Pterodátilos, a peça, um saco

Pouco a pouco fui ficando irritado. Só lugares comuns. Uma família decadente: a mulher é bêbada e drogada; o pai é pedófilo e perdeu seu rendoso emprego (para ficar mais clichê, ainda esconde da família); a filha não pode ser mais confusa, às vezes é lésbica, às vezes está grávida e no final se suicida; o filho é gay. A atmosfera é de apocalipse, daí a referência aos bichos de 54 toneladas do título. Hoje, tais animais não estão mais sobre a Terra. Segundo o pesada e nada elegante metáfora do autor, talvez as famílias burguesas se extingam em breve. O palco se desmancha ao final.

Pô, quem já não viu isso? Desde os anos 50 tivemos n variações do mesmo tema. No final, o público aplaude em pé… Há o Marco Nanini, sabe como é. Para piorar, mesmo com todo meu amor ao politicamente incorreto, achei o humor muito próximo do preconceito. Claro, se fosse de bom gosto eu nem pensaria no subjacente, apenas riria. Não gostei nada. Nanini não impressiona em seu papel duplo de pai e filha, o trabalho de ator está na banguela.

O texto de Pterodátilos é de 1993 — o autor é o americano Nicky Silver — mas, não fosse a AIDS do filho, poderia ter 50 anos. A direção de Felipe Hirsch. Creio que ninguém que tenha mais de 40 anos e alguma vivência artística possa pensar que está vendo uma novidade. Tudo tem a cara de Edward Albee, Tennessee Williams, Arthur Miller…

Leio que Marco Nanini disse que “A casa está desmoronando e isso fica mais evidente nesta montagem”. Com efeito. A única coisa que sobrou de bom foram as soluções técnicas para o cenário, que literalmente se desmancha na nossa frente. É pouco.

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  1. E viva a liberdade de opinião! Não assisti ao espetáculo, mas pelo visto, nem vale a pena….Com certeza muita gente nessa platéia que aplaudiu talvez pensasse da mesma forma que você, mas a maioria das pessoas é hipócrita! Conheço muita gente que não fala mal de peça ou filme “cult” por medo que alguém pense que é um “sem-cultura”, mas na verdade é um “sem opinião” mesmo…. Admirei o seu post! Boa semana 🙂

  2. Famílias disfuncionais. Argumento sempre e cada vez mais atual, sendo clichês ou não.
    Tenho amigos gays, conheço pessoas dentro da mesma família que são gays, grandes amigos que já morreram pela aids, pais que se negam a aceitar a realidade, pais bêbados e/ou usuários de drogas, tive uma colega de terapia, que pagava muito caro por uma seção, porque tinha sido abusada pelo pai e pessoas sexualmente confusas de todas as classes sociais. Vida real.
    Acredito que se representado em meio pobre seria mais preconceituoso que ilustrar na ‘burguesia’ – termo que considero rançoso.
    E, afinal, o que é a maioria se não um amontoado de clichês. Por vezes estamos perto como espectadores, por vezes estamos até dentro…. Não podemos fugir da realidade para dentro de um centro budista ou para a erudição em tempo integral…
    Nem sempre espero pela novidade, nem sempre o trivial é ruim.
    Achei a peça ótima, com uma ótima montagem.
    E viva a diferença!
    Um abraço.

  3. Milton,

    Embora raramente escreva, venho sempre aqui. Como vou muito ao teatro, até por razões profissionais, compreendo seu desgosto. Esse gênero de produção, centrada em uma primadonna, que utiliza “todos seus recursos técnicos” para dar á luz “um personagem difícil” em meio a um “texto denso”, não passa de empulhação comercial. As “famílias difuncionais” tem prioridade não apenas no teatro, mas também no cinema “sério, artístico”. Assim são as coisas. Às vezes somos enganados, às vezes não. No caso de Pterodátilos, tivemos sorte: não conseguimos ingressos na temporada carioca. Periga a montagem voltar para arrebanhar mais alguns trocados aqui. Agora é que não veremos mesmo.

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