Manifesto do Croniquinhas

Por Idelber Avelar e Moysés Pinto Neto em 27 de março de 2016

Croniquinhos:

Segue aqui o texto no qual eu, Idelber, e o Moysés Pinto Neto trabalhamos nos últimos dias. Se méritos há, são principalmente dele. Nós decidimos, pelo menos por enquanto, não lançá-lo lá fora, porque estamos um pouco céticos quanto à eficácia e o timing de um “manifesto” agora. Pedimos, portanto, que o texto fique por aqui neste momento, e que sirva para uma conversa nossa. Depois, talvez, se for caso, coletamos assinaturas. Havia um título, que não nos agradou muito, então vai sem título mesmo.

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1. A escalada da crise política tem provocado violência e polarização cada vez mais intensa no Brasil. O que assistimos no segundo turno das eleições de 2014 parece se repetir em escala cada vez maior e mais agressiva, atingindo o país por diversos ângulos. Esse quadro é regressivo e perigoso.

2. Não nos identificamos com a maioria dos manifestantes que estão hoje nas ruas nem com suas pautas. Entendemos que nem todos os manifestantes do dia 13 de março são da direita anti-petista pura e simples, nem muito menos fascistas. Também entendemos que nem todos os manifestantes do dia 18 de março são governistas acríticos. No entanto, as pautas, discursos e afetos que dominam ambas as manifestações não nos representam.

3. Há muito tempo apontamos a cumplicidade do Governo e do PT com as oligarquias brasileiras e as consequências negativas do projeto neodesenvolvimentista para o Brasil. Denunciamos a aliança com setores do agronegócio que ameaçam a destruição da Amazônia, utilizam de modo descontrolado transgênicos e agrotóxicos e promovem uma ofensiva genocida contra os índios. Alertamos para os riscos do pacto com as velhas oligarquias políticas. Fomos chamados de ingênuos em 2013 quando ousamos questionar a defesa cínica da governabilidade contra as multidões que saíram às ruas. Criticamos a Copa do Mundo e o modelo movido pelo fetiche por índices quantitativos de crescimento baseado na construção civil financiada por bancos públicos, alimentando oligopólios que dizimam a convivência no espaço urbano com um projeto de cidade voltado para os ricos. Criticamos o estado policial que cresce a cada dia com o apoio do PT, como visto com a recente aprovação da Lei Antiterrorismo e a intensificação do genocídio da juventude negra. Lembremos que, em debate presidencial, a atual mandatária apresentou como um modelo a operação militar no Complexo da Maré.

4. Não somos omissos nem neutros, mas não aceitamos que se associe o futuro do atual governo ao futuro da esquerda, se é que se continuará chamando de esquerda o que está no por vir. Não somos apenas vermelhos, somos de muitas cores.

5. Não se trata apenas de um “eu avisei”. Trata-se de não aceitar a narrativa de que o programa do PT se confunde com a transformação social que precisamos realizar no Brasil e que é a síntese de todas as lutas atuais. Reconhecemos os avanços sociais promovidos na década de 2000 por políticas sociais acertadas que merecem aprofundamento. Reconhecemos a contribuição do PT para tornar o país mais justo e múltiplo. Não policiamos nem censuramos as pessoas que, no ímpeto de defesa da democracia, cerram fileiras com o governo, mas rejeitamos a adesão incondicional, o culto ao líder e o vale-tudo. Rejeitamos a ameaça apocalíptica que, há tempos, é a válvula de segurança do governo para conquistar a adesão daqueles que discordam do seu programa.

6. Entendemos que a falência patente do sistema político brasileiro é apenas uma das incidências de uma crise mundial do modelo moderno da democracia representativa, e que hoje a política real se faz fora e longe das esferas oficiais (os Três Poderes). A tarefa que se põe diante de nos é a de nos organizarmos em redes horizontais que coordenem os diversos movimentos e experimentos em curso no país e no mundo, que exprimem uma busca de alternativas ao modo de viver que o capitalismo consumista e produtivista nos empurra goela abaixo. Trata-se de pensar como coordenar sem subordinar, sem esperar a formação de um comitê central, um líder messiânico ou uma vanguarda iluminada que guiará verticalmente as massas. O apodrecimento do sistema político é um sintoma de um apodrecimento da ordem do mundo correspondente ao atual modelo civilizatório e modernizador. É preciso reinventar a política no plano das práticas da vida cotidiana, na coordenação de experimentos locais que o mundo oferece hoje.

7. Não consideramos essa pauta descontextualizada do Brasil atual. Na verdade, um terço dos votos na última eleição rejeitaram a polaridade que se estabeleceu. Há uma nova geração que luta desde 2013 sintonizada com as lutas no resto do mundo, como os movimentos pelo transporte público, as ocupações de escolas ou o protesto contra a gentrificação do espaços urbanos. Essa geração está se construindo a partir de novas experiências de organização, mas já representa uma força viva e presente na política brasileira.

8. Nossa solidariedade sempre estará presente quanto se tratar de enfrentar o fascismo e a violência, mas não seremos capturados pela polarização que se instaurou no Brasil a partir da recusa governista ao diálogo com as manifestações de 2013.. Não aceitamos e lutaremos contra toda modalidade de perseguição macartista ou ação violenta, mas rejeitamos a ideia de que nosso futuro depende da permanência do PT no poder em 2018 e do seu culto à liderança de Lula.

9. Precisamos de um novo projeto de Brasil onde caibam muitos Brasis, em que a questão ambiental passe a ser central ao lado da justiça social e do respeito aos direitos humanos, um Brasil que reaja aos desafios que o século XXI apresenta. Nem o governismo nem a oposição parecem dispostos a enfrentar essas questões, sufocando a esfera pública na sua disputa compulsiva e doentia pela manutenção do poder.

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