Um texto impecável sobre o sistema das drogas no Brasil

Por Bruno Freixo, no Facebook

Quando se fala em tráfico de drogas, o imaginário popular corre para o morro. Mas a real estrutura do crime está bem longe dali, em fazendas, clínicas de estética, postos de gasolina, funerárias, bingos, casas de câmbio, lojas de empréstimo rápido, lojas de venda de veículos seminovos, imobiliárias, empresas de transporte, de CACs, de segurança privada, náutica, restaurantes, igrejas evangélicas e até lojas de roupas. Fazendeiros, empresários, agentes públicos da Receita Federal, das Forças Armadas e da PF.

A multinacional do crime organizado no Rio de Janeiro e no país não opera nas comunidades nem nas periferias. Ela lava dinheiro nos lugares mais insuspeitos, instala laboratórios e depósitos para armazenagem de drogas em áreas rurais, mantém rotas de escoamento de drogas e armas em pistas de pouso clandestinas e estradas de grandes fazendas, pagam grileiros e milícias locais pra manter controle territorial e, por último, distribuem o carregamento para as favelas, que funcionam como varejo da droga, ou seja, é o último lugar a ter importância nessa cadeia produtiva. A favela é o subsolo da pirâmide no tráfico de drogas, e sua escolha como ponto de venda não se deu por uma casualidade histórica.

A favela surge historicamente por uma geografia de abandono, onde o centro “civilizado” abrigou a elite e, a periferia “desorganizada”, foi o resto onde o povo preto e pobre foi despejado para “higienizar” as áreas centrais da cidade. Esses territórios periféricos foram criminalizados bem antes da chegada do crime organizado, e são estigmatizados, desde o final do século XIX, como o lugar a ser evitado, de pessoas selvagens e perigosas.

Quando o tráfico de drogas se expande de forma organizada nas cidades, a partir do final dos anos 1970, acompanhando a crise econômica e o aumento do desemprego, foi necessário definir o papel dos territórios. O varejo da droga – que exige mão de obra barata e jovem – ficou a cargo das favelas, enquanto o atacado e a logística se estabeleceram nas mãos de redes empresariais com forte lobby nos poderes legislativo e judiciário municipais e com o Poder Legislativo nacional.

A favela virou o rosto do crime por já ser um território historicamente estigmatizado pela sociedade e pelo Estado. Da capoeira no início do século XX ao funk do século XXI: qualquer atividade cultural vinda das favelas sempre foi duramente reprimida. Nesse sentido, por trás do discurso de combate ao tráfico de drogas está o combate a territórios e corpos. Corpos pretos, claro. O jargão da “guerra às drogas” esconde o controle social dessas populações, neutralizadas nos lugares já invisibilizados pelos Estado.

Só que não faz sentido atacar o varejo e fazer vista grossa para o atacado que o alimenta. As operações policiais são concentradas nas favelas por uma lógica eleitoral. O ódio à favela une pessoas, especialmente pessoas que moram próximo a comunidades. O discurso da violência, o fetiche ao policial como Rambo fardado que caça o corpo preto, a produção de conteúdo de esquartejamento para compartilhamento no WhatsApp, programas pinga-sangue na TV, expressões fascistas de efeito como “soma ou suma”, são expedientes que alimentam o imaginário de uma população que, de fato, já está arruinada com a violência urbana, com assaltos e latrocínios, mas que é cooptada eleitoralmente com discursos passionais para votar nos mesmos representantes que alimentam esse sistema há décadas.

E, na hora do desespero, qualquer caminho serve. A percepção da violência no Rio, do Túnel Rebouças pra lá, é a pior possível em relação à percepção da violência nos bairros bolhas da zona sul.

Por outro lado, a percepção generalista de que a polícia é o braço armado do Estado burguês, ignora que, por trás da figura do policial, tido como herói no senso comum, existe um profissional subvalorizado, sem apoio psicológico, atuando sob jornadas exaustivas, sem direitos trabalhistas e que, tanto quanto o morador inocente da comunidade, é colocado na linha de frente dentro da favela, preparado para matar e morrer, como um produto descartável.

Por isso, o discurso pejorativo sobre a instituição Polícia Militar, apesar de parcialmente legítimo, não comunica. Muito pelo contrário: abre uma oportunidade para que entidades religiosas – como a Igreja Universal, por exemplo – se aproveitem dessa lacuna de apoio social para cooptar esses policiais com intenções duvidosas, movidas por projetos ideológicos particulares, ferindo premissas básicas de um Estado laico ao unir, de forma perigosa, religião com política e militarismo. O abandono simbólico do policial – assim como o vácuo de poder do Estado nas favelas, periferias e presídios – é capturado pelo discurso teocrático.

Culpar o usuário pela existência do tráfico também é moralismo barato. Em toda história da humanidade, o uso de psicoativos e vícios sempre existiu. O proibicionismo é eleitoreiro, joga com o senso comum e atrai conservadores e, principalmente, religiosos. A diferença é que o álcool, o tabaco e o açúcar estão sob controle do Estado. A maconha, a cocaína e outras drogas funcionam sob a lógica do livre mercado. Quando o Estado proíbe o uso e terceiriza o lucro, o crime vira negócio e, o Leviatã, passa a ser o mercado. Nesse caso, o mercado clandestino.

A questão é que, Cláudio Castro, que é herança do governo Witzel, se prepara para a candidatura ao Congresso ano que vem. Isso, inclusive, o blindará de ser o próximo governador do Rio preso. Sua turma de delegados blogueiros, bastante atuante em redes sociais e com discursos acentuadamente populistas, provavelmente estará também na disputa do Legislativo em 26 – e com grandes chances de vitória, pois comunicam diretamente para o imaginário policialesco do cidadão médio.

Por trás de toda chacina existe antes um ato político e, depois, um aproveitamento eleitoral. No caixão dos quatro policiais mortos que o governo do Rio diz se compadecer, há um palanque eleitoral de setores conservadores, que já se apressaram para criar o “Consórcio da Paz”. Uma paz que deixa famílias órfãs como herança e mergulha o Estado em uma incerteza profunda. Um cálculo do horror, em que morro e asfalto dividem o sofrimento por conta de uma violência generalizada entre Estado e varejistas do crime, que há mais de 40 anos nunca resolveu nada.

O Rio não é para amadores e a favela, definitivamente, não abriga os profissionais do tráfico de drogas e do crime organizado. A maior facção criminosa do país não é o Comando Vermelho, o Terceiro Comando ou o PCC. É o próprio Estado brasileiro.

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Pessoas Normais, de Sally Rooney

Pessoas Normais, de Sally Rooney

Eu procurei ler a irlandesa Sally Rooney (1991) logo após saber de suas  lógicas e firmes posições políticas, assim como de seu receio de ser presa ao entrar na Inglaterra, onde evitou ir até para receber premiações (vá se informar, prezado leitor!). Quando soube dela, logo pensei: aí está uma pessoa interessante. Tinha lido recentemente o extraordinário Pequenas coisas como estas, da também irlandesa Claire Keegan e achei que devia encarar a segunda irlandesa do ano. Valeu a pena.

Em Pessoas Normais (Normal People, 2018), Rooney constrói um romance de aparente simplicidade, mas que se revela uma análise bastante fina sobre o amor e, por assim dizer, a desigualdade emocional. A história é contada em ordem cronológica dando saltos temporais, o que pode parecer cinematográfico, mas que funciona no livro. A história acompanha Marianne e Connell, dois adolescentes irlandeses que vivem uma relação secreta. Explica-se: ele era popular, pobre e inseguro; ela, solitária, rica, confiante, mas emocionalmente ferida. Pode parecer uma fórmula já lida e vista, mas o tratamento de Rooney é muito inteligente e criativo. Com o tempo, já na universidade e depois, os dois se separam e se reencontram, a atração física permanece, mas o resto é tenso, ambíguo, inexplicável.

O mérito de Rooney é o de transformar matéria íntima em matéria filosófica e política. Não há gestos heroicos nem paixões arrebatadas, mas uma sucessão de pequenos mal-entendidos, mensagens não compreendidas, hesitações. O que ela narra, talvez, seja a dificuldade de ser fraco. Marianne e Connell se amam, mas não conseguem existir satisfatoriamente um diante do outro.

O estilo de Rooney é econômico. Sua prosa não tem floreios. Ela escreve como quem observa, e não como quem explica. Tal contenção esconde um pouco do subtexto emocional que pulsa em cada gesto. Nota-se que o que se diz, o que se cala e o que se escreve — a linguagem, principalmente a errada — é o campo de batalha das relações.

Sou obrigado a ir adiante. Pessoas Normais é também um romance sobre o cuidado — sobre como o amor é o único espaço onde se pode ensaiar a cura. Rooney escreve com empatia sobre a dor, mas sem ceder à tentação do consolo. Sua compaixão é lúcida, jamais sentimental.

O livro também é uma reflexão sobre classe social, um tema que a autora — formada em sociologia — trata com naturalidade e rigor. A diferença econômica entre Marianne e Connell não é mero pano de fundo: é a estrutura invisível que determina o modo como cada um se percebe e é percebido. Nesse sentido, Pessoas Normais é um romance político, ainda que sem slogans.

No final, o leitor entende que o “normal” do título é apenas uma ironia: de perto ninguém é normal, já dizia Caetano, e nada é normal quando se ama. O amor, em Sally Rooney, é a melhor forma de estar perdido — e quando não estamos?

Sally Rooney

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Um eco muito distante, de Muriel Spark

Um eco muito distante, de Muriel Spark

Gosto muito de Muriel Spark (1918-2006). Seus pequenos romances são inteligentes, bem-humorados e sinceros. Não é muito difícil se identificar com um outro personagem, mesmo que haja um crime ou um fato muito lúgubre. Um eco muito distante (A Far Cry from Kensington, 1988) é um dos romances mais refinados e enigmáticos de Muriel Spark, um livro que combina a leveza irônica de seu texto com uma reflexão profunda sobre ética, memória e poder — tanto o poder da linguagem quanto o das pequenas tiranias cotidianas.

A narradora, Mrs. Hawkins, é tranquila e sensata. É uma jovem viúva de guerra que trabalha numa editora londrina do pós-guerra. O cenário é de reconstrução: Londres ainda está em ruínas e as pessoas tentam retomar a vida entre empregos precários, além de morarem em pensões modestas e manterem aquele típico cinismo inglês. Mas Spark não chega a se interessar pelo pano de fundo social: o que a fascina é o comportamento humano sob pressão moral.

Mrs. Hawkins é tipicamente “sparkiana”: ao mesmo tempo serena e implacável. Passa por um período de sobrepeso e decide comer a metade do que comia de uma forma muito particular. Serve-se e deixa a metade. Emagrece, claro. Mas isto é apenas curiosidade. Quando, num impulso de franqueza, ela chama um escritor pretensioso de “pisseur de copie” — algo como “mijador de texto” ou, em português, um sujeito que escreve sob diarreia mental, um merda da palavra como tantos –, essa ofensa aparentemente trivial deflagra uma série de desdobramentos que alteram sua vida e a de todos ao redor. O livro se transforma, então, não apenas num retrato ferino da vaidade literária e da mediocridade editorial, mas também num estudo sobre como uma única expressão pode conter um juízo moral devastador.

Spark articula tudo isso com seu estilo inconfundível: economia de meios, ritmo preciso e ironia compassiva. Sua prosa é sempre enxuta — não há frase sem função, um detalhe que não revele nada. E, como em boa parte de sua obra, o humor é o bisturi com que disseca a hipocrisia.

Mas, pensando melhor, creio que o romance seja ainda mais uma meditação sobre integridade: a necessidade de manter-se fiel à verdade, mesmo quando isso nos custa conforto, emprego, ou relações. (Aliás, parece que tenho doutorado nisso e em me lascar por isso). Um eco muito distante é, nesse sentido, um livro sobre o preço da lucidez — e sobre o prazer, certamente secreto e nada adequado do ponto de vista econômico, de permanecer de pé num mundo que se curva.

Se A Primavera da Srta. Jean Brodie é o livro de Spark sobre a sedução da autoridade, Um eco muito distante é o livro sobre a responsabilidade do julgamento. No fim, o eco (ou o grito) do título é o da própria consciência — a distância entre quem fomos e quem nos tornamos quando, em nome da verdade, ousamos dizer o que pensamos.

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O Primeiro e o Segundo Homem, de Luiz Sérgio Metz

O Primeiro e o Segundo Homem, de Luiz Sérgio Metz

O Primeiro e o Segundo Homem é um livrinho que efetivamente merece o tom de reverência que lhe é habitualmente reservado. Publicado em 1988, esta coleção de contos ocupa um lugar distinto, mais ou menos o mesmo que Guimarães Rosa ou Simões Lopes Neto ocupam — sem comparações. É aquele lugar entre o mito e a memória, o sagrado e o cotidiano, ou do cotidiano tornado sagrado. O gaúcho rural de Luiz Sérgio Metz (1952-1996) é o missioneiro e é bem diferente dos arquétipos literários comuns ao gauchesco. O protagonismo de índios guaranis em vários dos contos é uma das bem-vindas anormalidades que mudam o imaginário do leitor. Metz — seus amigos o conheciam mais pelo apelido de Jacaré — constrói narrativas de uma alta densidade poética que parece brotar ou da terra ou do sonho. Seus personagens habitam um mundo arcaico, quase bíblico, violento e nostálgico, todos falando gauchês, porém carregando ecos profundos da experiência contemporânea: a pobreza, a solidão, a culpa, a perda do sentido, o trabalho que ofende. Metz escreve com uma intensidade que me fez lembrar do lirismo seco de João Cabral — Não sei porque estou me esforçando para encontrar paralelos para um livro tão diferente, denso e musical.

Os contos de O Primeiro e o Segundo Homem estão na contramão de qualquer facilidade. Sua literatura é profundamente gaúcha, de resistência e de pureza, mas não da resistência falsa da Semana Farroupilha e sim da pureza de quem lembra a infância pobre e nada heroica passada no interior jogando bolita ou catando lixo. (O conto da bolita é meu preferido, como eu era ruim jogando aquilo!).

O Primeiro e o Segundo Homem é um livro severo, belo e perturbador. Recomendado fortemente para aqueles que buscam uma literatura brasileira contemporânea que ousa ser profunda, que não tem medo do silêncio e da escuridão interior, e que herda o legado de autores como Guimarães Rosa e Autran Dourado.

Tem na Bamboletras, claro.

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Bruckner & The White Stripes

Bruckner & The White Stripes

Bruckner é o novo Mahler. Têm saído ciclos e mais ciclos de suas sinfonias, o que é merecido. É um enorme compositor.

Contudo, a audição da 5ª Sinfonia ficou para sempre meio estranha para todos os que têm a música erudita em comum com o futebol. Acontece que os roqueiros do White Stripes roubaram um riff de Bruckner e o colocaram na canção Seven Nation Army — que parece ser a principal canção da dupla. Roubar temas parece ser da natureza do rock, só que aquele riff bem simples para os padrões brucknerianos tornou-se muito popular, onipresente nos estádios de futebol europeus, incluindo a Copa do Mundo da Rússia em 2018.

Acabo de ouvir a Quinta Sinfonia e é impossível não sorrir naquele trecho do primeiro movimento pensando na Champions.

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Cheiro de saco

Sempre gostei de mulheres e não falo apenas do óbvio. Quando se formam Clubes do Bolinha em festas, costumo ir para o outro grupo. Acho mais divertido. Quando entro numa roda apenas masculina costumo pensar ou dizer, dependendo da intimidade: “Mas que cheiro de saco!”.

Porém, o que me faz escrever isso é que a invasão das mulheres não ocorre apenas nas universidades, cursos e orquestras (a Filarmônica de Nova Iorque informou que, pela primeira vez em sua história, tem mais mulheres musicistas do que homens). A invasão agora está…

Bem, fui fazer minhas 12 voltas (4800m) ali no parque da Redenção e vi que agora há uma indiscutível maioria de mulheres correndo. E quase todas correndo mais rápido do que eu. OK, tenho 68 anos, mas até poucos anos corria mais rápido do que 90% delas.

Never more cheiro de saco.

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O padre de Nova Maringá

Gostei da história do padre de Nova Maringá que estava com a noiva de um fiel em seu quarto e que foi descoberto pela família dele. “Ela só veio trocar de roupa”, disse o padre com a maior cara de pau. O noivo arrombou a porta e encontrou a moça tentando se esconder debaixo da pia.

Se o cara não fosse padre, seria uma história perfeitamente rotineira e normal, dessas que devem ocorrer a toda hora.

Convenhamos, celibato não é algo natural. Somos animais feito os gatos. Quando a gente quer um gato celibatário, sabemos o que fazer. A igreja não sabe o que fazer com seus padres, então deixa a natureza agir, né? Os Incel também poderiam conjeturar a respeito.

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O pós-sessão de “Vá e Veja”

O pós-sessão de “Vá e Veja”

Veio pouca gente assistir, mas quem veio ficou boquiaberto com o filme “Vá e Veja”, que apresentamos ontem, às 19h30, na Livraria Bamboletras. Ao término da sessão, ninguém se deu conta de que se tinham passado 2h26. Após o filme, conversamos bastante sobre o comportamento alucinado do exército alemão, completamente drogado com metanfetamina.

Sim, essa é uma afirmação histórica documentada. O exército alemão, durante a Segunda Guerra Mundial, fez uso sistemático e em larga escala de metanfetamina, principalmente sob a forma de um estimulante conhecido como Pervitin. Só para a frente russa, foram mandados 250 milhões de comprimidos.

Ele era usado para combater a fome e a fadiga — permitia que os soldados permanecessem alertas e combatessem por dias com pouco ou nenhum sono e sem comer — e também para aumentar a confiança e a coragem.

O Pervitin é frequentemente chamado de “a droga da Blitzkrieg”. O sucesso das campanhas rápidas e avassaladoras na Polônia (1939) e, especialmente, na França (1940) é atribuído em parte à capacidade das tropas Panzer e da infantaria de avançarem sem parar por dias, sustentadas pela droga.

O próprio Hitler usava a metanfetamina e, ao final da vida, já tinha um dos “efeitos colaterais” da droga: o Mal de Parkinson.

Enfim, aquele comportamento descontrolado dos alemães era, em parte, devido ao simples fato de eles estarem drogados.

Segundo uma reportagem recente de O Globo, a metantetamina (apelidada de Cristal) é a droga dos ricos no Brasil. Hoje é caríssima. Segundo a reportagem, 1 g custa R$ 550.

P.S. — Lembro que, quando era pequeno, ouvia as pessoas nos estádios dizerem que era pra dar Pervitin a alguns “cavalos cansados” do futebol da época. E, dizia-se naqueles tempos sem antidoping, que a coisa rolava.

Bem, quem veio gostou.

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Hoje, a Livraria Bamboletras apresentará ‘Vá e Veja’

Hoje, a Livraria Bamboletras apresentará ‘Vá e Veja’

Gente, este filme é IM-PER-DÍ-VEL !!! Vá e Veja (1985) é, provavelmente, o melhor filme de guerra já produzido. É uma experiência inesquecível e profundamente humana. Através dos olhos de um menino bielorrusso, acompanhamos a adolescência ser esmagada pela brutalidade, num percurso que transforma a juventude em silêncio e assombro. Não há heroísmo, apenas o absurdo e a crueldade da violência. A fotografia e o som criam uma experiência surpreendente. Não é uma história de guerra, é um testemunho daquilo que a humanidade pode fazer contra si mesma. De certa forma, assistir a Vá e Veja é atravessar o inferno e voltar transformado.

1. O Título é uma Profecia Bíblica Apocalíptica
O título “Vá e Veja” é uma citação direta do Livro do Apocalipse (6:1-8). Na passagem, o Cordeiro de Deus quebra os sete selos do pergaminho divino. Ao quebrar os primeiros quatro selos, quatro cavaleiros são convocados, trazendo Conquista, Guerra, Fome e Morte. A frase “Vá e Veja” é o comando dado a esses cavaleiros. O título do filme, portanto, não é um convite, mas uma profecia de que o que o espectador testemunhará será o próprio apocalipse na Terra, representado pelos horrores da ocupação nazista na Bielorrússia.

2. O Protagonista Envelhece Diante das Câmeras (Literalmente)
Elem Klímov e o diretor de fotografia Alexei Rodionov queriam que o rosto do protagonista, Florya (interpretado por Aleksei Kravchenko), mostrasse fisicamente os horrores que ele testemunhava. Para isso, eles filmaram as cenas fora de ordem cronológica. Eles começaram pelas cenas finais, onde Florya já está psicologicamente destruído e com o rosto envelhecido. Aos poucos, foram filmando as cenas anteriores, exigindo que Kravchenko “rejuvenescesse”. O efeito final é aterrador: vemos um menino cheio de vida se transformar, em poucos dias, em um homem velho, com o rosto marcado pelo trauma.

3. Balas de Verdade Foram Usadas Para Intensificar o Medo
Para extrair reações genuínas de terror do elenco, Klímov adotou métodos radicais. Em uma cena particularmente intensa, onde os personagens fogem por um campo sob fogo nazista, o diretor disparou balas de verdade com uma metralhadora sobre as cabeças dos atores. O som dos tiros, o zumbido das balas passando perigosamente perto e o medo real nos rostos deles são completamente autênticos. Essa prática, hoje considerada impensável por questões de segurança, contribuiu para a sensação documental e insuportável de perigo iminente.

4. O Roteiro é Baseado em Testemunhos Oculares e uma História Real
O filme é baseado no livro “Eu Estou da Vila em Chamas”, do escritor bielorrusso Ales Adamovich, que ele próprio lutou como partisans na Segunda Guerra Mundial quando era adolescente. O livro é uma compilação de depoimentos de sobreviventes da ocupação nazista na Bielorrússia, onde 628 aldeias foram queimadas junto com seus habitantes, em massacres semelhantes ao retratado no filme. A cena do massacre na igreja, por exemplo, é uma fusão de vários eventos reais documentados, tornando o filme não apenas uma obra de ficção, mas um documento histórico de profunda ressonância emocional.

5. O Som Foi Manipulado para Causar Trauma Psicológico no Público
A trilha sonora de “Vá e Veja” é uma ferramenta de tortura psicológica. Após a experiência traumática com bomba, a percepção sonora de Florya se altera. O som do mundo exterior some e é substituído por um zumbido agudo e opressivo, enquanto ele só consegue ouvir sua própria respiração ofegante e os batimentos de seu coração. Klímov e o compositor Oleg Yanchenko criaram esse efeito para fisicamente incomodar e imergir o espectador no estado de choque pós-traumático do personagem. É uma técnica que não serve para entreter, mas para simular o colapso mental e fazer o público “sentir” o trauma, mesmo que por apenas alguns instantes.

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04

Eu acho que o mais burro dos Bolsonaros é o 04. A disputa é duríssima, mas o cérebro daquele rapaz parece o câmbio do Fiat 147 (a álcool) que eu tinha em 1980. O carro quase parava quando eu tinha que trocar de marcha. 04 também tranca e em seu rosto aparece… Nada. Ele fica paralisado e não se nota nenhuma luz, nenhum possibilidade naquela cara de tanso.

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Mais duas dos meus filhos no Dia da Criança

Estávamos no carro indo a algum lugar, a Bárbara na cadeirinha e o Bernardo já no banco, como se fosse crescido. Passávamos à beira do Guaíba. Paramos. Eu olho para trás a fim de ver como estavam eles. A Bárbara estende o pescoço para ver melhor a paisagem. Sem tirar os olhos da janela, ela faz uma cara de profunda admiração e diz:

— Que piscina gandi!

Eu lavava a louça e o Bernardo estava brincando no chão da cozinha com um caminhão de madeira que eu tinha dado pra ele — eu sempre tinha sonhado em ter um quando criança e nunca tive, confesso que tinha até ciúmes da coisa. O Bernardo pegava um limão, fechava ele dentro do caminhão e anunciava “Entlô!”. Pegava uma laranja e anunciava “Entlô”. Pegava uma maçã e dizia “Entlô”. Pegou um mamão e disse “Não entlô!”. Então eu ouvi algo como RAAAASCH e ele disse:

— Agola entlô!

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Já que é Dia da Criança, duas historinhas

Bernardo, hoje com 34 anos: ele devia ter uns 5 anos e tinha a cabeça lotada de documentários da Discovery Channel ou de outros canais assemelhados. Estávamos chegando na Escolinha dele e, logo em frente, na calçada, um grupo de trabalhadores do DMAE tinha aberto um enorme buraco na rua, fazendo algum conserto no esgoto. O Bernardo olha pra mim bem sério e pergunta:

— Pai, são arqueólogos?

Bárbara, hoje com 31 anos, entra correndo, toda feliz, em casa. Devia ter uns 2 anos e não se aguenta, tem que contar que viu um pássaro falando bem alto, repetindo as mesmas palavras. Pergunto-lhe qual era o pássaro que fazia algo tão incrível:

— Tu não conhece? É o pucabaio!

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Stravinsky & Vivaldi

Stravinsky não deixa de ter razão ao dizer que Vivaldi escreveu 507 vezes o mesmo concerto. A estrutura é repetitiva, muitos concertos seguem o molde do ritornello, onde um tema principal retorna periodicamente, intercalado por passagens virtuosísticas do solista. As harmonias são sempre familiares. Mas o Diabo está nos detalhes, né?, a genialidade de Vivaldi não está em reinventar-se a cada concerto, mas na criação melódica inesgotável e na capacidade de sempre criar coisas diferentes dentro de um mesmo formato.

Eu estou ouvindo todos os meus CDs. Espero viver para ouvi-los novamente a todos. São uns 4000. Pego-os fora de ordem, mas quer a sorte que eu tenha pegado muitos Vivaldi ultimamente. E ele tem crescido muito no meu conceito — o que vale só para mim, claro.

O homem Vivaldi sempre teve minha simpatia. Dizia sofrer terrivelmente de asma. Há controvérsias. Alguns inimigos o acusavam de fingir ser doente para não perder tempo preparando e conduzindo missas e dedicar-se apenas à música. Vivaldi afirmava que muitas vezes tinha que se retirar também de concertos em razão das frequentes crises. Mas, como poucos viam tais fatos acontecerem, ele acabou sendo denunciado pelo compositor Benedetto Marcello, seu inimigo, que chegou ao ponto de escrever um panfleto contra Vivaldi, alegando ser ele um fingido que não apenas não era doente como tinha amantes — o que realmente era um fato público. Toda Veneza sabia que ele não era nada adepto do voto de castidade. Novamente, em 1737, um sacerdote atacou-o pelo fato de não oficiar missas e por seu, digamos, estilo de vida.

Sim, ele tinha saúde suficiente para vários casos amorosos, um dos quais com uma de suas alunas mais famosas, o contralto Anna Giraud (ou Anna Girò). O caso era escandaloso e público. Anna foi a inspiradora de muitas de suas óperas e, dizem alguns biógrafos, motivo de grandes tormentos. Sabia-se que Vivaldi fazia tudo o que ela pedia, chegando a adaptar várias árias de óperas, escolhidas por ela, para sua voz. Ele também viajava com ela em turnês. Um querido!

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“A beleza salvará o mundo”? Pelamor, né, gente?

“A beleza salvará o mundo”? Pelamor, né, gente?

E essa frase de Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo”? Pelamor, né, gente?

Vamos devagar com ela.

Em primeiro lugar, quem a disse foi o Príncipe Míshkin de “O Idiota”. Não foi dita por Dostoiévski, mas por um de seus personagens e isso faz toda a diferença. Míshkin é um ingênuo, um doente, um inadaptado à sociedade pragmática e corrupta que o cerca. E a beleza não salva ninguém no romance; pelo contrário, a história termina em tragédia.

Portanto, a frase não é um slogan otimista. É uma tese profundamente problematizada no romance. É mais uma pergunta angustiante do que uma resposta consoladora: “Como a beleza poderá salvar o mundo se ela é tão vulnerável?”. E não esqueçam que Míshkin associa essa “beleza” ao Cristo Morto de Holbein, um quadro que retrata Cristo de forma realista e sem qualquer aura de divindade.

Em resumo, a frase “a beleza salvará o mundo” pertence ao Príncipe Míshkin, mas seu verdadeiro significado só pode ser compreendido à luz da trágica história de “O Idiota”, onde ela é posta à prova e, aparentemente, falha.

Então, calma. Dostô não era tão bobinho.

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À margem do lago, de Naia Oliveira

À margem do lago, de Naia Oliveira

À margem do lago, de Naia Oliveira, é um pequeno livro de memórias, de afetos e resistência. Nascida nos anos 50 em Guaíba, do outro lado do lago que banha igualmente Porto Alegre, a autora nos convida a sentar à beira do tempo e escutar suas histórias que pulsam como uma coleção de instantâneos da vida, ou como “cristalizações do fugidio”, como dizia Erico sobre as fotografias. Naia transforma cada parágrafo em um pequeno caso — às vezes terno, às vezes duro — que revelam tanto a intimidade e os detalhes de uma infância à beira do lago quanto a intensidade de uma juventude vivida sob a sombra da ditadura militar. Lírico na simplicidade, forte na memória, é um testemunho delicado sobre viver, lembrar e não se calar. A prosa de Naia flui como as águas do Guaíba: calmas na superfície, mas carregadas de histórias no fundo.

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