Nós estávamos indo para o British Museum. Pegamos o metrô até Russel Square Station. A Elena sentou-se ao lado de um rapaz provavelmente de Punjab. Ele estava super sério, parecia estar rezando. De longe, não dava para notar se o que ele tinha em ambas as mãos era um livro de orações ou outra coisa sagrada, tal era a devoção com que segurava o objeto de leitura ou observação.
Quando Elena sentou ao lado do cara, deu uma olhadela e viu o que era. Ele estava entretido com um joguinho do iPhone onde passavam legumes. Ele eliminava tomates e cenouras, a coisa mais linda. Eu compreendo o moço — é complicado ser fundamentalista Sikh no mundo ocidental. Um dia, o cara escorrega e é visto com algo bem vulgar nas mãos, apesar da cara de quem só pensa na salvação.
A estação de Russel Square é da mais profundas, mas lembro que eu e a Bárbara subimos os…
… 175 degraus — correspondentes a 15 andares — em fevereiro de 2013. Não lembro o motivo pelo qual fizemos isso, mas não pense que vivemos em academias e outros que tais.
O British Museum foi fundado em 7 de junho de 1753. Sua coleção permanente inclui peças como a Pedra de Roseta e os frisos do Partenon de Atenas, conhecidos como a coleção de mármores de Elgin. Ao todo, o Museu abriga milhões de itens expostos. É claro que aquilo lá é tudo pilhagem muito bem apresentada e catalogada. Há alguma irritação de quem foi roubado, claro.
Por exemplo, desde 1980, o governo grego vem tentando reaver peças do Partenon que foram roubadas por ingleses e que compõem o acervo do Museu. A disputa gira principalmente em torno dos mármores de Elgin. Na esperança de tê-los de volta, os gregos construíram uma grande estrutura no sopé da acrópole para receber as peças. Estão esperando até agora, sentados. A rapinagem também foi enorme no Egito. Eu não sei como eles trouxeram as imensas peças romanas, gregas e egípcias que há no Museu, mas afirmo que são ladrões sensacionais. Tanto que o interior do British pode ser visto no filme O retorno da múmia.
Acima, o centro do museu, reformado em 2000. É a maior praça coberta da Europa. Ela ocupa o espaço central do prédio, ao redor do The Reading Room. Pois bem, a gente estava numa das salas, admirando as coisas boquiabertos, quando começou a tocar uma sirene acompanhada de vozes tonitruantes dizendo para evacuar o prédio. Era um aviso de incêndio. Escolado por anos de futebol, não acompanhei a massa, até porque Cadê o cheiro de queimado, cadê a fumaça? Meu nariz detectou apenas excesso de zelo. O alarme, altíssimo, repetia-se sem parar. Mandava todo mundo embora. Crianças choravam, aquelas vidas ceifadas precocemente, que triste.
Aí, o aviso mudou: dizia, ainda repetidamente, para que a gente ficasse parado onde estava, mas o bando de malucos só queria saber da porta. Disse para a Elena que, se alguma coisa explodisse era melhor estar longe dali (da porta). Acabaríamos pisoteados.
Ficamos juntinhos, numa posição de inteiro conforto, agradabilíssima, na verdade. Dei-lhe beijos e mais beijos. Anunciava sempre que o próximo beijo teria que ser muito bem dado, pois poderia ser o último. Trocamos abraços com o mesmo espírito. A coisa estava esquentando quando tudo parou. Olhamos para os lados e… O British era quase propriedade exclusiva nossa.
Por 15 minutos, claro. Depois, veio uma multidão sem a menor noção do sofrimento pelo qual passamos. Gente insensível, credo!
O British é impressionante, mas ao lado da admiração por peças de notável significado histórico, meu espírito zombeteiro fez com que eu só fotografasse curiosidades. A peça acima é uma máquina automática de fazer chá. Sim, uma Automatic tea-maker alarm dos anos 70. Olhando agora, não vejo mais graça, talvez fosse efeito da tensão.
Quando Elena viu esta pequena e belíssima peça, logo observou: o Brasil já exporta havaianas há dois mil anos. Correto.
(Tradução: Vênus perde suas havaianas enquanto sua capa voa com o vento).
(continua)
Dioniso ou Dionísio é meu brother. É o deus grego equivalente ao deus romano Baco, dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da loucura, mas, sobretudo, da certeza de que o bebedor se funde com a divindade. Filho de Zeus e da princesa Semele, foi o único deus do Olimpo que é filho de uma mortal, o que já diz muito sobre seu caráter.
E agora, vejam abaixo a pose sensual do menino ao ser comido pelo leão.
Sempre pensei que, se fosse comido por um animal desses, faria cara de dor e desespero. Só que este aí parece estar curtindo numa boa. Bota o peito pra fora e faz pose. Também o leão parece estar participando de uma cena de sexo consentido. Certamente, o menino vestia roupas provocantes, o que, sabemos, via de regra provoca estupros.
Ah, a hora do almoço. Após rápida pesquisa, os dois trouxas decidiram que o melhor local era o próprio restaurante do British.
Vejam a cara de felicidade dos dois! O cara mostra sua taça de vinho feliz da vida.
Fica ainda mais eufórico ao notar a inequívoca pujança de nossa indústria num dos centros culturais mais importantes do mundo.
Imaginem que a Elena cortaria seu bifão com facas do Rio Grande! Era a invasão gaudéria no British, era como jogar em casa uma partida decisiva!
Viram nossa mesa? Te mete! Abaixo, …
… o meu prato e o…
… prato da Elena.
Quando veio a conta, tivemos uma enorme surpresa. Claro que podíamos pagar o valor, só que este era algo acima do esperado. Perguntamos ao garçom e ele nos trouxe o cardápio, informando que o preço ao lado de cada prato era, na verdade, o preço da taça do vinho sugerido para acompanhá-lo. Um complicado algoritmo nos levava ao preço verdadeiro do prato, o qual estava no topo do cardápio, em algarismos bem menores. Aproximamo-nos e conferimos. Ele tinha razão, mas não tinha. Reclamamos da sacanagem e ele respondeu que todo mundo se enganava com aquilo, mas que era algo muito óbvio, bastava prestar bastante atenção.
Depois da sessão museu, muito cansados, fomos caminhar pela cidade à procura de cordas de violino para a Elena. Um belo passeio.
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Quem não sabe que a adrenalina não garante um bom concerto? E adrenalina nada tem a ver com o tesão, até o prejudica — pergunte a seu médico!
O Elias String Quartet demonstrou tanta, mas tanta vontade que passou do ponto. A Grosse Fuge embolou feio, assim como o Quarteto Op. 18/4. Não havia destaque nenhum na fuga gritada por todos ao mesmo tempo. Parecia uma família italiana em refeição regada a vinho, um horror.
Músicos de muito bom nível individual, mas que não obtiveram arredondar seu som. Uma pena. E foi no Wigmore Hall, um templo. Londres também nos traz maus concertos.
O programa era extraordinário:
BEETHOVEN: String Quartet in C minor op.18 no.4
BEETHOVEN: String Quartet in E flat major op.74 ‘The Harp’
BEETHOVEN: String Quartet in B flat Major op.130
BEETHOVEN: String Quartet in B flat major op.133 Grosse Fuge
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Abaixo, a Elena. Nós passamos a jantar em nosso quarto do EasyHotel por dois motivos:
1. A cozinha dos pubs e da maioria dos restaurantes fecha cedo. A partir das 22h, eles apenas servem bebidas e
2. É muito mais barato comprar uma comidinha pronta no super — são deliciosas e vêm acompanhadas de molhos, talheres de plástico, etc.
Ela já estava de tal forma apaixonada por Londres que me disse:
— Esta é a primeira cidade que conheço à qual realmente valeria a pena se adaptar.
Fiquei rindo aqui com a primeira foto, pensando “mas será possível que o Milton é tão palhaço assim que se disfarçou de árabe com esse turbante, colocou uma barba postiça, e pediu ainda para que um passante tirasse a foto?”. Depois de mais de um minuto que olhei bem e vi que não era você.
O rapaz da foto muito provavelmente não é árabe. A não ser que exageremos o nosso Orientalismo e chamemos a população de Punjab de Árabe.
O turbante do rapaz é um artigo de vestimenta da religião Sikh e serve como suporte aos cabelos longos e naturais do membro adulto da Khalsa, uma espécie de elite religiosa do do Sikhism. O turbante serve para prender o cabelo longo, também chamado de Kes.
Já viste o quanto conheço.
Magina! Na vera, isso aí é tudo Árabe mesmo!
😉
(Orientalismo detected)
O cara é mais jovem e o nariz bem menor.
Você razão, Charlles, o nariz do gaúcho é muito, muito, muito… maior:
http://image.toutlecine.com/photos/l/a/0/la-famille-suricate-the-meerkats-15-10-2008-25-g.jpg
Uma rara foto em que o Milton aparece sem os óculos. Mas peraí, Ramiro… não é ele.
É sim, Charlles… Note o tom rosado dos lábios…Tal fenomenologia só acontece após 6 taças de vinho… Note o olhar…: o gaúcho está em entusiasmo e êxtase… Em brevíssimas palavras: é a epifania de Dioniso, a necessária inocência revelada à continuidade da vida… Na cultura judaico-cristã é a manifestação do cordeiro, na grega a do bode… Ora, senhoras e senhores, depois de séculos, por que não poderia ser de um simples suricato?
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EVOÉ!
Além disso,
amado Charlles,
o sagrado se manifesta
em outros… bichinhos.
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OLHAR ATEU
by Ramiro Conceição
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Dentre os passos meus, naquela manhã vi deus
no olhar ateu de um cachorrinho… que passava.
Aquele deus não era tribal nem um assassino – de gays;
não tinha escravos, terras ou altares justificados por leis;
abominava políticos, padres, freiras, pastores e dízimos;
não era uma lua mística, mas um sublime sol – objetivo;
era um olhar enamorado que, agora, tento dar um nome,
mas aquele deus não tinha nome; era qualquer homem
ou mulher; era a luz d’estrelas num vagar dum vaga-lume;
era um perfume a dizer-me: nem ouro que reluz é tudo.
Pode não ter sido o melhor dia da viagem, mas foi o melhor post.