Eu e a Márcia, minha babá, na feira

No entardecer de sábado, eu estava na feira da Vasco quando um sujeito bateu no meu ombro perguntando se eu era o Milton Ribeiro. Ele se apresentou rapidamente como Jacó, filho da Márcia. Disse mais algumas coisas, mas nem precisava, pois a Márcia é a Márcia e só houve uma em minha vida. A Márcia foi a minha babá, ora. Ela é a responsável por boa parte desta peste que vos escreve. O que me surpreendeu foi o que ele disse logo a seguir: “Ela está conosco aqui na feira”.

Foto: Elena Romanov

E fui na direção daquela diminuta e respeitável senhora de 90 anos que, apoiada numa bengala, caminhava rapidamente olhando frutas e verduras. Uma onda de carinho me invadiu. Eu não a via há algumas décadas. Faz poucos anos, o mesmo Jacó tinha me ligado e eu anotei todos os dados da Márcia na última página de um livro. Pretendia visitá-la, mas… perdi o livro. Volta e meia vinha-me à mente o que ele pensaria de mim. Afinal, tinha prometido entrar em contato e simplesmente…

Minha família diz que fui uma criança agitadíssima, complicada de suportar. Porém, para a Márcia, eu sempre fui um amor, tudo o que eu fazia era maravilhoso e ela, na feira, me contou que me dava comida e depois não conseguia se alimentar, porque eu ficava na volta dela dizendo, “Dá, dá, dá” com o espírito pantagruélico de sempre.

Ela sabe muito mais de mim do que eu dela. Sei que minha mãe sempre foi só elogios para a Márcia. Repetia que eu fora uma criança privilegiada, cuidadíssima, amadíssima. Dá para notar o mesmo espelhado no filho advogado, no cuidado que tem com a mãe. E algo da Márcia certamente está presente no ser grudentinho que me tornei e na forma com que criei os guris, sempre com interesse, atenção e amor incondicionais. Como dizia, lembro de pouca coisa consistente da época de minha infância, o que sei é de ouvir minha mãe contar de sua paciência e amor. Minha mãe trabalhava muito e, sempre que reclamava de mim, a Márcia contra-argumentava a meu favor. Só ela sabia que eu era perfeito…

Não sei quantos anos ela ficou lá em casa. Depois casou, teve o Jacó. Algumas vezes ela veio nos visitar pois tornara-se amiga de minha mãe e eu sentia uma estranha necessidade de tratar muito bem aquela mulher, isto justo numa época em que ainda não dava aos adultos a contrapartida de amor e atenção que recebia. (Aprendi a fazê-lo mais tarde, ainda a tempo de fazer declarações de amor aos meus pais). Mas a Márcia sempre foi diferente. Ela tinha uma coisa tão francamente afetuosa em relação a mim que eu só podia responder da mesma forma. Eu sentia que ela me adorava e que era uma coisa muito verdadeira.

A Elena observou que as pessoas sempre se referem a meus pais como muito especiais, com emoção. Talvez eu nunca os tenha valorizado como os outros. Ao saber que minha mãe tinha falecido em 2012, a Márcia falou muito bem do casal e afirmou algo que eu já sabia: que a morte do meu pai fez um mal enorme à Maria Luiza. Quando falam bem dos meus pais, o peito aperta e começam a me vir lágrimas. Fiquei assim depois dos cinquenta. Então, quando a Márcia começou a falar deles, tive que me controlar e não sei se me saí lá muito bem.

Mas tergiverso. O que interessa é que fiquei muito feliz em vê-la bem aos 90 anos. Estava com seu filho nora e netos, recebendo deles o que me dera. Uma história feliz. Curioso, ela que me conheceu com menos cabelo do que ela e viu o mesmo acontecer novamente agora! Mas o que interessa é que tiramos uma foto juntos — ideia da Elena, realização do Jacó — e o este me escreveu no Facebook:

Puxa, eu que agradeço pelo momento de felicidade que proporcionaste para a minha mãe. Tu não imaginas o que este reencontro rendeu de conversa para ela…

(Tenho um romance quase pronto e parado há anos. Na história tem uma babá e, sim, vocês já sabem o nome dela).

5 comments / Add your comment below

  1. Milton, que belo texto. Um acontecimento do cotidiano se transforma, pela sua escrita, numa lição de gratidão, delicadezas, sensibilidade.

Deixe uma resposta para renate maria kollarz Cancelar resposta