O trânsito no Dia das Mães

Ontem, Dia das Mães, fui obrigado a dar umas voltas na cidade pela manhã. Saí de casa às 11h15 e fui visitar minha mãe na clínica geriátrica. Depois, iria almoçar com a família de minha mulher e, principalmente, com minha sogra. Eu já deveria ter aprendido que estes dias são terríveis. Por volta do meio-dia, não apenas fica difícil arranjar um restaurante como até mesmo andar na rua de carro. E eu tendo que atravessar a cidade inteira… Devia ter pensando que, se eu tinha de me deslocar, os outros também.

Dentro do carro, dois CDs de jazz, um de uma big band belga e outra americana. Coisa muito divertida, mas haja big bands! Foram duas horas para ir e voltar numa cidade ainda tranquila e provinciana como a nossa. Não sou dessas pessoas que se irritam muito com o trânsito. Talvez facilite o fato de eu apenas dirigir no fim-de-semana, sei lá. Não obstante, sempre acho incrível a movimentação no almoço do Dias das Mães.

Se conheço tão bem o fenômeno e não sou antropólogo, significa que participo dele há muitos anos. Sim, é tradicional procurar a mãe para almoçar no segundo domingo de maio, mas há mais a considerar: há o não vamos deixar ela fazer almoço hoje, né?  Então, muitos devem ir até a casa de suas mães para dar-lhes um beijo e depois sair para um restaurante. OK, elas podem ir direto, mas é menos gentil. Para piorar o trânsito, as mulheres vivem mais, gerando um número de deslocamentos muito maior, por exemplo, que o do Dia dos Pais, dentre os quais há muito mais mortos. E alguns de nós têm que visitar duas ou três mães: a própria e mais uma ou mais avós, pois as mulheres são maioria nas famílias, elas não apenas nascem mais como vivem mais, como já disse. Outro fato que tive a oportunidade de analisar: o movimento que vai para a Zona Sul de Porto Alegre é muito maior do que o contrário. Tal fato deve ter implicações econômicas que não sei muito bem analisar. Também econômico é o fato que me fez, já preocupado em razão do atraso, entrar pela Vila Cruzeiro (*). Ali o trânsito estava livre, mas garanto havia ainda mais gente caminhando pelas ruas. (Explico: na Cruzeiro, certamente como resultado de função de anos e anos com calçadas esburacadas, quase todas as pessoas preferem caminhar pelo meio da rua. Hoje há mais calçadas, mas o pessoal acha mais confortável andar no meio da rua).

O resultado de tudo isso é que cheguei atrasado no almoço da sogra. Ah, me desculpem a reflexão idiota. É que sempre tive ressentimento pelo fato das mulheres viverem mais e comecei a pensar que isto se reflete até no trânsito…

(*) O bairro central mais pobre de Porto Alegre.

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  1. “Psico-músico-antropologia e suas implicações no trânsito urbano nas efemérides de motivação emotivo-econômica”. Muito bom, caríssimo. Aqui em Belô não é diferente, de modo que a tese tem alcance universal.

      1. “A partir do grupo de 35 a 39 anos, o percentual de casados na população masculina manteve-se acima da feminina, crescendo acentuadamente a diferença entre estes dois indicadores com o aumento da idade. A maioria das pessoas viúvas estava na população feminina, sendo que o percentual de viúvas (9,4%) foi mais de quatro vezes superior ao de viúvos (2,2%), em razão da maior expectativa de vida das mulheres”. Fonte: IBGE/PNAD.

  2. CÂNTIGOS DO FOGO
    by Ramiro Conceição

    Era estranha a casa de minha vó.
    Quase sempre a porta da frente fechada:
    entrava-se pela lateral com tristeza lateral.

    A porta da frente abria-se às vezes:
    quando alguém morria,
    quando alguém casava
    ou quando um santo entrava mudo, trêmulo,
    surdo, digamos, sujo!, no costado da romaria:
    um acender de velas e sussurros dum barco surto,
    indo e vindo de entranhas da estranha casa de minha vó.

    Foi difícil (ainda é) a percepção
    da atitude à adoração à morte
    daquele (deste) povo futebolês
    que festas a São João faz – e fez:

    busca-pé, pipoca e quentão,
    o assobio do rojão às estrelas,
    o balão ao lado da lua peregrina
    e os cânticos do fogo na noite junina:

    um rebater de estalos em tambores amarelos
    repicando em céu azul em meio às cinzas em farelos.

    Pra onde foram as gargalhadas?
    Para onde aquelas ladainhas?

    Transformaram-se em fantasmas
    em meio às setas… de Eros.

  3. Milton, também fui para a zona Sul e percebi o mesmo fenômeno. Será que as mulheres, além de serem mais numerosas, gostam de almoçar perto do rio ? Ou querem se afastar bastante de sua rotina ? Ou os melhores restaurantes estão na zona sul ? Ou nada disso e foi coincidência ?

  4. Provinciana ok, mas Porto Alegre é tranquila, Milton? No aspecto trânsito, discordo mesmo. Porto Alegre não é São Paulo e Rio, mas é muito mais coalhada – apesar de menos populosa – que Curitiba.

    Eu olho o problema da zona norte. A Assis Brasil dispensa predicado. Sigo a Nilo Peçanha. Já consegui a façanha de 1h05 entre o Pronto Socorro e o Hospital Conceição num T7. São uns oito, nove quilômetros e, apesar do corredor central na Protásio, é o tempo que uma amiga que mora na Restinga gasta até a Redenção. É impossível fazer em menos de 40 minutos nos horários de pico. E eu gasto 1h30 a pé entre o Conceição e a Redenção.

    Sou mais feliz no Dia das Mães desde que descobri a roda de fazer reserva. Aconteceu nesse domingo: fizemos reserva e rolou tranquilo – nem achei o trânsito ruim, fui pela Plínio Brasil Milano. Voltei tranquilamente pela Nilo. Os restaurantes já avisam que só seguram reserva até 12h, 12h30, no Dia das Mães. É data muito concorrida. Não dá para comparar com Dia dos Pais mesmo.

    1. Sim, Dia das Mães é complicado. Talvez por morar na Zona Sul — raras, raríssimas vezes vou até a Zona Norte — acho o trânsito tranquilo. 30 min da Cavalhada ao Centro de ônibus, o mesmo para voltar e a perimetral para sair de lá. Não chego a sofrer, pois posso quase desconhecer a Assis Brasil.

      1h30 entre o Conceição e a Redenção? Putz…

      Abraço.

      1. Milton, no domingo fiz uma brincadeira ateística(?), homenageando minha falecida mãe no facebook:
        Mãezinha do céu / Eu não sei rezar
        Até pq tu não tá aí, né?
        Não entenderam muito bem…

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