It was twenty years ago today
Sgt. Pepper taught the band to play
Início da letra da canção “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”
Lembro da virada dos anos 60 para os 70. Eu tinha 12 anos e lia uma monte de revistas sobre música. E elas diziam que os melhores discos da década que findava eram Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Tommy, do The Who e Days of Future Passed, dos Moody Blues. The Who fez Quadrophenia em 1973, limpando Tommy da memória. Os Moody Blues sumiram no esquecimento e há muita gente boa que prefere os álbuns do Pink Floyd da época de Syd Barrett, ou Ummagumma ou mesmo o White Album, Revolver, Rubber Soul ou Abbey Road, dos Beatles, como os melhores daquela década.
O fato é que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band não foi simplesmente o oitavo disco de uma das principais bandas de todos os tempos, foi aquele que se cristalizou em nossa memória com aquela coloridíssima e maravilhosa capa — uma das mais fortes marcas iconográficas da banda. Foi o disco que deu respeitabilidade ao rock em 1967, ano dos discos de estreia dos The Doors, dos Velvet Underground, de Jimi Hendrix e do Pink Floyd. Um grande ano.
Paul McCartney disse que Sgt. Pepper`s foi um álbum tão importante que, por vezes, as pessoas conhecem mais sua reputação do que a própria música que ele contém.
Como é comercialmente inevitável, 50 anos depois Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band ressurge em nova edição remasterizada, trabalho de Giles Martin, filho do produtor dos Beatles, George Martin, falecido em 2016, aos 90 anos. Como é habitual nestas ocasiões, será redistribuído em vários formatos: em disco único (vinil ou CD), em álbum duplo cheio de extras e em seis CDs — com mais extras ainda — mais um DVD chamado The Making of Sgt. Pepper.
Tudo era mono quando Sgt. Pepper foi lançado. O estéreo era uma novidade. Em 1967, foram dedicados três meses para encontrar o equilíbrio sonoro perfeito do álbum – em mono. Mas o disco foi lançado em estéreo após um trabalho de apenas três dias. Não ficou muito bom, mas o trabalho foi refeito só agora.
Em abril de 1967, finalizadas as 700 horas de produção do álbum (quatro anos antes, Please, Please Me, o primeiro álbum, demorara somente treze horas para ser gravado), pouco restava do conceito original. Da ideia inicial ficara somente Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, a canção de abertura em cujo final era apresentado o único personagem, Billy Shears (e Ringo entra cantando With a little help from my friends) e a famosa capa, criada por Peter Blake.
O álbum foi lançado em 1º de junho de 1967 e o incrível foi que, no dia 4 de junho, no teatro Saville em Londres, Jimi Hendrix abriu seu show cantando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. O próprio Paul McCartney dera-lhe uma cópia do disco no dia anterior… Hendrix enlouquecera ouvindo o álbum.
Sgt. Pepper`s foi o primeiro disco em que os artistas tiveram tempo ilimitado de estúdio. Sem shows, livres dos constrangimentos impostos pela vida ultra pública e por serem “mais famosos do que Jesus Cristo”, eles tiveram calma para explorar o orientalismo em Within you and without you, o psicodelismo em Fixing a hole, o LSD em Lucy in the sky with diamonds. Voltaram-se para a Inglaterra de ontem e transformaram um velho cartaz de circo do século XIX no carnaval surrealista da admirável Being for the benefit of Mr. Kyte. Viraram-se para a Inglaterra do seu tempo e nasceu o rock fundado em tédio urbano de Good morning (“I’ve got nothing to say, but it’s ok”, canta Lennon). E nasceram as obras-primas With a little help from my friends e She`s leaving home, além de um esplêndido foxtrot nostálgico, When I`m sixty-four. E esse portento, ainda hoje inacreditável pelo gênio da produção e composição, que é A day in the life (versos inspirados na leitura do Daily Mail).
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi elogiado e reverenciado pelas engenhosas técnicas de estúdio e pela forma como conjugava diferentes expressões musicais – rock’n’roll, pop music-hall, psicodelismo, música concreta, música indiana, pop. Impôs o álbum como unidade, não como conjunto de canções sem ligações entre si, e deu respeitabilidade às palavras cantadas – as letras surgiram impressas na contra-capa pela primeira vez.
Enquanto marco musical e cultural, manteve-se incontestado durante longos anos, surgindo uma vez após outra no topo das listas de melhores discos de sempre. Com o tempo, porém, começaram a surgir as fissuras. Revolver, Rubber Soul e Abbey Road, ainda no século passado, ganhavam vantagem como álbuns superiores.
Ainda assim, em 2017, seu simbolismo mantém-se incontestável. Tentemos ouvi-lo simplesmente. Teremos perante nós o álbum de uma banda que conjugou de forma admirável o pulsar do presente com uma profunda nostalgia. Numa época em que se utilizava como slogan contracultural o “não confie em ninguém com mais de 30 anos”, os Beatles gravavam She’s leaving home, desarmante de tão comovente, com tanta empatia pela filha que foge quanto pelos pais destroçados que ficam para trás.
Vamos ouvi-lo 50 anos depois. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, esse “momento decisivo na história da cultura ocidental”, pode ser simplesmente um disco, como diz Paul McCartney. Um magnífico disco.
Escrito with a little help from Publico.pt
É sempre um prazer lembrar desse disco, afinal, cheguei aos 64, mas aconteceu aos 14…