Minha mulher tem a mania de propor sessões duplas. A gente sai de casa no final da tarde e vê dois filmes. Só que ela está viajando e, ontem, quando fui sair, descobri que já era posição minha achar decepcionante sair de casa para apenas um filme. Então, fiz um pequeno planejamento para assistir os dois filmes do título acima, um às 19h e outro às 22h, com um rápido jantar entre eles. E sim, existe felicidade cinematográfica. Dificilmente assisti de enfiada dois filmes tão diferentes e tão bons.
Conhecia Leos Carax (1960) de dois trabalhos extraordinários — Sangue Ruim (1986) e Os Amantes de Pont-Neuf (1991). Ele filma muito pouco e não creio que seus outros dois longas tenham chegado ao Brasil. Ontem, vi Holy Motors (2012) em sua atrasadíssima pré-estreia em Porto Alegre lá no Instituto NT. Além de diretor, Carax é ator, crítico e escritor. E é ele quem abre Holy Motors fazendo uma única e breve aparição. Numa cena belíssima — como quase todas as do filme — , ele acorda ao lado de uma sala de cinema onde os espectadores dormem… Certamente não estão ali para isso, mas dormem. Esta é uma das chaves para a (in)compreensão do que virá.
Logo a seguir temos o Sr. Oscar — vivido por Denis Lavant, ator onipresente nos filmes de Carax — dentro de uma limusine. Ali, ele recebe ordens para entrar em diversos papéis que lhe são passados por uma estranha organização. E percorre Paris cumprindo uma série de compromissos sem nexo entre si, onde humor e drama não estão nada ausentes. Há uma cena de dança, outra em esgotos e cemitérios, outra é uma morte dilacerante (da qual acorda para o próximo compromisso), outra é um crime e assim vamos visitando diversos gêneros cinematográficos que parecem desaguar na cena final, na qual o narrador diz que o mundo não quer mais emoção. Bem, o que Carax nos mostra em Holy Motors é uma super-fetação de emoções.
Extremamente bem acabado, cheio de cenas de virtuosismo arrebatador, Holy Motors é certamente incompreensível como unidade, mas é altamente compreensível em cada um de seus módulos e na tese de Carax de que o cinema de nossos dias… é muito chato. na Cena final, todas as limusines da “empresa Holy Motors” entram numa garagem e tem um belo e esclarecedor diálogo. O filme foi aplaudido por dez minutos após ser apresentado em Cannes 2012. Claro que não levou nada. Não perca!
(Carax, pelamor, faça mais filmes!).
Já Elena é completamente diferente. É uma espécie de documentário com atrizes — que são a irmã de Elena e diretora do filme Petra Costa e a mãe de ambas — e cenas originais. Ou seja, é um falso documentário. Elena era uma jovem destinada a ser atriz. Desde criança brincava como atriz, filmava a si mesma e aos outros. E adorava fazer aparecer com sua irmãzinha Petra, 13 anos mais nova, em seus filmes. Com 17 anos, Elena já estava atuando em peças. Logo saiu de Belo Horizonte para São Paulo e dali para Nova Iorque, pois na verdade queria fazer cinema e o Brasil não estava produzindo filmes naquela lastimável época de Collor, lembram?
Em Nova Iorque, Elena saiu do prumo. Nada deu certo na cidade. A princípio Elena manteve-se muito ativa, mas alguma coisa fez com ela parasse, sentindo-se rejeitada, caindo em profunda depressão. Elena é uma crônica de uma saudade contada por duas mulheres com extrema delicadeza e sensibilidade. Petra Costa é a irmã, também atriz e diretora. O filme trata abertamente da morte. Obviamente, é muito emocionante, mas a tragédia transformada em poesia não chega a ser opressiva.
Ou seja, foram dois filmes nada esquecíveis nem irrelevantes. E são, ambos, indicações quentíssimas.
Eu achei que Holy Motors é a expressão de uma crença fundamentalista na desrazão humana em via de retorno à caverna de Platão.
Eu achei Elena uma sessão de psicanálise aberta que escolhe demais sobre o que é amostrável e descarta outros elementos que produziriam uma compreensão maior, além do que é um exercício um tanto narcísico em sua exposição da dor sob os ângulos mais favoráveis, tornadas menos suportáveis pelo texto de uma banalidade muitas vezes um tanto constrangedora: “Ué, é só isso que ele pode dizer sobre arte? Sobre melancolia? Sobre a ‘produnda crise existencial?'” Bem que o Paulo José disse para não se confiar no que os atores dizem, porque eles são todos uns burros.
Concordo com a entusiasmada avaliação do Milton sobre ambos os filmes. Acrescentaria ‘Depois de maio’ a lista de 3 melhores do ano até maio.
Sobre o comentário acima, penso que esteja escrito “profunda depressão”. Que acabou num suicídio! E Holy Motors… Acho que vc não entende uma linguagem cinematográfica alternativa, mas eu não vou desenhar, my friend.
Pois é fica pra ti, envolta no seu orgulho, etc.
Milton, não interessa a você fazer uma resenha do livro As Benevolentes, de Jonathan Littell, não? Gostaria de saber sua opinião a respeito desse livro, que está sendo comparado a Guerra e Paz.
Abraços.