Atrás do balcão da Bamboletras (LVI)

Atrás do balcão da Bamboletras (LVI)

O carteiro chega aqui na Livraria e me entrega um embrulho. Fico feliz ao abrir. Era um Nossa Parte de Noite que estava encomendado há séculos. Então ele olha pra mim e diz que eu nunca vou ter Alzheimer. Pergunto por quê.

— Quem ouve música clássica aumenta o número de sinapses.

Dou uma discreta risada.

— A ECT está empregando neurologistas como carteiros?

Ele sorri:

— Eu sei das coisas.

Neurons in the head – flight, neuroactivity, synapses, Neurotransmitters, brain, axons

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Dos fascistas, de sua estética e da nossa

Dos fascistas, de sua estética e da nossa

O fascismo não é uma ideologia, o fascismo é antes uma versão do culto à morte. Morte dos inimigos, morte do que é diferente e inteligente — morte da arte e da ciência –, morte da cultura popular, morte causada pela polícia, morte, morte e porte de armas. Mas isso quase todo mundo desta bolha sabe.

(E Deus, que se existe é um sujeitinho bem ruim, nos premiou com a Covid sob Bolsonaro).

O que me surpreendeu nesta semana que acaba foi ver as fotos de Lula caminhando no hospital quando comparadas com as fotos hospitalares Bozo, sempre deitado na cama, combalido, mostrando coisas que só ficam bonitas quando a direção é de Peter Greenaway.

Não estou polarizando, sei que Bozo está na extrema direita e que Lula não está bem lá na ponta da esquerda. Não acho que um seja o negativo do outro. Só estou dizendo que um representa a estética da morte e o outro não. Claro que Lula devia estar horrível em seu pós-operatório, mas para que mostrar, né?

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As canções

As canções

Há algumas canções que, quando cruzo com elas, tenho que ouvir umas seis ou sete vezes. Ontem, dei de cara com Samba e Amor, de Chico Buarque, cantada pelo Caetano. Pronto, meia hora de Samba e Amor. Hoje ocorreu o mesmo com Dancing Days (Page & Plant) do Led Zeppelin. E é sempre assim com umas 934 canções…

Simplesmente a vida não pode seguir sem que eu as ouça várias vezes.

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Atrás do balcão da Bamboletras (LV)

— Tem “O Jardim das Aflições”, do Olavo de Carvalho? — pergunta o jovem com uma carinha engomada de MBL que vou te contar.

— Não.

— E dá para encomendar?

— Conheço uma livraria que encomendaria pra ti. É de um bolsonarista. É a livraria X. É incrível mas o livreiro é bozo.

— E vocês não encomendam?

— Prefiro não — disse eu, pensando em Bartleby –, acho pernicioso.

Outro cliente atrás dele tapava o rosto, rindo. Eu permanecia impávido.

— Tá bom — disse o xófem.

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18 anos

18 anos

Aquele momento em que a gente teve a certeza de que, bem, fud6u.

E erramos todos.

Há 18 anos.

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Liv Ullmann

Liv Ullmann

A maior de todas está completando 86 anos hoje.

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De onde eles vêm, de Jeferson Tenório

De onde eles vêm, de Jeferson Tenório

Depois da estrondosa repercussão de O Avesso da Pele, o próximo livro de Jeferson Tenório seria certamente um desafio. Afinal, O Avesso recebeu o Jabuti de melhor romance e ainda ganhou escândalos totalmente injustificados de bolsonaristas escabelados do interior gaúcho. Posso ter uma ideia do quanto De onde eles vêm foi retrabalhado, pois casualmente participei de um evento com Tenório em 2021, no qual ele leu alguns trechos de seu “próximo romance”. Notei grandes mudanças naquilo que lera e ouvira.

Uma das características de Tenório é o fato de ele partir da subjetividade para o social. É um autor pausado, de ar clássico, que não parece disposto a grandes palavras ou frases que depois virarão citações verdadeiras ou falsas de Clarice Lispector ou Mia Couto. Sem pressa, ele envolve o leitor. Descreve tudo com calma, com uma linguagem envolvente na qual a gente cai para receber a paulada. E mesmo a paulada é macia, articulada. Em vez de gritar “olha aqui o que acontece, seu idiota”, ele demonstra tranquilamente o que é a vida de Joaquim, como é ser um cotista e, principalmente, como é ser um negro pobre. Talvez o que assuste algumas pessoas seja uma de suas maiores qualidades — ele não desvia sua narração para evitar o sexual ou o visceral.

De onde eles vêm é um romance de formação. Joaquim é um cara inteligente, negro e pobre que é recebido como cotista por uma universidade totalmente despreparada para ele. Joaquim se retrai — é tudo muito estranho. Ele tem dificuldades até para chegar fisicamente à universidade, pois as passagens são caras, enquanto outros chegam às salas de aula frescos e cheirosos (palavras minhas). Ele não se sente um idiota, mas sabe que tem que provar que tem capacidade e que merece estar ali. São gerações de dor, pobreza e espezinhamento a serem vencidas.

É claro que Joaquim — órfão, sem emprego e tendo que cuidar da avó com Alzheimer — sofre ao ser puxado de volta a seu mundo de pobreza. (Isto não é um spoiler, queridinhos). Afinal, falta dinheiro e é um problema usar o grana curta da aposentadoria da avó para beneficiar-se modestamente. O fato de sua namorada branca pagar seu consumo nos bares não melhora muito as coisas. Tudo o chama de volta.

Joaquim tem aspirações literárias, mas sente que não dá para tudo isso — a universidade, a literatura, a necessidade de ganhar alguma grana, a avó e a namorada tornam-no um personagem de Dostoiévski correndo de lá para cá, tentando reparar todos os males e as injustiças de seu mundo. E eu, leitor, fiquei pensando na avó dele que não sabia o que pensar de seu neto que queria ser escritor:  “Olha, guri, a gente se fodeu a vida toda. Meus avós se foderam. Meus pais se foderam. A sua mãe se fodeu. Uma geração inteira se fodeu. Por séculos os negros se foderam pra que você chegasse até aqui. E agora é isso que você vai fazer da sua vida? Um curso de letras? Um curso que não vai ajudar os negros a sair dessa merda toda? Não se tornará um advogado? Um médico? Um engenheiro? Até onde você vai com isso?”.

Pois é.

Recomendo muito!

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