Dias tristes: fim da Ipanema, da Sala dos Clássicos e morte do Hagemann

Charge do Latuff descomemorando o fim da Ipanema
Charge do Latuff descomemorando o fim da Ipanema

Não era um grande ouvinte da Ipanema. Ouvia mais quando tinha carro e precisava de barulho para vencer o som da rua. Era o período glorioso de Kátia Suman e Mary Mezzari. Algumas tardes da Kátia eram realmente extraordinárias. Ela conseguia enfileirar uma tal série de músicas, com um tal ritmo e entusiasmo, que parecia que quem estava fazendo música era ela. É preciso talento e conhecimento para obter aquele efeito e ela conseguia quando queria. Era, deve ser ainda, tarada pelo Led Zeppelin. Mas havia também o alemão Victor Hugo, o Mutuca e programas surpreendentes — e ótimos — como o Musica Mundi e o Arrasa Quarteirão. Acabou. E acabou para virar mais do mesmo. A péssima programação da Band AM vai tomar conta da rádio.

E, ontem à tardinha, fui procurar um CD e dei de cara com a Sala dos Clássicos Eruditos fechada. Era ali na Galeria Chaves, no primeiro andar. Em seu lugar estava uma reles agência de viagens. A loja da Margarida e da Mirta era o local que substituía o porão da King`s Discos da Cristina e do Júlio. Era um local de encontros de músicos e melômanos. A gente podia encomendar o que quisesse. Elas davam um jeito. Passei muitas e boas horas lá. Já conhecia até o banheiro, pois às vezes ficava muito tempo batendo papo…. Mas agora acabou.

LAURO-HAGEMANN-Elson-Sempé-PedrosoE, nesta madrugada, aos 84 anos, morreu Lauro Hagemann. Conheci o velho comuna no partidão. Como escreveu Franklin Cunha, Lauro dignificou a profissão de jornalista, hoje tão justamente criticada por algumas posições políticas, institucionais e empresariais. Era uma voz que se fazia muito presente em minha casa, pois meu pai sempre preferia que a locução dos noticiários viesse pelo Hagemann, que era uma pessoa ética. Lauro foi cassado pela ditadura, tendo um comportamento impecável de oposição durante o período.

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  1. Não conheço nenhum desses lugares de que falou em seu texto, mas é como se os conhecesse intimamente. Em Goiânia também existiram esses recantos dedicados à música e à cultura, com os quais convivi em minha juventude, e muitos deles hoje estão desaparecidos. É o caso da loja Woodstock, na qual encomendei a grande maioria de meus cds do Jethro Tull, e muitos do Miles Davis e do Coltrane. Como me enche de saudosismo agora, quando me lembro do dia em que eles me ligaram para informar que haviam chegado o In a silent way e o A love supreme. Como tudo pareceu radiante no caminho em que fui pegar os álbuns. Meu primeiro salário como profissional com curso superior, olha só, eu gastei nessa loja, com uma caixa de cds comemorativos dos 25 anos do Jethro Tull, e outra caixa do The Who. Claro que fechou. Mas, há cerca de dois anos, quando eu andava por aquelas ruelas antigas mas que parece que se descortinam magicamente diante o olhar do retornante pela primeira vez, que todas as grandes cidades tem, fui atraído por um som de rock progressivo dos 70 que vinha de uma loja. Entrei lá um tanto tendente a achar que sofria uma alucinação, e encontro o cara que trabalhava na Woodstock. Um gordinho de óculos redondos, cacoetes de pisca-piscar os olhos, cabelos desgrenhados atingidos pela calvície, e o ar inalterado de riponga. Ele me reconheceu imediatamente e só não nos demos um abraço por alguma ética surgida firme do nada que exige a conservação da compostura entre seres mutuamente oníricos um para o outro. Ele parecia ter saído de algum sonho para mim, e vi que eu correspondia à mesma impressão para ele. Um sonho triste, pois a lojinha era demais, tinha a coleção toda do King Crimson, tinha caixas antológicas de jazz e blues e cds alternativos do Zep que me veio o sentimento assolador de quando eu achava que poderia vender a minha mãe para adquiri-los, mas a atmosfera de abandono que precede mais uma derrota imperava por sobre todas essas maravilhas. Os preços eram caros demais, o mesmo cd do Caravan eu poderia comprar, em edição remasterizada, por uns dez reais a menos encomendando pela net. E não havia ninguém ali além dele e de mim. E a lojinha estava localizada em um lugar em que ninguém ligado ao assunto poderia aparecer, entre magazines e pastelarias de clostrídios e estacionamentos rotacionais para as combes dos feirantes descontentes do galpão abafado que a prefeitura arranjara para matá-los dentro da lei. Não comprei nada, ele continuamente me deixava claro que aquilo, aquela lojinha, ahhhh, nãããão não, ele não levava a sério, não era seu ganha pão, que tomava conta de favor para um amigo, que inclusive nem dava bola e nem aparecia por ali porque estava viajando. Falava com vergonha, entortando-se para trás em um teatrinho que atentei se era mesmo referente ao velho roqueiro deslocado no tempo do Too old too rock´n roll do Jethro Tull. E ficamos ambos muito devastados pelo anacronismo de tudo aquilo. Eu queria MESMO acreditar que ele não dependia daquilo. O clima ficou um pouco atenuado quando um senhor barrigudo entrou e perguntou se ele tinha o Heaven & Hell, ao que ele entortou meio a cara e perguntou se era a banda do Dio. O senhor corrigiu dizendo que era o álbum do Vangelis, o que fez com que ele ficasse mais feliz. Ele disse que poderia baixar o disco em instantes pela net, e reproduzir com perfeição a capa do cd, de maneiras que não se poderia ver a diferença, tudo por 20 reais. O senhor aceitou e o procedimento foi feito.

    Fui embora, engolindo com dignidade a impressão de que, se eu oferecesse dez contos pelo Caravan, ele me embrulharia para mim.

  2. Lamentável o fim da Ipanema no rádio FM. É o fim de uma era. Uma era de ouro diga-se de passagem. Na Ipanema FM 94.9 não havia locutores alegres e acelerados que falavam alto o tempo todo. Não havia a repetição das mesmas músicas ao longo do dia. Não havia programas “engraçadinhos” com homens barbados, que já passaram dos 40 anos, que ficam pagando de guris com piadinhas ridículas e sem graça, como um bando de babacas imbecis e abobados que se acham e que participam de um programinha ridículo em uma determinada rádio de Porto Alegre, rádio esta que pertence a um grupo de comunicação que está sendo investigado na Operação Zelotes.
    Ao acabar com a Ipanema, o Grupo Bandeirantes extinguiu o último foco, o último bastião de resistência, independência e atitude no rádio FM, que representou uma geração inteira que nunca se curvou e nunca se rendeu aos modismos e clichês de outras rádios “da moda” de Porto Alegre. Ao acabar com a Ipanema FM o Grupo Bandeirantes provou que a baixaria e a popularização da cultura brasileira de baixo calão(leia-se chinelagem) venceram e vieram para tomar conta das rádios FM. Morre a Ipanema mas seus ideais e slogans sempre estarão presente na cabeça dos ouvintes, ipanêmicos como eu, que cresceram ouvindo a rádio desde a sua fundação em 1983: Ipanema, a rádio dos loucos, a menos pior, a ovelha negra!
    Rest in peace e obrigado Rádio Ipanema FM 94.9 por ter moldado meu gosto musical ao longo da minha vida.

    1. “… a baixaria e a popularização da cultura brasileira de baixo calão […]venceram e vieram para tomar conta das rádios FM.” Essa constatação vale também por aqui, em Vitória. Simplesmente, é insuportável qualquer FM capixaba.

      O rádio acabou; a televisão aberta idem; a fechada está a chegar lá…; e o jornalismo clássico morreu… Existe por enquanto a rede. Até quando?

      De fato, o capitalismo e o entretenimento são inimigos.

      1. Complementando: no caso da internet, o Face – em minha opinião – já é um sintoma associado ao processo degenerativo da rede.

    2. “Não havia programas “engraçadinhos” com homens barbados, que já passaram dos 40 anos, que ficam pagando de guris com piadinhas ridículas e sem graça, como um bando de babacas imbecis e abobados que se acham e que participam de um programinha ridículo em uma determinada rádio de Porto Alegre, rádio esta que pertence a um grupo de comunicação que está sendo investigado na Operação Zelotes.”
      Definição em HD.

  3. Rádio sensacional. Por uns bons 20 anos, eram a Ipanema e a Fluminense do Rio as únicas rádios “alternativas”. Todavia, seria difícil continuar no mesmo nível, haja vista que a música pop decaiu muito nas últimas décadas. Os últimos grandes discos do Led foram pelo meio da década de 70. O grunge teve bons momentos com Alice in Chains, Nirvana e Soundgarden no início dos anos 90. E depois? Um quase deserto, com exceções como o Supercordas, o Júpiter Maçã. Os adolescentes hoje adoram usar camisetas e bottons com THE BEATLES, sinal de que há uma falta de referenciais interessantes surgindo agora. Ao usarem estes referenciais, querem dizer que, apesar de toda a desorientação, são descolados e gente boa. Acontece, é um momento histórico. Atualmente, não há lugar para rádios legais como a IPANEMA.

  4. Caras… que merda… esta acabando a IPANEMA? não acredito… a única coisa decente que existia nas rádios… to longe de porto, volto a escutar a rádio dias destes e estranhei a programação sem graça… umas musicas nada a ver.. fui atrás de informação pra entender onde anda o Alemão VH, o que houve com o programa da manhã, e chego até vcs anunciando o fim da programação da Ipanema…
    e o pior que eles nem deixam postar nada no site deles… “ERROR! tente mais tarde” quando merda andam fazendo… um monte de coisa se esfacelando… uma pena… a única rádio decente que tínhamos… a ÚNICA.

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