Feriado em Porto Alegre, um assunto entre senhoras

Vou tratar de tornar útil meu dia. Por isso, estou acordado às 7h31 enquanto a cidade ainda mantém suas bochechas aquecidas sobre os travesseiros. A Festa de Navegantes, comemorado em 2 de fevereiro, é uma festa religiosa. Pegam uma boneca de uma mulher que nem é bonita e caminham atrás dela. Atribuem-lhe o  pomposo nome de Nossa Senhora dos Navegantes, como se os houvesse muitos em nosso porto.

Na verdade, é a festa de iemanjá transformada em outra coisa. Trata-se de mais uma apropriação católica de uma tradição africana. Não vejo mérito nem no fundamento nem no sincretismo. Desta vez roubam a rainha do mar, a mãe dos peixes, etc. O que têm as águas doces e sujas do Guaíba com isso? Sei lá.

Sei que originalmente era uma divertida e aventuresca procissão fluvial. Sempre podíamos ter uma colisão ou um naufrágio a registrar. Os barcos vinham do cais do porto até a igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Explico para quem não conhece a cidade que não é muito longe, dá para a ir a pé e eu poderia até fazer o percurso correndo. Correndo, nunca nadando, mesmo que o Guaíba fosse balneável. Porém, a Capitania dos Portos impediu a alegria, a plasticidade e a possibilidade de alguma seleção natural. Então a procissão é hoje terrestre, no calor de nosso sol – o que deve dar certa felicidade aos devotos pela penitência – , levando a imagem desde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade, até a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Trata-se pois de uma troca de bonecas entre senhoras, nestes dias de valorização daquelas de carne e osso, às quais prefiro não somente pelo predicados citados, mas porque pensam, conversam e  habitualmente gostam de mim.

Vou ver se os cachorros têm água e comida e vou iniciar meu dia trazendo uma mesa lá de baixo para minha vizinha. Almoço e janto muitas vezes com ela, minha filha muitas mais. Como veem uns carregam inúteis ícones; outros, talvez mais  gratos ou simplesmente interesseiros, levam móveis onde sentarão e comerão. Sim, me falta poesia. Depois vou ler, visitar minha mãe e ir ao cinema. Alguma sugestão?

Abaixo, uma imagem do anos 60 da antiga Festa dos Navegantes. Hoje, cá entre nós, é sem graça mesmo.

13 comments / Add your comment below

      1. Excepcional. Vou fazer uma resenha na próxima semana. Completa-se com um documentário de seis horas de duração chamado Zeitgest (claro, já muito famoso, mas que só vi agora), que, tirando um ou outro tom fraco, é fundamental.

        Mas o livro…leia, cê vai gostar.

  1. Aqui em SM temos a Romaria de N.S. Medianeira, que tem o mau gosto de cair num domingo, sem nem poder nos brindar com o feriado, e transforma a cidade num inferno…

  2. Minha sugestão é você parar de reclamar de feriado, porque é pecado. O que eu acho injusto é não ter feriados de outras denominações religiosas: deveríamos adotar as datas importantes para os judeus, os muçulmanos, os umbandistas, os mórmons, o Festivus (esse foi para quem é fã de Seinfield)…

  3. Arbo, eu recebi o Zeitgeist de presente de um amigo, que também recebeu uma cópia de uma aluna dele de artes cênicas. Mas não deve se difícil achar na net, pois ele foi lançado exclusivamente na rede. E as legendas em português são muito boas, feita por pessoal de primeira.

    1. obrigado, charlles, releve meu comment no seu blog então.
      há uns dois anos um amigo viu e ficou de fazer várias cópias pra vários amigos, mas acabou ficando apenas no discurso… e não fui atrás. agora hei de ir.

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