A entrevista-relâmpago que Luís Carmelo fez comigo

Saudades da Verbeat que acabará em dezembro deste ano…

Em setembro de 2006, o Miniscente de Luís Carmelo estava publicando uma interessante série de curtas entrevistas acerca da blogosfera e dos seus impactos na vida dos entrevistados. Respondi assim as questões propostas.

– O que lhe diz a palavra “blogosfera”?

A blogosfera não é apenas a soma de blogues, mas sobretudo seus links, comentários e leitores, blogueiros ou não. A blogosfera se diferencia por disponibilizar ferramentas de comunicação, através das quais o leitor pode participar ativamente da festa e não somente assisti-la. A palavra blogosfera também me diz de conteúdos que vão do sublime e inteligente ao vulgar e burro. Porém, depois de viver mais de três anos nela, posso dizer que aqui não há mais bobagens do que nas revistas semanais. Estas são imbatíveis no quesito “ruindade” e, aqui, ainda temos a vantagem de poder xingar e ser xingado…

– Seguiu algum acontecimento nacional ou internacional através de blogues?

Sim, poucos, mas importantes. Por exemplo, a melhor cobertura dos eventos relacionados ao furacão Katrina foi realizada pelo blog de Idelber Avelar (Professor de Literatura Latino-americana e Etnomusicologia da Universidade de Tulane, Nova Orleans, que possui o blog O Biscoito Fino e a Massa – http://idelberavelar.com/). Além de informações e fotos da cidade, ele montou uma rede de comunicação para que as pessoas pudessem dizer em que local estavam, etc. Foi uma súbita diáspora e o Idelber conseguiu fazer com que muita gente fosse encontrada e pudesse dizer “Olha, estou vivo, mas quero saber onde estão fulano e sicrano”. Outro evento que acompanho através de blogues é a tentativa de censura de vários deles, realizada pelo truculento ex-presidente – e, pasme!, membro da Academia Brasileira de Letras do Brasil – José Sarney.

– Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?

Ser visitado e talvez lido semanalmente por 1200 pessoas é certamente, um impacto na vida de qualquer um. Há que se ter atenção para com este fato. Passo duas horas por dia lendo blogues e talvez quatro horas por semana escrevendo o meu. Mas o maior impacto é o de ser reconhecido como blogueiro quando não estou na frente do computador ou saber que há pessoas desconhecidas que estão informadas sobre minha vida. Explico: meu blogue faz explicitamente Improvisações sobre Literatura, Música, Cinema e Qualquer Coisa, principalmente. Neste Qualquer Coisa, entram alguns posts confessionais. Outro fato impactante foi o de ter ido à Europa e ter ficado exclusivamente hospedado na casa de blogueiros que não conhecia pessoalmente. E isto na Espanha e na Itália. Sim, fui sempre muitíssimo bem tratado, fui aonde quis e, puxa, fiz uma enorme economia!

– Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?

Sem dúvida. Meu blogue fica num condomínio de cujo manifesto chama-se Liberdade de Comunicação e que tem, como membros, pessoas de esquerda — a maioria — , de direita, religiosos, provocadores, ateus, alternativos, etc. De nosso manifesto, trago o seguinte trecho:

Hoje, eu e você somos livres para informar e sermos informados, num fluxo que trafega por meios livres. Mas não vivemos num mundo livre. Liberdade por si só não é suficiente, porque ela não pressupõe naturalmente outro conceito importante: democracia. A mídia tradicional (rádios, TVs, jornais, portais web) está longe de ser proporcional à quantidade de informação produzida, tanto quanto ao número de indivíduos que as recebem. As pontas são infinitamente maiores que os meios existentes. Há um estrangulamento. E quando isso acontece, alguma coisa fica de fora do fluxo. É isso que a mídia tradicional faz: filtrar. Selecionar informações para distribuí-las ao maior número de pessoas possíveis — donde o termo “meios de comunicação de massa”. Poucas informações produzidas são veiculadas, poucos produtores tem poder para comunicar o que querem, e poucas opções temos de receber o que de fato queremos. E se não recebemos, a informação existe? De fato, sim; na prática, não. É o sujeito que grita na sala vazia. Sujeito que talvez tenha coisas relevantes a dizer. Todos nós temos coisas a dizer, sim. Por que não teríamos? No modelo vigente, a mídia escolhe por nós. Ela cerceia a própria liberdade que tanto precisa, em nome de uma efetividade — muitas vezes, manchada pela face comercial que a viabiliza (quando não é a própria razão de existir). Mas eu quero falar. Quero falar o que eu quiser. E falar para quem eu quiser. Para quem quiser me ouvir e que vai poder me achar. Quero ouvir. Ouvir o que eu quiser. E ouvir de quem eu quiser. De quem quiser me falar e que vou poder encontrar. Essa é a verdadeira liberdade e democracia da comunicação. Isso, os meios de massa jamais poderão oferecer, mas a Internet sim: com o blog. Uma ferramenta pessoal, acessível, de baixo custo, sem intermediários, apoiada em uma mídia instantânea e de alcance global. Não apenas o diário virtual, pense de novo: Blog é o suporte tecnológico de uma revolução na exposição de idéias, na distribuição de informação, na democratização da comunicação. Na internet, qualquer sujeito que quiser exercitar sua liberdade de expressão encontra um sujeito exercitando sua liberdade de informação. Isto é liberdade. Isto é democracia. Esse é o direito que deve ser assegurado.

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Gostar de quem conta histórias

Na semana passada, entrevistei Paixão Côrtes para o Sul21. Não sou ligado ao Movimento Tradicionalista Gaúcho, mas adoro quem se dedica a contar histórias, principalmente se for um velho cheio delas. Hoje, neste feriado estadual, a entrevista foi publicada. Acho que ficou boa e o maior mérito é do próprio Paixão e do fotógrafo Bruno Alencastro, que fez um belo trabalho dentro da casa do entrevistado e ainda foi lá no Laçador complementar.

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Leitura de fim-de-semana

Não por eu ter feito a entrevista, mas por ter um BAITA CONTEÚDO, vale a pena ler.

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Günter Grass relembra passado e se diz otimista com futuro da Polônia

O autor Günter Grass tem, ao mesmo tempo, fortes conexões com a Alemanha e com a Polônia. Entretanto, em entrevista para a Deutsche Welle, diz que não tem um lar. Este espaço, segundo ele, foi preenchido pela literatura.

O prêmio Nobel de Literatura Günter Grass é autor de obras como O Tambor (1959), Meu Século (1999) e Nas Peles da Cebola (2006). O autor conversou com a Deutsche Welle sobre suas impressões a respeito da identidade polonesa e revisitou alguns eventos políticos importantes que influenciaram seu trabalho.

Deutsche Welle: Como polonês que veio para a Alemanha depois da Segunda Guerra, de que forma você avalia sua recepção na Polônia? As pessoas lá não o temem, mas o celebram e o defendem contra alguns difamadores.

Günter Grass: Eu fico feliz, é claro. É uma história longa para alguém como eu, que vem de uma família desterrada, e claro que não foi fácil naquele tempo imediatamente depois da guerra, quando você considera a história entre Alemanha e Polônia.

Os meus livros ajudaram a apresentar a história desse país à geração que cresceu em Danzig [nome da cidade durante a dominação germânica entre 1793 e 1945 – hoje a cidade polonesa se chama Gdansk] depois da guerra – a propaganda e 1945 eram assuntos de séculos passados para eles. As pessoas adotaram tudo isso, o que foi bem recebido. E isso também culminou no fato de as pessoas aceitarem quando eu fazia críticas sobre a Polônia ou sobre o nacionalismo polonês. Porque as pessoas sabiam que eu fazia comentários também em certos círculos aqui na Alemanha.

Você estava lá em 1970 quando o então chanceler federal alemão Willy Brandt se ajoelhou diante do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia. Qual foi a sua sensação e como você a avalia hoje?

Eu estava num canto da multidão, e eu tenho que dizer que fiquei chocado porque imediatamente imaginei como aquilo seria recebido na Alemanha. E não foram poucos os comentários de escárnio sobre isso.

Muitos anos depois, eu escrevi sobre quando Brandt se ajoelhou no livro Meu Século, sob a perspectiva de um jornalista reservado que presencia a cena, e que vê o fato parcialmente, como um tipo de propaganda feita por parte de Brandt, mas que também pensa em como escrever sobre isso de modo que um jornal queira publicar.

Aqueles não eram exatamente os meus pensamentos, mas o evento certamente provocou muitas coisas. Mesmo muitos poloneses tiveram um tempo difícil para compreender a motivação de Brandt, e eles refletiram extensivamente sobre esse significado.

Você acha que há um risco no sentido de a História ser reinterpretada de maneira que os alemães, de repente, se vejam como vítimas do período da Segunda Guerra?

Eu vejo a divisão das pessoas entre vítimas e perpetradores como um assunto artificial. Os alemães se tornaram simultaneamente os perpetradores e as vítimas de suas políticas. Quando penso nos jovens alemães que foram deportados, claro que eles são vítimas da política dos alemães. Qualquer ato de desterro é um crime, e o desterro de alemães também foi um crime e uma consequência terrível daquele período. Isso é um fato que você tem que reconhecer. Fazer a distinção entre vítimas e perpetradores não ajuda nesse ponto.

Você nasceu em Danzig  e se tornou uma personalidade na cidade. Você também tem muitos amigos na Polônia. Mas onde é o seu lar?

Para mim, lar é algo que foi perdido, mas eu tento transformar essa experiência em algo positivo. Para mim, a literatura oferece essa possibilidade, desde que você persista nesse propósito com certa obsessão.

A história de Gdansk é de destruição e revitalização e de lembrança. Depois de ter escrito O Tambor, eu voltei várias vezes para Gdansk para encontrar os vestígios dessa cidade. A fase de reconstrução e os primeiros sinais de agitação nos anos de 1970, e a revolta dos trabalhadores – tudo isso entrou nos meus escritos. Nesse sentido, eu sou um polonês que está na Alemanha.

Recentemente, Bronislaw Komorowski ganhou a eleição presidencial na Polônia contra Jaroslaw Kaczynski. O que você acha desse resultado?

É um grande alívio para mim, esse é o futuro da Polônia. O país tem que deixar de ser uma vítima absoluta. Há uma geração nova que terá um papel importante na Europa, e estou convencido que o novo presidente representa bem isso.

Com Deutsche Welle (ho, ho, ho) / Entrevista: Barbara Cöllen / Revisão: Roselaine Wandscheer

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Meu caro amigo, as coisas estão melhorando

Por Daniel Cariello e Thiago Araújo, da revista Brazuca | Foto: Jorge Bispo

“Se tiver bola, eu dou a entrevista”. Essa foi a única exigência do nosso companheiro de pelada, Chico Buarque, numa caminhada entre o metrô e o campo. Uma bola. E eu acabara de informar que o dono da redonda não viria à pelada de quarta-feira. Éramos dez amantes do futebol, órfãos.



Sem saber se esse era um gol de letra dele para fugir da solicitação de seus parceiros jornalistas, ou uma última esperança, em forma de pressão, de não perder a religiosa partida, eu, que não creio, olhei para o céu e pedi a Deus: uma pelota!

Nada de enigma, oferenda ou golpe de Estado. Ele estava ali, o cálice sagrado da cultura brasileira, que sucumbiu ao ver não uma, mas duas bolas chegarem à quadra pelas mãos de Mauro Cardoso, mais conhecido como Ganso. A partir daí, nada mais alterou o meu ânimo e o da minha dupla de ataque-entrevista, Daniel Cariello. Apesar de termos jogado no time adversário do ilustre entrevistado, tomado duas goleadas consecutivas de 10 x 6 e 10 x 1, tínhamos a certeza de que ele não iria trair dois dos principais craques do Paristheama, e sua palavra seria honrada.

Mas o desafio maior não era convencer o camisa 10 do time bordeaux-mostarda parisiense a ceder duas horas de sua tarde ensolarada de sábado. O que você perguntaria ao artista ícone da resistência à ditadura, parceiro de Tom Jobim, Vinicius de Morais e Caetano Veloso, escritor dos best sellers “Estorvo”, “Benjamin”, “Budapeste” e “Leite Derramado”, autor de “A banda”, “Essa moça tá diferente”, “O que será”, “Construção” e da canção de amor mais triste jamais escrita, “Pedaço de mim”?

Admirado e amado por todas as idades, estudado por universitários, defendido por Chicólatras, oráculo no Facebook, onipresente nas manifestações artísticas brasileiras – sua modéstia diria “isso é um exagero”, mas sabemos que não é –, sua reação imediata ao ser comparado a Deus foi “em primeiro lugar, não acredito em Deus. Em segundo, não acredito em mim. Essa é a única coisa que pode nos ligar. Então, pra começo de conversa, vamos tirar Deus da mesa e seguir em frente”.

Enfim, ainda não creio que entrevistamos Deus, quase sem falar de Deus. Mas foi com ele mesmo que aprendi uma lição, talvez um mandamento: acreditar em coisas inacreditáveis. (Thiago Araújo)


Você assume que não acredita em Deus, mas existem trechos nas suas músicas como “dias iguais, avareza de Deus” ou “eu, que não creio, peço a Deus”. No Brasil, é complicado não acreditar em Deus?

Eu não tenho crença. Eu fui criado na Igreja Católica, fui educado em colégio de padre. Eu simplesmente perdi a fé. Mas não faço disso uma bandeira. Eu sou ateu como o meu tipo sanguíneo é esse.

Hoje há uma volta de certos valores religiosos muito forte, acho que no mundo inteiro. O que é perigoso quando passa para posições integristas e dá lugar ao fanatismo. O Brasil talvez seja o pais mais católico do mundo, mas isso é um pouco de fachada. Conheço muitos católicos que vão à umbanda, fazem despacho. E fica essa coisa de Deus, que entra no vocabulário mais recente, que me incomoda um pouquinho. Essa coisa de “vai com Deus”, “fica com Deus”. Escuta, eu não posso ir com o diabo que me carregue? (Risos). Tem até um samba que fala algo como “é Deus pra lá, Deus pra cá – e canta – Deus já está de saco cheio” (risos).

Você já foi em umbanda, candomblé, algo do tipo?

Já, eu sou muito curioso. A mulher jogou umas pipocas na minha cabeça, sangue, disse que eu estava cheio de encosto. Eu fui porque me falaram “vai lá que vai ser bom”. Passei também por espíritas mais ortodoxos, do tipo que encarnava um médico que me receitou um remédio para o aparelho digestivo. Aí eu fui procurar o remédio e ele não existia mais. O remédio era do tempo do médico que ele encarnava (risos).

Já tive também um bruxo de confiança, que fez coisas incríveis. Aquela música do Caetano dizia isso muito bem, “quem é ateu, e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar.” Eu vi cirurgias com gilete suja, sem a menor assepsia, e a pessoa saía curada. Estava com o joelho ferrado e saía andando. Eu fui anestesista dessa cirurgia. A anestesia era a música. O próprio Tom Jobim tocava durante as cirurgias. Eu toquei para uma dançarina que estava com problema no joelho. Ela tinha uma estreia, mas o ortopedista disse “você rompeu o menisco”. Ela estreou na semana seguinte, e na primeira fila estavam o ortopedista e o bruxo (risos).

Uma vez, estava com um problema e fui ao médico. Ele me tocou e não viu nada. Aí eu disse “olha, meu bruxo, meu feiticeiro, quando ele apertava aqui, doía”. Ele começou a dizer “mas essa coisa de feitiçaria…” e atrás dele tinha um crucifixo com o Cristo. Daí eu perguntei “como você duvida da feitiçaria, mas acredita na ressurreição de Cristo?”. Eu acho isso uma incongruência. Gosto de acreditar um pouco nisso, um pouco naquilo, porque eu vejo coisas inacreditáveis. Eu não acredito em Deus, acredito que há coisas inacreditáveis.

De vez em quando você dá uma escapada do Brasil e vem a Paris. Isso te permite respirar?

Muito mais. Eu aqui não tenho preocupação nenhuma, tomo uma distância do Brasil que me faz bem. Fico menos envolvido com coisas pequenas que acabam tomando todo o meu tempo. Aqui, eu leio o Le Monde todos os dias, e fico sabendo de questões como o Cáucaso, os enclaves da antiga União Soviética, que no Brasil passam muito batidos. O Brasil, nesse sentido, é muito provinciano, eu acho que o noticiário é cada vez mais local.

Meu pai, que era um crítico literário e jornalista, foi morar em Berlim no começo dos anos trinta. Foi lá, onde teve uma visão de historiador, de fora do país, que ele começou a escrever Raízes do Brasil, que se tornou um clássico. A possibilidade de ter esse trânsito, de ir e voltar, eu acho boa. É como você mudar de óculos, um para ver de longe e outro para ver de perto.


Nesse seu vai e vem Brasil-França, o que você traria do Brasil para a França, e vice-versa?

Eu traria pra cá um pouquinho da bagunça, da desordem. Os nossos defeitos, que acabam sendo também nossas qualidades. O tratamento informal, que gera tanta sujeira, ao mesmo tempo é uma coisa bonita de se ver. Você tem uma camaradagem com um sujeito que você não conhece. Aqui existe uma distância, uma impessoalidade que me incomoda.

Para o Brasil, eu gostaria de levar também um pouco dessa impessoalidade. Da seriedade, principalmente para as pessoas que tratam da coisa pública. Não que não exista corrupção na França.

Outra coisa que eu levaria pra lá é o sentimento de solidariedade, que existe entre os brasileiros que moram fora. Isso eu conheci no tempo que eu morava fora, e vejo muito aqui através das pessoas com as quais convivo. Eles se juntam. Como se dizia, “o brasileiro só se junta na prisão”. Os brasileiros também se juntam no exílio, na diáspora.

Falando em exílio, tem uma história curiosa de Essa moça tá diferente, a sua música mais conhecida na França.

É. A coisa de trabalho (N.R.: na Itália, onde Chico estava em exílio político, em 1968) estava só piorando e o que me salvou foi uma gravadora, a Polygram, pois minha antiga se desinteressou. A Polygram me contratou e me deu um adiantamento. E consegui ficar na Itália um pouco melhor. Mas eu tinha que gravar o disco lá. Eu gravei tudo num gravador pequenininho. Um produtor pegou essas músicas e levou para o Brasil, onde o César Camargo Mariano escreveu os arranjos. Esses arranjos chegaram de volta na Itália e eu botei minha voz em cima, sem que falasse com o César Camargo. Falar por telefone era muito complicado e caro. Então foi feito assim o disco. É um disco complicado esse.


Você acabou de citar o
Le Monde. Para nós, que trabalhamos com comunicação, sempre existiu uma crítica pesada contra os veículos de massa no Brasil. Você acha que existe um plano cruel para imbecilizar o brasileiro?

Não, não acredito em nenhuma teoria conspiratória e nem sou paranoico. Agora, aí é a questão do ovo e da galinha. Você não sabe exatamente. Os meios de comunicação vão dizer que a culpa é da população, que quer ver esses programas. Bom, a TV Globo está instalada no Brasil desde os anos 60. O fato de a Globo ser tão poderosa, isso sim eu acho nocivo. Não se trata de monopólio, não estou querendo que fechem a Globo. E a Globo levanta essa possibilidade comparando o governo Lula ao governo Chavez. Esse exagero.


Você acha que a mídia ataca o Lula injustamente?

Nem sempre é injusto, não há uma caça às bruxas. Mas há uma má vontade com o governo Lula que não existia no governo anterior.

E o que você acha da entrevista recente do Caetano Veloso, onde ele falou mal do Lula e depois acabou sendo desautorizado pela própria mãe?

Nossas mães são muito mais lulistas que nós mesmos. Mas não sou do PT, nunca fui ligado ao PT. Ligado de certa forma, sim, pois conheço o Lula mesmo antes de existir o PT, na época do movimento metalúrgico, das primeiras greves. Naquela época, nós tínhamos uma participação política muito mais firme e necessária do que hoje. Eu confesso, vou votar na Dilma porque é a candidata do Lula e eu gosto do Lula. Mas, a Dilma ou o Serra, não haveria muita diferença.

O que você tem escutado?

Eu raramente paro para ouvir música. Já estou impregnado de tanta música que eu acho que não entra mais nada. Na verdade, quando estou doente eu ouço. Inclusive ouvi o disco do Terça Feira Trio, do Fernando do Cavaco, e gostei. Nunca tinha visto ou ouvido formação assim. Tem ao mesmo tempo muita delicadeza e senso de humor.

A música francesa te influenciou de alguma maneira?

Eu ouvi muito. Nos anos 50, quando comecei a ouvir muita música, as rádios tocavam de tudo. Muita música brasileira, americana, francesa, italiana, boleros latino americanos. Minha mãe tinha loucura por Edith Piaf e não sei dizer se Piaf me influenciou. Mas ouvi muito, como ouvi Aznavour.

O que me tocou muito foi Jacques Brel. Eu tinha uma tia que morou a vida inteira em Paris. Ela me mandou um disquinho azul, um compacto duplo com Ne me quitte pas, La valse à mille temps, quatro canções. E eu ouvia aquilo adoidado. Foi pouco antes da bossa nova, que me conquistou para a música e me fez tocar violão. As letras dele ficaram marcadas para mim.

Eu encontrei o Jacques Brel depois, no Brasil. Estava gravando Carolina e ele apareceu no estúdio, junto com meu editor. Eu fiquei meio besta, não acreditei que era ele. Aí eu fui falar pra ele essa história, que eu o conhecia desde aquele disco. Ele disse “é, faz muito tempo”. Isso deve ter sido 1955 ou 56, esse disquinho dele. Eu o encontrei em 67. Depois, muito mais tarde, eu assisti a L’homme de la mancha, e um dia ele estava no café em frente ao teatro. Eu o vi sentado, olhei pra ele, ele olhou pra mim, mas fiquei sem saber se ele tinha olhado estranhamente ou se me reconheceu. Fiquei sem graça, pois não o queria chatear. Ele estava ali sozinho, não queria aborrecer. Mas ele foi uma figuraça. Eu gostava muito das canções dele. Conhecia todas.

Falando de encontros geniais, você tem uma foto com o Bob Marley. Como foi essa história?

Foi futebol. Ele foi ao Brasil quando uma gravadora chamada Ariola se estabeleceu lá e contratou uma porção de artistas brasileiros, inclusive eu, e deram uma festa de fundação. O Bob Marley foi lá. Não me lembro se houve show, não me lembro de nada. Só lembro desse futebol. Eu já tinha um campinho e disseram “vamos fazer algo lá para a gravadora”. Bater uma bola, fazer um churrasco, o Bob Marley queria jogar. E jogamos, armamos um time de brasileiros e ele com os músicos. Corriam à beça.


Vocês fumaram um baseado juntos?

Não. Dessa vez eu não fumei.


E essa sua migração para escritor, isso é encarado como um momento da sua vida, já era um objetivo?

Isso não é atual. De vinte anos pra cá eu escrevi quatro romances e não deixei de fazer música. Tenho conseguido alternar os dois fazeres, sem que um interfira no outro.

Eu comecei a tentar escrever o meu primeiro livro porque vinha de um ano de seca. Eu não fazia música, tive a impressão que não iria mais fazer, então vamos tentar outra coisa. E foi bom, de alguma forma me alimentou. Eu terminei o livro e fiquei com vontade de voltar à musica. Fiquei com tesão, e o disco seguinte era todo uma declaração de amor à música. Começava com Paratodos, que é uma homenagem à minha genealogia musical. E tinha aquele samba (cantarola) “pensou, que eu não vinha mais, pensou”. Eu voltei pra música, era uma alegria. Agora que terminei de escrever um livro já faz um ano, minha vontade é de escrever música. Demora, é complicado. Porque você não sai de um e vai direto para outro. Você meio que esquece, tem um tempo de aprendizado e um tempo de desaprendizado, para a música não ficar contaminada pela literatura. Então eu reaprendo a tocar violão, praticamente. Eu fiquei um tempão sem tocar, mas isso é bom. Quando vem, vem fresco. É uma continuação do que estava fazendo antes. Isso é bom para as duas coisas. Para a literatura e para a música.

Tanto em Estorvo quanto em Leite derramado o leitor tem uma certa dificuldade em separar o real do imaginário. Você, como seus personagens, derrapa entre essas duas realidades?

Eu? O tempo todo, agora mesmo eu não sei se você esta aí ou se eu estou te imaginando (gargalhadas).

Completamente. Eu fico vivendo aquele personagem o tempo todo. Entrando no pensamento dele. Adquiro coisas dele. Você pode discordar, mas chega uma hora que tem que criar uma empatia ou uma simpatia. Você cria uma identificação. E alguma coisa no gene é roubado mesmo de mim, algumas situações, um certo desconforto, não saber bem se você é real, se você está vivendo ou sonhando aquilo. Por exemplo, agora que ganhamos de 10 a 1 (referência à pelada que jogamos três dias antes), eu saí da quadra e falei: “acho que eu sonhei. Não é possível que tenha acontecido” (risos).

Você é fanático por futebol?

Não sou fanático por nada. Mas eu tenho muito prazer em jogar futebol. Em assistir ao bom futebol, independentemente de ser o meu time. Quando é o meu time jogando bem, é melhor ainda, pois eu consigo torcer. Agora mesmo, no Brasil, tinha os jogos do Santos.

Mas eu vou menos aos estádios. Eu não me incomodo de andar na rua, mas quando você vai a alguns lugares, tem que estar com o cabelo penteado, tem que estar preparado para dar entrevistas. Aqui, eu estou dando a minha última (risos). Aqui, é exclusiva. Fiz pra Brazuca e mais ninguém. Eu quero ver o pessoal jogar bola. Então eu vejo na televisão. E quando não estou escrevendo, aí eu vejo bastante.


É verdade que um dia o Pelé ligou na sua casa, lamentando os escândalos políticos no Brasil, e disse “é, Chico, como diz aquela música sua: ‘se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão’”?

É verdade (risos). Eu falei “legal, Pelé, mas essa música não é minha”. O Pelé é uma grande figura. Nós gravamos um programa juntos. Brincamos muito. Conheci o Pelé quando eu fazia televisão em São Paulo, na TV Record, e me mudei para o Rio. Os artistas eram hospedados no Hotel Danúbio, em São Paulo. O mesmo onde o Santos se concentrava. Então, eu conheci o Pelé no hotel. E sempre que a gente se encontra é igual, porque eu só quero falar de futebol e ele só quer saber de música. Ele adora fazer música, adora cantar, adora compor. Por ele, o Pelé seria compositor.

E você, trocaria o seu passado de compositor por um de jogador?

Trocaria, mas por um bom jogador, que pudesse participar da Copa do Mundo. Um pacote completo. Um jogador mais ou menos, aí não.

Você ainda pretende pendurar as chuteiras aos 78 anos, como afirmou?

Não. Já prorroguei. Tava muito cedo. Agora, eu deixei em aberto. Podendo, vou até os 95 (risos).

O Niemeyer está com 102 anos e continua trabalhando. Aliás, não só trabalhando como ainda continua com uma grande fama de tarado (risos).

Ele me falou isso. Eu fui à festa dele de 90 anos e ele me disse: “o importante é trabalhar e ó (fez sinal com a mão, referente a transar)”. Aí eu falei “é mesmo?” e ele respondeu “é mesmo”.

Falando nisso, o Vinícius foi casado nove vezes. Você acha a paixão essencial para a criação?

Sem dúvida. Quando a gente começa – isso é um caso pessoal, não dá pra generalizar – faz música um pouco para arranjar mulher. E hoje em dia você inventa amor para fazer música. Se não tiver uma paixão, você inventa uma, para a partir daí ficar eufórico, ou sofrer. Aí o Vinícius disse muito bem, né? “É melhor ser alegre que ser triste… mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não”.

Quando eu falo que você inventa amores, você também sofre por eles. “E a moça da farmácia? Ela foi embora! Elle est partie en vacances, monsieur!”. E você não vai vê-la nunca mais. Dá uma solidão. Eu estou fazendo uma caricatura, mas essas coisas acontecem. Você se encanta com uma pessoa que você viu na televisão, daí você cria uma história e você sofre. E fica feliz e escreve músicas.

Pra finalizar. Se você fosse escrever uma carta para o seu caro amigo hoje, o que você diria?

Volta, que as coisas estão melhorando!

MAIS

A entrevista foi publicada originalmente na revista Brazuca, uma publicação bilíngue sobre cultura brasileira que circula em Paris e Bruxelas. A partir de 3 de maio, a degravação completa estará disponível no site de Brazuca. Também lá, é possível baixar em pdf, desde já, a edição completa de março-abril (inclusive com as fotos de Chico…)

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Entrevista com Ingo Schulze

Edney Silvestre é um cara esperto. Tentou conduzir as primeiras respostas, mas como Ingo Schulze não foi pelo caminho sugerido, tirou o time e acabou fazendo uma boa entrevista. Ninguém vai acreditar, mas para mim foi uma surpresa ver a participação ativa de meu grande amigo Marcelo Backes na coisa. O final da entrevista… Só na Alemanha, Ingo!

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Milton Ribeiro entrevista P.Q.P. Bach

A fim de inaugurar este espaço, convidamos o Sr. P.Q.P. Bach para uma entrevista. P.Q.P. é o fundador do blog coletivo homônino que bate repetidos recordes de audiência divulgando algo bastante impopular: a música erudita. Foi complicado conseguir que ele se aproximasse de nosso microfone, pois teme o assédio da imprensa internacional sobre si. Já os brasileiros, com sua indiferença ao tipo de música que PQP ama, não são tão temidos. Mesmo assim, suas exigências foram extremas. Além do grupo chinês de ursos pandas equilibristas, ele fez absoluta questão de sua voz fosse filtrada, transformando-se em outra coisa – ou, melhor dizendo, transformando-se numa coisa.

Deu certo e a voz do filho do mestre manteve apenas o carregado sotaque tedesco, mantendo-se razoavelmente digna. Porém, o filtro tornou minha voz inteiramente gay. Se tal voz não exprime minha verdadeira opção, o fato de colocar à disposição o podcast demonstra a falta de preconceitos que norteia as atitudes deste autor. Também o filtro incluiu um certo ruído que não conseguimos retirar e que dá um colorido especial à grande entrevista.

P.Q.P. Bach fala sobre música, sobre seus parceiros de blog, reclama dos wagnerianos, das perguntas e, ao final responde ao famigerado Questionário Proust.

Ouça a entrevista na íntegra clicando abaixo (aproximadamente 20 minutos):

Milton Ribeiro entrevista P.Q.P. Bach

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