Dia desses, eu e a Elena Romanov estávamos passeando tranquilamente trá-lá-lá pelo bairro Menino Deus, quando vimos um cara atravessando a rua em nossa direção.
Era curioso, ele estava com uma faca na mão, mas não me pareceu ameaçador. Tenho fé na humanidade, acho que quase todo mundo é benigno. Já a Elena apertou meu braço, sinal que identifiquei como “estamos correndo grande perigo, Milton, dá um jeito, pelamor de Deus”.
Aceleramos o passo e vimos o sujeito diminuir a velocidade, escondendo-se atrás de um arbusto. Ele nos olhava, notou que a gente estava desconfiado.
Então, ergueu a faca e cortou um galhinho, gritando para nós:
Os maiores crimes contra a humanidade são cometidos silenciosamente.
Por exemplo, o chocolate Bis, que começou a ser fabricado pela Lacta em 1942, sempre teve 20 unidades por pacote.
Recentemente, passou a ter 16, mas manteve o preço, claro.
Se não tivesse sido cremada, minha mãe estaria se retorcendo no túmulo. Ela escondia Bis em seu guarda-roupa a fim de que seus filhos não comessem tudo. Só que não sabia quantos tinha. E esquecia de contar depois de começar a comer. Cada caixa tinha 20, mãe! Desculpe!
Voltando ao assunto principal: a Lacta diminuiu em 20% o pacote e manteve o preço. Confira em seu supermercado.
Lá por 2017, a Elena propôs desligar o telefone fixo aqui de casa — ele só servia para o telemarketing e para o ex e os amigos dos filhos ligarem. Eu respondi que, em janeiro de 2016, quando um tornado veio dar um passeio em Porto Alegre, foi o fixo que permitiu que eu conversasse com ela, que estava em viagem.
Mas, logo depois, cedi aos argumentos dela e acabamos com o fixo.
Agora, também não atendemos ligações em nossos celulares vindas de desconhecidos e de outros estados. Motivo: ainda o telemarketing. A Elena passa o dia em modo avião, só atendendo o Whats.
Aliás, acho que o WhatsApp deveria agradecer às empresas que nos causam tanto mau humor com ligações silenciosas ou estapafúrdias como esta que recebi numa manhã de um sábado em que podia dormir. É claro que ainda tínhamos o fixo. A ligação ocorreu às 8h da madrugada, pasmem.
— Alô — disse eu só de cuecas e camiseta, reprimindo um bocejo e pensando que poderia ter acontecido algum problema com nossas 4 “crianças”, 2 meus e 2 dela..
— Falo com o Sr. X?
— Não, o Sr. X não mora mais aqui.
— E eu falo com quem?
— Com o Milton, que está com sono.
— Ah, sim. Eu estou telefonando para lhe propor um esplêndido negócio que lhe dará muita tranquilidade, a si e aos seus.
— Que seria?
— Um local belo e sossegado, com vista para a cidade.
— Ih, não tenho dinheiro para investir em imóveis, não tenho nem onde cair morto.
— Justamente!
— O quê? Tu tá me ligando para propor a compra de minha morada eterna?
— Sim. Num lindo gramado, no alto de um morro.
— Com vista pra cidade?
— Sim.
— Então, vai tomar no teu c@.
E, assim, eu soube que a Elena, a quem chamo tantas vezes de “minha boa conselheira”, tinha razão novamente. Hoje, não temos mais um fixo. Mas também raramente atendemos celular. O telemarketing acabou com esse negócio de telefone. Fiquei surpreso dia desses quando vi um filme e um telefone tocou. Imagine que o Humphrey Bogart, logo ele, que não era trouxa, atendeu!
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Tenho um amigo que, quando o telemarketing liga, responde assim: “Ah, que bom que tu ligaste, estava tão solitário… Não falo com ninguém há mais de uma semana. Me conta quem tu és”.
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Outro responde, quando o telefone toca e seu nome é perguntado: “Meu nome é Batman”. E o atendente é obrigado a chamá-lo de Batman durante toda a ligação.
Sou LIVREIRO, proprietário da melhor livraria de Porto Alegre, a Bamboletras. Sou ateu, da esquerda independente, colorado e não tolero evangélicos fora da igreja. Eles são um dos principais pontos de apoio do fascista Bolsonaro.
Se você quiser livros e cultura — artefatos tão desprezados pelos atuais governantes –, entre em contato conosco. Somos uma pequena e corajosa livraria que está enfrentando a crise com dificuldade e dignidade. Não demitimos nenhum funcionário e este é um ponto de honra nada desconsiderável. Obviamente, estamos respeitando o distanciamento social, mas temos telentrega ativa para todo o Brasil.
Entre em contato pelo Whats 51 9 9255 6885.
P. S. — Tô tentando lembrar onde fiz meu doutorado…
Eu sou uma pessoa que raramente cai, mas hoje sofri uma queda bem perigosa. Estava no estreito canteiro central da Av. João Pessoa. Caminhava na direção contrária a de um ônibus que ia para o centro. Estava de máscara e com os óculos embaçados.
De máscara e óculos, não vejo muita coisa e achava que não precisava; afinal, faço aquele caminho todo dia. Só que tropecei numa raiz de árvore e fui direto para o chão. Tudo foi súbito. Meus óculos e fones de ouvido caíram e, quando levantei a cabeça, vi o ônibus passar do meu ladinho. Meio apavorante.
Não sofri nada, não bati com a cabeça no chão, mas estou com dores musculares nas costas por ter impedido que isto acontecesse. Levantei rapidamente, senti primeiro a reclamação da barriga pela batida no chão e depois uma maior das costas, já loucas por uma contratura.
Botei os óculos, os fones e completei a caminhada de 20 min até em casa.
Quando cheguei, é claro que a Elena logo relacionou minha queda com a de Berlioz em ‘O Mestre e Margarida’. Sim, a queda que decapitou Berlioz após Ánnuchka ter derramado o óleo. Um bonde passou e…
Eu aprendi uma coisa curiosa naqueles dias da virada dos anos 60 para os 70, mais exatamente entre 1969 e 75, quando fui aluno do Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Tal ensinamento grudou em mim, desde aquela época em que o Julinho vivia seus últimos dias de auge e tinha algumas características educacionais bem próprias e libertárias, mesmo durante a ditadura.
O ensinamento era o seguinte: quando alguém denunciava um colega por ter cometido um erro ou alguma coisa fora das regras da escola ou do razoável, uma dura punição acabava sendo dirigida a ambos, ao delatado e ao dedo-duro, o delator. Porém, quando alguém confessava seu ilícito, a punição era bem menor. Pois delatar seria uma forma de filha-da-putice, uma canalhice, deslealdade, traição. E não confessar também.
Eu adquiri tal postura. Quando faço algo errado, seja uma brincadeira equivocada ou um ato mais grave, me entrego logo de cara., peço desculpas, etc. Porém, quando outro comete mancadas, jamais acuso, mesmo que saiba. Tive uma colega e amiga que fazia o mesmo, e então comprovei como esta nobre postura também pode ser péssima. No trabalho como jornalista, ela tinha a mesma função de outra funcionária, que sempre acabava por montar nela. Todo erro dela era criticado em voz alta pela colega — algumas vezes por e-mail para a chefia e colegas –, a qual jamais recebia uma resposta de mesmo calibre. A acusadora acabou tida como pessoa correta e intocável, apenas caindo no conceito da minha amiga, o que não tinha significado nenhum na dinâmica do grupo. Pior, minha amiga silenciosamente corrigia os erros cometidos pela dedo-duro, tudo em nome do “time”. Se o Papa a conhecesse, lhe concederia a canonização.
Lembro que ela nunca virou seu caminhão de lixo ou de ressentimento sobre a outra. Todos a viam como uma jornalista mais ou menos competente e nada sacana. Eu só observava. Um dia, após um discurso da filha da puta, dei-lhe os parabéns e disse que, a propósito, não era de meu feitio apontar os erros de outros para a chefia. Resultado: ela passou a me perseguir.
Mas ela não sabia administrar o sarcasmo alheio e nisso… Bem, nisso eu sou bom demais.
Ontem, nestes dias de pandemia e de absoluto nervosismo em razão da necessidade de incrementar as vendas da Livraria Bamboletras, que hoje trabalha em regime de telentregas, acordei, liguei o celular e vi que no meu WhatsApp chegavam inúmeras mensagens do Magazine Luiza parabenizando-me por ter feito várias compras durante a madrugada.
Comprei ar condicionado, TV, geladeira, fogão e peças para todo tipo de carros. Gastei uma fortuna! E estava dormindo!
Ligo para o Luiza e fico sabendo que um fraudador usou o meu nome, o meu Whats e o meu e-mail. Mas fez a compra num cartão de outro, que deve ter sido roubado ou enganado. A entrega seria em Minas Gerais.
Hoje, como o Magazine tem parceiros, os caras passaram a me mandar Whats garantindo que sou o mais feliz dos homens. Afinal, a transportadora já estava com meus itens e eu seria informado passo a passo até o recebimento.
Então, apesar de que o cartão não era meu e não receberia nenhum dos itens comprados, comecei a ficar ainda mais nervoso. Liguei de novo para a empresa, que revisou tudo e inclusive me deletou temporariamente do sistema deles, pois sou cliente. Só elogios para o Magazine Luiza.
O golpe então é este: os caras roubam um cartão, mas quem é informado da movimentação não é o dono do mesmo e sim um dono de livraria angustiado. Mas boa pessoa, modéstia à parte, pois salvou a vida financeira de quem não conhece.
Do tjournalrusso Notícia encontrada por Elena Romanov Tradução (bem) livre de Milton Ribeiro com ajuda do Google Tradutor
Voluntários consideraram o sistema caro demais e simplesmente realizaram o serviço para o governo, apontando-o como despesa injustificada.
Um grupo de programadores tchecos fez e entregou ao governo um sistema de informática de graça, que tinha sido encomendado a outra empresa. Os desenvolvedores fizeram isso em protesto contra o “desperdício” do Ministério dos Transportes. Na opinião deles, as autoridades firmaram um contrato excessivamente alto. A história chegou ao primeiro-ministro tcheco e ele demitiu o ministro dos Transportes.
Tudo começou com uma compra sem licitação para a criação de um serviço para a venda de autorizações eletrônicas de viagem para rodovias com pedágio. O pedido de 400 milhões de coroas tchecas (quase 16 milhões de euros) incluía o desenvolvimento de uma loja online e dois aplicativos para iOS e Android. O contrato de quatro anos para o desenvolvimento e suporte do site foi assinado com a Asseco Central Europe — sem edital público, repetimos.
O negócio provocou indignação na comunidade de TI tcheca devido ao “desperdício óbvio” por parte do governo. O proprietário da Actum Digital, Tomas Vondracek, chamou a proposta de “absurda” e acrescentou que o trabalho poderia ser feito “em alguns dias”.
Vondrachek convidou programadores locais a se unirem a fim de criarem um sistema análogo. Eles planejaram fazer tudo durante um fim de semana no escritório da Actum Digital em Praga e simplesmente transferir o código para o governo tcheco como presente e um exemplo de como os impostos dos cidadãos são gastos.
“Fomos motivados pelo desejo de resistir ao sistema de superestimar contratos estatais, onde há repetidos abusos. Neste caso, nosso dinheiro simplesmente entrava pelo cano”, disse.
Mais de 300 programadores da República Tcheca responderam às chamadas nas redes sociais. Na sexta-feira, 24 de janeiro, 60 técnicos se reuniram no escritório de Vondrachek para começar a trabalhar. No domingo (26) à noite, eles criaram a plataforma fairznamka.cz, que atendia aos requisitos do serviço de 16 milhões de euros.
O primeiro-ministro tcheco Andrei Babish veio ver o trabalho dos programadores. “Estou chocado com o que está acontecendo”, disse ele a repórteres. Os voluntários desenvolveram o serviço em 22 horas de trabalho.
Já na segunda-feira, 27 de janeiro, o site ganhou um módulo público de teste. O aplicativo ainda não está conectado ao sistema estatal, mas cumpre todas as funções necessárias. Durante o primeiro dia, o serviço foi visitado por mais de 175 mil pessoas que experimentaram a carga no site e fizeram as primeiras compras. Os pagamento pelo acesso à rodovia foram feitos simbolicamente. Mas quem quisesse, poderia pagar de verdade, o dinheiro arrecadado iria para organizações de sem-teto do país.
O governo tcheco inicialmente se ofereceu para pagar pelo sistema, mas depois aceitou o site fairznamka.cz de presente, como o pretendido pelos programadores. Babish enfatizou que o Ministério dos Transportes realizará uma licitação pública para encontrar uma empresa que implante o sistema ainda este ano. Espera-se que o valor do contrato seja muitas vezes menor que o original. Vondraček estimou que a licitação terá um valor de 25% do valor inicial e sublinhou que sua empresa não participará do novo edital.
O ministro dos Transportes tcheco, Vladimir Kremlik, foi demitido. Representantes da empreiteira Asseco Central Europe disseram que estavam prontos para rescindir o contrato sem reivindicar compensação. Após a renúncia, Kremlik observou que respeita a decisão do primeiro-ministro, mas acrescentou que suas prioridades eram criar um sistema “sem demora”…
Segundo Vondrachek, o desenvolvimento voluntário é um importante precedente, após o qual a República Tcheca, refletirá sobre o valor de cada serviço. “Acho que as licitações de TI excessivamente altas acabaram”, acrescentou.
Pois então eu disse para minha Adorável Irmã que me enchia o saco, perguntando insistentemente o que eu queria:
— Me dá uma roupa qualquer de aniversário.
Ela obedeceu. Trouxe uma camisa bem legal e uma cueca de zebrinha. A cueca era uma brincadeira, é claro. Ou não, pois não sei a que gênero de fetiches a Adorável é aficionada. Examinei a cueca. Era uma boa cueca, não era fio dental nem tanga, era até bem grandona, de um modelo que acho que chamam de boxer, mas era de zebrinha…
Tudo bem, guardei a cueca. Só que comecei a usá-la no dia-a-dia. O tecido era muito bom, agradável ao toque e não apertava, uma maravilha.
Minha ex-mulher dizia para eu não sair na rua porque
— imagina se tu sofres um acidente e tiram as tuas calças? O que vão pensar?
Nem presumo que tipo de acidente me obrigaria a tirar as calças, porém fiquei fantasiando a cena: eu caído no meio da rua após um atropelamento, um popular resolve me tirar a roupa para que eu fique mais arejado e…
— nossa…
— que selvagem…,
— hummm…
— será que é comestível?
E eu agonizando no meio da rua enquanto ouvia as piadas.
Bom, vocês então já sabem que eu usava a cueca de zebrinha por aí. Então, certo dia, eu e minha ex-mulher íamos a um concerto. A combinação era de que eu a pegaria no escritório e dali iríamos direto. Muito bem. Quando cheguei de carro ao prédio, telefonei para ela, que respondeu aos gritos e com voz de choro.
— Estourou um cano aqui na sala, estou sozinha. Busca um tampão numa ferragem e corre aqui de volta!!! Te apressa, é uma tragédia!!!
Dez minutos depois, lá estava eu com vedante e tampão. A sala era uma bósnia. Vocês sabem como são os prédios antigos: há registros que não funcionam, outros que não desligam nada, tubulações que não dão em lugar nenhum — parece Escher — e, na cozinha do escritório, havia uma torneira de plástico preto que dava no exato lugar onde, em tempos imemoriais, talvez houvesse uma pia ou um tanque. Minha ex batera sem querer com o braço na torneira e ela simplesmente estava colada e… Saiu voando! Uma beleza a força do jato, todo o escritório estava com um dedo de água e eu concluí que aquele dedo d`água causaria aos móveis outra tragédia, esta financeira. Fui ao banheiro, tirei os sapatos, as meias, a camisa, as calças e voltei com aquele ar temático para a cozinha. Isto é, era uma zebrinha. Descobri, tomando um dos maiores banhos de minha vida, que a parte da torneira que ficara dentro do cano estava toda untada de cola e que não sairia assim no mais. Procurei alicate, não havia; procurei chave-de-fenda, nada; tentei com facas, banho. Chamamos então o Pingo, nosso faz-tudo.
Enquanto isso, pus-me a trabalhar. Abri os ralos que havia por perto, peguei um rodo e comecei a direcionar o rio para aqueles locais. Um tremendo sucesso: mesmo com o jato ativo, a quantidade que eu lograva fazer ir pelos ralos era maior. Suava feito um estivador, mas meu bom humor estava de volta em função de ter provado àquela porra de jato d`água que eu era maior e mais forte. Ah, a alegria das tarefas braçais bem realizadas, feitas sem um nada de cérebro!
Foi quando tocaram a campainha da porta. Berrei para a minha ex atender. Devia ser o Pingo. Ouvi vozes. De mulher. Então, ela entrou na cozinha com a vizinha de baixo, uma chilena chamada Nila, enquanto eu jogava água para todos os lados vestido apenas com a cueca de zebrinha. Claro, ninguém tem nada a ver com as cores de minhas cuecas, mas… Bem, já é estranho a vizinha de baixo de um edifício de escritórios nos ver de cuecas se não temos relação mais íntima, contudo é para lá de estranho que em nosso primeiro contato sejamos tão esclarecedores sobre nossas preferências. E, vocês sabem, sou um sujeito sério, erudito, metido a intelectual, não é legal que logo a pessoa mais fofoqueira do prédio me pegue em trajes tão significativos. Ela foi embora com inédita rapidez, sem mesmo dizer oi nem tchau, como se tivesse visto uma cena pornográfica ou uma barata verde-limão. Eu fiquei irritadíssimo. Como é que foi autorizada a entrada de estranhos durante meu trabalho?
Como vingança pelo ato falho, tirei as cuecas e passei a mandar água para o ralo sem roupa nenhuma. Aí me veio a ideia de pegar um pau qualquer, fazer uma ponta levemente crescente nele, enrolá-lo num pano e depois metê-lo no cano. A raiva nos faz pensar, viram? E não é que o jato estancou? Pude então ir mais longe do que a cozinha e empurrar a água que estava no resto do escritório para os ralos. Mais suor e mais sucesso. Então, minha querida ex-esposa, ela de novo, que fora fazer relações públicas pelo prédio a fim de não brigar comigo, entrou na sala com outra vizinha, esta muito mais respeitável, a D. Rose. As duas puderam avaliar minha genitália, mas creio que viram melhor o traseiro, tal a velocidade com que retornei à cozinha.
Depois, o Pingo chegou e arrumou tudo, rindo de nossas histórias. Levamos o Pingo em casa e acabamos no cinema. Eu com minha roupa inteiramente seca, ela toda molhada. Fiquei preocupadíssimo.
Abaixo, reportagem da Marie Claire sobre Sabrina Bittencourt.
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Ativista social e uma das mulheres que ajudou a desmascarar abusos sexuais de João de Deus e Prem Baba, Sabrina Bittencourt, 38, cometeu suicídio no sábado (02/02). Em nota de falecimento comunicada à imprensa assinada por Maria do Carmo Santos, presidente da ONG Vitimas Unidas, com a qual Sabrina trabalhava, a morte de Bittencourt foi confirmada.
“O grupo Vítimas Unidas comunica com pesar o falecimento de Sabrina de Campos Bittencourt ocorrido por volta das 21h deste sábado, 02 de fevereiro, na cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivia. A ativista cometeu suicídio e deixou uma carta de despedida relatando os porquês de tirar sua própria vida. Pedimos a todos que não tentem entrar em contato com nenhum integrante da família, preservando-os de perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil. Dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabem do ocorrido e o pai, Rafael Velasco, está tentando protege-los. A luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”.
Antes de cometer suicídio, a ativista e Doutora Honoris Causa por seu trabalho humanitário pela UCEM – Universidad del Centro, no México, escreveu post em sua conta no Facebook em que fala sobre sua vida e a luta pelas mulheres e minorias. “Marielle me uno a ti. Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos.”. Sabrina, que morava em Barcelona, se matou no sábado (02/02) e deixa três filhos.
De família mórmon, Sabrina foi abusada desde os 4 anos por integrantes da igreja frequentada pela família. Aos 16, ficou grávida de um dos estupradores e abortou. Bittencourt dedicou a vida a militar por vítimas de abuso e a desmascarar líderes religiosos, dentre eles Prem Baba e João de Deus. Bittencourt é uma das criadoras do “movimento” Coame, sigla para Combate ao Abuso no Meio Espiritual, plataforma que concentra denúncias de violações sexuais cometidas por padres, pastores, gurus e congêneres. Sabrina ajudou, principalmente, as vítimas de abuso sexual de João de Deus, investigando as acusações junto à imprensa. Sabrina também auxiliou a filha do próprio médium, Dalva Teixeira, na denúncia contra o pai por abuso.
Em relato em primeira pessoa feito em dezembro de 2018 à Marie Claire, Sabrina conta sobre a vida de abusos e como se tornou uma das principais vozes e forças de apoio a vítimas de abuso sexual, principalmente dentro de grupos religiosos. Alvo de ameaças de morte, Sabrina vivia fora do Brasil e se mudava frenquentemente.
A seguir, leia na íntegra o post de Sabrina postado no Facebook na noite de sábado (02/02):
“Marielle me uno a ti. Somos semente. Que muitas flores nasçam dessa merda toda que o patriarcado criou há 5 mil anos! Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos. VOCÊS TERÃO MILHARES DE MÃES NO MUNDO INTEIRO. Minhas irmãs e irmãos na dor e no amor, cuidem deles por mim… ❤️ Eu sempre disse que era só uma pequena fagulha. Nada mais. Só pó de estrelas como todos. USEM A SUA PRÓPRIA VOZ. A SUA PRÓPRIA VONTADE. TOMEM AS RÉDEAS DE SUAS PRÓPRIAS VIDAS E ABRAM A BOCA, NÃO TENHAM VERGONHA! ELES É QUEM PRECISAM TER VERGONHA. Não aguento mais. Todas as provas, evidências, sistemas de apoio, redes organizadas e sobretudo, meu legado e passagem por aqui está entregue ou chegará às mãos corretas. As REDES DE APOIO AOS BRASILEIR@S FORAM CRIAD@S E SE EXPANDIRÃO NA VELOCIDADE DA LUZ! Não se desesperem. Dessa vida só levamos o mais bonito e o aprendido. Paulo Pavesi, eu sinceramente sinto muito pela morte do seu filho. Tenha certeza, que se eu soubesse da sua história na época, implicaria minha vida e segurança como fiz com centenas de pessoas. Damares, eu sei que você não teve tratamento psicológico quando deveria e teve sequelas, servindo de marionete neste sistema de merda que te cooptou, acolheu e com o qual você se sente em dívida o resto da sua vida. Não tenho dúvidas que você amou e cuidou da sua “Lulu” como gostaria de ter sido cuidada e protegida na sua infância, mas ela nao é uma bonequinha bonita que você poderia roubar e sair correndo… Giulio Sa Ferrari, eu te considerei um irmão e você sabia de todas as minhas rotas de fuga… eu vi em você a pureza de um menino que nunca foi notado por uma sociedade neurotípica que não entendia os neuroatípicos, mas reputação é algo que se constrói e não é de um dia ao outro. Gabriela Manssur, muito obrigada por me fazer ter esperança de que elas serão ouvidas e atendidas em suas necessidades. João de Deus, Prem Baba, Gê Marques, Ananda Joy, Edir Macedo, Marcos Feliciano, DeRose Pai, DeRose filho, todos os padres, pastores, bispos, budistas, espíritas, hindús, umbandistas, mórmons, batistas, metodistas, judeus, mulçumanos, sufis, taoístas, meus familiares, Marcelo Gayger, Jorge Berenguer, eu desconheço a sua infância e a sua criação pelo mundo, mas sei no meu íntimo que TODO MENINO NASCEU PURO e foi abusado, corrompido, machucado, moldado, castrado, calado, forçado a fazer coisas que não queria, até se converter talvez, cada um à sua maneira, em tiranos manipuladores (em maior ou menor grau) que ao não controlar os próprios impulsos, tentam controlar a quem consideram mais frágil e assim praticam estupros, pedofilia, adicções diversas… Eu sei, eu sinto, eu vi. Mas ainda assim, preferi SEMPRE ficar do lado mais frágil nesta breve existência: mulheres, crianças, idosos, jovens, povos originários, afrodescendentes, refugiados, ciganos, imigrantes, migrantes, pessoas com deficiência, gays, pobres, lascados, fudidos, rebeldes e incompreendidos… Essa vida é uma ilusão e um jogo de arquétipos do bem e do mal, de dualidades… desde que o mundo é mundo. Vivo num outro tempo desde que nasci e sempre senti que vivia num mundo praticamente medieval. Volto pro vazio e deixo minha essência em PAZ. Aos meus amigos, amadas e amantes, nos encontraremos um dia! Sintam meu amor incondicional através do tempo e do espaço. SIM e FIM.”
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Obs. do editor: Não tenho boas alternativas, mas não gosto da expressão “cometeu suicídio”. A pessoa comete crimes ou ilícitos. Acho que tirar a própria vida, matar-se, suicidar-se ou abandonar a vida é um direito.
Num fim de semana em que houve uma super treta nas redes — na verdade uma confusão de nossa época burra e infantilóide, que confunde a babaquice de um cara com abuso –, ficamos bastante em casa, só saindo para o supermercado e para uma bela festa de fim de ano em casa de amigos. Começamos indo ao cinema assistir o último filme de Woody Allen lá na quinta-feira, mas depois foi isso mesmo, para alegria do gato Wassily, que teve sempre companhia. Não que ele demonstre, claro; afinal, é um gato crasso, cheio de si e com pouca disposição para se preocupar com os outros.
Ontem, enquanto víamos o excelente A Ovelha Negra no Now (Cult Independentes), ele subiu numa cadeira para observar de perto nossa musa Elena, que parou o filme para fotografá-lo.
Sou um chato que não aprova interrupções, mas não posso nada contra o amor que liga gato e dona.
Durante a pausa, pensei que este ano começará em janeiro, com o julgamento de Lula, e não depois do Carnaval. Estarei de férias durante o julgamento, o que talvez me salve de grande irritação. Não que morra de amores pelo ex-presidente, mas por tratar-se de um julgamento político ou travestido de técnico.
Bem, então voltamos para nosso filme que, aliás, já era o chatinho iraniano Táxi Teerã. Fico com pena do cineasta censurado por 20 anos, mas Isto não É um Filme, também de Jafar Panahi, na época em prisão domiciliar, é bem melhor.
Parte da esquerda — trincheira à qual pertenço — adora o Islã, que dá guarida para a misoginia, a homofobia, o assassinato de apóstatas e as pseudociências. Não entendo. Entendo é a ucraniana Anna Muzychuk, bicampeã do mundo de xadrez. Ela não irá defender seus títulos no campeonato mundial feminino que tem lugar na Arábia Saudita.
Em publicação na sua página de Facebook, Anna escreveu que prefere defender a igualdade de gênero e ser fiel aos seus princípios: “Não quero jogar pelas regras de outros, não quero usar abaya [veste islâmica para as mulheres que na Arábia Saudita é obrigatória], não quero ter de andar acompanhada para sair e, no geral, não quero me sentir uma criatura secundária”.
“Estou preparada para me erguer pelos meus princípios e não ir a um evento onde, em cinco dias, deveria ganhar mais do que ganho numa dezena de eventos juntos”, explicou Muzychuk, acrescentando que “tudo isto é irritante, mas o mais perturbador é que quase ninguém se preocupa”, acrescentou.
Em fevereiro deste ano, a campeã norte-americana Nazi Paikidze recusou-se a participar no mundial feminino no Irã, devido à obrigatoriedade do uso de um véu na cabeça. Nessa competição, Anna Muzychuk participou e aceitou utilizar o véu, algo que considerou “mais do que suficiente”.
Numa outra publicação na sua página pessoal, em novembro, Anna Muzychuk justificou a decisão: “Primeiro o Irã, depois a Arábia Saudita. Pergunto-me onde será organizado o próximo campeonato mundial feminino. Apesar do prêmio recorde, não irei jogar em Riad. Usar abaya o tempo todo? Tudo tem o seu limite”, escreveu.
Um amigo meu que não via há tempo me contou uma história sobrenatural. Ele viu uma mulher na rua, objetificou-a severamente por alguns dias, reencontrou-a, apresentou-se quando ela meio que sorriu pra ele, ela soube de tudo, fizeram sexo consensual e estão juntos há dez meses, felizes. Achei incrível a história. A natureza humana é muito surpreendente.
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Marchezan diz que a cidade está um caos.
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Vou dar um tiro nessa veia…
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Pensei muitas vezes que um bom escritor é o contrário de um bom político. Um bom político é aquele que enfrenta um problema complexo, reduz esse problema às suas linhas essenciais e o resolve pela via mais rápida; em contrapartida, um bom escritor é aquele que enfrenta um problema complexo e em vez de resolvê-lo, o torna ainda mais complexo e um escritor genial é aquele que cria um problema onde antes não existia nenhum. Os bons políticos simplificam a nossa vida e os ruins a complicam e complicando-a, empobrecem-na, enquanto os maus escritores simplificam a nossa vida e os bons a complicam e complicando-a, enriquecem-na: é por isso que os bons políticos costumam ser tão maus escritores e os bons escritores, tão maus políticos.
Trecho acima da conferência O Ponto Cego, de Javier Cercas, publicada na Revista Serrote 27 de novembro.
(E Bach, que pega um tema simples e o mostra de tantas formas diferentes que tu ententes que a simplicidade, simplesmente, não existe?)
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David McLane:
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Depois o cara não recebe o Nobel de Literatura e não sabe por quê.
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Especialmente nos dias de hoje, não existe nenhuma razão para existir a menos que se creia possível fazer da própria vida algo decisivo. Para todos, para a humanidade. Isso exige uma certa quantidade de atrevimento. Uns poderiam chamar de ambição, outros de desfaçatez. Se tentasse explicar esse ponto de vista, decidiriam me amarrar em uma camisa-de-força imediatamente. Contudo, se você acha que as forças históricas estão mandando tudo e todos para o inferno, você pode resignadamente se juntar à procissão ou então se afastar; e se afastar, não por orgulho ou por outros motivos particulares, mas sim por admiração e amor pelos potenciais e capacidades do ser humano para os quais, sem exagero, as palavras “milagre” e “sublime” podem ser aplicadas.
(Saul Bellow, A mágoa mata mais)
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Admirável o filme “Com Amor, Van Gogh” ou, mais corretamente, “Com Amor, Vincent”. É uma animação para adultos que envolveu a criação de 62.450 quadros a óleo para contar os dias finais da vida do pintor. Mas os aspectos técnicos, apesar de impressionantes, ficam secundários, servindo para contar uma história sensível e emocionante. Um dos melhores filmes do ano, sem dúvida.
Já “Thelma” é um filme escandinavo que envolve ódio e paranormalidade. Não tem a qualidade do primeiro, mas é tão bom que tenho certeza que os estadunidenses logo farão um remake piorado. Vi ambos no Guion Cinemas.
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Nova primeira ministra da Islândia, Katrin Jakobsdottir, tem 41 anos, é socialista, feminista, anti-armas, luta por igualdade de gêneros, vai expandir a saúde pública e acha o Acordo de Paris contra o aquecimento global fraco.
Infelizmente, não dá para importar. Fiquemos com Temer, Sartori e Marchezan. Afinal, votamos neles (nos três).
“Pai, a mamãe amassou o teu carro novo”, disse o menino, deixando a mãe sem chances de explicar ao marido, com calma, o que tinha acontecido. Numa outra ocasião, enquanto o irmão contava que tinha perdido o aparelho dos dentes, ele logo entregou: “É mentira! Eu vi ele pisar em cima do aparelho no banheiro”. Bonitinho, não? Mas depois eles crescem.
Na empresa, o dedo-duro invariavelmente será ou um bajulador do chefe ou um alpinista que vê nos deslizes de alguém a oportunidade para depreciá-lo e, desta forma, conquistar a confiança dos superiores. Quando questionado sobre suas razões, irá enaltecer a necessidade de qualidade e a importância do trabalho. Mais pressionado, invocará princípios éticos e morais…
Não sei fazer isso. Na minha escola, o Colégio Júlio de Castilhos, quem dedurasse recebia a mesma punição do dedurado. Recebi péssima educação, vai ver. Tenho visto muita gente da nova geração dedurando, mesmo que não saiba da missa a metade. Fico chocado.
Mas é claro que há dedos-duros de todas as idades, não é um fenômeno geracional, minha amostragem é que é viciada.
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Ao acusado, opino: “É censurável usar de arrogância para com o humilde. Mas talvez seja ainda pior seguir humilde frente a arrogância”. Outra coisa: a acusação era falsa. Tu não tinhas feito nada, apenas tinhas feito pouco.
Mudando de assunto: Mas e quando a gente vê um colega fazendo algo muito errado? Criminoso até?
Aí conta, né? Há uma diferença entre delação e denúncia. Quando for coisa do dia a dia, o melhor é manter uma conversa privada com quem errou e lembrá-lo da regra que está sendo infringida. Havendo persistência no erro, teimosia ou sacanagem, aí, sim, é cabível uma denúncia aos superiores. Se for CRIME, o caso é outro.
Em minha opinião, o roubo de livros é uma atividade adolescente, no máximo universitária. Um ladrão de livros com mais de 23 anos é um sujeito digno de lástima, a não ser que não tenha absolutamente dinheiro para obtê-los. O amor aos livros justifica o erro e esta atividade deve ser coibida pelo livreiro com compreensão, até com carinho por seu futuro cliente. Roubei muitos livros na época em que tinha entre 15 e 22 anos. Quando chegava em casa, escrevia meu nome e a data, acompanhado da misteriosa inscrição “Ad.”, de adquirido. Nunca me pegaram. Hoje tenho 59 anos e nem penso mais nisso. Porém, já fui um ladrão de livros. Comecemos pela ética da coisa e depois vamos às instruções.
Nunca roubarás as pequenas livrarias. Pois as pequenas livrarias foram feitas para a amizade, para as conversas e não combinam com atitudes detetivescas. Também não se rouba onde é fácil demais e onde o livreiro atende o cliente pessoalmente. Além do mais, roubar uma pequena livraria é colaborar com a proliferação das megalivrarias, estabelecimentos sem personalidade, de atendimento impessoal e onde grassa a ignorância a respeito do próprio acervo. Não se roubam livreiros que sobrevivem com dificuldade.
Nunca roube, a não ser que sejas estudante ou estejas desempregado. Roubo de livros não combina com salário e cleptomania. O roubo de livros deve nascer de uma necessidade absoluta de literatura ou informação, de um imperativo interno que esteja catalogado no CID.
Nunca olharás em torno. O fundamental, para quem pretenda atuar nesta área, é manter o ar casual. É como colar numa prova. Se, durante uma prova, você abre sua bolsa para pegar um lápis, você não olha para o professor. Se você for colar, aja com a mesma naturalidade. Não olhe para os lados, não observe onde o professor está — evite, é claro, fazê-lo com ele a seu lado –, pois se você se comportar como um periscópio de submarino, o inimigo irá observá-lo.
Nunca venderão livros onde vendem mondongo. Na minha época, a vítima principal de meus roubos era um supermercado. Vender livros em supermercados… Vender livros ao lado de azeitonas, bifes de fígado, mondongo e alvejante é algo que desmerece a literatura e, se nossas leis fossem inteligentes, tal absurdo seria proibido. O roubo era simples, mas envolvia alguns gastos. Eu pegava o livro na estante e me dirigia com ele à lancheria. Levava o livro como quem não quer nada, como se fosse seu dono. Lá, sentava-me e pedia qualquer porcaria, de preferência gordurosa. Enquanto esperava, pegava minha caneta e iniciava a leitura. Quando passava por uma parte interessante, sublinhava-a; se houvesse algo engraçado, desenhava uma carinha rindo; se triste, uma cara triste. Na última página, escrevia um número de telefone, como se ontem estivesse em casa com meu livro sem um papel para anotar e tivesse anotado na última página da coisa mais à mão, meu livro. Outra coisa importante que fazia era ler girando a capa até a contracapa, segurando o livro com firmeza, de forma a marcar a lombada. Fazia isso em vários pontos até a metade do volume. Sim, exato, você o deixará usado! Depois, é só sair do super com o livro na mão, naturalmente, à vista de todos.
Nunca terás pressa. Havia outras livrarias que colaboraram para meu acervo da época. Nelas, o método era outro. Sabemos que um bom leitor, utiliza seus livros como objetos transicionais; ou seja, ele leva seus livros aonde vai, da mesma forma que uma criança leva seu bichinho, travesseirinho de estimação, sentindo-se mal se ele não está próximo. Então, entrava na livraria sem pressa e pegava um livro. Caminhava lentamente mais ou menos 1 Km dentro do salão. Se alguém o estivesse observando, certamente cansaria. Lá pelo meio da jornada, colocava o livro a ser surrupiado junto do livro que trouxera, o objeto transicional. Caminhava mais 1 Km dentro da livraria. Chegava a cansar de ser dono daquele livro. Saía calmamente. Ficava um bom tempo na porta da livraria examinando os lançamentos, parava na frente da vitrine, demonstrava segurança, espezinhava o medo. Depois disso, podia ir para casa.
Nunca deixarás de examinar todas as variáveis à luz da tecnologia de nossos dias. Como já disse, não estou mais em idade de cometer tais pequenos crimes. Portanto, estou desatualizado e desconheço o método correto. Posso apenas sugerir posturas. As megalivrarias tem aquela coisa magnetizada ou com chip que acompanha o livro. Aquilo tem de ser anulado ou retirado. Estará a juventude de hoje destinada a pagar por todos os seus livros? E depois falam em incentivo à leitura! Olha, talvez não seja necessário pagar sempre. Há que anular o troço, talvez até arrancando a geringonça do livro. Pergunta: se você colocar o objeto de desejo dentro de uma bolsa, entre papéis ou de alguma forma tapado, mesmo assim acordará o alarme no momento da saída? Sim, o risco é imensamente maior e nem imagino o que os homens da segurança farão com você. Outro jeito é usar a ciência e desmagnetizar a coisa. Leve ímãs, leia a respeito, pesquise. Como esses livrarias são grandes e às vezes têm cafés, você pode avaliar com tranquilidade os riscos e a forma mais adequada de ler o próximo Thomas Pynchon. Todos nós já vimos como o caixa realiza a mágica de desmagnetizar; ele apenas adeja algo semelhante a um limpador de discos de vinil sobre a contracapa do livro. O que é aquilo? Concordo, é uma merda, haverá menos romantismo e mais aventura.
Nunca roubarás pockets. Sabemos que o preço do livro no Brasil é escandaloso. Para solucionar o problema, a L&PM começou a comercializar pocket books. Outras a imitaram. É uma coisa boa. Não, meu amigo, roubar esses bons livrinhos de menos de R$ 20,00 é pecado e, se você o fizer, merecerá o patíbulo.
Nunca negarás o empréstimo de livros. Um dos lugares-comuns mais ridículos que as pessoas dizem é “Não empresto meus livros”; verdadeiro clichê de quem não gosta e não confia nos amigos. Estes merecem o açoite. Imaginem que já emprestei até meu Doutor Fausto! Um livro lido e posto numa estante até o fim de seus dias é um livro que agoniza por anos. Comprar e nunca ler é fazer do livro um natimorto. Mas o pior são os do outro lado: aqueles que efetivamente não devolvem os livros tomados por empréstimo, justificando a atitude paranoica do primeiro. Patíbulo, novamente.