De como acabou boa parte da literatura soviética

Não é tão comum eu e a Elena conversarmos sobre literatura, mas às vezes o assunto surge. Creio que a coisa deverá se acentuar quando ela ler Machado de Assis… Porém, ontem, o assunto era de como a literatura russa caiu de qualidade no período pós-revolucionário. A explicação é bem simples e terrível, como vocês poderão conferir após a montagem fotográfica abaixo. Conheço apenas Babel. Fiquei muito curioso para conhecer a obras de Kharms, muito elogiado por Elena. Ainda bem que pouparam Bulgákov.

Babel
Meyerhold, Babel, Mandelstam, Mikhoels e Kharms

Em 1940, depois de torturar Vsevolod Emilevitch Meyerhold, quebraram-lhe todos os dedos e o afogaram na privada coletiva — do tipo daquelas antigas “casinhas”. Foi anunciada uma morte por fuzilamento em razão de atividades contra-revolucionárias. Na verdade, Meyerhold foi heróico. Ele se negara a assinar um documento que onde garantia a participação dele mesmo, mais Erenburg, Leonov, Pasternak, Katayev, Eisenstein e Shostakovich, numa conspiração trotskista. Nenhum dos citados foi preso. Meyerhold só assinou que ele mesmo tinha participado da tal conspiração, o que contrariou a NKDV (Comissariado do povo para assuntos internos, Ministério do Interior da URSS).

Isaac Babel não foi fuzilado por atividades contra-revolucionárias, como diz a história. Durante uma transferência de presos, feita durante o inverno e a pé de uma cidade para outra, ele caiu de fraqueza. Foi deixado para morrer na estrada. Parece que foi enterrado em vala comum por um amigo. O grande escritor morreu na neve, na floresta, também em 1940.

Osip Mandelstam morreu em 1938 no Gulag. Após escrever um poema anti-stalinista chamado Epigrama de Stálin, ele foi preso em 1934. Seu corpo passou boa parte do inverno empilhado com outros mortos e na primavera foi enterrado em um desses inomináveis túmulos coletivos.

Solomon Mikhoels foi morto em 1948 sob ordens pessoais de Stálin. A polícia foi até sua datcha e o matou. Seu corpo foi jogado na rua para dar forma à versão de que  fora “atropelado por um carro”.

Daniil Kharms morreu de fome na ala psiquiátrica do hospital prisão em fevereiro de 1942. Não tinha nada de louco.

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  1. Esse post e o penúltimo são uma aula do porque a literatura russa sempre foi grandiosa (mesmo a soviética), e a brasileira é o que é.

  2. Não creio que a literatura russa tenha caído de qualidade com a assim chamada revolução. Claro que comparando com os padrões que tinha no século 19 fica uma covardia. Conheço o Mikhail Cholokhov (nem sei mais como se escreve esse nome), que li seu Don silencioso e mais dois livros de contos, todas essas obras incríveis. Temos Maiakóvski na área da poesia, que sem dúvida é um dos grandes poetas do século_ comparável ao Whitman. E, está para ser lançado pela editora 34 o que muitos consideram o Joyce russo, Platonov. Bródski tem um ensaio que descreve o quanto esse cara foi genial. E temos, também, o Bródski, um dos maiores ensaístas do século XX.

  3. Tenho a biografia do Meierhold, da Béatrice Picon-Vallin, editora perspectiva. Tem um bocado de fotos de suas montagens teatrais. Nunca li. Exceto Babel, também não conheço os demais escritores.

  4. Acho que em Pierre Rivière (aquele que matou a mãe, a irmã e o irmão, segundo ele para favorecer o pai e não deixá-lo com remorsos diante de tal barbaridade, afinal não cometida por ele, mas pelo filho), há um ensaio do organizador Michel Foucault, cujo título é Os Assassinos que se Conta. De longe o mais hermético e pentelho do livro. Mas isso não importa, apenas o título. Contamos os assassinados pelo “regime soviético” “comunista”, mas não contamos os assassinatos das “democracias ocidentais” pelo mundo afora, principalmente aqueles que morreram e teriam sido grande escritores, porque escreveram grandes obras, mas não percorreram os caminhos da respeitabilidade acadêmica e editorial, aqueles que por razão econômica jamais tiveram oportunidades muitos que jamais terão, e as enormes mediocridades que pululam brilhantemente por aí, enchendo auditórios, livrarias em noites de autógrafo, programinhas de televisão…

    O que vejo é que aquele território a que nos acostumamos chamar de União Soviética sempre teve enorme dedicação à própria voz, alfabeto, idioma, idiossincrasias, mas teve a contestável “sorte” de viver sob diversos gêneros de governos despóticos, que terminaram por vitimar muitos bons escritores, entre milhões de pessoas que ficaram anônimas (também, é claro, grandes escritores que assim permaneceram e estão definitivamente mortos para a historiografia).

    Um dado que não podemos esquecer é que a contra-propaganda, o anti-comunismo, transformou em mártires e escritores exemplares todos aqueles que foram perseguidos a partir (e alguns poucos até antes) de Stalin. Da mesma forma, erigiu heróis anti-comunistas, também “grandes escritores”, que viveram a glória do laureamento entre cartazes de propaganda aqui e acolá.

    Os leitores mais dedicados gostam de esquecer também que a literatura é uma das fontes de reprodução de capital. O mercado editorial, “diminuto” que seja, precisa fazer, refazer e até mesmo destruir reputações. Tudo é lucrativo. Mas são escolhidos aqueles que melhor servem à estrutura da indústria cultural mundo afora. Como uma recente italianazinha (ou ghost-writer, ou grupo de escritores espertinhos) que vende milhões de livros, a gente lê e só encontra banalidades sem fim…

    Não, essa conversa não vale muita coisa. Entre grandes escritores e porcarias consumadas, o esquecimento é garantido: os tempos de hoje asseguram que as reputações não sobrevivem a décadas de projeto anticulturalista dirigido pelo capitalismo financeiro internacional. O futuro se apresenta nigérrimo, condenando-nos às literaturas sumarias que couberem em iPhones ou SmartPhones.

    Os assassinos estão à solta.

    Os assassinados são incontáveis, mal deixaram traços nas listas dos mais vendidos, se empregaram em ong’s e se arrastaram vida afora cultivando o orgulho besta de uma estética tão burilada que não chegou às massas.

    Pobres massas analfabetas de um mundo que a todos sujeita com seu imperativo do lucro, o único verdadeiramente categórico.

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