Sinfonia dos Mil, de Almir Amarante

Quase tudo está dito no booktrailer abaixo, mas vamos lá. Durante a pandemia, um contrabaixista de orquestra sinfônica é convidado para uma gravação da Sinfonia dos Mil, de Mahler. A assim chamada Sinfonia é a de Nº 8 do genial austríaco. Trata-se de uma enormidade musical. Inclui orquestra, coro, solistas, órgão, mais a torcida do Galo e a do Inter. Claro que é complicado colocar mil pessoas num palco e a Sinfonia é normalmente interpretada por muito menos gente — o próprio compositor não aprovou este apelido “dos mil”, mas este permaneceu, ainda mais que alguns maestros, como Stokowski, apertaram de verdade mais de mil músicos num palco.

O convite era assim: como o tempo era de pandemia, a captação de som e imagem seria remota. Ou seja, cada músico receberia instruções detalhadas e gravaria sua parte em casa. Tudo seria depois juntado, como muitos fizeram durante aquele período. Na gravação resultante, a Sinfonia seria realmente interpretada por mil músicos. A ideia geral da obra de Mahler é a da redenção através do amor, fato que tem eco na boa história contada por Amarante, ele mesmo contrabaixista da Osesp desde 1994.

Acontece que um determinado músico, um contrabaixista argentino também convidado para participar da empreitada, busca contato com o narrador, seu colega de instrumento no Brasil. E os dois passam a conversar com certa frequência, primeiro através de e-mails e depois por videochamadas. Bem, o único spoiler que hoje sairá de minha pena é para dizer que não se trata de história gay.

Mas direi que se trata de um livro excelente que narra uma interessante aproximação. Narra sobre a construção de um elo que resulta em mudanças no presente. Como músico, Amarante tem total conhecimento e vivência da matéria musical envolvida e, como escritor, não fica nem um pouco atrás. A vida numa sinfônica, as querelas entre os músicos, o nascimento de uma amizade e de conhecimento mútuo, as motivações envolvidas de cada contato, tudo é minuciosa e extremamente bem contado, de forma a que o leitor grude de vez, desejando saber logo tudo.

Amarante não apressa as coisas como fazem os maus músicos. O andamento e o senso de estilo estão sempre corrretos. Sinfonia dos Mil é um livro envolvente, tranquilo e inteligente como um segundo movimento de Haydn, sem tonitruantes tutti de mil pessoas.

Almir Amarante

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