Sessão de Terapia

No deserto de boas opções brasileiras na TV, merece especial atenção a série do GNT Sessão de Terapia, versão brasileira do original israelense Be Tipul e que já foi adaptada em 30 países. A ideia é simples: a série ficcional acompanha o psicólogo Theo Cecatto (Zécarlos Machado) em sua interação diversos pacientes. Então, exibidos diariamente, cada episódio foca-se na história de um deles e de seus efeitos na avaliação do terapeuta, realizada por sua supervisora Dora (Selma Egrei). A direção é de Selton Mello.

Não sei — e talvez não interesse saber — o que há de Mello e o que há de original na série, mas creio que os grandes trunfos começam pelos bons atores, bons diálogos, pela direção segura de Mello e pela curiosa fotografia esmaecida, a qual não promete emoção e ornamenta com grande elegância ao conjunto. Os pacientes são a médica anestesista Júlia (Maria Fernanda Cândido), apaixonada por Theo; Breno (Sergio Guizé), um policial atirador de elite; Nina (Bianca Muller), uma ginasta ainda menina e com tendências suicidas; o problemático casal Ana (Mariana Lima) e João (André Frateschi) e acho que é só. A supervisora que atende Theo também faz uma terapia de casal entre ele e sua mulher Clarice (Maria Luísa Mendonça). Afinal, Theo confessa-se apaixonado por Julia — fato natural por tratar-se apenas de Maria Fernanda Cândido! … Bem, esqueçam a entusiasmada última observação.

Comecemos pelas críticas. É claro que os tons escuros e a câmera dirigida ao rosto dos atores lembra imediatamente alguns filmes de Bergman, mas há diferenças. Aqui, há muito mais nervosismo. Não há os longos planos bergmanianos em que um personagem diz algo e depois ouve a resposta, muitas vezes alterando radicalmente sua expressão sob o efeito das palavras do outro. Não, a coisa não é tão artística e profunda, mas funciona bem. Outro fato que corta a relação com o sueco é o ponto fraco da série: as sequências de imaginação, sonho e pesadelo, que não são nada sufocantes e que me arrancaram alguns tsc, tsc, tsc, coisa inimaginável nos filmes do sufocante diretor sueco.

Outra coisa de que não gosto é a tomada da voz de Theo. Zécarlos Machado tem a voz muito anasalada e, como está numa terapia, fala baixo. Ele também tem um defeito em comum comigo — não costuma abrir muito a boca para falar e, assim, sua pronúncia fica muito prejudicada. Acho que se o microfone do terapeuta ficasse mais alto ou se ele abrisse mais a boca para emitir palavras mais claras ficaria bem melhor.

São detalhes, pois o restante é muito bom. Mesmo com minhas críticas a sua pronúncia, a série apoia-se firmemente nele e reconheço o excelente trabalho de Zécarlos Machado. É claro que gosto mais de algumas terapias do que de outras. Minha atenção voa quando a sessão era com o policial — ele fez bem em morrer — , coisa que não acontece quando estamos no caso de Julia, Nina e do casal, cuja história cresceu muito nos últimos capítulos. Mas o filé mesmo são os encontros com a supervisora. Lembrava de Selma Egrei como atriz de pornochanchadas e pensava que ela seria, provavelmente, uma atriz muito limitada. Engano, ela está perfeitamente à vontade como uma analista algo irônica que é constantemente desafiada por Theo.

Não é teatro na TV, de forma nenhuma. A única coisa em comum com o teatro são os dois cenários, o de Theo e o de Dora, praticamente fixos. Na verdade, é cinema na TV. A enorme proximidade, o desejo de explorar rostos e expressões, jogam as analogias de  para outro lado. Mas é, antes de tudo, boa TV. E assim os sete leitores deste blog recebem sua primeira indicação televisiva, a série Sessão de Terapia, no GNT.

O terapeuta Theo ainda não comeu ninguém. Talvez por isso seus cabelos estejam tão arrepiados
Mas a tentação é alta, magra e belíssima
Selma Egrei, quem diria, o passado de pornochanchadas escondia uma excelente atriz
A cara de Cazuza de Sergio Guizé, o atirador de elite
A ginasta. Ah, como Zécarlos Machado cresce nos episódio com ela! Ignoro o motivo.
Será que ele perdoará a traição? Tchan, tchan, tchan, tchan…

15 comments / Add your comment below

  1. Data vênia, enquadramentos em close up ou Xtrem close up em séries televisivas sempre remetem – ou remeterão – ao próprio formato novelesco, nunca à Bergman, Dreyer ou Tarkovski. Ademais, trata-se de uma franquia. Não existe autoralidade em franquias.

  2. É, eu via essa série aí, principalmente por interesse da Rachel. Achei que não vale (acho que nem se tentou isso, é claro) como exemplo do que rola em sessções de terapia, principalmente pela fragilidade de expressão conceitual do analista, que não poderia complicar muito sob pena de desinteressar o espoectador. É claro que a supressão dos tempos mortos e dos momentos menos tensos de uma terapia tiveram que ser descarytados em favor dos momentos mais significativos, que foram avultados e se tornaram significativos demais, às vezes beirando o kitsch, como na conclusão da sequência, ou no sentimentalismo em que derrapou a sequência do policial, desde o começo com evidentes sinais de homossexualismo latente cuja origem creditou-se à disputa entre o pai dominante e a mãe dominada, porém sensível. A terapia de casal me pareceu mais interessante por causa da Mariana Lima, de quem pessoalmente gosto e, enquanto pessoa, passa longe da personagem neuroticazinha banal que ela faz no seriado. O paralelo entre a separação do casal com a própria condição do casamento do analista fica um tanto óbvia, o que me fez desgostar também das sessões do analista + esposa com a mentora-Dora, com aquelas arestas tambpém derrapando no sentimentalismo acerca das relações difíceis da mentora com o marido e deste com Theo. Por último, deixo as sessões com a algo ninfomaníaca neurótica feita pela Maria Fernanda Cândido, pela beleza mui interessante dela a tornar maisninteressante uma personagem de pouco interesse, presa à obviedade de seu conflito à Electra e seu posterior uso utilitário do sexo como ferramenta de poder em paralelo à frustração que provoca e povoa seu imaginário, escravizando-o. Esse ataque todo tá muito sumário, mas vamos em frente: não acho que dá para desprezar a origem da coisa, a série israelense na raiz de todas as adaptações posteriores, principalmente porque isso reduz o alcance e originalidade possível da direção de Selton Mello. Dá para notar que a transposição geográfica do texto ficou na superfície, fragilzinha, para não complicar as coisas, mas fico a pensar que o policial de elite no Brasil talvez fosse, no original, um agente do Mossad; se assim fosse, a transposição teve que descartar uma série de outros fatores problemáticos, de caráter geopolítico, e transferi-los para outra problemática, mas social intrinsecamente brasileira. Ou será que a adaptação veio da transposição já feita pelos norte-americanos? Pensando nisso, a coisa fica muito complicada, e seria interessante conhecer o original e umas outras duas transposições para aferir o grau de contribuição brasileira ao produto original.

    Mas dá pra dar uma nota 6 pro conjunto. A Maria Fernanda Cândido ajuda a melhorar a nota substancialmente.

  3. Closes em Tarkovski? Ele nunca se caracterizou por isso…

    Sobra espaço para a autoralidade. Há toda uma dramaturgia a explorar. Ou os diretores de teatro não são autorais?

    1. Televisão não é teatro. Dramaturgia a explorar? Selton Mello, que é fraquíssimo, não sabe nem o que é ‘acento dramático’. Leia ‘esculpir o tempo’, do Tarkovski, e talvez daí, com um certo esforço, vc entenda um pouco sobre a questão do close up e dos objetos inanimados em sua obra.

  4. A série é ótima. O Zé Carlos Machado vai muito bem. Sua entonação sussurrante faz a função de criar um clima de expectativa em como ele contornará as situações. É o psicólogo que se esgueira para alcançar o paciente.

    O episódio com maior clímax pra mim, foi o encontro de Théo com o pai do atirador de elite. Talvez foi esse o episódio mais tenso e sufocante da série. A única história que não estou gostando, é a do casal (eles nunca parecem chegar a lugar algum). A história que está mais se sobressaindo e surpreendendo é o da menina ginasta em relação ao seu pai.

    Enfim, a série é realmente recomendável.

  5. Nunca vi. Acho meio forçado um personagem que é policial no Brasil fazendo terapia. Isso “non ecziste”, como diria o Padre Quevedo. Nós não falamos sobre problemas com quem não seja também policial, e, além disso, colega de equipe e do mesmo cargo ou carreira. Não existe povo mais fechado que o policial brasileiro.

  6. Em novelas (sempre que o tema comporte), e em alguns filmes, os ambientes de representação da classe alta brasileira são de um entorno chic e cheio de charme, delicado, que evidentemente reproduzem estéticas de filmes europeus, sobretudo. Nunca houve uma aristocracia/burguesia por aqui com essa sofisticação estilosa toda: os ambientes locais (físicos/humanos/das instituições,…) eram diferentes e mais bandalhos, os tipos mais faladores e gritantes (o que incomodaria a Cintia Moscovitch), a instrução média mais baixa, e sem aquela atmosfera toda representada, etc, etc. Sempre me pareceu que a estética adotada, em si, tem a função social específica de fazer a patuleia crer que a nossa classe alta é melhor do que realmente é. Confesso, que raramente vejo a série, mas um pouco disso me ocorreu quando assisti, e tb. quando li o comentário do Jorge Lima, acima, sobre o policial brasileiro, cheio de dúvidas finas interiores, fazendo terapia para se encontrar na vida.

  7. Tenho ouvido falar mto bem da versão brasileira, mas, sei lá, não fiquei muito instigada pra ver não. É que, meses atrás, assisti a alguns episódios da série americana e me agradou apenas a história da Sophie, a ginasta interpretada maravilhosamente bem pela Mia Wasikowska. Talvez eu devesse ter insistido nos outros personagens (só vi o 1o episódio da história de cada um), mas, embora a série fosse acima da média para padrões americanos, tinha coisa muito mais interessante pra ver: a 5a e a 1a temporadas de Mad Men e Homeland, respectivamente.

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