Copland, um novaiorquino fazendo música mexicana; Gandarias, um guatemalteco falando de sua infância; Krieger, um catarinense polifônico; Guerra-Peixe, um fluminense falando de Minas e Richard Strauss em seu entardecer alemão. Tudo isto regido por um maestro vestido com uma túnica muito pouco discreta — coloridíssima, de cor predominantemente amarela escura, disse minha mulher (sou daltônico, lembram?) — e cuja provável intenção étnica me fugiu totalmente. Parecia algo africano, mas acho que sua origem deve ser alguma artesanía latino-americana, suponho a partir da música.
Apesar da divertida cara de surpresa de alguns músicos ao observarem a espetacular entrada do maestro Cláudio Ribeiro, o concerto foi seríssimo e do mais alto nível artístico. El Salón Mexico, de Copland, é muito boa e não é culpa da obra o fato de sermos remetidos a velhos seriados de faroeste. As Quatro Últimas Canções, de Strauss, foi o grande momento do concerto. Arrepiou MESMO, mesmo que a acústica ou a projeção da soprano Janette Dornellas fizessem com eu não a ouvisse nas partes mais delicadas da música. Mas é grande música, verdadeiramente sublime! Destaque para o solo de Israel Oliveira (trompa) na segunda canção, Setembro.
Após o intervalo, veio Desde la infancia, de Igor de Gandarias, obra curta e cheia de citações. A surpresa da noite foi a envolvente Passacaglia para o novo milênio, de Edino Krieger. A passacaglia (ou passacalha) é uma forma musical de tema e variações onde aquele é repetido pelos baixos enquanto o resto da orquestra se diverte. Depois de um começo que lembra a Música para Cordas Percussão e Celesta, de Bartók, a obra ganha ritmo e ares populares para retornar a seu início. Acho que Krieger merece mais atenção. O concerto finalizou com a conhecida Museu da Inconfidência, de César Guerra-Peixe, com um show da percussão e do fagotista Adolfo Almeida Júnior.
A orquestra esteve muito bem. Aliás, nos concertos deste ano o nível artístico das apresentações da Ospa não merece senão elogios. Minha crítica é ao programa. Certo, foi um bom repertório, cheio de ineditismos — ao menos para mim — mas a mistura de Richard Strauss e suas canções sobre a morte próxima com o restante do programa… Bem, alguém há de me explicar.
Putz… tive que ir ao dicionário para saber o que é miscibilidade. rsrsrs
Lembras das aulas de química, Jorge? Líquidos miscíveis e não miscíveis, etc.
Lembro nada, Milton. Química, Física e Matemática (exceto as quatro operações), eu deletei. Não lembro mais nada a respeito.
Observação muito pertinente; também considerei o ótimo Strauss deslocado nesta seleção de ótimas obras.
Milton, obrigado pelo comentário. Nossa tão estimável Ospa – e seus dedicados músicos – têm um papel incomensurável na luta pela democratização da cultura. Queria agregar que o Strauss foi programado pela Ospa, pois havia um prévio acerto com a solista que estava assinalada para o concerto (Laura de Souza) e que não pode vir devido a um problema de saúde. As demais peças foram de minha escolha. Certamente se todo o programa fosse delegado a mim, eu não teria introduzido Strauss em meio a um programa latino-americano. Aliás, agrego que venho marcando – e não de agora – minhas atuações com a divulgação de obras preferencialmente centro e sul- americanas, pois me parece um compromisso mais que obrigatório. As roupas não são o mais importante, embora possam ser analogias estéticas. A essência está no conteúdo da mensagem, no substrato político e humano do que é interpretado. É nisto que devemos por toda nossa energia. De qualquer forma, para muitos o Strauss “solto” no programa do dia 12/06, foi bastante apreciado (tanto músicos quanto ouvintes). Por fim, friso que uma orquestra pública, como a Ospa, é um meio poderoso de conscientização de nossos papéis enquanto povo, contribuindo de forma aguda para a construção da identidade social e transformação de realidades.
Com o melhor respeito,
cláudio ribeiro (maestro, homem do povo)