A Intimação

O Oficial de Justiça toca a campainha e aguarda. A porta da casa é aberta:

– Bom dia.
— Bom dia.
– Eu procuro pela senhora Alexandra Linden Silva.
– Sou eu mesma.
– Sou o Oficial de Justiça Luiz Cunha e trago uma intimação para a senhora. Trata-se de uma ação impetrada por Olavo Carvalho Silva.
– Meu marido!
– Seu marido?
– Sim. Ele está no trabalho. Deve haver algum engano.
– Não, o nome é este mesmo. Exatamente, Olavo Carvalho Silva contra Alexandra Linden Silva.
– Estou pasma. Cada uma…
– É isto mesmo. Olavo Carvalho Silva processa Alexandra Linden Silva por danos morais.
– Danos morais? Que loucura! Que danos?
– A senhora tem que abrir o envelope e verificar.
– Eu não. Abra o Sr.
– Eu não posso.
– Pode sim, o senhor não é maneta, abra e leia!
– Bem, eu não devo fazer isso, mas vá lá. Bem… Ele lhe acusa de ter fingido orgasmos por 24 anos…
– …
– … e que ficou com graves problemas psicológicos ao descobrir. Teme que sejam irreversíveis.
– Mas ele dormiu comigo hoje!
– Bem, diz aqui que sofreu tal decepção, frustração e choque que não consegue mais.

Alexandra começa a chorar. O Oficial de Justiça olha para os lados. Ela o convida para entrar. Sentam-se na sala e ela continua:

– Danos morais? Por que não pediu separação?
– …
– Bom, é que não fazemos há algum tempo. Mas eu não sabia de maiores problemas.
– Ele pede uma indenização para se recuperar e recomeçar nova vida.
– Recomeçar? Ele é um velho! Tem 62 anos e quatro filhos!
– Eu mesmo tenho 59.
– Desculpe. Mas somos uma família evangélica e não haverá separação.
– Isto é com vocês.
– O que o Sr. acharia se recebesse uma intimação dessas?
– Eu não receberia, minha senhora.
– Ah, é? Você tem uma varinha de condão?
– Não, minha senhora. Sou normal… Eu e minha esposa nos entendemos.
– Você consegue segurar?
– Quase sempre.
– Quanto tempo?
– Nunca cronometrei, minha senhora, mas minha esposa é rápida.
– Rápida? E eu devo ser lenta, não?
– Eu não disse isto, Dona Alexandra, repito, eu não disse isto. E mais: eu nem deveria estar tendo esta conversa com a senhora. Eu só entrego papéis e colho assinaturas.
– Mas agora EEEEEUUU quero conversar e não assino este papel sem que o senhor me diga.
– Diga o quê?
– Olhe, eu sou católica desde pequena, depois virei evangélica, tinha vergonha até de olhar para minhas partes íntimas. No banho, só lavava. Não aprendi a me conhecer. Aquilo era para meu futuro marido. Nunca me masturbei.
– Bem…
– Quando casei, foi uma decepção. Ele vinha e me comia, só. Depois, comecei a fingir orgasmos e ele ficava satisfeito, todo pimpão. Comecei a fingir sempre; para apressar, entende? Tivemos quatro filhos.
– Neste caso…
– Aí, alguns dias atrás, quando minha filha mais velha começou a transar com o namorado e anunciou a todos, falei num jantar que não via graça naquilo, que era um sacrifício.
– Sim.
– Aí, naquela noite, o Olavo resolveu me comer e perguntou se eu não estava achando bom. O Olavo movimentava os quadris e perguntava “Você não gosta, Alejandrita? Vai dizer agora que é um sacrifício?”
– E aí?
– Disse-lhe que não gostava daquilo. Que tinha fingido sempre. E que sempre dera graças a Deus quando chegava no quarto e ouvia seu ronco. Ele broxou.
– Aí está o motivo da frustração, da mágoa e da depressão de seu hom… de seu marido, minha cara senhora.
– Depressão? Quem falou em depressão? Você é Oficial de Justiça ou psiquiatra?
– Oficial de Justiça.
– …
– …
– E então? Não gostaria de tentar?
– Tentar?
– Sei lá, tentar comigo. Talvez minhas dificuldades estejam ligadas a esta coisa de pele, de cheiro. As revistas falam nisso. Sou de origem alemã, o Olavo veio de Portugal, você tem carinha de judeu. Alemães e judeus, sei lá.
– Minha cara senhora, eu só vim aqui colher sua assinatura.
– Pois, meu prezado senhor, vou lhe dizer uma coisa: olhe, sinceramente, eu acho um absurdo alguém trazer à baila um problema e nem tentar resolvê-lo…
– Não é problema meu.
– Você entra em minha casa,…
– A senhora…
– …senta no meu sofá…
– …é uma histérica!
– …e nem quer conversar. Venho de uma família de posses, temos um tabelionato, posso colocá-lo lá. Você gosta do serviço burocrático, gosta de carimbos, não? Não quer ir lá brincar com eles? Ou aqui em casa?
– Eu preciso apenas de sua assinatura.
– Os burocratas não têm fetiche por carimbos? Você não quer me carimbar? Chega do Olavo, ele é insatisfatório, entende?
– Senhora! A senhora perdeu o controle!
– É exatamente o que preciso. Perder o controle… Me abandonar…

Alexandra olha para o vazio e diz:
– Está na hora de me separar mesmo. Os filhos estão grandes, ao menos serei autêntica!
– Assine aqui, por favor, e eu vou embora.
– Depois.
– A senhora não pode negar-se. Posso pedir à polícia para levá-la à força ao tribunal.

Ela olha ironicamente para o Oficial e pergunta:
– Quantos virão aqui? Os policiais são jovens? Se forem, quero muito ser levada.
– Assine logo, por favor!
– Está bem.
– Aqui.
– A tinta me excita.

Ela assina, torna-se imediatamente séria e aponta a porta ao Oficial.
– Tenha um bom dia, Dona Alexandra.
– Arrã, terei. Vá, vá!

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