Não, não cabe num tuíte

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A lenta e atenta releitura de Ulysses — feita logo após conhecer vários ensaios acerca do livro — tem sido muito prazerosa, tanto que me preocupo por já estar na página 743 do volume da Penguin-Companhia. Desconheço o original, mas por tudo o que sei, creio poder afirmar que a tradução de Caetano Galindo está muito mais próxima de Joyce, inclusive e principalmente pelo fato de ser hilariante. Joyce não era um senhor que tomava sopa de letrinhas em todas as refeições, Joyce era um erudito e homem comum, bem tarado, desses que gostam de falar de mulher e inventar piadas masculinas de gosto duvidoso. Tais características estão no livro.

Sim, nada disso simplifica a leitura de Ulysses, apenas dá mais um ingrediente a uma mistura muito boa. Em muitos trechos, o livro justifica plenamente Virginia Woolf, que achou-o vulgar. Noutros trechos, ignorados por Virginia — os ingleses tinham um problema real com o tratamento dado ao inglês pelos irlandeses egressos do gaélico — , Leopold Bloom aparece em clara androginia. No episódio Circe, dentro do bordel, escrito no estilo que Joyce chama de “Alucinação”, Bloom participa de um julgamento após ter prestado juramento com a mão sobre a genitália. Ali, ele ouve várias acusações sobre ser muito feminino. Aqui, o termo correto não é homossexualidade, mas androginia, pois é muito sublinhado que Bloom pensa muito em sexo com mulheres, mas tem um comportamento tão pouco machista para a época que seus interlocutores sugerem que ele é uma mulher.

Na verdade, tenho mil observações sobre o livro, tudo anotado a caneta no meu exemplar, mas me dá uma preguiça de organizar que nem lhes conto.

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15 comments / Add your comment below

  1. Queria saber de suas colocações a respeito de Philip Roth. Especialmente do romance Indignação. Mas é claro que apreciarei qualquer livro que você citar aqui.

    Braços!

  2. Fico pensando o quanto seria bom ler textos seus da descoberta de Thomas Pynchon. Galindo fez uma excepcional tradução de Pynchon, que poderia ser sua iniciação ao grande escritor. Mas o suprassumo mesmo seria vê-lo lendo O Arco-Íris da Gravidade. O mesmo fascínio e assombro que você tem com Ulysses.

    1. Meu caro.

      Li dois livros de Pynchon e gostei muito. “O leilão do lote 49” e “V.”. Não me pergunte pq parei de ler. Eu não saberia explicar.

  3. Pois bem, meu amigo, terminei o “Jardim dos Castanhos”. Vou lhe enviar em pdf o dito cujo: espero o prefácio!! Posso enviar-lhe no “blog.miltonrib — arroba — gmail.com”?
    isto é: [email protected]. É isso?

    Vá, por favor, até o blog dos “Nunes” , isto é, ” da Rachel e do Marcos Nunes”, lá está uma pequena reflexão do que penso ser o livro.

  4. Precisar de ensaios sobre o livro para entendê-lo? Arte não é experiência individual? Qual a utilidade do crítico literário mesmo?

    1. Eu acho importante ler ensaios. É uma nova visão que nos dá da obra, ou mesmo algo que nos passou despercebido.

      Mas, por exemplo, nenhum ensaio sobre Tolstoi ou Dostoievski até hoje, me deram mais prazer de ler do que as próprias obras russas.

      Em compensação, todos os ensaios que já li de Ulisses já me deram mais prazer do que a leitura de Joyce.

      É ai que eu vejo um problema. Quando as críticas e ensaios são mais interessantes que a obra em si.

  5. Ô, Milton, tudo bem?
    Por falar em Ulysses, o quê que aconteceu com o Idelber, hein? Tu leste a resenha que ele escreveu sobre o livro do Paulo Coelho na Folha? Pra quê aquilo, meu Deus?
    Abraço,
    Karam

    1. Olha, eu entendo o que o Idelber quis, mas acho que o modo escolhido foi equivocado, tanto que ele não conseguiu elogiar muito o livro. Ele quer dizer algo bem simples: os escritores menores abrem portas para os maiores, os populares para os mais complexos. Aqui, ele tem razão: a gente pode perfeitamente tb pensar que o sucesso de PC é bom para o mundo editorial e, portanto, acaba sendo bom para todos. Mas, daí a pegar o livro para ler são outros quinhentos. Acho que ele exagerou na defesa.

  6. ONADASOBRENADA
    by Ramiro Conceição
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    Houve um tempo em que tive uma biblioteca organizada. Os ditos seres obedeciam a uma classificação quase certa: filosofia; poesia; engenharia; romance; conto; e etc.. Contudo, sem que eu soubesse, a vida levou-me a caminhos que não planejara, ao menos conscientemente. Faz décadas que caminho num fio da navalha. Em algumas situações, não desapareci por mero acaso… Nunca exerci meu livre-arbítrio, pois nunca na verdade fui livre; ao contrário, sempre um prisioneiro à libertação. Assim, nunca tornei-me um endereço fixo. Sob tais mudanças, alguns livros foram perdidos, outros apareceram não sei de onde e, portanto, aquela pseudo-ordem que existia cedeu ao caos. Pois bem: outro dia, sem que soubesse o exato porquê, resolvi garimpar Jung, no meio daquela entropia em expansão (adquiri e li, praticamente, toda a obra do suíço em português: inclusive toda a correspondência entre o pai dos arquétipos e o dos sonhos).
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    Peguei um aqui… Um outro acolá… E assim sucessivamente… Eis que, de repente, me deparei com “O Espírito na Arte e na Ciência”. Catralhos me mordam, já li isso?! Não havia uma única palavra em minha memória analfabeta… Abri o espécime: todo sublinhado e com centenas de observações em multidões de páginas… Eis que levei um soco no queixo, minha rubrica: 12.05.89. Era um ensaio: “O POETA”. Comecei a decifrá-lo, para lembrá-lo… Três horas depois: caramba, penso-sinto tudo isso, mas havia esquecido, que fazia parte de mim… Virei a última página, e levei um segundo soco, agora direto no estômago, que me deixou de quatro na solidão do quarto: “Ulisses”.
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    Nesses últimos meses, sem que houvesse a priori qualquer planejamento, venho comentando, com certa assiduidade, o Ulisses de Joyce que li após quase um ano de batalha, em pouquíssimos sites da rede: blog do Milton Ribeiro, blog do Charlles Campos, blog da professora Rachel Nunes e Marcos Nunes e blog do Idelber Avellar.
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    Bem, chegou a hora da síntese da voz junguiana: “ […] De Ulisses jorram 735 páginas, numa torrente de 735 horas, dias ou anos que representam um único dia, ou seja, o inexpressivo e insignificante 16 de junho de 1904, em Dublin, durante o qual, realmente nada acontece. A torrente começa do nada e termina no nada. […] Sua velocidade ou continuidade aumenta nas últimas quarenta páginas, chegando a uma completa falta de pontuação, em que o vazio […] se expressa da maneira mais cruel […]. […] Sabe como o diabo tortura as almas no inferno? Ele as deixa esperando […]”. Ou seja, “[…] cada frase contém uma expectativa que não se concretiza; por fim, por mera resignação, o leitor já não espera mais nada […]. Contudo, “[…] uma secreta expectativa […] arrasta-nos página por página. […] Assim eu o li com o desespero […]. […] Sim, reconheço que me senti tonto e aborrecido. O livro não tentava uma aproximação com o leitor”. Porém, com se espera, “[…] pressuponho ingenuamente que um livro queira dizer-me algo e queira ser compreendido[…]. […] Nunca se deve colocar o leitor diante da própria burrice – Ulisses, no entanto, faz exatamente isso”. Logo a irritação que Joyce provoca é a seguinte: “[…] Você ainda não enxergou o que existe atrás disso…[…]”. Então meu querido caralhinho, o que está por trás?:
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    “[…] o tragicômico do homem mediano, o lado frio e sombrio do existir, o turvo e cinzento niilismo espiritual […], uma melodia monótona, insípida e sem estímulo”, ou seja, em duas palavras: NÓS MESMOS!
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    Foi um medieval erro estético, que cometi inicialmente ao ler Ulisses, ao procurar uma beleza, um respiradouro, um alívio à consciência. Não, Ulisses foi escrito durante a 1ª Guerra Mundial e, portanto, foi – e ainda é – uma denuncia à estética até então vigente. Se houvesse alguma beleza no livro de Joyce, então, seria um terrível erro estético. Coisa que não foi!
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    Em todo o Ulisses, Joyce pede camufladamente que não o repitamos mais; mas, ao contrário, que o superemos; que reconstruamos novamente com todas as ferramentas da estética, da política e da ética, velhas ou novas, não importa, um efetivo mundo novo. Estúpidos e cegos são aqueles que encaram Ulisses como o final do romance, da linguagem. É o contrário! E como se Joyce dissesse: ‘Olha, veja, onde chegamos. Basta! Vamos reescrever tudo de novo!’
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    Não devemos nunca esquecer que tanto Joyce quanto Jung foram profundamente cristãos! Ou seja, Ulisses é um demiurgo humano demasiado humano que crê, no fundo, que “[…] ao levantar os olhos, viu a luz que Ele havia criado… […] e ao fazer isso, descobriu que, na força da criação, há um masculino e um feminino que se revela em sinergia como fonte, de luz:
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    ‘ […] o mar o mar carmesim às vezes como fogo e os poentes gloriosos e as figueiras nos jardins da alameda sim e todas as ruazinhas esquisitas e casas rosas e azuis e amarelas e os rosais e os jasmins e gerânios e cactos e Gilbraltar eu mocinha onde eu era uma flor na montanha sim […] e ele me beijava sob a muralha mourisca e eu pensei bem tanto faz ele como outro e então eu lhe pedi com meus olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os braços em torno dele sim e o puxei para mim para que ele pudesse sentir meus seios todo perfume sim e seu coração batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sim.’
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    Diante disso, só resta a Jung rezar à vida…: “ Oh! Ulisses, tu és o verdadeiro livro de devoção para o homem[…]. […] és um ritual cruel, um procedimento mágico […], onde, com ácidos, vapores venenosos, gelo e fogo, será destilado o homúnculo de uma nova consciência universal!”. Diante disso, completo está o poema:
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    RASCUNHO
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    Que fique de tudo
    o sumo que canta
    ao mundo.
    O resto é cena
    não vale a pena
    porque é mudo.
    Se maldito ou bendito,
    julgue quem leu o escrito:
    o tempo é iiiiiisssssssOO
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    Bibliografia:
    C.G. Jung, O Espírito Na Arte E Na Ciência, vol XV, Editora Vozes, pp 94-118, 1987.

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