuas perspectivas ou vai me enrolar de novo?
2003: Após a separação ficarás sem dinheiro, sem mulher e sem “um teto todo seu”, entre aspas, como diria Virginia Woolf… A propósito, ficarás até sem A Room of One’s Own (risadas). Portanto, conhecendo tuas péssimas perspectivas a curto prazo, a situação de hoje é muito melhor.
2001: E as contas?
2003: Serão pagas com alguma dificuldade, mas dará tudo certo. Um dia, em 2002, terás um grande chilique, pois nos colocarão no SERASA, mas descobriremos em 5 minutos que foi um engano do Itaú, do qual nos desligaremos imediatamente, é claro. Isto é, nossos atrasos nos pagamentos serão pequenos. Não venderemos carro, sala, nada. Será só aperto.
2001: É, mas fico nervosíssimo com estas coisas.
2003: Ficamos ainda, meu amigo.
2001: E o futuro?
2003: Vejo o futuro com otimismo pela primeira vez em muitos anos. (2001 fica com lágrimas nos olhos, abaixa a cabeça e procura esconder o descontrole. É muito feio se emocionar em público.) Nossa baixa auto-estima será obrigada a recuar e, de certa forma, ficará sem argumentos. Acontecerão muitas coisas boas. Mas por que estás olhando para o outro lado?
(Longo silêncio)
2003: Posso continuar agora?
2001: Sim.
2003: Primeiro começarás a te reeerguer financeiramente; será uma coisa tímida, mas importante. Depois virá a Claudia, que nos apoiará incondicionalmente e auxiliará em tudo, inclusive em nossos projetos. Ela é muito inquieta, na verdade é um furacão. Nem bem planeja e já está agindo. Depois virá o blog…
2001: O que? Vou ser proprietário de uma lavanderia?
2003: (risadas) Blog é a contração de “web logger”, uma forma de publicar na Internet que se tornará muito popular. Mas às vezes vira conversa de lavadeira mesmo… Temos sorte e, em nosso caso, não acontece com freqüência. Em tempo saberás melhor o que é. O importante é que neste tipo de lavanderia poderás te expor da forma que sempre desejaste.
2001: Escrevendo?
2003: É claro.Vamos escrever pequenos textos que serão muito grandes para um blog convencional. Um pequeno grupo de leitores nos lerão, porém são de tão alto nível, que é como se fossem milhares. Quase sempre escreveremos a nosso respeito. Seremos nossos melhores personagens.
2001: Como será o nome do… conjunto da obra?
2003: Milton Ribeiro.
2001: Não poderia ser “Sob minha pele”?
2003: Under my skin? É um belo nome, mas a Doris Lessing escreverá um livro de memórias com este nome, traduzido no Brasil como “Debaixo de Minha Pele”. Acho que Milton Ribeiro está bom.
2001: Quem é aquele que vem lá na esquina?
2003: Não sei.
(Vem ao encontro deles, sorridente, um homem extremamente parecido com a dupla de amigos que conversam. Porém, é mais velho e, não obstante o semblante animado, tem a aparência cansada.)
2001: Eu não acredito!
2005: Bom dia, senhores, já devem adivinhar quem sou, não? Venho de 2005!
(2001 fica feliz. Já 2003, até então senhor da situação, fica visivelmente perturbado. Não esperava por esta.)

(Continua)