Na praia, de Ian McEwan

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Este é um dos melhores McEwan que já li. O livro localiza-se num ponto muito curioso dos costumes do século XX, pouco antes da liberação sexual dos anos 60, bem no final da repressão na Inglaterra, coisa que seguiu aqui no Brasil por mais alguns anos, conforme meu corpo pode testemunhar com certa tristeza.

Edward Mayhew e Florence Ponting acabaram de casar. Ele é um historiador de uma família mais pobre, ela é uma talentosa violinista principal de um quarteto de cordas com aspirações a Wigmore Hall — diga-se de passagem, o melhor lugar do mundo. Ambos tem 22 anos. Sua história de amor cresce muito a partir da primeira frase do livro, que antecipa o que leitor lerá depois: “Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite, sua noite de núpcias, e viviam num tempo em que conversar sobre as dificuldades sexuais era completamente  impossível”.

A lua de mel acontece na praia Chesil, em um hotel. Eles comem a ceia nupcial sob a guarda de dois garçons, como intrusos. Logo eles irão embora, deixando-os com os problemas de uma retidão moral que só os atrapalha. Florence parece preferir nunca ter ninguém a tocando, nem mesmo esse homem que ela verdadeiramente ama. Ela ficou muito preocupada após a leitura de um manual de casamento que só falava em mucosas, glande e penetração, jamais em prazer. Enquanto isso, Edward sonha silenciosamente com o deleite sem fim que será possuir Florence. Esses dois mundos já colidiram (ou colidem) várias vezes, e não costuma dar certo. Poderia dar uma bela comédia, mas o momento é grave e o tratamento de McEwan também, além de poético e compreensivo.

Como já disse, os dois se amam, mas a inexperiência de Edward e aquilo que Florence sente como um ataque à sua virtude, serão um drama verdadeiro. McEwan acha o tom perfeito para lidar com esse relacionamento, transformando-o em algo muito perturbador. Tanto Edward quanto Florence temem que ela seja “frígida”, essa palavra antiga, e veem esse estado como espécie de maldição para todo o sempre.

McEwan interrompe a narrativa com dois capítulos longos e maravilhosos que detalham seus passados e o encontro de Florence e Edward, junto às pequenas mitologias que eles estabelecem um com o outro. O idílio na aldeia da infância de Edward é perturbado por um acidente sofrido por sua mãe quando a guerra termina. Florence é sufocada em uma casa burguesa, por uma mãe filosófica e um pai rico. As implicações dessas diferentes educações reverberam neles. Nos romances de McEwan, sabemos, ninguém escapa de sua classe social.

O final, belo e triste, traz uma qualidade de conto de fadas à novela. Claro, seria horrível contá-lo aqui. McEwan é o malvado de sempre. O olhar de Florence pelo Wigmore Hall na cena final é puríssima (e boa) literatura.

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