Sobre a Bamboletras, Cidade Baixa, Nova Olaria, Guion e outros que tais

Não (por Luiz Hall)

De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.
José Saramago

Não pude deixar de pensar no velho portuga e sua implicância com o twitter quando li as últimas notícias envolvendo o fim das atividades do Guion e da mudança proposta para o Nova Olaria que ganhará três torres de apartamentos e passará a se chamar ‘NO’.

Estas duas letras carregam uma carga muito grande. Chega a ser simbólico o apócope como uma negação de uma história construída até então naquele local.

Desde o princípio, quando tudo ainda era mato, a Lu Vilella por ali aportou e tijolo por tijolo foi assentando com suas mãos decididas uma Livraria de Todos os Gêneros e construiu uma relação não com o Nova Olaria, nem com a Cidade Baixa, mas como uma referência de livraria para toda a cidade.

E muito mais. Lembro da história de uma fã mexicana que ouvia as transmissões da Rádio da Universidade pela internet e curiosa se perguntava que Livraria era aquela que patrocinava um programa que ela curtia ouvir.

Mas esta é uma história de mudanças. Quando assumiu a Livraria, o Milton Ribeiro trouxe seus próprios tijolinhos e com a força e a gana de criar coisas belas agregou à livraria outras características e novidades como os inúmeras sessões de autógrafos e debates que consolidaram a Bamboletras como a grande referência que é. Sorte nossa por supuesto.

Se for lembrar de todo este tempo frequentando aquele local, imagino o espaço como a nossa Troia. Camadas e camadas sobrepostas de histórias.

E que local! Representou como nenhum outro estabelecimento a antiga Rua da Olaria que celebrou a libertação dos escravos já sob a alcunha de Rua General Lima e Silva em 1884 em edição do jornal A Federação (Na Rua Lima e Silva todos são livres!).

O Guion também. Uma oásis para os cinéfilos que se esbaldaram na seleção dos filmes apresentados todos estes anos.

Se me pedissem a opinião sobre que filme poderia marcar a despedida do cinema eu indicaria aquele chileno dirigido pelo Pablo Larraín baseado na peça El Plebiscito do Antônio Skármeta.

Tenho curiosidade pelo que poderá vir no pós reforma. Se o cinema prometido terá a sorte de uma curadoria nos mesmos termos ou se será mais um exibidor de blockbusters. Se o espaço não se transformará em mais um centro comercial comum.

Torço pela quase balzaquiana Bamboletras, pelo Milton Ribeiro, pelos inestimáveis Gustavo Ventura, Eliane et alli… que precisarão passar por esta provação como torço por todas as livrarias de rua.

E concordo com o que o arquiteto e historiador Renato Menegotto disse para o Rua da Margem.

Não se quer congelar o tempo. A cidade pode evoluir sem perder a essência histórica, com sobreposições graduais, reveladoras da vida e do tempo. O problema são as intervenções abruptas, que quebram a escala do bairro.

Mas Milton, se tens que levantar âncora e partir, quem sabe não poderias vir para o Navegantes. Poderia ser como uma ilha aqui no bairro. Ou um porto seguro nesta cidade que ultimamente vem se mostrando mais aflita que alegre.

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