Libertos da ditadura das cordas, derrubado o muro que separa madeiras e metais da plateia, os sopros utilizaram muito bem a liberdade de expressão que lhes foi concedida após anos de lutas. Eles deram um belíssimo concerto ontem no Salão de Atos da Ufrgs. É claro que o repertório ajudou muito. A fórmula Bernstein + Strauss + Stravinsky + o ainda desconhecido Ewazen demonstrou o quanto é saudável a expansão dos programas em direção ao ineditismo. Os aplausos após o concerto foram merecidíssimos. Afinal, foi um trabalho árduo enfrentado com brilhantismo pelo pessoal do barulho.
O primeiro hálito veio com o Presto Barbaro, de Leonard Bernstein, para sopros e percussão. O titulo é certamente uma brincadeira com o Allegro Barbaro de Bartók e foi escrito para o filme Sindicato de Ladrões (On the Waterfront) de Elia Kazan. A memória do “cerumano” é uma coisa incrível, não? Quando ouvi esta música no YouTube no último domingo, veio à minha memória a figura de Marlon Brando — segundo meu amigo Ricardo Branco, Brando veio de camiseta apertadinha e suada, o que é uma inverdade, pois veio de camisa xadrez e com Eva Marie Saint ao lado…(Tá bom, mentira, veio de camisetinha branca, sim). O fato é que o Presto Barbaro é uma suíte curtinha dos temas do filme de Kazan. E é bem legal, conforme vocês podem conferir em gravação severamente pirata que minha cara metade realizou ontem à noite.
Depois, fomos bafejados pela Suíte em Si Bemol Maior, Op. 4, de Richard Strauss, obrinha bem mais ou menos de um Jovem Compositor à Procura de um Estilo. Strauss escreveu a peça aos 20 anos e o sabor antigo dos dois movimentos finais não tem absolutamente nada a ver com o modernismo dos dois iniciais. O menino tateava.
Logo após o intervalo, veio o filé (ou a aragem): Igor Stravinsky e seu Octeto para instrumentos de sopro. Muito difícil, a obra recebeu tratamento exemplar do ataque tedesco formado por Volkmann na ponta direita, Maurer no enganche, Adolf (…o Almeida Junior) de centroavante e Mentz na ponta esquerda, respectivamente, flautista, clarinetista e fagotistas do Octeto. Desconheço as graças dos que estiveram na linha de defesa, mas reconheço que estava lá aquele tremendo trombonista que ostenta o mais belo nome que alguém pode receber quando de seu nascimento: José MILTON Vieira. Um abraço, xará! Destaque para a arrebatadora interpretação do Tema con variationi, movimento central do Octeto.
O concerto foi encerrado em alta gala, sob o influxo da Sinfonia para Metais de Eric Ewazen, uma música boa e alegre que deixou todo mundo sorridente e feliz no saguão do Salão de Atos, olhando um para o outro com cara de bobo. O regente — excelente — foi o trombonista Brett Shuster, que não nos deu o ar de seu trombone, infelizmente.
Quando a coisa é boa, a gente não precisa falar muito, né?
no duelo concerto sem cordas vs. concerto sem sopros (britten, mendelsohn e schoenberg), vou ter que ficar com o primeiro. muito bom ontem.
De acordo, placar parcial: Sopros 1 x 0 Cordas.
Neste embate, as cordas foram prejudicadas pela escalação de Mendelssonh e Webern, que devem ser ouvidos mais parcimoniosamente, num mesmo concerto.
Errei: Mendelssohn e Webern foram tocados em concertos diferentes, bem do jeito que deve ser. I humbly apologise.