O Questionário de Proust (IX) – Responde Guga Alayon

Publicado em 20 de fevereiro de 2007

Ah, pois é, às vezes esqueço de pedir um currículo básico do entrevistado. Foi o caso do Guga. O blog do Guga Alayon tem mudado muito. Ele, que é arquiteto, dono (ou sócio) da Ao Cubo – Projetos e Obras, antes nos mostrava projetos de casas lindas desenhadas por ele. Lindas mesmo. Lembro que uma vez fiquei discutindo sobre umas palmeiras numa cobertura. Agora, ele tem publicado fotos e poemas – ou fotos com poemas. A gente sabe: arquitetos são aqueles que não nasceram suficientemente machos para serem engenheiros, nem suficientemente gays para serem decoradores… Daí, essa coisa de poesia, claro. Solta a franga, meu! Por outro lado, Guga é atualmente o maior piadista de comentários que conheço.

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

O ato da deploração.

Como gostaria de morrer?

De amor.

Qual é seu estado mental mais comum?

O Estado de sítio.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Nicolo Machiavelli…ah, era ficção…

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Só uma. Ter chegado aos 4.4 com poucas retíficas.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Roberto Marinho.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

O Zé Ninguém.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Como Deus seria no mínimo divertido.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Só em questionários.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Aquela tipo 100%.

Qual é seu maior medo?

Não estar aqui pra ver o fim dos tempos.

Qual é seu maior ressentimento?

Nunca acertar 6 números da mega-sena acumulada no mesmo cartão.

Que talento desejaria ter?

O de não precisar falar tanta merda ao tentar significar algo.

Qual é seu passatempo favorito?

Jogar futebol.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

O tal do PIB.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

A abjeção por si só.

Onde desejaria viver?

Num mundo melhorzinho.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

Bacanais.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

Amar e ser amado,
pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado
e é vivendo que se vive para a vida eterna

Quando e onde você foi mais feliz?

Nos nascimentos dos meus pimpolhos. Sem dúvida alguma!

O Questionário Proust (VIII) – Responde Adelaide Amorim

Publicado em 4 de abril de 2007

Houve época em que eu e a Adelaide conversávamos mais. Depois fomos diminuindo o ritmo. É alguém de quem gosto muito. Li os dois livros desta carioca que diz ter alma de carioca, mas que é tímida e silenciosa como alguém de terras mais frias. É psicanalista e tem tantos filhos e isto me causa tantos ciúmes que nem lembro se são cinco ou seis. Vimo-nos em duas oportunidades: a primeira rapidamente na Flip de 2004; eu sozinho, ela com o maridão Marcílio; a segunda em abril de 2005, no Rio, quando pudemos conversar um pouco mais, ela sozinha, eu com a Claudia. Adelaide acha que eu produzo demais, que leio demais, que ouço demais, que três blogs é muito, mas ela tem seis filhos, é psicanalista, escreveu dois livros ótimos, mantém dois blogs (aqui prosa – atenção para os livros anunciados na coluna da esquerda – e aqui poesia) e ainda colabora na Focando.

Cruzes, tem gente que não se enxerga mesmo… Fala Adelaide!

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

Insensibilidade. Não é fácil se deixar afetar pelo sofrimento alheio, porque sabemos que o outro é feito da mesma matéria que nós, e portanto nada nos protege do que o afeta. Isso faz medo, preferimos não ver para não sofrer com ele, imaginar que as coisas ruins nunca vão nos acontecer.

Mas há um outro lado da medalha: o mundo não vai se tornar um lugar melhor sem que haja solidariedade e compaixão. Sem qualquer conotação ideológica, é fácil ver como o que nos sobra pode salvar a vida de quem não tem o essencial. Não falo só de bens materiais, embora em certa medida sejam indispensáveis para viver bem. Mas penso principalmente numa infraestrutura – educação, saúde, alimentação, espaço para exercer a criatividade – sem a qual o fosso que separa as “castas” fica cada vez maior e os ressentimentos e tensões também. Essa é uma condição – não a única, mas uma das mais poderosas – para o aumento da violência e o caos social.

Como gostaria de morrer?

Dormindo, se não for pedir muito…

Qual é seu estado mental mais comum?

Engraçado isso, nunca tinha parado pra pensar. Acho que é uma atenção um pouco desproporcional, que facilmente os outros tomam por alheamento.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Já fui Mrs. Dalloway, a heroína de Böll em Casa Sem Dono e GH de Clarice, aquela da barata, mas felizmente tomei o final como uma metáfora. Também já fui a Hanna do Paciente Inglês. Mas também me identifiquei com a Natasha Rostova de Guerra e Paz.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Céus, acho que nunca cometi nenhuma. Acho que sou uma simplória completa. A não ser que possa considerar extravagância o fato de estar sempre em busca de alguma coisa e nunca me sentir estável em alguma função ou estado.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Páreo duro entre os ladrões de colarinho branco e as pessoas com vocação para ditadores.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Gente como Luís Eduardo Soares e Marina Maggessi, nossa querida amiga, que conseguem endurecer sin perder la ternura jamás. Além deles, Zilda Arns é um exemplo de gente que merece a vida que recebeu.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Tenho uma enorme curiosidade de entender a cabeça dos gatos.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Quando a verdade não vai trazer nenhum benefício e vai magoar alguém ou agravar uma situação já desagradável ou complicada. E também, circunstancialmente e já que não sou de ferro, quando preciso me defender de um julgamento equivocado e injusto.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Amar quem nos ama, ser livre e fazer o que se gosta. Mas às vezes, se o amor for muito bom, até posso deixar por menos um pouquinho.

Qual é seu maior medo?

O futuro deste mundo louco e com ele o de meus filhos e netos.

Qual é seu maior ressentimento?

Ter perdido tanto tempo em atividades que não me deram senão dinheiro. A demora em cair a ficha do que eu realmente queria da vida.

Que talento desejaria ter?

Ser uma cozinheira melhor do que sou.

Qual é seu passatempo favorito?

Gosto de ler e de cinema, mas o que me envolve mesmo é a pintura, que virou o passatempo mais gratificante porque deixa um resultado de que quase sempre gosto.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

Não mudaria. A não ser talvez um maior retorno financeiro pelo trabalho de meus filhos, eles bem merecem.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Ter que escolher entre comer todos os dias ou cuidar dos filhos.

Onde desejaria viver?

Sinto falta da proximidade do mar, mas estou bem feliz onde moro, perto da serra e da floresta.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

Se entendi bem, isso tem a ver com o famigerado politicamente correto. A sociedade parece que é levada pela mídia e pelos interesses de mercado (que geralmente andam de mãos dadas) a valorizar determinados comportamentos e atribuir virtude às ações que os expressam. Houve um tempo em que essa valorização se pautava pelos interesses da Igreja. Seja como for, isso envolve muita hipocrisia e cria mitos fake que acabam completamente esvaziados. É preciso desconfiar dos modelos que a sociedade impinge, porque por trás deles há apenas interesses de grupos ou pessoas.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

A capacidade de empatia e suas correlatas solidariedade, compaixão e lealdade.

Quando e onde você foi mais feliz?

Talvez agora, porque já não ambiciono muita coisa que foi motivo de ansiedade e frustração. E porque, além de ter tudo de que alguém precisa para ser feliz (exceto o prêmio da mega, que já provou não ser decisivo para isso), aceito o que posso conseguir e gosto muito do que posso fazer.

A Pior das Notícias

Publicado em 14 de janeiro de 2007

Amigos.

Através de um post e de um e-mail de Paulo José Miranda – seu grande amigo, com o qual ela conversava todos os dias e que abandonou a blogosfera para estar mais tempo com – ela, fiquei sabendo que nossa queridíssima amiga Meg, a Maria Elisa Guimarães do blog Sub Rosa, deixou-nos esta noite após uma hospitalização de vários meses. É uma notícia inacreditável, da qual ainda não consigo ou desejo me convencer totalmente.

A última vez que ela me escreveu, em 30 de dezembro, foi da forma mais alegre possível:

Querido.

Teus bombons – DE CASTANHA, Mirto – estão lá em Belém, esperando que te mandem. Beijos, beijos. E escrevi em comentário de blog que sou igualzinha a ti. Não curto Natal e fico assanhada no Ano Novo.

QUE SEJA O MELHOR DE TODOS até o fim e dê lugar a outro mais e mais feliz, quando a Claudia e tu engravidarão e o filhote sairá. Eu mando esses desejos de fada.

Meguita
beijos

Estou inconsolável.

O Paulo – certamente o melhor, o mais leal, sábio e compreensivo dos amigos dos últimos dias da Meg (*) – pede para avisar:

Milton.
Às 14h00m e às 20h00m, no Brasil,
vai haver duas missas em intenção da Meg.
Se puderes partilha uns momentos conosco.
Ela vai gostar.

abraços
Paulo José Miranda

Gostaria de convidar os muitos amigos da Meg para uma postagem coletiva no próximo dia 23. O assunto pode ser a própria Meg ou algo de que ela gostasse. Faço um pedido aos que postarem: deixem um comentário no Sub Rosa a fim de que possamos encontrar todos os posts.

Chega, não consigo escrever mais.

(*) A Internet, que nos faz estar tão perto e tão longe do cotidiano das pessoas, a ponto de ignorarmos seus reais vínculos, deixa margem a que o Paulo José Miranda me corrija:

Mas a Meg não era só minha amiga.
Era minha mulher.
É minha mulher.

Comentários:

Conheci a Meg há uns 5 anos atrás. Criei um blog, quando ela fechou o Subrosa, em 2003, chamado VoltaMeg que circulou até 2005. Sentirei muitas saudades da minha doce Meg. Abraços
Alvaro

Ola, Milton, parece nunca tive oportunidade de conversasr com voce. Terei tido? Meu nome eh Tereza Quetzal e sou da familia da Meg (sabendo da velha blague:cunhando nao eh parente, inda menos ex-cunhado) Queria escrever em todos os blogs cujos donos escreveram para ela, e ainda até hoje têm uma palavra de apoio. De imenso carinho. Claro que fico atónita diante de pessoas, cuja reação foi realmente a que ela imginava rs.. Mas ela não se arrepende. Au contrário. Creio que vc sabe que ela era sua admiradora numero 1 e o pacote inclui blog e escritor do blog. Sem esquecer que ela sempre achou vc bamba (BAMBA) como escritor. Repito two times para não condundir.lol E third of all, ela acha um trabalho nunca visto antes e que eh esse: É você tambem responsável por difusao incrivel um tabalho onde poe grande parte da sua inteligencia, alma e coracao nas músicas eruditas, uma verdadeira Educacao Musical. Nao, ela diria melhor, se eu puder escrevo um email para voce. Methinks, just me, que Meg sempre esteve certa em relacao a vc e não sei se mortos veem, mas diremos para ela: Olhe, tudo o que Milton deseja, e mais tudo que vc deseja pro Milton vieram (come true)realidade total. Ela jamais fez mal para alguém, ao contrário dizia: “Hoje fazer o bem a alguém é fazer mal, ele nunca esquecera quando estiver em cima que ja precisou de vc..” lol. Só entrava em lugares livres para ela assim como seu (your) coracao. Não imagina o quanto riram ela e o Paulo, e eu depois, quando vc a chamou de ASSANHADA. Eu tambem. PS agora ou amanha tenho que ir a Li Stoducto (uma das mulheres mais belas do Rio de Janeiro, assim disse)

Tereza Quetzal

Fiquei arrasada, Milton… Acabei de saber.

Alma

DO OUTRO LADO DO RIO by Ramiro Conceição À memória da Meg Talvez do outro lado rio, o dia esteja alegre! e assim compense a tristeza de cá… Talvez do outro lado, apareça a lucidez que lave e leve bravamente a insensatez da dor deixada pelo Amor que precisou partir ao outro lado… Talvez, Lá, comece tudo novamente pra voltar pra Cá. Talvez tudo tenha somente um lado e, assim, MORTOS E VIVOS façam parte dum Universo sem lados! Talvez, Lá, a morte seja a vida… E, Cá, a nossa vida seja, Lá, batizada de morte… Quem realmente sabe sobre a imensidão entre Lá e Cá? É, sempre efêmeros estagiários, sempre aprendizes de Lá e Cá, sempre laicos da existência seremos! É muito interessante, pois quando chegamos Cá ou Lá: pousamos sempre — calados! Cá: um tapinha… nos faz gritar e chorar! Mas, e lá? Talvez um tapinha na alma… nos faça voar! Mas pra onde? Para as plagas primaveris dos querubins benditos ou para àquelas outonais dos tempos das colheitas dos frutos apodrecidos? Quem realmente sabe o que acontece entre Lá e Cá? Humanidade, Humanidade, Humildade! Tanto Lá quanto Cá — somos laicos! Tanto Cá quanto Lá — “nascemos” calados!

Ramiro Conceição

Conheci a Meg através da lista das Artémis e logo me apercebi da paixão dela por Portugal onde viveu e entusiasmada que era por poesia e sentimentos nobres ligou daí para mim uma noite. Não esqueço a sua voz. A Meg era uma referência de qualidade na Blogiosfera e um enorme coração…Uma ponte de afabilidade entre as pessoas… Ela será sempre a SUBROSA… rosa leonor

rosa leonor

Bela a frase da Magaly. Lembremos da Meg, sempre com carinho, admiração e amor, pelo tempo que ainda temos pela frente…

Inagaki

De novo, eu nos teus comentários, Milton. Sorry! Mas é que o comentário repetido sem intenção pela Magaly, acabou ficando bonito. É como uma prece. Beijos.

Ane Aguirre

Milton Houve um erro de colagem em meu comentário. Fiz pelo teclado e ele repetiu umas 12 vezes o mesmo trecho. Desculpe-me , não queria enfear seu sistema de comentário. Estou nervosa Não quero vezes, Faça-me o favor de remover as repetições ou removê=lo odo assim como este

Magaly

Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.Mílton, demo-nos as mãos e as ergamos em homenagem a essa companheira sem igual por todas as suas qualidades e virtudes e vibremos por ela pelo tempo que temos pela frente.

Magaly

Meg Hiper-Rosa. Saudades.

gugala

Eu talvez tenha sido eu o ultimo amigão que a ,já querida Meg, fez ha poucos dias!Vou contar tudo no meu BLOG. Farei hoje uma homenagem e dia 23 com certeza outra!Estou sem palavras e chocado!

Eduardo

Infelizmente não tive tempo de conhecê-la. mas vejo que era uma alma iluminada, generosa em compartilhar o que sabia com todo mundo. vai fazer falta.

Serbon

Puxa, Milton… Tudo é tão delicado nesses momentos, mas sou obrigada a concordar com o Sergio. Desculpe-me. Talvez eu mesma não tenha entendido. Eu queria escrever algo sobre Meg e tenho medo da minha sinceridade. Às vezes, falar demais é bobagem. Falo demais agora. Beijo. Fica bem.

Ane Aguirre

Estava acompanhando em silêncio respeitoso a notícia da mudança de plano da Meg, sabidamente uma pessoa querida por muitos. Eu costumava discordar de muita coisa que ela dizia e tivemos ótimas discussões. Eu ria muito ao implicar com ela e durante bom tempo, trocamos vários e-mails onde ela tentava explicar seus pontos de vista. Mulher inteligente, amável e culta, certamente continuará mandando suas dicas, onde quer que esteja. Interrompi meu silêncio em função desse comentário do Ramiro, que aparentemente não entendeu o que aconteceu. Se fosse no meu blog, eu deletava. “For God’s sake!” Forte abraço.

Sergio Fonseca

Nossa, que tristeza. Obrigada pelo post. Eu não sabia de nada. Que a meg fique em paz.

Maria Fabriani

Milton, conheci a Meg há pouco tempo. Ela ia ao Bala de vez em quando e era sempre muito simpática. Eu soube através do Aomirante. Chocado é pouco para o que estou sentindo. Vou deixar um comentário lá abração

JULIO CESAR CORRÊA

Ah Milton… saudasdes da nossa amiga, de conversar com ela por telefone, por seu carinho, cuidado e brilho…. claro, vou homenageá-la dia 23, claro… beijo, querido

Quel

Que triste.

hermenauta

Será um de meus maiores arrependimentos da vida não me haver movido a tempo de conhecê-la em pessoa, ou “in natura” como lembro que disse a ela no primeiro e-mail que trocamos, já tentando driblar as barreiras de distância que a internet apenas muito ilusoriamente faz que dribla. Não só a voz nos trai, a nossa própria palermice o faz de modo ainda bem mais incisivo e dolorido…

[Anonymous]

Acabei de saber, Milton… Todos os que sabíamos da situação dela estávamos ciente de que poderia acontecer a qualquer hora. E isso todavia não significa o menor alívio ou consolo. Acho que só nos resta permanecer “remetidos à nossa própria sombra”, para citar o último post-homenagem do Paulo em “A voz que nos trai”. E até quando não sei.

Luigi

Recebi dois emails da Meg, datados de sábado, às 20h, um com “Take de walk on the wild side” (do Lou Reed que ela ama) e outro com “The passanger” (com o Bowie, sua outra paixão) – que abri e estava ouvindo agora quando entro no blog do Cals e soube. E agora? me fugiu o chão

claudio boczon

Algo que ela gostasse? O verbo, amor dela, amor nosso. Abre para tudo. Preito, sim, sem espartilho. Dia 23.

João Sedas Nunes

Caro Milton Deus-do-céu! Não quero acreditar em uma notícia dessas. Meg era queridíssima amiga. Foi em Belém, Milton? Ontem à noite? Que triste notícia, meu amigo. Vou colocar uma nota no blog do Globo. Abs Gravatá

Luiz Gravatá

Estou chocada e sinto muito. Mesmo.

Silvia Chueire

Oi, Milton, estou desolado! Nunca conheci a Meg pessoalmente, mas era como se a conhecesse. Sempre tivemos corpondências, via blogues ou e-mails, dos mais afetuosos. Pra mim, uma grande amiga, muito mais do que virtual. Fiquei “chapado” com essa notícia, sobretudo pela coragem e ânimo da Meguita, que sempre soube suportar sua doença de forma elevada. De tal forma que nunca a imaginei em alguma situação mais dolorosa. Dificil, dificilimo, escrever esse comentário! Muita tristeza! Abraço, desconsolado, amigo! fernando cals

fernando cals

E a melhor canção dos Beatles vai para…

… Bem, quem me conhece sabe que eu guardo extremado amor por umas 60, talvez 100 músicas dos Beatles. Mas se eu — após horas de tortura — fosse obrigado a escolher 5, ficaria com duas de Paul, For no one e She`s leaving home, duas de John, as típicas I`m the walrus e Rain, e uma de George, While my guitar gently weeps. Porém, se meu torturador ameaçasse enfiar um arame em minha uretra se eu não dissesse uma e apenas uma canção, eu gritaria a plenos pulmões que a melhor é While my guitar gently weeps! Isso hoje, né? Amanhã, posso gostar mais de outra, sei lá.

O filme abaixo mostra While my guitar gently weeps num daqueles eventos pós-morte de Harrison. Ignoro quem sejam todos eles, mas digo que quem canta mal no início é Tom Petty, quem salva com brilhantismo o vocal é o ex-Electric Light Orchestra Jeff Lynne, há Paul McCartney nos teclados, além do filho de George, Dhani Harrison, e há principalmente Prince, que finaliza tudo com um solo de guitarra que beira a falta de educação, se pensarmos que ele estava num evento-velório… Ou não há nada disso? Confiram aí! É um belo solo do anão de Minneapolis.

Ou clique aqui.

Escrito no dia seguinte ao do aniversário de Jean-Luc Godard, para o blog de Milton Ribeiro:

Por Fernando Monteiro

Anna Karina o tempo todo em cena, quase sempre em PP, aqui nessa sequência de abruptos luscos-fuscos de “Alphaville” (1965):

Ou clique aqui.

PS: Quando era jovem e impaciente (e burro), eu detestei. Hoje, adoro. E gostaria de voltar a ver filmes assim solenes e comovidos e nervosos, em preto-e-branco, e não essas porras de agora, filmadas em rodas gigantes descarrilhadas que os americanos débeis mentais trouxeram para o cinema como uma praga (e todo mundo da geração de Coppola / Scorcese tem culpa, de algum modo, sem esquecer o cretino do diluidor Spielberg, e aquelas manhas murmuradas por Woody Allen como se Bergman fosse um “exu” que ele incorporasse falando, falando, falando, o desgraçado, o tempo todo).

“Cinema não é gente falando”, dizia — acertadamente — um cineasta que me inspira certa desconfiança, por vezes, mas que estava frequentemente com a razão, quando reclamava dos colegas ianques: o gordo Hitchcock.

Amanhã, colorado, vote Chapa 2 para o Conselho

Amanhã, das 9 às 17h, no Gigantinho, haverá a maior eleição de direta de um clube brasileiro em todos os tempos. São mais de 47 mil sócios  elegendo o novo presidente do clube e fazendo a renovação de 50% do Conselho Deliberativo.

Se você for ler a lista de candidatos da Chapa 2 ao Conselho do Inter, encontrará meu nome. Na posição em que estou — em 95º, lá na rabada — é impossível que me torne Conselheiro (Ayres?) amanhã. Mas obviamente desejaria que você desse seu voto à Chapa 2. Devo ser o mais veterano e um dos menos participantes da Chapa, mas conheço bem a maioria dos candidatos e, olha, afirmo-lhes com convicção que não há segunda opção para quem deseja um clube mais democrático. O primeiro e mais importante motivo que me leva a pedir seu voto na Chapa 2 para o Conselho é que todas as reuniões e jantares de que participei — formais e informais — demonstraram aquela clareza de intenções que só pode aparecer num grupo que nasceu na Internet, que se acostumou a discutir (e a brigar) abertamente na rede e cujos principais locais de encontro são dois: os bares antes dos jogos e o Beira-Rio, com a bunda enquadrada no cimento ou em pé. O debate é público demais para o conchavo. São todos santos? Não, longe disso, apenas estamos metidos nesse troço democrático e aberto da Internet, sujeitos à críticas e ao debate, dando a cara ao tapa.

Já há gente nossa no Conselho. Aliás, fomos muito bem na última eleição e acho que repetiremos a dose nessa. Hoje, as reuniões do Conselho são pautadas pelo mistério, pelo “eu decido, eu resolvo” e por risadas quando pedimos explicações mais detalhadas. Sabemos que o Inter ganhou a Libertadores em 2006 e 2010, que foi Campeão do Mundo em 2006 e que pode voltar a sê-lo em 15 dias; não somos burros em querer uma revolução ou a alteração radical de toda a administração do futebol, mas fazemos questão da profissionalização e da abertura do clube ao menos para o Conselho — coisas negadas pelos atuais dirigentes. Sei que a política é algo tortuoso e que somos obrigados a acomodar ou esquecer fatos para que consigamos dar o próximo passo. Não somos um grupinho ingênuo, apesar do idealismo e juventude serem (quase) ubíquos. Mas não aceitamos que o Conselho seja TÃO da situação a ponto das reuniões serem absolutamente inócuas. O atual grupo de conselheiros está lá para assentir e aceitar tudo, com ou sem restrições contábeis. Bem, aqui está o Plano de Gestão da Chapa 2 e calo minha boca. Leiam lá.

E, para presidente, com a situação dividida entre as Chapas 1 e 3, eu fico com a Chapa mais futebolística, a 3 de Giovanni Luigi.

Então, colorado, sugiro que você vote 3 para presidente e 2 para o Conselho.

Tô brincando com o pensamento, pai

Publicado em 12 de fevereiro de 2004

Só a indiferença é livre. O que tem caráter distintivo nunca é livre; traz a marca do próprio selo; é condicionado e comprometido.

THOMAS MANN

Tento ser duro, mas resisto tanto quanto um pedaço de gelo ao sol. As crianças viajaram em férias com sua mãe, C. foi fazer um trabalho a 467 Km de distância e eu me vi com a toda a liberdade e tempo do mundo. Que beleza! Fiz planos para trabalhar muito e, nas folgas e nos finais de semana, ouviria Mahler no devido volume – os vizinhos têm de ser culturalizados, não? -, leria sem interrupções até dizer chega e, quando cansasse de tudo isto, abriria a porta de casa em direção a um cinema, sem ter que combinar nada nem esperar longamente, fora do quarto, por aquela tradicional escolha de roupas femininas…

Nos primeiros dias, cumpri meus objetivos com brilhantismo; depois, algo começou a emperrar além da falta da presença física que começava a incomodar. Eu havia lido, ouvido e visto tanta coisa que precisava comentar com alguém. Pensei em escolher alguns interlocutores inteligentes, mas este estava em férias, aquele compreenderia a parte Mahler do discurso mas não a parte Thackeray/Bernhard, aqueloutro não tem muito humor e… é melhor ligar logo para a C.

Descubro assim que aquilo que observava em meu filho quando criança acontece também comigo. Explico: Bernardo, quando pequeno, narrava sua vida para quem estivesse perto e, mesmo que não houvesse ninguém para ouvir, seguia descrevendo para si mesmo todos os acontecimentos e idéias que lhe ocorriam. Muitas vezes eu chegava perto dele e perguntava: “E daí, narrando a vida?” Não foram poucas as vezes que achei que estava criando o Rei dos Chatos! Porém, a idade fez-lhe muito bem.

Agora sou eu quem precisa descarregar suas histórias e acontecimentos sobre a namorada. Já minha filha foi diferente, era muito silenciosa. Brincava em tal silêncio que era bom sempre verificar se ela brincava de verdade ou se estaria desacordada (talvez morta) em algum canto da casa. Bárbara hoje fala pelos cotovelos, mas não é raro termos dúvidas sobre sua presença conosco, tais os silêncios em que abisma-se. Muitas vezes, sem fazer barulho, vou observar o que ela faz. É incrível, seu passatempo preferido é o de caminhar sobre os sofás, pulando de um para outro e voltando pelo mesmo caminho enquanto ouve a música que ponho no CD. Por que faz isto? De início, pensava que ela gostava de ouvir música erudita, mas mudei de opinião. Hoje sei que aquilo é somente uma trilha sonora para…

— Bárbara, o que tu tá fazendo?
— Tô brincando com o pensamento, pai.

Tendo hoje 10 anos, minha filha não é mais uma criança potencialmente suicida como são as pequenas e, muitas vezes, confiro sua presença e estado – vígil ou soporífero -, gritando assim:

— Babi, tá brincando com o pensamento?
— Sim!

Sou hábil em criar subterfúgios, não? O que eu queria dizer desde o início é que estou morrendo de saudades deles. São 22 dias sem ver meus filhos e 19 – com uma pequena interrupção durante o Fórum Social Mundial — sem ver a C. Isto me faz mal. Voltem, por favor, sinto falta de vocês!

Entrevista com Tiago Casagrande, do blog Bereteando

Publicado em 20 de janeiro de 2005

O blog Bereteando (a definição deste neologismo pode ser encontrada vocês imaginam onde) , do portoalegrense Tiago Casagrande, é um dos mais surpreendentes da blogosfera. Tiago – ou Tiagón, como ele gosta – parece ser capaz de escrever em todas as formas com brilhantismo – deve ser um equívoco meu não admirar sua poesia – e desenvolvi naturalmente enorme curiosidade por este talentoso conterrâneo capaz de posts absolutamente impecáveis nos quais podem estar presentes tanto o non-sense, o poético e o cômico, como algo confessional, pessoal e sério, ou irresistivelmente engraçado. Para os exemplos foram utilizados apenas posts recentíssimos.

Tiago, de apenas 26 anos – sendo ainda, sob minha perspectiva, uma criança -, deu-me a belíssima entrevista que transcrevo abaixo. Ele é direto, objetivo e não costuma fugir às perguntas.

Gosto dos blogs que retratam amplamente seus autores, sem atuação ou pose. O teu é assim. Extremamente bem (d)escrita, tua circunstância está ali, dentro do possível completa. Podemos encontrar no Bereteando qualquer coisa, desde reclamações da pindaíba, ficções, piadas do melhor nível da blogosfera, comentários sobre música, loucuras, quadrinhos e ensaios. Qual é o papel e a importância que tem o Bereteando para ti?

O Bereteando mantém minha (in)sanidade! Ele é uma espécie de túnel de vento da minha criatividade. Enquanto estou trabalhando, mantenho um bloco de notas (do Windows) aberto; e à medida em que idéias, frases ou sentimentos vão surgindo, eu escrevo. Depois seleciono, corto e formato. Desse jeito, o Berê nunca se torna um fardo, uma obrigação.
Além disso, meus bereteios também servem para que eu me enxergue, me colecione; faço micro-fotografias (mesmo que muitas vezes cifradas) do meu cérebro no dia-a-dia. Escrevo para os leitores, muitas vezes, mas também me reservo a liberdade de ser confessional e pessoal, porque acho que esse é um jeito de fazer um blog interessante: achar um meio-termo entre o famigerado “diarinho” e o afastamento completo. (E é uma fórmula que tu dominas com maestria!) Até por isso tenho resistência com blogs puramente de contos ou poesia.
Mas me afasto da resposta; o Bereteando tem uma função essencial por ser minha válvula de escape no dia-a-dia. O blog não é apenas um lugar onde me encontro; também me estimula a manter-me escrevendo. Se de vez em quando me arrogo o direito de não pensar no leitor e ser hermético, pelo outro lado, se não fossem os amigos que fiz na blogosfera, não teria escrito dezenas de textos que gosto muito.

Charlie Mingus iniciou sua autobiografia (Beneath the underdog) dizendo que era três. Penso que o mesmo valha para ti. Há o Tiago humorista, o non-sense quase poeta, o sério (seríssimo), o elegíaco, etc. Quem ganha esta disputa? Há quantos Tiagos aí?

Dezenas! Mas eles ramificam-se de dois primordiais, cada qual numa ponta da corda: um é divertido, canastrão, cara de pau, confiante; o outro é romântico, sensível, birrento, fatalista. É como se meu cérebro escolhesse três dessas características para formar o “humor do dia”. Isso se reflete claramente no blog – no conteúdo e no tipo de texto. Durante muito tempo me preocupei, ao ler minha produção (a do Bereteando e a de casa), por não enxergar um estilo; eu fico indo de um lado para o outro ao sabor do meu temperamento. A verdade é que eu sou muito indisciplinado e escrevo só o que tenho vontade… Então que esse seja o “estilo”!
Quem vence a contenda? Espero que uma mistura entre tudo isso… Talvez eu descubra quando tiver alta da análise 😀

Tua produção para o blog é imensa. Há outra produção?

Sim, em casa, que anda muito esporádica; de contos e poesia. Já fui mais aplicado em outras épocas, hoje estou desleixado. Porque sou movido muito pelo entusiasmo (não sou nada esotérico, mas associam essa característica aos de Áries, onde me enquadram) e já não gosto mais dos meus escritos como gostei antes. Não tenho conseguido criar contos “lineares”, como aqueles que estão na gaveta. Mas ultimamente tenho feito alguns experimentos com forma, fiquei contente com os resultados e tenho enxergado aí um viés a explorar.
E tenho tanta vontade quanto medo de escrever um romance, mas essa é uma meta para 2005 – só não determinei ainda de que jeito, pela mesma resposta da pergunta anterior.

A maior surpresa que me pregaste foi aquela de dizer que tu e o Geva (Gejfin) recolheram histórias de pessoas do interior do Rio Grande do Sul com a finalidade de… Que projeto é este?

Eu e o amigo-gêmeo Gejfin partilhamos da mesma fascinação pela memória humana. Pensar que cada pessoa tem uma História pessoal riquíssima, não importa quem seja ou onde vive, nossa – é o que os antigos definem como “muito louco”. Começamos a imaginar quantas histórias não estão enterradas pelas pequenas cidades do Rio Grande (só pra ficar dentro da nossa galáxia), à margem da capital, e logo, dos holofotes. Nossa idéia é compor ficção como patchworks, a partir de memórias diversas, agrupadas por cidades (de no máximo 10 mil habitantes), e junto a isso um ensaio fotográfico. Ano passado fizemos a viagem-piloto, para Agudo, bem no centro do estado. A acolhida foi fantástica, conhecemos o interior da cidade, conversamos com muita gente e recolhemos vasto material. Paramos no ponto em que se monta um boneco para tentar vender – e viabilizar – o projeto. Mas devemos retomá-lo este ano.

Tiveste um conto premiado na Feira do Livro de Porto Alegre, publicaste na Paralelos, foste convidado para a Oficina de Parati… Que reconhecimentos te deixaram realmente feliz em tudo isto? Outros?

Meus dois contos premiados deram a exata noção do quanto heterogêneo é o que eu escrevo. No Revelação Literária Câmara do Livro/Nova Prova 2002, selecionaram um conto difícil, quase sem pontuação, um monólogo num fôlego só (Excrescência, se não me engano enviei para tu leres); ano passado, pelo Habitasul/Feira do Livro, foi um texto cotidiano e engraçadinho. Isso me acalmou na angústia de “pra que lado vou?” Vou para os dois, ora bolas.
Mas sempre fico muito feliz quando consigo me enfurnar, achar um espacinho pra mostrar minha literatura; e quero alargá-lo até conseguir colocar uma cadeira e me sentar confortavelmente. Quero um lugar nessa tal de Nova Literatura!

Disseste estar desiludido com a profissão de publicitário. Do alto de minha inútil experiência, digo que é normal, pois às pessoas criativas raramente é dado o espaço que precisam (ou seriam as empresas que não precisam de – ou não sabem utilizar a – criatividade…?) e dá um imenso trabalho abrir o seu próprio. Creio que teu destino é o de produzir cultura, provavelmente passando por um período infeliz, espero que curto… Para onde gostarias de te direcionar?

Teu poder analítico é sub-atômico, Milton. Já que (ainda) não posso viver da escrita, quero trabalhar nas direções da cultura e da comunicação social. Tenho vontade de abraçar todas as manifestações culturais e artísticas; seja criando, seja trabalhando para que elas sejam acessíveis ao maior número de pessoas. (Se tem algo que me irrita é o distanciamento que se cria entre as pessoas e a arte – quem disse que é preciso ser “erudito” para escrever, pintar, compor? Arte é o sentimento expresso, e todos tem sentimentos a expressar. Depois é que vem a técnica.) Espero poder trabalhar nesse sentido, o de desmistificar e aproximar a cultura das pessoas.
Outra direção que posso tomar o mundo acadêmico. Talvez retornar às ciências sociais e suas implicações com a cultura e as tecnologias… É um caminho possível.

Ao mesmo tempo que és bem anárquico, falas em encontrar a mulher perfeita (a mais bela da cidade?), em casar, ter filhos (aquele afilhado…), etc. Ao lado da amizade e da admiração, havia muito de “queria isso para mim” quando escreveste sobre o casamento do Ander. Às vezes, penso em ti como o intelectual que adoraria ter seus cravos tirados por uma bela mulher na beira da praia, enquanto pensa na próxima história…

Milton, essa cena é tão perfeita que eu não poderia tê-la imaginado!
De fato, eu vivo transitando nessa dicotomia – um pedaço de mim quer mudar o mundo, outro quer encontrar, sim, a garota mais linda da cidade (que minha sensibilidade possa enxergar), casar, ter dezoito filhos e um sobrado no Lindóia. Certo ou errado, por alguma razão essas duas coisas surgem como antagônicas na minha mente; é como se eu precisasse escolher revolução ou amor. Não faço a mínima idéia de onde isso termina; vejamos por quem me apaixono primeiro… Ou quem sabe a garota mais linda da cidade não é também uma revolucionária?

Conheces o What Next da Gramophone? Bem, eu explico. Hoje, chegarás em casa com vontade de ouvir música. Começarás com um CD e ele, por algum motivo, te levará a outro e este a outro e assim por diante. Explique o que ouvirás e por quê.

(Milton, segui tua orientação e não respondi a essa pergunta, porque acho que a maioria dos teus leitores – e dos meus, também, na verdade – não vão conhecer muita coisa do que vou citar… Hoje, por exemplo, comecei com Carcass, passei por Paradise Lost e estou ouvindo Amorphis; tudo heavy metal. Se tu, por curiosidade, quiser publicar mesmo assim, respondo com mais cuidado e detalhamento)

Não falas muito em literatura no Bereteando. Mas sairam elogios a Gogol aqui, referências a Zola ali. Além deles, quem mais merece elogios?

Não falo porque leio vergonhosamente pouco… minha biblioteca não deve chegar a cinqüenta volumes. Gogol está no topo, é pra mim dos mais geniais escritores; Almas Mortas é o livro mais fascinante que já li. Além da obra-prima, os contos fantásticos como O Nariz, O Retrato e O Capote foram possivelmente meu primeiro contato com a não-linearidade. Ainda nos russos, gosto muito de Dostoiévski (o que são os diálogos em O Jogador?) e Tchekhov.
Outro que ocupa destaque é o Bukowski em prosa. A crueza da narrativa me estarrece toda vez que leio.
Um autor que admiro muito é Ray Bradbury – li muita ficção científica, incentivado pelo meu pai. Suas Crônicas Marcianas são absolutamente perfeitas.
Mas o que leio e releio sem cansar são os livrinhos de contos do Woody Allen, publicados pela L&PM. Muito do que escrevo tem fonte ali; Allen consegue fazer a costura perfeita entre a bobagem pura e a citação erudita colocada fora de contexto para criar uma situação engraçada. No humor, também me inspiro muito com P.J. O’Harvey, escritor americano autor de Guia do Solteiro e Etiqueta Moderna (ambos editados por aqui pela Conrad). Puro wit.
Da poesia, gosto dos contemporâneos cariocas, Chacal e Michel Melamed. Viviane Mosé derrete minhas sinapses e, todas as vezes que abro um livro do nosso Quintana, prometo nunca mais escrever outra poesia. (Mas Haroldo de Campos sempre acaba me convencendo de que não preciso parar…)

Aquela citação de Theodor Adorno sobre jazz é das coisas mais absurdas que li. Em minha opinião, demonstra a incompreensão de muitos intelectuais quando tratam de manifestações “seculares”. É o oposto de ti. Das pessoas que tenho lido, tu és o que melhor faz este tráfego entre o profano e o “sagrado”.

Era na sexta série, aula de literatura, quando num texto de, acho, Clarice Lispector, eu encontrei o que julgava ser um erro de português. Perguntei para a professora, e ela confirmou que não era a forma correta da língua – mas que a autora podia, e os alunos não, porque, afinal… ela era Clarice Lispector!
Ora, e será que ela já era Clarice Lispector quando escreveu o “erro”?
O que é “sagrado”? Eu fico me coçando todo quando as pessoas aceitam velhos costumes sem ao menos pensar no que estão fazendo. Não há mais espaço para preconceitos! Por exemplo: quando re-ordenei as categorias do Bereteando, criei uma chamada “poesia” – assim, com aspas, porque temi parecer arrogante afirmando que aquilo lá é poesia, sem aspas. Pouco depois eu me dei conta de que isso é muito besta! É poesia, sim, pra mim e pra quem mais entender que aquilo é poesia. Entender pela forma, pelo conteúdo ou pura e simplesmente pela sensibilidade.
Outro exemplo: durante toda minha adolescência eu acreditava que, já que eu era um “metaleiro”, tinha que odiar tudo que não fosse heavy metal. E odiava e execrava, mesmo. Até que ouvi bebop e meu queixo caiu, levando consigo esses paradigmas cretinos. Hoje eu transito entre rock, metal, jazz, blues e música eletrônica sem nenhuma vergonha, e com duas caipirinhas até axé eu danço!
Misturar Dickens com Patrick Swayze e Pterodáctilo, como fiz no Especial de Natal, pode ter feito o velho escritor revolver-se no caixão – ou conservadores se rebostearem nas cadeiras, enfim. Mas botá-lo no liqüidificador é trazê-lo para perto de todos. Dogma e santidade criam abismos.

A Verbeat Blogs é uma reunião livre de blogueiros ou é algo semi-político no estilo Wunderblogs? Fui convidado por ti para entrar na coisa, indico para todo mundo que tem problemas com seus provedores e irei para lá quando a Blogger voltar a sacanear, mas há algum critério?

Nada político. Quando o Blogger fez aquela sujeira toda com seus usuários, resolvemos juntar meia dúzia de amigos, dividir as despesas de hospedagem e pronto, estávamos a salvo da instabilidade e dos contratempos de tudo que é grátis na internet. Ora, já que tínhamos espaço, porque não chamar os bons de texto? Assim acabamos aliciando pessoas talentosas e próximas a nós na blogosfera, como a pop star espevitada Olivia e o Three Times Blogs of Note Winner Marcão. E tu sabes que o teu lote tem reserva permanente… ainda que, nesse ritmo em que tua popularidade cresce, vais acabar virando pontocom!

E o projeto Poetikaos? Morreu? Alguns sacanas não apareceram? Como é que é?

Ele fica de cantinho, esperando o lugar ideal, ainda. Já tivemos problemas com barulho, com espaço, com pessoas… enquanto a casa ideal para nossos saraus abertos não aparecer, o evento Poetikaos espera. Mas a primeira edição fora do RS deve acontecer em março: na gloriosa Rio do Sul, SC, nova casa do membro fundador Anderson.

Quando vamos nos conhecer? Te convidei para meu aniversário mas não aconteceu nada…

Muito em breve, eu espero! Até porque eu e o Gejfin estamos iniciando um novo projeto, e tu serás o primeiro a conhecer… e, esperamos embarcar conosco!

(É, eu sei; se projetos e idéias malucas dessem dinheiro, eu ia reclamar menos da pindaíba…)

O Questionário de Proust (VII) – Responde Branco Leone e/ou Albano Martins Ribeiro (*)

(*) Ele explicou, ou tentou…, num e-mail:

Sua pergunta procede sobre como me apresentar. O Inagaki já abriu as “identidades”, relacionando uma com a outra. Se você quiser fazer o mesmo, relacionar o “blogueiro” Branco Leone com o “escritor e dramaturgo” Albano Martins Ribeiro, fique à vontade.

Se quiser material pra compor um curriculinho à sua maneira, tem coisa aqui, no meu “site pessoal”. Fique à vontade. Tem coisas que podem interessar, como o Dezamores, a peça de teatro, a entrevista pra EntreLivros, revistas onde publico e tal.

Pronto, nem precisei escrever nada!

Com vocês, Branco Leone ou Albano Martins Ribeiro:

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

A arrogância, que é a forma mais feroz da burrice.

Como gostaria de morrer?

Sem saber.

Qual é seu estado mental mais comum?

Preocupado.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Brancaleone da Nórcia: pobre, cheio de esperança e, por isso, idiota.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Ter procriado.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Não me lembro de uma só pessoa que mereça a deferência. Talvez por desprezá-la.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Donald Trump.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Um cão perdigueiro. Ou uma orca. Mas a padronagem é apenas coincidência.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Quando estou escrevendo.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Mulher e filhos, comida e bebida, cachorros e cabras, tempo e sossego, dias de sol e noites frescas, tudo junto num mundo sem mosquitos e impostos.

Qual é seu maior medo?

Sobreviver a meus filhos.

Qual é seu maior ressentimento?

Ter agido, por muito tempo, como se eu fosse eterno.

Que talento desejaria ter?

O de transformar trabalho em dinheiro.

Qual é seu passatempo favorito?

Nenhum. Quando me lembro de que o tempo está passando, perde a graça.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

Reintegraria os membros que se foram.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Não ter quem acredite em você.

Onde desejaria viver?

Aqui mesmo, mas sem pagar aluguel.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

A beleza, que nem virtude é.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

Saber dizer o que pensa sem se preocupar com o que pensem.

Quando e onde você foi mais feliz?

Amanhã, onde eu estiver.

O Questionário de Proust (VI) – Responde Cynthia Feitosa

Publicado em 27 de fevereiro de 2007

Até aceito que um homem seja burro; mas uma mulher, nunca! Não, não precisam ter doutorados, PhDs e nem sequer universidade – conheço algumas muito “formadas” que são imbecilíssimas, provando que titulação está longe de ser conhecimento ou cultura e que educação de direito é uma coisa, educação de fato é outra -, basta que sejam surpreendentes e que sua inteligência se derrame pelos olhos (fato fundamental). Detesto as mulheres que trabalham a favor do marasmo, adoro as cheias de respostas imprevistas e pertinentes e se ainda forem gentis e sorridentes… Credo!

A Cynthia é assim. Há nela algo de transbordante que capta nossa atenção quando estamos em sua presença. Nunca se sabe o que virá dali. Pode ser uma ironia risonha, uma frase sorridente e educada ou uma acolhedoramente solidária, mas pode vir também outra prazenteira e destruidora… Ela é o máximo. O Nelson Rogério tem razão.

Cynthia Feitosa:

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

A burrice arrogante.

Como gostaria de morrer?

Velha, até então saudável, de forma rápida e indolor.

Qual é seu estado mental mais comum?

Irritada.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Emília, do Monteiro Lobato.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Não sou extravagante.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

George W. Bush.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Gabriel García Márquez.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Num gato de estimação, amado e bem-tratado.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Quando a verdade pode ferir os sentimentos dos outros.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Ter saúde, amor, dinheiro suficiente e um interesse/causa/paixão/talento a que se dedicar.

Qual é seu maior medo?

Doenças degenerativas.

Qual é seu maior ressentimento?

Ter levado muito tempo para aprender coisas sobre o mundo e sobre mim.

Que talento desejaria ter?

Musical.

Qual é seu passatempo favorito?

Ler.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

A mania de guardar e ruminar mágoas.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Material, intelectual ou moral? Sei lá, o Brasil.

Onde desejaria viver?

Num lugar um pouco mais frio e um bocado mais civilizado.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

A “simpatia”.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

A capacidade de se colocar no lugar dos outros.

Quando e onde você foi mais feliz?

Depois de descobrir quem eu era e o que queria, e antes da saúde começar a se deteriorar.

Próximo: Branco Leone.

António Barbeiro Fala Francamente a João Cunha

À medida que nossa história avança, chegam-me notícias cada vez mais surpreendentes de Portugal. Em meu post anterior, dizia-lhes que António Barbeiro nunca existira. Não é verdade. Rogério Simões transcreveu nos comentários de meu post anterior um texto de seu pai, hoje com de 82 anos: trata-se de uma nota biográfica de um certo amigo seu chamado João Barbeiro. Este é, sem tirar nem pôr, António Barbeiro. Isto fez com que este humilde escriba pensasse nas vantagens e desvantagens de dividir esta história em capítulos. O lado positivo é a participação dos leitores corrigindo fatos e sugerindo episódios para a trama; o lado negativo é que, quando me apontam os erros, estes já foram publicados e lidos por meus 7 fiéis leitores. Antes de voltar à história, faço uma referência ao que escreveu Ery Roberto: concordo que o episódio com o vô João Cunha parece coisa saída de Dias Gomes – parece mesmo! -, só que este João Cunha é meu avô materno (meu nome completo é Milton Luiz Cunha Ribeiro) e o fato realmente aconteceu entre 1966 e 1969, ano de sua morte.

(continuação do post anterior)

O Dr. João Cunha não era dado a grandes expansões, era da espécie dos homens de poucas palavras, daqueles que preferem demonstrar sua amizade e solidariedade mais por atos concretos do que verbalmente. Não era tosco ou indiferente, era apenas silencioso. Tinha noção de que a presença de António em Cruz Alta era mais do que estranha, mas não comentaria com ninguém suas suspeitas, nem procuraria confirmá-las com o português. E suas suspeitas não eram graves: na sua opinião, António Barbeiro fugira de Portugal por motivos políticos e, naquela época, podia-se ser preso por pertencer ao proscrito Partido Comunista, por falar mal de algum potentado da cidade ou até por salpicar tchekoviana e involuntariamente um general com um espirro. Havia que obedecer e ponto final. E João Cunha intuía que António não era homem de simplesmente obedecer.

O episódio com o vô João Cunha havia aberto a porta da política nas relações entre os dois amigos. Passaram a conversar sobre os problemas de Brasil e Portugal e, pouco a pouco, António foi contando sobre sua ativa participação na vida de Pampilhosa da Serra. Era o responsável pelo Posto dos Correios da aldeia, era um dos poucos homens sabia ler na cidade, possuía livros de medicina onde estavam escritas as composições dos medicamentos que receitava (!) e tornara-se o principal “médico” de Pampilhosa e das povoações das redondezas. Depois contou que participara da Comissão de Melhoramentos, que conseguira implementar o Lavadouro Público, assim como a abertura da mina na fonte velha. Administrara a canalização para a fonte nova e aí já estávamos no âmbito da burocracia, dos escritórios, das solicitações e da política, no âmbito da necessária adulação e dos pagamentos aos homens responsáveis pelos recursos e para isto não servia António Barbeiro.

Então, uma noite, recebeu uma visita de um colega dos correios. Este lhe anunciou atropeladamente que alguns homens em Lisboa haviam feito perguntas sobre o tal Barbeiro que pontificava na aldeia e que, segundo eles, era um enviado de Moscou que desejava “libertar o povo” e implantar o voto feminino. António, que também não era tosco, sabia que havia chegado o momento de partir.

João ouviu muito pouco surpreso o relato; é certo que não conhecia as circunstâncias, mas já imaginava seu cerne. O que não esperava era o pedido de António:

— João, necessito de teu auxílio, preciso de uma nova identidade para voltar à Portugal.

Ora, o corretíssimo João Cunha jamais imaginara fazer algum ato ilícito em sua vida e era uma espécie de campeão do anticomunismo na cidade, então as obrigações da amizade com António faria-lhe passar várias noites em claro. Sua honestidade era indiscutível, era uma espécie de reserva moral de sua família e da cidade. Esta característica não costumava gerar-lhe vantagens, antes gerava convites para que participasse do Conselho de clubes de futebol ou sociais de Cruz Alta, tarefas que sempre recusava educadamente. Ao mesmo tempo, seu caráter estava sendo desafiado pela imperiosa necessidade de ajudar um amigo, o melhor deles, aquele com quem conversava até altas horas da noite, seu parceiro no rádio-amador e o amigo da família preferido de suas crianças, especialmente da mais nova, Lilinha.

Um dia, João Cunha foi a Porto Alegre com a filha Iara que prestaria exame vestibular na Universidade Federal. Como do seu feitio, não disse nada a António, mas em Porto Alegre tinha planos de conversar com um político cruzaltense situacionista sobre um passaporte e uma carteira de identidade autênticos — isto é, emitidos pela Secretaria de Segurança Pública — e perfeitamente falsos.

(continua)

António Barbeiro Volta a Escrever Cartas (II)

Este interessante projecto, continuado no Brasil, poderia ter uma continuidade interessante…
Enquanto o António, barbeiro de profissão, enfermeiro e escritor nas horas vagas, se aventurava à procura por Antares, no Rio Grande do Sul, a sua família, que desconhecia o seu paradeiro, sofria na Serra.
Certo dia, o António, escreveu uma carta em segredo para um parente da sua confiança em Lisboa. A família quando soube que o António estava vivo… partiu a pé para Fátima…
Até breve…

(continuação de post anterior)

António continuou na barbearia ouvindo seus clientes. Gostava de suas histórias e, quando emudeciam, estimulava-os falando do tempo, das crianças que não cuidavam ao atravessar a rua, da inflação, do dólar, oferecia-lhes jornais, o que sempre fazia com que comentassem alguma notícia. E que dias eram aqueles! Com os meios de comunicação sob censura, parte das acontecimentos eram inevitavelmente coloridos pelas imaginações dos clientes.

Certa manhã, ocorreu um fato cômico e triste. O pai do Dr. João Cunha era um octogenário aposentado que sofria do Mal de Alzheimer. Durante sua vida ativa, fora um daqueles “construtores da casas sem diploma” e marceneiro. Eram de sua autoria muitas das residências de estilo açoriano que havia na cidade. Porém, na época de António, este homem às vezes não reconhecia mais nem seus netos e passava seus dias dizendo inumeráveis (e memoráveis) sandices. Em seus curtos momentos de lucidez, tinha o hábito de comentar política e de recitar de memória poesias de Casimiro de Abreu – o único poeta que lera com paixão durante sua vida. Pois, numa manhã nublada, vô João Cunha plantou-se bem em frente ao quartel do 17º Regimento de Infantaria com a finalidade de atacar os militares e mudar os rumos do país. A primeira fase de sua estratégia incluía um notável discurso contra a ditadura naquele local. Como era muito cedo da manhã, o orador não tivera tempo de vestir-se e apresentava-se ainda de pijamas. António — que aquela hora matinal estava barbeando um militar — tomara um susto ao ouvir inesperadamente a poderosa voz do velho iniciando seu ataque:

— Parasitas da Nação! Saiam de suas tocas e venham expor seus motivos! O fechamento do Congresso Nacional…

Quando o barbeiro viu de quem se tratava, correu a alertar João Cunha pelo telefone:

— Meu amigo! Seu pai está aqui a apostrofar os milicos! Quer briga! Ainda está de pijama; penso que acordou e veio enfrentá-los. Os milicos estão rindo dele, mas tens que tirá-lo daqui. Pode haver tumulto.

João deixou um cliente de boca aberta na cadeira de dentista para ir buscar o pai em seu Aero-Willys. Ao chegar, viu o velho, o barbeiro, alguns populares e militares frente ao portão aberto. Todos estavam sorridentes, exceto o indignado velho e António, que procurava convencê-lo calmamente a voltar para casa. Quando João Cunha saiu às pressas do carro, um dos militares gritou:

– Ô, Dr. João! Teu pai está organizando a reação comunista aqui na frente do quartel! Acho que já já vai chamar seus guerrilheiros!

Todos riram — os militares autenticamente, os populares para agradar ao piadista. Vô João Cunha continuava:

— Desrespeito, desrespeito, corrupção e violência! Esta é a verdadeira ideologia…
— Chega, pai! Vamos para casa!

O velho calou-se imediatamente, estava acostumado a obedecê-lo. Mas, ainda trêmulo, só aceitou voltar para a casa com uma condição.

— Tira este português maricas de perto de mim. Já me basta os milicos.

Depois deste episódio, as militares sempre referiam-se à terrível ameaça representada pelo velho João Cunha. António apenas ouvia, evitando falar sobre a política brasileira ou portuguesa. Também evitava pensar em Portugal e nos amigos que deixara, porém a saudade insinuava-se lenta no peito. Começou pela comida: passou a sonhar com pratos como cabrito recheado na telha ou como trutas à moda de manteigas, antecedidos de uma sopa beirã e seguidos de tigeladas ou filhozes. Passou a buscar em vão locais na cidade em que a gastronomia fugisse do cardápio habitual da região. Neste período, também caminhava pela cidade escrevendo mentalmente cartas a seus amigos em que descrevia longa e amorosamente a região onde se encontrava e apresentava seu amigo João Cunha e outros a qualquer destinatário português do qual sentisse saudade. E estes — os destinatários — eram muitos. Pedia em troca notícias dos amigos, principalmente de Manoel Martins Ribeiro, de Maria Branco, de Rogério Simões e de alguns de seus pacientes.

O nome Maria Branco ficou-lhe impresso e o próximo passo foi o de refletir em como poderia entrar em contato com ela de forma incógnita. Maria era sua melhor amiga. Ora, se escrevesse para Manoel Ribeiro, que morava em Lisboa, e lhe pedisse para que mandasse uma carta em seu nome para Maria, contando suas aventuras… Ou melhor, se colocasse em um mesmo envelope duas cartas, uma explicativa para Manoel e outra para Maria e pedisse para que Manoel repassasse sua carta para Maria utilizando seu nome como remetente…

Decidiu-se. Escreveu cuidadosamente as duas cartas. Nelas, contava sobre sua amizade com João Cunha, sobre a gastronomia local, informava detalhadamente todos os seus passos que seguira até Cruz Alta e pedia à Maria o favor do qual dependia sua tranquilidade:

Maria, querida. Avise os meus que estou bem. Fiz amigos no Brasil e pretendo aqui ficar pelo tempo necessário aos esbirros me esquecerem. Diga que morro a cada dia de saudades, que estou em uma pequena cidade, que se visse o mar ficaria melhor, que detesto a comida, que tenho bons amigos e que um dia volto.

(continua)

(1) O texto em itálico lá do início é de autoria de Rogério Simões. O restante é meu.
(2) Todos os personagens citados nesta história são reais, à exceção do personagem principal António Barbeiro. Maria Branco e Rogério Simões são blogueiros e os restantes são parentes meus de Cruz Alta.