Milton Ribeiro apresenta livro com histórias do fundo da gaveta (Jornal do Comércio de hoje)

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Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos

Por Igor Natusch,
no Jornal do Comércio de hoje

Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos | Foto: ANDRESSA PUFAL / JC

Uma gaveta é, muitas vezes, um lugar mágico. Nela, o escritor deposita seu inventário de ideias: textos longos e curtos, promissores ou sem futuro, incontáveis fragmentos de uma imaginação que busca a próxima história. Talvez se possa dizer que a gaveta é a mais fiel leitora de uma pessoa que escreve – e muitas vezes acaba sendo quase que a única, como os incontáveis autores não publicados pelo mundo poderão, com maior ou menor entusiasmo, confirmar.

Depois de décadas alimentando a gaveta, Milton Ribeiro sentiu que era hora de procurar o livro de estreia em meio aos papéis. O resultado está nos contos de Abra e leia (Zouk, 150 págs., R$ 43,90). Adquirir a obra, para moradores da Capital, não será difícil: além do site da editora, há a opção de ir até a Bamboletras (Lima e Silva, 776), livraria da qual o próprio autor é proprietário. “As pessoas parecem ter ficado muito felizes quando souberam que ia sair um livro do livreiro”, comenta Milton.

As histórias presentes em Abra e leia foram escritas durante um período extenso de tempo, que vem das cercanias de 2006 até os dias atuais. “Eu escrevia para a gaveta, sempre tinha sido assim. Na adolescência, era literalmente para a gaveta, porque era tudo papel. Depois comecei a escrever em programas de computador, e a minha gaveta virou o HD. Jamais tentei publicar, não tinha o menor interesse”, relembra, de bom humor.

Foi a pressão da esposa, a violinista Elena Romanov, e de amigos ligados à literatura que impulsionou o leitor inveterado e escritor irresoluto. “Um desses amigos começou a me dar livros: ‘lê isso aqui, quero saber tua opinião’. Me fez ler alguns livros, e depois dizia: ‘pois então, o que tu escreves é melhor do que isso, por que não publica?’ Aí mandei para a Zouk e, em poucos dias, responderam dizendo que queriam publicar. Foi um negócio meio mágico, não passei por aquela coisa de bater na porta, ser rejeitado: mandei para uma só editora, de um pessoal que acho simpático, e deu certo.”

Apesar de titubeante para publicar, não se pense que Milton é um escritor bissexto. Seu blog auto-intitulado é, talvez, um dos mais antigos em atividade no Brasil, com publicações frequentes desde 2003. Parte das histórias do livro, como Passando camisas e Marquinhos e Enzo, o grande, foram parte dos arquivos do blog durante muitos anos. “Costumo dizer que me colecionava no blog. Mas, nos últimos tempos, mudou um pouco a perspectiva. Hoje, eu uso bastante para resenhas dos livros que leio, como parte do trabalho da livraria, além de algumas ironias e provocações. A literatura saiu do blog e voltou para o HD, agora com uma perspectiva mais concreta de virar publicação no futuro”, explica.

Na obra, surgem histórias do cotidiano, com elementos de ironia e observação, não raro inclinadas a uma certa dose de subversão. O discurso que estraga o solene Natal em família, o trabalhador dedicado que deixa clara sua falta de fé, o jogador de futebol que enfrenta uma chance de gol que mudará sua vida: figuras humanas que usam seu temporário e precário controle sobre as situações para gerar rompimentos que rearranjam todo o cenário. “Minha vida nunca foi uma história lisa, tipo um conto de Tchekov em que as coisas avançam com calma, vão caindo na mesmice e acabam com um suspiro. Eu tive tantas viradas espetaculares na minha vida… Basta dizer que tive uma loja de informática, depois fui jornalista e agora sou livreiro. Talvez para alguns isso seja uma vida rica, mas eu não sinto assim. Acho que, de certo modo, é algo até natural, que acontece na vida das pessoas.”

Haverá quem diga que o escritor junta palavras como uma forma de honrar os seus heróis – ou que, por outro lado, esconde as palavras que escreve por não sentir que será aprovado por eles. Para Milton Ribeiro, os heróis podem ser centenários, como Tchekov e Machado de Assis, ou mais próximos no tempo, como Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver – o que não quer dizer que não se possa avançar para outros reinos. “Há heróis também fora da literatura. Às vezes, eu quero escrever com o equilíbrio de Bach, com a maturidade do velho Vermeer ou com a raiva de Goya. É claro que todos são heróis distantes, apenas imodestos ideais artísticos que cultivo”, acentua.

Seja como for, agora que Milton abriu a gaveta, não há previsão de fechá-la tão cedo. Além de novas histórias curtas, há um romance já pela metade, em torno dos áudios que uma mãe de terceira idade grava para uma filha com a qual mal chega a conviver. “A comprovação de que eu não pretendia publicar é que é um livro muito difícil de escrever”, admite, dando uma risada. “Mas a minha mulher diz que o ano que vem vai ser o ano do romance. É óbvio que eu não tenho perspectiva de ganhar muito dinheiro escrevendo livros, mas é gostoso dizer que, no momento pelo qual o Brasil passa, com um ministro da Educação com o mesmo nome que eu e fazendo os absurdos que tem feito, consigo viver da cultura. Isso sim é um ato subversivo, uma vida subversiva.”

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2 comments / Add your comment below

  1. Muitos comprarão teu livro achando que é do outro M. Ribeiro. Talvez até impulsione as vendas ao público evangélico. Talvez viralize entre os extremistas, vire um fenômeno nas redes sociais deles, farão elogios rasgados, repassando os trechos mais tocantes. Até que, um dia, descobrirão o engano e, imediatamente, passarão a odiar o mesmo texto que outrora admiravam. Serás acusado de oportunismo, de “pegar carona” na fama do homônimo, será um escândalo nacional, paparazzis te perseguindo e…nossa!…acabei de criar uma tema para um próximo conto teu!

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