Machado. De mulato a negro em poucas horas

Este é foto mais escura de Machado que encontrei, nas outras, dão-lhe um flashaço

Vou dizer uma coisinha para meus sete leitores. Acho realmente que sou indiferente ao fato de alguém ser negro, branco ou mulato. Só registro em meu cérebro algo diferente se a pessoa for uma mulher muito bonita ou se for japonês ou chinês, que ainda acho exóticos. Ontem, em cima da polêmica retirada do ar da propaganda da Caixa Econômica Federal (CEF), que pode ser vista abaixo, na qual Machado de Assis é emulado por um ator branco, os ativistas dos movimentos sociais começaram a qualificar Machado de negro. Ser negro não desqualifica Machado — creio que até que tal fato seria bastante efetivo na luta em prol do lento fim do racismo em nosso país — , mas é uma mentira. As feições do escritor são de as um homem branco e a pele nem parece tão escura nas fotos. Era o filho mulato de Francisco José de Assis (brasileiro, carioca, descendente de negros alforriados, pintor e dourador) e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis (portuguesa da ilha de São Miguel, Açores). Não conheço a qualidade das fotos de 1908 e antes. Talvez houvesse flashes que deixassem tudo esbranquiçado, ainda mais que a maioria das fotos são de estúdio, posadas. Para mim é óbvio que ele tinha ascendentes africanos, mas há muito de europeu em suas feições. O rosto e o cabelo são de um caucasiano, como diria o o velho Orkut. Estou muito errado?

Dona Carolina era uma portuguesa (Porto, 1835), muito culta. Foi o grande amor de Machado.

Acho que, para variar, o politicamente correto exagera ao torná-lo agora negro, a não ser que todo afrodescendente seja considerado negro pelos corretos. Porém, a Caixa errou feio. Senti-me mal vendo a propaganda porque também era uma mentira. Se Machado não era um negão, também não era aquele branquela da propaganda. Também não foi um autor “para brancos”. Seus escritos são incondicionalmente abolicionistas, isto está explicíto em seus livros e principalmente nas ácidas ironias das crônicas. Não era um conformado. E, para piorar, o escritor parece ter sido um homem elegante e bonito, que ganhava de dez do “ator da Caixa”. o qual cumpre honradamente seu contrato, mas que talvez… Bem, resolvamos a questão perguntando a opinião de Dona Carolina!

A chamada "Panelinha", que criou a Academia Brasileira de Letras de Merval Pereira (?)

Mas, ontem, enquanto lia as engraçadas tentativas de escurecer Machado à fórceps ou de tornar negro o Bruxo de Cosme Velho, pensava cá com meus botões: se o escritor fosse como desejam os amantes do correto, teria fundado a Academia Brasileira de Letras, seria um funcionário público bem aceito, teria casado com a alva Carolina Augusta — apelidada Carola pelo mestre — sem maior escândalo? Pois o racismo era aberto, havia a escravatura, não era esta coisa envergonhada e insidiosa de hoje. Então, repito a primeira pergunta, estou muito errado?

Abaixo, a propaganda da discórdia:

53 comments / Add your comment below

  1. Boa!! Negro MESMO, nas letras da época, foi o Cruz e Souza… solenemente desdenhado pelo Machado e sua turma.

    E aqui entre nós – sei que vou levar pedrada, mas… – pessoalmente NÃO GOSTO do Machado, acho péssimo para o Brasil que o tenhamos como nosso maior escritor, e se eu fosse negro além da gota deixada por uma tataravó não faria nenhuma questão de ter esse profissional da desesperança ao meu lado…

    1. Daí? Ele continua sendo um ótimo escritor, você gostando ou não! Ele não é negro, é mestiço. Ele tem traços brancos, especialmente o nariz.

  2. Com todo o respeito e data venias, é impossível não gostar do Machado, o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Impressionante, o texto dele é atual. Quando vou ao Riiio adoro caminhar pelas ruas do Botafogo a procura da “matacavalos” onde perambulava esse maravilhoso mulato. E é muito bom que ele incorpore o que há de mais lindo no Brasil: a mestiçagem.

  3. O sétimo leitor chegou para afirmar que a discussão não é se Machado foi bom ou ruim. Inconcebível é o erro da agência contratada e do contratante que aprovou a peça.
    Quem vai pagar pelo erro e desperdício do dinheiro público.

  4. É sempre assim, a solução chega depois… É uma pena que Michael Jackson partiu pra uma melhor, pois a Caixa Econômica seria a solução de seu problema. Mas nada a temer, de acordo com Nietzsche, a teoria do eterno retorno é válida; logo, na próxima reencarnação Jackson – não o do pandeiro – será brasileiro.

  5. O engraçado é pensar que pode não ter havido má fé dos produtores da propaganda, mas só uma ignorância quanto à obra ou à pessoa de Machado. Banqueiros lendo Machado; publicistas lendo Machado; não creio. Duas classes de pessoas de interesses muito restritos e limitados. O mesmo processo que anos atrás garantiu uma propaganda em que debitava na conta de Borges um poema que não foi escrito por ele, ou outra em que mostrava Paulo Coelho como um dos maiores patrimônios artísticos nacionais.

    É caçar piolho em cabeça de cobra. Deveria-se montar campana contra a falta de leitura, não contra racismo.

  6. Bem, eu acho que você deve ter lido, mas se não leu, leia em:

    http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/

    Fotos são traidoras; há uma fota de Machado de Assis que o caracteriza minimamente como mulato, o que quer dizer negro mesmo entre os “brabcos esclarecidos” (quá quá quá) do século XXI.

    É claro que a balbúrdia em torno da questão reacende algumas questões problemáticas, tais como:

    a) o oportunismo do “movimento negro” em torno de seus “heróis” e de sua representatividade enquanto porta-voz dos “negros”;

    b) a maniera atravé da qual os racistas escamoteiam seu racismo através da “democracia racial” e de seu bem-estar pequeno-bueguês, que finge quando o racismo hediondo se manifesta e viola sua hipocrisia politicamente correta;

    … entre outros.

    Machado de Assis não era “branco”, ponto. Isso não importaria se ele próprio não fosse sensível á questão e não expusesse o conflito de forma enviesada e divertida (ver livro de Sidney Chalhoub, Visões da Liberdade).

    Leia e pense melhor sobre isso, antes de se esconder sob generalidades supostamente anti-racistas e sob o regime da “liberdade” do politicamente incorreto.

    Logo, resposta à pergunta:

    Você está errado.

    1. Estás respondendo o artigo? Pq se estás acho que não entendeste. Ele nunca disse que o escritor era branco, mas sim que é mulato. E eu concordo com ele, é mulato, mistura de europeu com negro, brasileiro.

        1. OK, correto, mas a etimologia é a etimologia. Ninguém se refere à mulatas querendo ofendê-las como mulas. João Bosco teria feito isso em “O Mestre-Sala dos Mares”? Teria ele desejado dizer “batalhões de mulas”? Menos, Fábio.

          É o cúmulo da “correção” na analisar a etimologia de tudo o que se diz. Só agora me ocorreram duas outras aplicações de palavras cujas etimologias as tornariam proibitivas. O idioma é algo vivo. Acalme-se.

      1. Wikipedia – “Como significa um produto hibrido (mistura de raças), passou a aplicar-se”, mulato “ao filho de homem branco e mulher negra ou vice-versa. A palavra foi usada pela primeira vez cerca de 400 anos atrás, durante o período escravista”.

        1. A roda da saia, a mulata
          Não quer mais rodar não senhor
          Não posso fazer serenata
          A roda de samba acabou…

          Chico Buarque

          E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
          Foi saudado no porto
          Pelas mocinhas francesas
          Jovens polacas e por batalhões de mulatas

          João Bosco

          Quando eu morrer, não quero choro nem vela
          Quero uma fita amarela gravada com o nome dela
          Se existe alma, se há outra encarnação
          Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão

          Noel Rosa

          O monumento
          É de papel crepom e prata
          Os olhos verdes da mulata
          A cabeleira esconde
          Atrás da verde mata
          O luar do sertão

          Viva a mulata, ta, ta, ta, ta …..

          Caetano Veloso

          É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV
          E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
          Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
          Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril

          G Gil e Torquato Neto

          Alô, mulatas! Alô, alô, mulatas!
          O barulho que vocês estão ouvindo é um barulho de latas!
          De latas! Eu disse: “Latas! Latas!”

          G. Gil, novamente

          Ê banana ouro, ê banana prata
          Bamboleando o balaio, lá vai a mulata
          Balançando por onde passa
          A prata dos balagãndas
          Deixando um cheirinho tão bom de banana maçã

          Não sei de quem, cantado por Clara Nunes

          E daí?

        2. Acho até engraçado quando alguém puxa o significado de uma palavra há 500 anos atrás para tornar o uso dela “politicamente incorreto”. Absolutamente ninguém pensa em mula quando fala mulato ou mulata. Só alguns que vêem maldade em tudo.

          Que saco isso, nunca tem fim e parece polícia do pensamento.

    2. Revisando…

      As feições do escritor são de as um homem branco e a pele nem parece tão escura nas fotos. Era o filho MULATO de Francisco José de Assis (brasileiro, carioca, descendente de negros alforriados, pintor e dourador) e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis (portuguesa da ilha de São Miguel, Açores).

      Logo, eu não estou errado!

      1. Sílvio Romero vs. Machado de As is:
        crítica literária vs. literatura crítica
        by Maria Elizabeth Chaves de Mello

        Milton descobri o problema. O site de origem aparentemente não permite que se faça um link. Portanto, entrar no Google e digitar o necessário para a pesquisa.

        Para quem gosta de Machado (Preto!!!!) o ensaio é excelente.

      2. Continuo achando que sim, que você não lei o texto que linquei (ou leu e escreveu o seu para oferecer um ponto de vista divergente, por razões que vejo como erradas), o livro do Sidney ou a referência dada pelo Ramiro também. Bem, não importa; Machado está morto, o racismo bem vivo e as controvérsias do politicamente correto ou incorreto são eternas.

  7. Amigo, tive a mesma impressão que a sua. Para mim, embora, não importe muito Machado de Assis era Mulato e, não negro.
    Acho que a sua impressão é correta.
    Mas, afinal importa que Machado de Assis, o Moleque Carioca (epiléptico , inclusive) tenha sido um Grande Escritor de nossa Língua Pátria e, não que tenha sido depositante da CEF. Estranho que o sistema Bancário tenha optado em divulgar seu nome, não como escritor de merecido prestigio, mas tão somente correntista da Caixa.

  8. Mudando de catralhos pra bugalhos…

    aBUNDA CAPITALISTA
    by Ramiro Conceição

    De todas as formas… tenta sobreviver.
    O colossal moribundo não quer morrer,
    se vale de todo o tipo de sacanagem:

    diz que “a partir de agora será bonzinho”;
    que dividirá simetricamente
    os bens tecnológicos e científicos;
    que dominará a fome do mercado;
    que é o único capaz de organizar
    a luta entre o capital e o trabalho
    e resolver, definitivamente,
    a briga entre progresso e meio-ambiente.

    Está em crise… Fruto de crises cíclicas.
    Globalizou, na busca do melhor negócio,
    mas tornou-se papel de papel de papéis.
    E agora, quem limpará… a sua bunda?

  9. Milton,

    Recorri à etimologia quando o Felipe X socorreu-se de “qualquer dicionário de língua portuguesa”. Tal constatação não tem a ver com o teu argumento, please.

    Eu relativizei o teu argumento em outro comentário (que sumiu, devo ter cometido alguma bobagem ao postá-lo). Camila Pitanga é “mulher de feições brancas e a pele nem parece tão escura nas fotos”.

    1. Repito, não importa a origem histórica. Se fores ver o significado da palavra mulato está bem claro como postado acima “mistura de branco com negro”. Ninguém pensa em mula quando ouve há uns 200 anos.

      1. Felipe X,

        No link postado pelo Marcos Nunes, acima, a autora reproduz trecho de artigo de um jornalista, José Veríssimo, publicado no Jornal do Comércio um mês após a morte de Machado. Veríssimo refere-se a ele como o mulato que, todos concordamos, Machado foi. Normal. E ninguém pensaria em mula há exatos 103 anos.

        Joaquim Nabuco, fundador da Academia Brasileira de Letras, e reputado abolicionista em seu tempo, pensou. Escreveu para Veríssimo.

        “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato [itálico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”.

        P.S.: Eu fui ao dicionário, conforme sugeriste, e não entendi a razão de não poder (ou não dever) me importar com etimologia. Talvez seja você que esteja tentando policiar meu pensamento. No mais, preciso me defender da ação das mulas?

  10. Exagerando: se Machado é filho de preto com branca, por quê tem que ser preto?
    Sua literatura não parece ter um ambiente imerso numa suposta realidade negra, ou dos negros. Sua obra é urbana e parece não se preocupar com isso. Não se politizar. Enfim, sua visão da realidade, exposta em livros, está longe de senzalas. A propaganda era boa.

  11. O historiador da UFBA Antônio Risério tem um livro chamado A UTOPIA BRASILEIRA E OS MOVIMENTOS NEGROS.
    Na obra o autor fala como os movimentos no Brasil importam dos estadunidenses conceitos monocromáticos sobre etnia.
    ou é branco ou é negro. ponto final.
    O que não só não condiz com a realidade brasileira, como, apesar do racismo e do preconceito, a escravidão se deu de forma diferente nos dois países, lá havendo segregação, aqui miscigenação…entre outros vários fatores….
    No Brasil há uma gama de cores, e as pessoas se veem dessa forma, o que não ajuda os movimentos negros na formação de uma identidade militante e crescimento do movimento…
    Mas não só Machado de Assis era mulato, como também gago, manco, epilético…não sairia dando um “rolê” no centro do Rio dando “oizinhos” pra “galera”…O pessoal da Caixa precisa abrir vaga pra historiador no próximo concurso…

  12. Como sou da área, digo: QUESTÃO DE MARKETING! A propaganda, normalmente, segue o que lhe dita a sociedade. A propaganda não tem lá essa vocação revolucionária, não. É pragmática, visa atingir a mente e o coração de seu “público alvo”. E se esse público tem o seu quê de racismo, camuflado ou escancarado, ela dança conforme a música, prá não desagradar, prá não “chocar”. Nada de riscos! E um “Machado de Assis” “enegrecido” é um risco, prá o atingimento dos corações e mentes do “público alvo”. PURA QUESTAO DE MARKETING!!!

  13. Não acredito que os Brasileiros no pleno século de avanço mental continua a discutir o preto ou branco ,meu deus ,ele é um dos melhores escritores do Brasil ele é ser humano intelectual descendente dos escravos sim ,mas ele é Brasileiro.
    Eu acho que o Brasil tem mais a perder com essa ideia do racismo.

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