Depois da estrondosa repercussão de O Avesso da Pele, o próximo livro de Jeferson Tenório seria certamente um desafio. Afinal, O Avesso recebeu o Jabuti de melhor romance e ainda ganhou escândalos totalmente injustificados de bolsonaristas escabelados do interior gaúcho. Posso ter uma ideia do quanto De onde eles vêm foi retrabalhado, pois casualmente participei de um evento com Tenório em 2021, no qual ele leu alguns trechos de seu “próximo romance”. Notei grandes mudanças naquilo que lera e ouvira.
Uma das características de Tenório é o fato de ele partir da subjetividade para o social. É um autor pausado, de ar clássico, que não parece disposto a grandes palavras ou frases que depois virarão citações verdadeiras ou falsas de Clarice Lispector ou Mia Couto. Sem pressa, ele envolve o leitor. Descreve tudo com calma, com uma linguagem envolvente na qual a gente cai para receber a paulada. E mesmo a paulada é macia, articulada. Em vez de gritar “olha aqui o que acontece, seu idiota”, ele demonstra tranquilamente o que é a vida de Joaquim, como é ser um cotista e, principalmente, como é ser um negro pobre. Talvez o que assuste algumas pessoas seja uma de suas maiores qualidades — ele não desvia sua narração para evitar o sexual ou o visceral.
De onde eles vêm é um romance de formação. Joaquim é um cara inteligente, negro e pobre que é recebido como cotista por uma universidade totalmente despreparada para ele. Joaquim se retrai — é tudo muito estranho. Ele tem dificuldades até para chegar fisicamente à universidade, pois as passagens são caras, enquanto outros chegam às salas de aula frescos e cheirosos (palavras minhas). Ele não se sente um idiota, mas sabe que tem que provar que tem capacidade e que merece estar ali. São gerações de dor, pobreza e espezinhamento a serem vencidas.
É claro que Joaquim — órfão, sem emprego e tendo que cuidar da avó com Alzheimer — sofre ao ser puxado de volta a seu mundo de pobreza. (Isto não é um spoiler, queridinhos). Afinal, falta dinheiro e é um problema usar o grana curta da aposentadoria da avó para beneficiar-se modestamente. O fato de sua namorada branca pagar seu consumo nos bares não melhora muito as coisas. Tudo o chama de volta.
Joaquim tem aspirações literárias, mas sente que não dá para tudo isso — a universidade, a literatura, a necessidade de ganhar alguma grana, a avó e a namorada tornam-no um personagem de Dostoiévski correndo de lá para cá, tentando reparar todos os males e as injustiças de seu mundo. E eu, leitor, fiquei pensando na avó dele que não sabia o que pensar de seu neto que queria ser escritor: “Olha, guri, a gente se fodeu a vida toda. Meus avós se foderam. Meus pais se foderam. A sua mãe se fodeu. Uma geração inteira se fodeu. Por séculos os negros se foderam pra que você chegasse até aqui. E agora é isso que você vai fazer da sua vida? Um curso de letras? Um curso que não vai ajudar os negros a sair dessa merda toda? Não se tornará um advogado? Um médico? Um engenheiro? Até onde você vai com isso?”.
Pois é.
Recomendo muito!
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