Minha cueca de zebrinha

Pois então eu disse para minha Adorável Irmã que me enchia o saco, perguntando insistentemente o que eu queria:

— Me dá uma roupa qualquer de aniversário.

Ela obedeceu. Trouxe uma camisa bem legal e uma cueca de zebrinha. A cueca era uma brincadeira, é claro. Ou não, pois não sei a que gênero de fetiches a Adorável é aficionada. Examinei a cueca. Era uma boa cueca, não era fio dental nem tanga, era até bem grandona, de um modelo que acho que chamam de boxer, mas era de zebrinha…

Tudo bem, guardei a cueca. Só que comecei a usá-la no dia-a-dia. O tecido era muito bom, agradável ao toque e não apertava, uma maravilha.

Minha ex-mulher dizia para eu não sair na rua porque

— imagina se tu sofres um acidente e tiram as tuas calças? O que vão pensar?

Nem presumo que tipo de acidente me obrigaria a tirar as calças, porém fiquei fantasiando a cena: eu caído no meio da rua após um atropelamento, um popular resolve me tirar a roupa para que eu fique mais arejado e…

— nossa…
— que selvagem…,
— hummm…
— será que é comestível?

E eu agonizando no meio da rua enquanto ouvia as piadas.

Bom, vocês então já sabem que eu usava a cueca de zebrinha por aí. Então, certo dia, eu e minha ex-mulher íamos a um concerto. A combinação era de que eu a pegaria no escritório e dali iríamos direto. Muito bem. Quando cheguei de carro ao prédio, telefonei para ela, que respondeu aos gritos e com voz de choro.

— Estourou um cano aqui na sala, estou sozinha. Busca um tampão numa ferragem e corre aqui de volta!!! Te apressa, é uma tragédia!!!

Dez minutos depois, lá estava eu com vedante e tampão. A sala era uma bósnia. Vocês sabem como são os prédios antigos: há registros que não funcionam, outros que não desligam nada, tubulações que não dão em lugar nenhum — parece Escher — e, na cozinha do escritório, havia uma torneira de plástico preto que dava no exato lugar onde, em tempos imemoriais, talvez houvesse uma pia ou um tanque. Minha ex batera sem querer com o braço na torneira e ela simplesmente estava colada e… Saiu voando! Uma beleza a força do jato, todo o escritório estava com um dedo de água e eu concluí que aquele dedo d`água causaria aos móveis outra tragédia, esta financeira. Fui ao banheiro, tirei os sapatos, as meias, a camisa, as calças e voltei com aquele ar temático para a cozinha. Isto é, era uma zebrinha. Descobri, tomando um dos maiores banhos de minha vida, que a parte da torneira que ficara dentro do cano estava toda untada de cola e que não sairia assim no mais. Procurei alicate, não havia; procurei chave-de-fenda, nada; tentei com facas, banho. Chamamos então o Pingo, nosso faz-tudo.

Enquanto isso, pus-me a trabalhar. Abri os ralos que havia por perto, peguei um rodo e comecei a direcionar o rio para aqueles locais. Um tremendo sucesso: mesmo com o jato ativo, a quantidade que eu lograva fazer ir pelos ralos era maior. Suava feito um estivador, mas meu bom humor estava de volta em função de ter provado àquela porra de jato d`água que eu era maior e mais forte. Ah, a alegria das tarefas braçais bem realizadas, feitas sem um nada de cérebro!

Foi quando tocaram a campainha da porta. Berrei para a minha ex atender. Devia ser o Pingo. Ouvi vozes. De mulher. Então, ela entrou na cozinha com a vizinha de baixo, uma chilena chamada Nila, enquanto eu jogava água para todos os lados vestido apenas com a cueca de zebrinha. Claro, ninguém tem nada a ver com as cores de minhas cuecas, mas… Bem, já é estranho a vizinha de baixo de um edifício de escritórios nos ver de cuecas se não temos relação mais íntima, contudo é para lá de estranho que em nosso primeiro contato sejamos tão esclarecedores sobre nossas preferências. E, vocês sabem, sou um sujeito sério, erudito, metido a intelectual, não é legal que logo a pessoa mais fofoqueira do prédio me pegue em trajes tão significativos. Ela foi embora com inédita rapidez, sem mesmo dizer oi nem tchau, como se tivesse visto uma cena pornográfica ou uma barata verde-limão. Eu fiquei irritadíssimo. Como é que foi autorizada a entrada de estranhos durante meu trabalho?

Como vingança pelo ato falho, tirei as cuecas e passei a mandar água para o ralo sem roupa nenhuma. Aí me veio a ideia de pegar um pau qualquer, fazer uma ponta levemente crescente nele, enrolá-lo num pano e depois metê-lo no cano. A raiva nos faz pensar, viram? E não é que o jato estancou? Pude então ir mais longe do que a cozinha e empurrar a água que estava no resto do escritório para os ralos. Mais suor e mais sucesso. Então, minha querida ex-esposa, ela de novo, que fora fazer relações públicas pelo prédio a fim de não brigar comigo, entrou na sala com outra vizinha, esta muito mais respeitável, a D. Rose. As duas puderam avaliar minha genitália, mas creio que viram melhor o traseiro, tal a velocidade com que retornei à cozinha.

Depois, o Pingo chegou e arrumou tudo, rindo de nossas histórias. Levamos o Pingo em casa e acabamos no cinema. Eu com minha roupa inteiramente seca, ela toda molhada. Fiquei preocupadíssimo.

Apesar de terem razão, ecologistas são chatos e preguiçosos

Geralmente as sacolas plásticas têm mais conteúdo do que os ambientalistas.

Ricardo Henriques, vulgo @calhau

Não sei o motivo pelo qual tanta gente chata se interessa por ecologia. É algo complicado. Conheço uns legais, mas afirmo que são minoria. Parece que certos temas são perseguidos por chatos. É algo a ser analisado e combatido, porque o meio ambiente… Não, eu não!

Eu talvez tenha feito a minha parte ao apoiar as decisões daqueles que projetaram nossa casa de forma um pouco diferente e original. Construímos com dificuldades ainda não totalmente pagas um pequeno edifício de dois apartamentos e terraço de uso comum. No primeiro andar ficamos nós, no de cima a família do irmão de minha mulher — que não mora mais lá — , e no térreo é a garagem e os quartos dos guris (Bernardo e Bárbara). Na verdade, quem concebeu as novidades mais econômicas e corretas do ponto de vista ecológico foi o irmão da Claudia, que é engenheiro — essa raça cheia de fantasia, principalmente a que de são objetivos. A construção foi lenta, mas as características que vou tentar descrever abaixo tiveram pouca influência na demora. O que influenciou mesmo foram “os recursos” e a necessidade de obter empréstimos em meio a obra.

O que há de diferente em nossa nova casa:

1. As paredes duplas.

Objetivo: manter o conforto térmico sem gastar carradas com ar condicionado.

Construir um prédio com operários brasileiros e com especificações diferentes das habituais é uma coisa para loucos. A nossa construção possui paredes duplas de tijolos maciços. Entre elas, fica o melhor isolante térmico, o ar. Mas os pedreiros demonstraram sempre uma insopitável vontade de preencher o ar entre elas com cimento… Ai, meu Jisuis, até todas as possibilidades de acesso ao vão serem fechadas, tivemos que conviver com a ameaça de ver o conforto térmico planejado ir pelos ares ou ser tapado por cimento. Não foi uma vez que um pedreiro começou a virar baldes de cimento naquele espaço inútil…

Resultado prático: Nulo. Quando esquenta, os habitantes (inclusive eu) abrem as janelas. Quando esfria, tudo é fechado. As paredes duplas são boicotadas pelos habitantes.

2. O telhado de grama.

Objetivo: o mesmo anterior.

Muito comum na Europa e principalmente nos países nórdicos, o telhado de grama fica sobre o terraço impermeabilizado, acrescido de uma geomembrana, utilizada também em lagos artificiais. A grama, assim como nós, precisa manter sua temperatura estável. Para sobreviver, utiliza sua umidade. Claro que, se tivermos um gramado sobre a casa, quem estiver em baixo receberá o ganho secundário de não ter uma potencial estufa em seu teto. Protegido desta forma e com muita fé na ciência — ou seja, com as quatro paredes laterais e o teto livre da canícula — , o irmão da Claudia não previu a colocação de nenhum ar condicionado, não fazendo nem os buracos nas paredes para recebê-los.. Nós, mais céticos, aprovamos as idéias, mas mantivemos nossos buracos… Afinal, nossos termostatos parecem ter sido regulados na Suécia; odiamos o calor excessivo. A curiosidade é que o banco financiador, o Banrisul, por pura ignorância, não aprova projetos com telhados de grama. Apesar de toda a documentação apresentada, eles morrem de medo de infiltrações na construção que lhes servirá de garantia em caso de não pagamento. Ou seja, cidadãos comuns como nós estamos mais avançados do que o estabelecido pelos “técnicos” do banco financiador.

Resultado: Nulo, enquanto não nos livrarmos do Banrisul.

3. Reaproveitamento da água.

Objetivo: óbvio.

A maior parte da água consumida em uma casa é aquela que finaliza nossos nros. 1 e 2 diários ou, sendo mais claro, vai para as privadas. A água das privadas de nosso prédio será aquela que já foi utilizada em nossos banhos, na lavagem de nossa louça, etc. Esta é mais uma idéia do irmão da Claudia – o qual até tem nome, chama-se Natal, uma tragédia que herdou. Ele é engenheiro mecânico e trabalha no DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos) de Porto Alegre, conhece estas coisas de hidráulica. Porém, toda vez que um técnico vai em nossa casa fazer algum reparo, pergunta:

— Isto foi projetado pelo professor Pardal?

Resultado: acho que funciona.

4. Sombreamento de áreas do pátio com trepadeiras e plantas frutíferas.

Objetivo: produzir sombra no verão e deixar passar o sol no inverno.

No pátio, temos maracujás e parreira e bergamoteira e alfazemas e trepadeiras e manjericão para o pesto. Com o tempo, descobri que os corretos ecologistas são bons de promessa, não de botar água nas plantas. Sobra sempre para mim que, menos ambientalista e mais político, nego-me a ter um DOI-CODI de plantas em casa. Extingui de vez a Central de Torturas, que só se mantém no terraço, a fim de que sirva de lição para a humanidade não provocar outros holocaustos. Quando começaram as mortes, fui obrigado a assumir toda a plantação — menos a do terraço. Os ecologistas me veem da janela e, por vezes, abanam ou puxam conversa. Só.

Resultado: há alguma felicidade entre as plantas, mas não é devida a quem planejou a coisa.

5. Composteiras e outras bichices.

Os ecologistas cansaram, outros ficaram com medo de ratos e outros animais ferozes. Nunca saíram dos planos.

Tertulha Virtual (Tema: Água) – A Fonte da Donzela (Final)

Participando da Tertulha Virtual, criada pelo grande Eduardo Lunardelli do blog Varal de Idéias, deixo aqui para vocês o extraordinário momento em que a fonte de água (ou da vida) nasce sob a cabeça da filha cruelmente assassinada. Bergman é sempre perfeito e vale a pena ver não apenas esta seqüência final mas todo o filme. Porém o motivo de minha postagem começa aos 4min02.

A Fonte da Donzela é um filme de 1960. Trata-se da maravilhosa encenação e filmagem de uma lenda medieval sueca, cuja história copio abaixo. O vídeo está dublado em italiano… Acho que dá para entender.

Grande abraço, Eduardo.

Na Suécia do século XIV, Töre e sua mulher Märeta formam um casal que tem uma propriedade rural. Cristãos fervorosos, incumbem sua filha única, Karin, uma bela adolescente virgem, de quinze anos, de levar velas à igreja do vilarejo próximo e acendê-las em louvor à Virgem Maria.

Com licença da mãe, ela veste seu mais valioso vestido e parte, a cavalo, através de uma floresta, para realizar a missão a ela confiada. Acompanhando-a, segue ao seu lado, Ingeri, uma criada tida como filha adotiva do casal Töre, que se acha grávida.

No caminho, ao passarem por um culto de magia, Ingeri diz à Karin que vai voltar, por achar que anoitecerá antes que elas consigam chegar à igreja. Decidida a atender ao pedido dos pais, Karin segue em frente sozinha. Enquanto isso, movida por um enorme ciúme que sente da jovem, Ingeri participa de um ritual do culto a Odin, com a intenção de que algo de mal ocorra à Karin. Em seguida, passa a acompanhá-la, mantendo uma certa distância da jovem.

Ao encontrar dois pastores de cabras e um garoto, Karin os convida para dividir uma refeição que sua mãe havia preparado para ela. Em seguida, é agredida sexualmente pelos dois homens, os quais, após estuprá-la, a matam com um porrete. Ingeri, impotente, assiste a tudo.

Quando a noite cai, ironicamente os criminosos vão pedir comida e abrigo aos pais de Karin. São recebidos cordialmente e, depois de acomodá-los, Töre lhes promete trabalho. Märeta mostra-se nervosa, pois a filha ainda não retornou da igreja, mas o marido tenta tranqüilizá-la dizendo-lhe que em outras ocasiões Karin dormiu no lugarejo.

O temor da mãe se concretiza quando um dos pastores, sem imaginar onde se encontram, tenta vender, à Märeta, um vestido que alega ter sido de uma irmã dele. Ela reconhece o vestido de sua filha e, controlando-se, promete-lhe pensar no assunto. Ao falar com Töre, os dois têm certeza do triste destino da filha, pois a peça acha-se suja de sangue.

Ao encontrar-se com Ingeri, Töre toma conhecimento dos detalhes do brutal ataque sofrido pela filha, que a levou à morte. A jovem pede-lhe perdão por se sentir culpada pelo ocorrido à Karin. Movido por um forte sentimento de vingança, Töre mata os criminosos.

Na manhã seguinte, guiados por Ingeri, todos seguem até o local onde se encontra o corpo de Karin. Enquanto Märeta abraça-se ao corpo da filha, Töre, em sua crise de desespero, interroga Deus sobre os motivos que o levaram a permitir tamanha tragédia. A seguir, entretanto, ele implora seu perdão por seus pecados e promete construir, com suas próprias mãos, uma igreja no local, em penitência por sua vingança sanguinária.

Ao retirarem o corpo de Karin, surge milagrosamente uma fonte de água exatamente no local onde o mesmo se encontrava.

Crítica

Uma lenda medieval sueca inspirou a fábula “A Filha de Töre em Vangé”. “A Fonte da Donzela”, por sua vez, foi baseada nessa fábula. Realizado pelo grande mestre do cinema sueco, Ingmar Bergman, sua trama gira em torno de uma jovem adolescente e virgem que, ao ser estuprada e morta, faz surgir milagrosamente uma fonte de água no local do crime.

Soberbamente fotografado em preto-e-branco por Sven Nykvist, parceiro de Bergman em inúmeros filmes, esta magnífica produção carrega consigo uma mensagem de fé e esperança do homem, mesmo depois de passar por uma enorme tragédia.

Como em diversos outros filmes de Bergman, temas como a violência, a vingança e a necessidade de redenção acham-se presentes. Aliás, raramente tive a oportunidade de, no cinema, ver tais temas serem tratados com a delicadeza impressa por este consagrado cineasta em “A Fonte da Donzela”. A religiosidade e a presença de Deus, dois outros temas recorrentes na obra de Bergman, acham-se igualmente presentes.

Retirado daqui.