O teste final de um romance será a nossa afeição por ele, como é o teste de nossos amigos e de qualquer outra coisa que não possamos definir.
E. M. Forster – Aspectos do Romance
Publicado pela primeira vez em 1813, Orgulho e Preconceito é o romance mais popular de uma autora que viveu apenas 41 anos, tendo escrito apenas outros cinco, todos excelentes: Razão e Sensibilidade (1811), Mansfield Park (1814), Emma (1815) e os póstumos A Abadia de Northanger (1818) e Persuasão (1818).
É compreensível a insistência do cinema em adaptar os trabalhos de Austen. Numa camada mais superficial, sua literatura trata de temas simples e universais dentro do cenário da pacata sociedade rural pré-vitoriana. São romances de costumes. As moças estão sempre à procura do amor e de um bom casamento, enquanto os mais velhos pensam no dinheiro e nas conveniências. Todos os conflitos são aparentemente fúteis, mas aí é que entra a autora. Austen tem um tom delicioso para contar suas histórias. Ela não faz comédia, mas é engraçada; expõe dramas, mas não é trágica; é grave, porém leve. A ação é posta em movimento pela tensão variável entre poucos personagens e pela intervenção de outras. O romance não deixa transparecer seu esquema por trás de diálogos absolutamente fluentes e de uma narradora de tom zombeteiro. Num espaço rural limitado, as pessoas fazem visitas, vão a bailes, tomam chá, enganam umas às outras, armam situações e divagam sobre suas vidas e planos. O refinado humor da escritora se manifesta em tudo: ameniza os dramas, diverte-se com os personagens e faz humor.
Em Orgulho e Preconceito, a maior fonte de humor é a convivência doméstica do casal Bennet, pais das cinco irmãs casadouras. Expliquemos a história do romance sem prejudicar a leitura de quem não o conhece. Os personagens principais são Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy. Nada mais típico e copiado: Darcy é um rico nobre e Elizabeth é a moça da pequena nobreza rural inglesa que parece apenas esperar a dádiva de um marido. Só parece. Pois Elisabeth é muito inteligente, crítica e unicamente a culpa em relação à família a faria casar com o primeiro que aparecesse. Ou nem isso, como veremos. Aliás, em sua família, apenas ela, sua irmã mais velha (Jane) e o ultrassarcático papai Bennet têm comportamentos razoáveis. A mãe só pensa em livrar-se das filhas e as outras irmãs — talvez com a exceção da moralista e puritana Mary — podem ser sintonizadas na mesma faixa da mãe. Para catalisar ainda mais a histeria familiar, há o fato de que a lei inglesa proibia que mulheres herdassem quaisquer patrimônios. Isto significa que, quando da morte de Mr. Bennet, a casa e a pequena propriedade familiar iria para um primo e as mulheres da família ficariam sem renda. Ora, você já conhece este enredo? Sim, claro, Austen foi imitadíssima, sem sucesso. Elizabeth e Mr. Darcy se conhecem e a primeira impressão é de antipatia mútua. Nos encontros seguintes, pouco a pouco, Darcy começa a ver em Elisabeth uma moça bem longe das simplesmente casadouras, reconhecendo um espírito crítico que lhe agrada inteiramente. O Preconceito do título do romance é principalmente dele e é o primeiro a lentamente cair. Darcy chega a declarar seu amor, mas é rechaçado pelo Orgulho de Elizabeth. Como quase sempre, a personagem feminina é muito mais fascinante do que a masculina. Incompreendida ao impor dificuldades a um rico casamento, Elisabeth só encontra respaldo em seu pai, o sarcástico. Mr. Bennet é um excêntrico que se refugia em seus estudos para não ter de conviver com a mulher, mas que apoia incondicionalmente Elisabeth.
Além do conflito principal, Jane Austen traz uma galeria de personagens perfeitamente construídos — a tia hostil, a irmã fujona, Jane — que, acompanhados de seus draminhas, interferem com Darcy e Elisabeth. Os personagens nos proporcionam renovado prazer cada vez que aparecem. Seus diálogos nos conduzem naturalmente de um assunto a outro, fazendo de Orgulho e Preconceito um dos ápices da literatura mundial. Uma vez, ao ser perguntado sobre o maior casal da literatura, votei em Elisabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy, o que provocou certo desconforto em quem esperava Beatrice Portinari e Dante Alighieri, dentre tantos outros. Acharam que eu me utilizara de um lugar-comum. Mas que culpa eu tenho de Orgulho e Preconceito ser um daqueles casos em que qualidade e popularidade permaneceram juntas?
Austen nunca casou, sempre morou com os pais na casa acima (hoje sede do Museu Jane Austen, claro). Escrevia seus romances no quarto e tinha pudor de quando alguém abria a porta — escondia imediatamente seus cadernos. Sua vida não teve grandes acontecimentos e ela ficou para titia. Porém, se você ler por aí que ela teve um caso com sua irmã Cassandra, esqueça. Uma vez, Paulo Francis deu demasiada divulgação a um artigo da imprensa marrom inglesa: Was Jane Austen gay? Era uma mero chute, mas Francis descobriu que Jane dividira por décadas a mesma cama com Cassandra — ambas solteironas — e levou a coisa à sério. Ignorando que este era um costume da época, a ex-batata inglesa do Manhattan Connection fez uma festinha com seus amigos a respeito.
-=-=-=-=-=-
Dois updates mais do que pertinentes:
1. Um novo show da Nikelen nos comentários:
Querido Milton, desde que comecei a comentar aqui, fiz a autocrítica de que meus comentários acabaram ficando longos demais. Porém, desta vez, você me obriga.
Conheci Austen já em idade avançada. Estava no início do doutorado, presa no Rio de Janeiro (entendam isso como quiserem), e, após o dia lendo para a tese, restava apenas a TV aberta e andar por um cubículo de pouco mais de 30 m2. Então, resolvi tapar minhas falhas literárias, fui a um sebo e me muni de Austen, Henri James, e versões adultas de Sabatini e Dumas (até então eu apenas lera as versões juvenís da Ediouro).
Esperava que Austen fosse um pouco massante, qual minha surpresa quando me vi as gargalhadas com Orgulho e Preconceito. Foi mais do que amor à primeira vista, foi o início de uma devoção. Pode parecer exagerado para quem não leu, mas eu explicarei meus pontos. Já até ameacei amigos que me franziram a testa perguntando: “é bom?” Até hoje nenhum dos meus convertidos se arrependeu de dedicar longas e perfeitas horas a Miss Austen. Por isso, adorei sua resenha e concordo quanto à sua escolha quanto ao maior casal da literatura.
E acredito que Elizabeth é, igualmente, uma das mais fantásticas heroínas já escritas. Ela não é uma mocinha romântica (esse papel é da sua irmã Jane). Elizabeth sabe ser maliciosa, dura, debochada, sem deixar de ter um bom coração. Envergonha-se de sua família, mas ama-os a ponto de defendê-los mesmo com seus imensos defeitos. O que poucos notam é o quão revolucionário é este romance para a época e as pessoas para quem foi escrito. Ele é a reivindicação de uma possibilidade de escolha que nem as mulheres, nem os homens tinham em sua época. Embora publicado no início do século XIX, o romance é de fins do século XVIII, e está ancorado numa moral em que a família e as convenções ditam as escolhas e os destinos.
Mas Austen pega seus dois personagens principais – cheios de dúvidas e de contradições, quase incapazes de um comportamento retilíneo – e os faz rebeldes para o mundo em que vivem. Elizabeth é uma rebelde nata. Não quer se submeter a um homem apenas para ter um marido. Ela quer alguém que a respeite como o pai a respeita (um Édipo bem resolvido, eu diria), e tem o apoio do pai – que a considera acima de todas as filhas por ver nela uma mente irmã.
Mas Darcy? Darcy é aparentemente convencional, preso aos costumes e a sua posição (embora de uma antipatia pouco aceita naquela sociedade, mesmo de alguém tão rico. Até Mrs. Bennet o esnoba por isso). E aí, de repente (ou lentamente como narrou o Milton), Mr. Darcy também se torna um rebelde (contra si mesmo, como ele afirma) e passa a querer o que não lhe seria permitido.
O romance não é apenas uma aula sobre o convencionalismo inglês, mas também sobre uma revolução nos costumes, marca desta virada de século. A família nuclear começa a deixar de ser vista como uma entidade reprodutora de pessoas para abastecer linhagens, passa a ser vista como um núcleo formativo de indivíduos e, nisso, as ideias de harmonia e amor conjugal começam a aparecer. É óbvio que se trata de uma mudança de longa duração. Daí o elemento revolucionário do romance de Austen (escrito no princípio desta transformação).
Ahh Milton, eu iria longe aqui, muito longe. Há tanto o que falar de Mr. Bennet e sua posição ambígua de crítica sem nada transformar. Ou da insuportável Lydia, cuja tagarelice vazia faz nossa mente voar para fora do papel e quando retornamos, percebemos que fomos acompanhados no voo por Elizabeth (tão avessa à futilidades quanto nós). Ou ainda falar sobre Mr. Collins, a realista Charlotte ou Mrs. de Bourgh (entulho de um século precedente), cada um deles, um universo de análise.
Vou apenas, se me permite, discordar de dois pontos em sua resenha. Um: Elizabeth não é plebéia. Ela pertence à pequena nobreza rural inglesa que, em tese, poderia sim se casar com a alta nobreza, embora isso não fosse visto como conveniente para quem estava no andar de cima.
Dois: não acho Mary uma precursora dos nerds. Ela é uma jovem moralista, leitora ávida dos textos protestantes e metodistas da época, que tentavam regrar as vidas das pessoas conforme uma rígida postura puritana. Sempre acho uma pena que Mr. Collins não a tenha escolhido, mas… o final feliz não é para todos.
Um grande abraço e obrigada por não deletar este comentário exagerado.
2. E outro da Emma Thompson quando da entrega do Globo de Ouro de 1995. Ela se faz de… Jane Austen:
Cara, texto muito bem escrito.
Milton, como todos sabemos, as opiniões do Paulo Francis (ia encurtar escrevendo apenas Francis, mas não quero nenhuma intimidade com esse perfeito defunto)não contam em nada. Sempre repito essa única opinião que tenho a respeito dele, de que ele bem merece a praga de ter como único seguidor o Diogo Mainardi (outro que compensa a disposição de digitar todas as letras e chamar de senhor ou doutor, para a salutar distância).
Três das inúmeras limitações que ainda tenho como leitor são não ter lido Proust, Moby Dick e Jane Austen. Pretendo corrigir o mais rápido possível. Ontem concluí a reinvestida ao sobrehumano Montanha Mágica, e o impacto vai persistir por semanas. Estou convicto que não é somente o melhor livro de Thomas (com esse, toda a intimidade!)_ o que é imensamente difícil diante Doutor Fausto e Os Budenbrooks_, como um dos maiores romances da história (ao lado de Os Demônios, Anna Karenina…). É assustador que as últimas 300 páginas distoam tanto das 700 anteriores, pelo caráter de ódio irrestrito entre os personagens e a premonição sombria do massacre que viria e que determinou a falência da humanidade no século passado. Que livro! Que escritor!
Diante um monumento destes, para que psicotrópicos, alteradores de consciência, ilusões virtuais? São mil páginas da mais requintada e autêntica diversão. O maior barato!
Abraços.
Moby Dick e Austen? Cara, comece agora!
Bem, A Montanha Mágica é meu Nº 2 de Thomas M. O que significa que está entre os maiores, certamente.
Excelente, Milton.
A Nikelen certamente vai comentar. Há poucas coisas que ela goste mais do que Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.
Eu também acho maravilhoso. Aqui apenas vou dizer que, em sua ótima resenha, você talvez tenha sido um pouco cruel com Mrs. Bennet. Crueldade justificada, afinal, quem não quis dar-lhe uns bofetes antes do meio do livro? Contudo, como você mesmo escreveu, em um regime sucessório onde as mulheres não herdam, é imprescindível ter um filho varão. É ele que vai herdar a propriedade, ajudar o pai a organizar os rendimentos, dotar uma ou mais irmãs, para que possam casar. Deverá acolher em sua casa e amparar as irmãs que não puderam ser dotadas ou que, em virtude de um dote pequeno combinado, por vezes, com outros fatores (personalidade, aparência, senso de independência) não puderam casar.
Em contrapartida, não ter o filho homem e, ainda por cima, ter cinco filhas mulheres para casar, é quase uma catástrofe. Poor Mrs. Bennet. Ela tem imensa missão. Imagine as gestações, uma a uma, na esperança de um varão. Quando nascia a menina, as culpas recaíam invariavelmente sobre a mãe.
Quando Mr. Bennet se fosse, a propriedade iria para um parente que teria apenas do dever moral de dar alguma ajuda àquelas mulheres. A responsabilidade é da Senhora: pode-se para entender, então, porque “colocar” as filhas é sua obessão. Porque está atenta e informada sobre os bons partidos que já existem ou chegam naquela sociedadezinha provinciana do meio rural inglês.
Mrs. Bennet é um desastre, não há dúvida. É insuportável, seja há mais de dois séculos ou hoje. Mas é uma aula sobre uma sociedade em que os princípios individualistas e liberais triunfavam sem excluir um forte senso de hierarquia aristocratizante. E, a partir de uma posição mediana, ela se move com destreza naquele mundo.
Aceito tua defesa de Mrs. Bennet, ainda mais que admites sua insuportabilidade… Ô, véia chata! Mas com uma missão fundamental nas mãos, sem dúvida.
Abraço.
Você é bom de resenhas, hein? Me convenceu!
Adoro os filmes, todos eles. E faz tempo que estou pra comprar um dos livros pra ver se vou gostar igualmente dos romances. Agora, a dúvida virou urgência – será minha próxima aquisição literária.
Sempre me sinto alimentada culturalmente quando passo por aqui.
Beijo!
Karina
Grande amiga, Karina!
Comece por O & P. O resto virá ao natural.
Beijo, querida.
Ola Grande Milton Ribeiro,
Long time no see! Sou fã de Jane Austen e me lembro,que, na minha adolescencia, a ética e a moral de suas histórias foram muito importantes para mim. Em meio ao auge hippie, e queimando soutiens, a dignidade dos seus personagens foi inspirador. Fui a favor dos movimentos da época de 70, mas soube distinguir excessos e valores éticos muito graças aos seus livros.
Saudades
Beijos
Que coincidência, Stella.
Tua observação poderia ter sido escrita por mim. Não citaria os soutiens, mas o resto pode ser facilmente identificado por mim. Meu valores, de certa forma, eram os de J.A.
Beijão!
Milton,
Um ótimo livro, e a sua resenha o torna ainda mais encantador. Tem algo de A Megera Domada, com os hilariantes desencontros entre Lizzy e o elegante Mr. Darcy, dono de rendimentos anuais de dez mil libras, que o tornavam ainda mais atraente à família Bennet. A minha edição é da Abril, série Grandes Sucessos, com uma maravilhosa tradução de Lúcio Cardoso, que também elaborou a excelente introdução.
Outro livro maravilhoso da Jane Austen, Razão e Sensibilidade, foi transformado em um filme bem bacana por Ang Lee há alguns anos (claro que no filme se perde um pouco do bom humor recatado da escritora).
Mudando de assunto, estarei em Porto Alegre na próxima semana. Onde é que posso encontrar sebos de discos ou onde é que se pode ouvir jazz ao vivo aí na bela capital gaúcha?
Bom, o meu e-mail tá aí em cima – de repente dá até prá marcar um chopp!
Grande abraço!
Sebos de discos:
— Stoned Discos, Rua Marechal Floriano Peixoto , 371
— Toca do Disco, Rua Garibaldi, 1043
— Lojas da Galeria Chaves, na Andradas, 1444 (no térreo da Andradas, antes da escada e pelo prédio, lá em cima)
— Lojas do viaduto da Borges
Tudo no centro.
Bela capital gaúcha. Alguém te informou errado. De belas só as mulheres, meu amigo. Nós somos legais, mas nossa cidade é uma bosta de feia.
Jazz ao vivo? O jazz se transfere (ou foge) dos lugares. Há que procurar.
Caralho, mas que blog fodão o teu! Gostei muito!
Caraca, Milton!
Quer dizer que você já deu uma passada no jazz + bossa! Pô, fico orgulhoso!
Obrigado pela atenção! Vou anotar os endereços!
E o chopp?
Querido Milton, desde que comecei a comentar aqui, fiz a autocrítica de que meus comentários acabaram ficando longos demais. Porém, desta vez, você me obriga.
Conheci Austen já em idade avançada. Estava no início do doutorado, presa no Rio de Janeiro (entendam isso como quiserem), e, após o dia lendo para a tese, restava apenas a TV aberta e andar por um cubículo de pouco mais de 30 m2. Então, resolvi tapar minhas falhas literárias, fui a um sebo e me muni de Austen, Henri James, e versões adultas de Sabatini e Dumas (até então eu apenas lera as versões juvenís da Ediouro).
Esperava que Austen fosse um pouco massante, qual minha surpresa quando me vi as gargalhadas com Orgulho e Preconceito. Foi mais do que amor à primeira vista, foi o início de uma devoção. Pode parecer exagerado para quem não leu, mas eu explicarei meus pontos. Já até ameacei amigos que me franziram a testa perguntando: “é bom?” Até hoje nenhum dos meus convertidos se arrependeu de dedicar longas e perfeitas horas a Miss Austen. Por isso, adorei sua resenha e concordo quanto à sua escolha quanto ao maior casal da literatura.
E acredito que Elizabeth é, igualmente, uma das mais fantásticas heroínas já escritas. Ela não é uma mocinha romântica (esse papel é da sua irmã Jane). Elizabeth sabe ser maliciosa, dura, debochada, sem deixar de ter um bom coração. Envergonha-se de sua família, mas ama-os a ponto de defendê-los mesmo com seus imensos defeitos. O que poucos notam é o quão revolucionário é este romance para a época e as pessoas para quem foi escrito. Ele é a reivindicação de uma possibilidade de escolha que nem as mulheres, nem os homens tinham em sua época. Embora publicado no início do século XIX, o romance é de fins do século XVIII, e está ancorado numa moral em que a família e as convenções ditam as escolhas e os destinos.
Mas Austen pega seus dois personagens principais – cheios de dúvidas e de contradições, quase incapazes de um comportamento retilíneo – e os faz rebeldes para o mundo em que vivem. Elizabeth é uma rebelde nata. Não quer se submeter a um homem apenas para ter um marido. Ela quer alguém que a respeite como o pai a respeita (um Édipo bem resolvido, eu diria), e tem o apoio do pai – que a considera acima de todas as filhas por ver nela uma mente irmã.
Mas Darcy? Darcy é aparentemente convencional, preso aos costumes e a sua posição (embora de uma antipatia pouco aceita naquela sociedade, mesmo de alguém tão rico. Até Mrs. Bennet o esnoba por isso). E aí, de repente (ou lentamente como narrou o Milton), Mr. Darcy também se torna um rebelde (contra si mesmo, como ele afirma) e passa a querer o que não lhe seria permitido.
O romance não é apenas uma aula sobre o convencionalismo inglês, mas também sobre uma revolução nos costumes, marca desta virada de século. A família nuclear começa a deixar de ser vista como uma entidade reprodutora de pessoas para abastecer linhagens, passa a ser vista como um núcleo formativo de indivíduos e, nisso, as ideias de harmonia e amor conjugal começam a aparecer. É óbvio que se trata de uma mudança de longa duração. Daí o elemento revolucionário do romance de Austen (escrito no princípio desta transformação).
Ahh Milton, eu iria longe aqui, muito longe. Há tanto o que falar de Mr. Bennet e sua posição ambígua de crítica sem nada transformar. Ou da insuportável Lydia, cuja tagarelice vazia faz nossa mente voar para fora do papel e quando retornamos, percebemos que fomos acompanhados no voo por Elizabeth (tão avessa à futilidades quanto nós). Ou ainda falar sobre Mr. Collins, a realista Charlotte ou Mrs. de Bourgh (entulho de um século precedente), cada um deles, um universo de análise.
Vou apenas, se me permite, discordar de dois pontos em sua resenha. Um: Elizabeth não é plebéia. Ela pertence à pequena nobreza rural inglesa que, em tese, poderia sim se casar com a alta nobreza, embora isso não fosse visto como conveniente para quem estava no andar de cima.
Dois: não acho Mary uma precursora dos nerds. Ela é uma jovem moralista, leitora ávida dos textos protestantes e metodistas da época, que tentavam regrar as vidas das pessoas conforme uma rígida postura puritana. Sempre acho uma pena que Mr. Collins não a tenha escolhido, mas… o final feliz não é para todos.
Um grande abraço e obrigada por não deletar este comentário exagerado.
Nossa, eu adorei teu comentário. Não se reprima!
Te agradeço a correção Um. Depois vou lá retificar. Mas a correção Dois… Minha filha (15 anos) acha que o nerd é o cara certinho, de óculos, estudioso, chato, moralista e pouco inteligente. É um problema usar gíria. Mas concordamos sobre o merecimento mútuo: Mr. Collins merecia Mary e viceversa.
Beijo e obrigado pelo comentário.
tô comprando hj pra minha moça bonita, q é q tá com tempo pra ler nesses dias.
gostei de tudo q li aqui (inclui todos comentários)
abração!
Bá, excelentes comentários mesmo!
Eu pretendia comentar naquele post sobre literatura, mas acabou que não consegui. Então, o comentário que eu pretendia fazer lá, faço-o aqui. Eu penso, como devorador de livros, que toda história bem escrita é literatura. Se voce a lê com prazer, se não consegue largar o livro até o final, o autor cumpriu sua tarefa com eficiência. Não importa o gênero de história. O fundamental é que ela prenda sua atenção.
Como voce disse, há pessoas que torcem o nariz para autores como Jane Austen. Muitas mais criticam aquilo que é sucesso de vendas. Nesse ponto concordo com os que abominam Paulo Coelho. O sujeito é ilegível. Suas histórias são pueris, quando não simples plágios, como constatou o Scliar. Mas discordo quando criticam, por exemplo, Stephen King. Quem o ler com algum cuidado, descobrirá que, mais do que sobre terror, suas histórias são sobre amizade, como se pode constatar nos livros A Coisa e O Apanhador de Sonhos. O terror, no caso, entra na história como o catalisador do sentimento de companheirismo e afeto que une grandes amigos.
Naquele post sobre literatura, um leitor do blog questionou se histórias policiais podem ser consideradas literatura. Eu acredito que sim, e recomendo a leitura de um ensaio, ou crônica, de Raymond Chandler, intitulado A Difícil Arte de Matar, no qual ele discorre sobre a produção de um bom thriller no estilo pulp fiction. Encerrando, quero recomendar dois livros de um produtor de bests sellers, James Ellroy. Dois de seus livros resultaram em filmes: Los Angeles, Cidade Proibida, e A Dália Negra. Mas eu recomendo que leiam, em sequencia, Tablóide Americano e Seis Mil em Espécie. Eu li ambos nos últimos 30 dias. Os dois juntos tem quase duas mil páginas, mas eu duvido que alguém consiga largá-los depois de começar a ler. Segundo algumas críticas, é uma “ficção bem informada” sobre os EUA entre os anos de 1958 a 1968. São parte de uma trilogia, da qual o último volume ainda não foi publicado.
Falando em trilogias, recomendo, também, a trilogia Millenium, de Stieg Larson. Dá para encontrar excelentes paralelos com a atualidade brasileira.
Bem, eu AMO Georges Simenon, por exemplo. Ele faz com eficácia extraordinária aquilo a que sem propõem. Não há transcedência nenhuma. Ele é só aquilo, mas como é bom!
Desconheço Ellroy e Larson. Chandler, Chandler é genial!
Abraço.
Me too. 🙂
Putz… tecla errada. Enviei o comentário sem complementar. Simenon é ótimo. Tem um detalhe nesse negócio de literatura, que é a profissão do leitor. Suponho que um médico, lendo um livro sobre médicos, deve ser muito mais crítico nas minúcias do que um leigo. O mesmo serve para qualquer outro profissional. Eu, que sou policial, vejo logo se o autor tem alguma noção sobre o que está escrevendo. Por esse prisma, posso afiançar que autores como Le Carré (ex-agente do SIS inglês), Forsyth (um dedicado pesquisador), Ellroy (viciado e ladrão, várias vezes preso), Ed McBain e Simenon (não conheço a biografia desses dois), sabem muito sobre o tema. Leia os dois livros do Ellroy. Tenho certeza absoluta de que voce vai gostar. Até empresto, se voce prometer que devolve. 🙂
Ah, eu quero sim. Só segure um pouco porque minha pilha de leituras parece a Montanha Mágica.
Quando quiser. Manda o endereço por e-mail.
Abs.
Concordo com Niekelen, você precisa rever seus conceitos sobre nerds.
Tá, tá bom, já revi.
Nunca tinha pensado em ler o livro e já estou aqui doente por ele.
Ah, procurei Bolaño na biblioteca e não achei. Entonces…
E é melhor do que todos os filmes que fizeram…
Bolaño? Não encontrou? Mas onde procuraste? Em que biblioteca?
Na Biblioteca Pública. Tenho o mal hábito de só comprar um livro quando já esgotei minha busca por ele nas bibliotecas. E quando não tenho mais opção. E se forem “técnicos”. Pão-durisse literária inculcada pela minha mãe, que é bibliotecária.
Puxa, Milton! Muito obrigada! Eu realmente tinha ficado com a sensação de que novamente falara demais.
Beijos!
Nikelen.
Se tens demais a dizer, como poderias fazer de outro modo?
Prezado Milton,
obrigada pela dica! Vou publicar lá no blog do jasbra!
Gostei muito das suas considerações!
Obrigado, Adriana.
Fico realmente feliz de ver blogs dedicados a Jane Austen. Vocês são o máximo!
“Ela não faz comédia, mas é engraçada; expõe dramas, mas não é trágica; é grave, porém leve.”
Milton, melhor definição não há!
Só um pequeno detalhe, a lei da época permitia sim que mulheres fossem herdeiras, vide o caso de Lady Catherine. O testamento de Mr. Bennet é que tinha um clausula (pelo visto pétrea) para herdeiro masculino.
Puxa, muito obrigado, Raquel!
Poderia acrescentar:
“É clássica, mas tem ousadia”.
“Ela não faz comédia, mas é engraçada; expõe dramas, mas não é trágica; é grave, porém leve.”
Eis a minha meta.
Não é simples!
Olá Milton, prazer! Que belo resumo. Encanta do mesmo jeito. Ainda não li o livro, porém vi o filme e fui seduzida pela Austen. Você tem outras dicas de escritores que fazem esse trajeto literário?
Abraço.
Ola Milton,
Adorei o texto, sou fã de J. A. li na minha inocente adolescência… diga-se de passagem bons tempos aqueles. Mas talvez eu devesse lê-lo novamente… ou talvez não…já que uma vez perdida a inocência perde-se muito do encantamento… por outro lado ganha-se na experiência…
abraços…
A leitura hoje seria outra. Muito mais rica, na minha opinião.
Bj.
Olá Milton…
Comecei a reler o livro… depois te conto… rsr
Bj
Ahhh essa memória que nos prega peças, as vezes…
e as emoções?….
todas!!……. em dobro!!!!
obrigada pelo incentivo….
abraços
Não sou uma pessoa que gosta de romances (no sentido de histórias de amor), mas vejam só que curioso: Orgulho e Preconceito é de longe um dos meus livros preferidos.
Talvez eu não goste de personagens cheios de lugares comuns, que enxergam nos casos de amor e conquistas a salvação de si próprios. No fluxo contrário, tanto Elizabeth quanto Mr. Darcy encontram o amor enquanto descobrem e salvam a si mesmos das convenções sociais.
Isso sim pra mim é “seguir o coração”.