É claro que se trata de gosto pessoal. Por exemplo, jamais colocaria Debussy no mesmo ofurô de vulgaridade onde sufoca Rachmaninov. Reconheço os méritos do francês apesar de seus efeitos sobre mim, pois, se há trabalho e suor para criar aquelas coisas, elas têm igualmente o condão de me fazer viajar. Pode acontecer de eu pensar em coisas que podem ser boas como os planos para escrever uma resenha leve, informativa e agradável sobre a Sagração da Primavera. Mas pode me ocorrer fazer uma prosaica revisão dos compromissos de amanhã. Debbie, you see, convida ao sonho, convida a divagações bem longe dele. O concerto da última terça-feira da Ospa, continha um bonito concerto de Mozart (Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra, K. 299), um Ravel (Le Tombeau de Couperin), porém dois dramins debussyanos: os Noturnos, para orquestra e coro feminino, e as Danças Sacra e Profana, para harpa e orquestra.
Dizem que não gosto de música francesa, mas me defendo bem com Ravel, Messiaen, Poulenc, Saint-Saëns, Rameau, Marais, Franck (!), Fauré, etc. Enfim, são muitos, o que comprova que minha unha encravada é o autor daquelas extáticas peças para piano que pedem por um estado alfa para o qual tenho que ir de graça, como se devesse me sentir erotizado sem ver mulher. Certa vez, Bergman disse que os diretores que gostavam de complicados movimentos de câmera eram gordos que viam o mundo a partir de uma grua. E ele, não sem maldade, citou dez de enfiada, dez diretores que paradoxalmente admirava, mas que tinham concepções caleidoscópicas de mundo. O mesmo talvez valha para a música de Debbie, que nem era gordo. Ele nos leva, nos faz girar, faz mágicas passando de um edifício a outro, tudo isso sem que ouçamos os ritmos de nossos passos durante o passeio. Pois é curioso. Há movimento, mas a sensação é de estática e de extática — êxtase. Debbie, you see, only you make it so boring.
Como me disse um músico da Ospa: ele não tem direção. Casualmente, já tinha reclamado da indireção de Debbie em outro texto. Fazer o quê?
Ah, mas dei risadas quando entrou o coral das sereias em Noturnos. Veio-me imediatamente à lembrança um episódio de Perdidos no Espaço. É aquele em que uma bela mulher fica fora da nave, em pleno espaço sideral, cantando, sem ar, mas audível para todos os espectadores… Doutor Smitiiiiiiiiii… Ora, sereias…
Fomos salvos pelo concerto de Mozart, que já pode ter enchido o saco em razão de sua popularidade, mas que é excelente, ainda mais com o espetacular Ransom Wilson na flauta, acompanhado mais discretamente pela harpista Bridget Kibbey, além de Le Tombeau de Couperin, cuja orquestração mostrou como é bom o pessoal de sopros da Ospa e, de quebra, demonstrou a Debbie como se escreve para orquestra. Aliás, Le Tombeau tem uma história muito interessante — cada movimento é dedicado à memória de um amigo de Ravel, morto durante a Primeira Guerra Mundial — que conto um dia.
P.S. — A acústica do Salão de Atos da Ufrgs é absolutamente inadequada à música. É simplesmente péssima.
Caro Milton, ganhei um desafeto para o resto da vida quando uma vez afirmei que achava Pelléas et Melisande uma overdose de dramin. Feliz em saber que não estou sozinho. Abraço preparando a Sinfonia do Luciano Berio, Flávio Leite.
E da Suíte para Flauta, Viola e Harpa, não vai falar? Hein? Hein?
Olha, entendo não gostar dessas peças sinfônicas, mas achar a obra dele para piano boring… é difícil de engolir. E a música de câmara toda eu gosto muito.
Suíte não, SONATA para flauta, viola e harpa!
Desculpe, mas acho esta Sonata medonha. E a obra para piano me causa erisipela… E sono.
Também não gosto muito de Debussy, mas ainda acho melhor que Ravel.