30 anos sem a bela, rebelde e perfeccionista Ingrid Bergman

Publicado em 2 de setembro de 2012 no Sul21

Ingrid Bergman em Notorious (1946).

Ingrid Bergman nasceu e faleceu na data de 29 de agosto, tendo vivido entre os anos de 1915 e 1982. A última quarta-feira foi o dia dos 30 anos de sua morte. Seu rosto de impressionante beleza era o cartão de apresentação de uma mulher de muitos predicados além dos visíveis: talentosa, perfeccionista, inteligente, rebelde. Teve quatro filhos, protagonizou várias peças de teatro, estrelou uma relação de filmes europeus e norte-americanos difíceis de bater em quantidade e qualidade, além de colecionar um bom número de escândalos complicados de serem engolidos pela moral da época. Alfred Hitchcock a admirava tanto quanto costumava criticá-la. “É apenas um filme, Ingrid”, era a resposta que dava à extrema dedicação de Ingrid para encarnar seus personagens. “Ingrid, você está totalmente equivocada”, dizia-lhe quando ela sonhava em fazer filmes imortais e de personagens históricos como Joana d`Arc (bem, ele avisou…): “Se quiseres ser lembrada como grande atriz, faça filmes bons e baratos”, acrescentava a seu favor, um tanto desonestamente.

Com Alfred Hitchcock, em Sob o Signo de Capricórnio

Pois Bergman foi uma explosiva mistura de ambição artística e inconformismo. Foi uma atriz que não descuidou do teatro: levou ao palco, mais de uma vez, peças de Strindberg, Ibsen, Turguenev, Shaw e O`Neil. Para a televisão, atuou em textos de Henry James e Cocteau. No cinema, quando chegou a Hollywood, após o sucesso no cinema sueco, ela empilhou uma virtualmente irrepetível sequência de onze bem sucedidos filmes que fazem parte da história do cinema norte-americano:

Com Humphrey Bogart, em Casablanca

1939 – Intermezzo, uma História de Amor (Intermezzo, a Love Story)
1941 – Os Quatro Filhos de Adão (Adam Had Four Sons)
1941 – O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde)
1941 – Fúria No Céu (Rage in Heaven)
1942 – Casablanca (Casablanca)
1943 – Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls)
1944 – À Meia-Luz (Gaslight)
1945 – Os Sinos de Santa Maria (The Bells of St. Mary’s)
1945 – Mulher Exótica (Saratoga Trunk)
1945 – Quando Fala o Coração (Spellbound)
1946 – Interlúdio (Notorious)

Dez grande sucessos, um Oscar por À Meia Luz, duas indicações ao prêmio, por Por Quem os Sinos DobramOs Sinos de Santa Maria e uma mega bilheteria, Casablanca.

Compreensivelmente, era a mais requisitada atriz do cinema norte-americano quando cometeu dois erros. O primeiro, previsto por Hitchcock, foi Joana D`Arc (1948), filmado quando era estrela de Alfred Hitchcock. Ela já fizera três de seus filmes — Quando fala o coração (1945), Interlúdio (1946) e Sob o signo de Capricórnio (1949) — e faria tantos quantos quisesse.

No ano seguinte, 1949, quando filmava com Roberto Rosselini, cometeu outro equívoco, este moral, segundo a opinião da época: o de aparecer grávida do diretor, mesmo sendo casada com o médico sueco Petter Lindström. Como Rosselini também era casado, a união causou enorme polêmica. Ambos abandonaram as respectivas famílias para viverem juntos. A filha do casal Lindström-Bergman, Pia, foi deixada com o pai.

Essa paixão fez com que Ingrid fosse acusada de adúltera e de mau exemplo para as mulheres americanas, o que a levou a ficar anos sem filmar nos Estados Unidos. O escândalo que hoje daria apenas algumas manchetes às revistas de fofocas teve o envolvimento de políticos. O influente senado Edwin Johnson, do Colorado, denunciou o comportamento de Ingrid como “um ataque contra a instituição do casamento” e descreveu-a como uma “poderosa influência do mal”. E Ingrid permaneceu alguns anos na Europa.

Ingrid Bergman em Stromboli

Quando a conheceu, Ingmar Bergman chamou Ingrid de anarquista. Foi dentro deste espírito que ela completou sua obra. Numa atitude de puro desafio, casou-se com Rosselini antes do divórcio com Lindström… O casamento com o italiano só foi declarado ilegal quando eles já não eram mais um casal. Além do casamento com Rosselini, Ingrid teve casos com Gary Cooper, Victor Fleming, Robert Capa, Yul Brynner e Anthony Quinn, o que a tornava um prato cheio para as revistas e mau exemplo de comportamento.

Só que bastava ver Ingrid atuando para imaginar o que ocorreria. Ela seria perdoada e, cinco anos depois, ela retornou aos EUA para fazer Anastácia, receber mais um Oscar e namorar Yul Brunner.

Os depoimentos a seu respeito são unânimes. Uma pessoa de grande inteligência e concentração, que deixava todos de alguma forma sob seu domínio. Diferentemente de outras atrizes contemporâneas suas, trabalhou continuamente e permaneceu bela mesmo depois dos 50 anos. Só decaiu com a doença. Antes de morrer, ela declarou que pensava que sua vida tinha sido muito boa. “Nunca tive medo de fazer o que queria e de me aventurar, sempre mantive um grande senso de humor e bem pouco bom senso. Tive uma vida rica”.

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Ingrid Bergman nasceu em Estocolmo, perdeu a mãe aos 3 anos e o pai aos 13, indo morar com uma tia solteira e depois com seus tios paternos. Aos 17, decidiu tornar-se atriz. Logo obteve uma ponta no filme sueco, Landskamp.  No ano seguinte, inscreveu-se no Teatro Real de Arte Dramática, mas, como sempre teve por objetivo o cinema, acabou não concluindo o curso.

Em 1935, trabalhou como atriz coadjuvante no filme Munkbrogreven.  No ano seguinte, recebeu a primeira oportunidade como protagonista de Intermezzo, também sueco. Após vê-la atuando neste filme, o produtor David O. Selznick mandou à Estocolmo um representante da Metro-Goldwyn-Mayer a fim de adquirir os direitos sobre a história e  contratá-la para um remake em Hollywood. Antes de viajar para a Califórnia, Ingrid cumpriu contratos que a obrigavam a mais cinco filmes suecos.

Em 1937, casou-se com o medico Petter Lindström, de quem teve sua primeira filha, Pia Lindström. Em maio de 1939, chegou aos Estados Unidos para fazer Intermezzo. O filme foi um sucesso, recebeu duas indicações ao Oscar e deu início à espetacular série de filmes americanos de Ingrid. Se sua beleza era indiscutível, logo ela mostraria uma versatilidade que a faria a preferida da maioria dos diretores.

Ingrid com as gêmeas Isotta e Isabella Rossellini

O início da 2ª Guerra Mundial fez com que ela e a família se fixassem nos EUA. Quando voltou à Europa para fazer Stromboli (1950) com o diretor italiano Roberto Rossellini houve o escandaloso adultério e a gravidez que já descrevemos. No mês da estréia do filme, nasceu Roberto. Em junho de 1952, ela deu à luz às gêmeas Isotta e Isabella Rossellini.

Entre 1951 e 1955, Bergman e Rosselini fizeram juntos alguns filmes que não foram bem recebidos por líderes religiosos, principalmente dos EUA. Alguns deles representavam grande novidade para a época, como o maravilhoso Siamo Donne, onde há um epísódio em que Ingrid Bergman tem por papel Ingrid Bergman, uma perfeita italiana a reclamar de uma galinha que destruía suas rosas.

Em 1956, Hollywood a chamou novamente. A volta foi triunfante à Hollywood com o filme Anastácia, a Princesa Esquecida, pelo qual recebeu o Oscar.

A partir de então, passou alternar temporadas na Europa e nos Estados Unidos. Logo após Anastácia, foi a França filmar As Estranhas Coisas de Paris (Elena et les hommes) com Jean Renoir. Voltou aos EUA para Indiscreta (Indiscreet), com Cary Grant, e seguiu em filmes menores até, em 1974, receber seu terceiro Oscar pela atuação em Assassinato no Expresso Oriente.

Em 1978, foi a atriz principal de Sonata de Outono, de Ingmar Bergman, seu melhor filme do ponto de vista artístico. Pouco tempo depois, descobriu os primeiros sintomas de um câncer de mama, sendo submetida a uma mastectomia.

O último papel de Ingrid foi na TV, na minissérie A woman called Golda, onde interpretava a primeira ministra de Israel Golda Meir. Já muito doente, com o câncer se espalhando pelo corpo, Ingrid morreu quatro meses após o fim das filmagens no dia de seu aniversário de 67 anos, após uma festa promovida por amigos.

Em Casablanca, olhando para Bogart

5 comments / Add your comment below

  1. Sempre achei, como muitos, Ingrid a mulher mais bela que já filmou; a mais bela imagem projetada em uma tela, um quadro, fotografia, pintura, o que for. Um ícone. Está assombrosa em Intermezzo, O Médico e o Monstro e À Meia-Luz. Em Casablanca ela virou uma espécie de Monalisa. Os filmes que fez com Rosselini, no entanto, não foram dos seus melhores. Há bons momentos, como em Europa 51 (acho que é esse o título), mas apenas bons momentos em filme desiguais, com excelentes abordagens e pouca unidade estilística. Ao retornar para Hollywood, praticamente só fez bombas. Mais madura fez um filminho divertido como retrato de época, com um grau de licenciosidade embutida na esfera puritana da sociedade norte-americana, a comédia Flor de Cacto, com Goldie Hawn e Walter Matthau, onde ela expõe sua beleza madura e cheia de graça, garota de Estocolmo. Seu último filme relevante seria aquele que ela fez com seu “primo” Bergman, mas o filme é meio chato e Ingmar não era primo dela. No fimnal das contas, aquele pilantra, misógino e misantropo do Hitchcock estava certo: tudo que ela fez de melhor passou longe das superproduções. Engraçado como Hollywood produzia antes filmes baratos que são até hoje muito melhores que aqueles que são dados como filmes “independentes”, feitos à margem de Hollywood. Antes haviam artistas de fato na Califórnia; hoje, nos EUA inteiros, só há pasticheiros, como Tarantino, a esgrimir referências e cuspir ironias infantis com uma carga de pretensão que lograr enganar as pessoas. Mas é claro que eu sou muito esperto e não caio nessa; sou o Carlos Maia esquerdopata. Porque hoje é sexta-feira, Ingrid Bergman. Porque amanhã é sábado, também. Até um dia sobrar para a Audrey Hepburn. Aliás, você já viu o delicioso comecial de chocolate feito há pouco com uma rediviva Audrey? Podiam fazer outro ressuscitando Ingrid, chupando um sorvete. Ela adorava sorvete. E esqueça as implicações sexuais. Ou não.

    1. Não vi o comercial. Já fiz PHES da Audrey. E da Ingrid. Acho Stromboli um filme incrível. Ela está assombrosa, mas como atriz. Na última vez que peguei o DVD, vi o filme duas vezes de enfiada.

      Minha opinião é a mesma: IB ainda é a mulher mais bela da história do cinema.

  2. Boa, Milton.

    Há um tempo eu publiquei uma lista no blog com as minhas musas do cinema, mas não coloquei Ingrid Bergman. Como listas são difíceis de manter (e ainda mais depois que assisti A Mulher que Vendeu a Alma), hoje ela entraria na boa.

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