Estou ouvindo cada um dos meus CDs — são mais de 3 mil — e chegou a vez da Obra Completa para Órgão de meu tio Sebastião Ribeiro, também conhecido como Johann Sebastian Bach (vai ver no dicionário o que significa Bach, vai agora, vai!).
São 12 CDs e eu estou achando muito estranho ouvir órgão às vezes sozinho dentro de uma igreja. Agora chegou uma cliente aqui e falei de minha estranheza para ela. Ela disse que não me achava com cara de pastor. E me olhou nos olhos com tal intensidade que comecei a pensar se ela não teria alguma perversão que incluísse… órgãos, talvez.
Importante dizer que sou uma natureza fiel. E um velho de 67 anos.
Há algumas canções que, quando cruzo com elas, tenho que ouvir umas seis ou sete vezes. Ontem, dei de cara com Samba e Amor, de Chico Buarque, cantada pelo Caetano. Pronto, meia hora de Samba e Amor. Hoje ocorreu o mesmo com Dancing Days (Page & Plant) do Led Zeppelin. E é sempre assim com umas 934 canções…
Simplesmente a vida não pode seguir sem que eu as ouça várias vezes.
O pai de Richard Strauss (1864-1949), Franz Joseph, foi um excelente trompista. Richard Wagner (1813-1883) frequentemente pedia-lhe conselhos sobre o instrumento. Mas, apesar disso, e do fato de Franz Strauss ter tocado a primeira trompa na estreia de Parsifal em Bayreuth, no ano de 1882, ele não gostava da música de Wagner. Franz era um adepto da primeira escola de Viena e considerava Mozart o maior compositor que já existiu. Maior que Beethoven, Haydn e até mesmo Bach. Em família, ele dizia detestar Wagner, “o Mefistófeles da música”. E foi com algum cuidado que ele trouxe seu filho Richard para Bayreuth em 1882. Naquela ocasião, o pequeno Richard conheceu o grande Richard, caindo de amores por sua música. Papai Franz deve ter ficado contrariado com a conversão do filho à chamada música do futuro. Ele lhe dera uma educação musical no estrito estilo clássico, longe do modernismo.
Deste modo e dentro da enorme tradição do romantismo alemão, o Concerto em homenagem ao Bicentenário da Imigração Alemã é profundamente coerente. Apesar dos 50 anos que separam o nascimento dos compositores, ambos são expoentes do romantismo tardio.
As peças de Wagner do Concerto são partes de óperas que costumam ser também apresentadas em forma de concerto. Já as Quatro últimas canções de Strauss foram escritas quando o compositor já tinha 84 anos e, logo após sua estreia post mortem, em 1950, tornou-se um dos mais famosos ciclos de canções do repertório lírico. Sem dúvida, este é um programa onde o êxtase e o sublime estarão presentes.
Mas há mais conexões entre Wagner e Strauss além do nome e da admiração do segundo pelo primeiro. Há a grande música de ambos, mas antes devemos falar sobre algo mais espinhoso. Uma das conexões é que ambos estão ligados, na mente de muitos de nós, ao nazismo. Façamos duas perguntas sobre Wagner:
1) Essa mancha em seu legado é justificada?, e
2) Se a pergunta 1 for verdadeira, sua música deve ser evitada?
Wagner morreu em 1883, meio século antes dos nazistas chegarem ao poder, então seria temporalmente impossível para ele ter tido qualquer contato direto com os nazistas. Ele, no entanto, teve um impacto direto no movimento nazista. Wagner era um notório antissemita, e sua alta posição na cultura do século XIX lhe dava uma plataforma proeminente para seus discursos. Para piorar, sua esposa Cosima era ainda mais raivosa em seu antissemitismo do que o marido. Ela garantiu que os filhos e netos de Wagner seguissem a tradição. Cosima viveu até 1930 e manteve pulso firme na direção de Bayreuth e na defesa da (grande) obra do ex-marido. Ela evitava solistas, regente e músicos judeus… E alguns de seus descendentes mantiveram o famoso Festival de Bayreuth (centro-sul da Alemanha), que Wagner havia fundado enquanto vivo, num local de exclusão de artistas judeus.
(Fofoca) Cosima, filha de Franz Liszt, era casada com o célebre maestro Hans Von Bülow quando, durante os ensaios de uma ópera, apaixonou-se por Wagner. A Alemanha toda e mais a torcida do Flamengo sabiam do caso e que Cosima havia pedido o divórcio, que só lhe foi dado quando ela ficou grávida de Richard Wagner. Von Bülow seguiu trabalhando com Wagner durante e depois do caso, não obstante o ocorrido. Ela e Wagner eram um casal curioso. Ela tinha 1,80m; ele, 1,65m. (Fim da fofoca)
Na época em que os nazistas chegaram ao poder, em 1933, as credenciais antissemitas dos Wagner estavam tão bem estabelecidas que Hitler abriu várias janelas em sua agenda para se insinuar com a família. E, para garantir que a influência de Wagner continuasse ininterrupta, ele cuidou para que suas óperas fossem executadas continuamente, mesmo quando o Terceiro Reich estava em chamas.
E Richard Strauss? Ele estava vivo e muito bem quando os nazistas tomaram o poder. Embora sua reputação como o compositor tivesse caído um pouco desde os dias de Der Rosenkavalier, ele ainda era uma figura internacional altamente respeitada, alguém que os nazistas queriam ter ao seu lado.
Foi-lhe oferecido o cargo de presidente do Reichsmusikkammer, o departamento governamental que tinha jurisdição sobre todos os assuntos musicais. Strauss, que não era imune à bajulação e cujas algumas visões fechavam muito bem com o regime nazista inicial, aceitou. Mas Strauss nunca realmente se juntou ao Partido Nacional Socialista. Ele se via como um grande artista, acima da briga política. Há aqueles que acusam Strauss de ter sido um oportunista. OK. Mas ele é bem diferente de Wagner. Há ampla evidência de que havia algo que ele não era um antissemita. Ele tinha netos judeus e recusou-se em deixar de trabalhar com seu libretista judeu, Stefan Zweig, mesmo quando as autoridades sugeriram fortemente que ele parasse. (Por esse pecado grave, ele foi removido de sua posição no Reichsmusikkammer.)
Então Wagner não era nazista, era, no entanto, um antissemita que influenciou Hitler e cuja progênie continuou seu legado. Já Strauss não era antissemita, mas aceitou cargos dos nazistas por interesse pessoal. A história não exonera nenhum dos compositores. Mas se eu tivesse que escolher qual desses homens deveria ir para o inferno, diria que Wagner ganha fácil.
Thomas Mann tinha uma opinião que resumia muito bem quem era Wagner. Ele dizia que Wagner era um “gnomo fungador da Saxônia com talento bombástico e caráter desprezível”. Wagner tinha 1,65m.
Já o maestro e pianista judeu Daniel Barenboim — grande admirador de Wagner — escreve: “A pessoa de Wagner é absolutamente horrenda, desprezível e, de certo modo, muito difícil de conciliar com a música que ele escreveu, que com frequência expressa sentimentos totalmente opostos: nobreza, generosidade.”
O regente Arturo Toscanini tinha uma frase curiosa para dizer sobre Richard Strauss: “Para Strauss, o compositor, tiro meu chapéu. Para Strauss, o homem, coloco-o novamente.”
Mas é possível escutar Wagner sem levar em conta o antissemitismo? O ódio ao judeus repercute também em seu trabalho de palco? A maioria dos pesquisadores de Wagner afirma que não. Os que discordam dizem que, apesar de Wagner não ter escrito nenhuma ópera antissemita, sua atitude antijudaica se reflete no caráter de alguns personagens: “Existem em algumas de suas figuras referências subliminares que apontam para estereótipos judeus, principalmente no anão Mime de O Anel dos Nibelungos e no crítico pedante Beckmesser de Os Mestres Cantores de Nuremberg.”
Ambas as figuras incorporam nas peças teatrais os oponentes das personagens heroicas. Os contemporâneos de Wagner teria compreendido o “código antissemita” embutido nesses papéis. Hoje em dia, as óperas de Wagner raramente são vistas como antissemitas. Quando se encena Wagner, atualmente, não se pensa em obras com tal conotação, mas de obras de um grande compositor e teatrólogo. Indiscutível gênio musical e inimigo dos judeus, Richard Wagner continua a ser uma das mais controversas figuras alemãs.
Desde jovem, Wagner estudava música e era um homem fascinado pelo teatro, pelo mundo do espetáculo, dos cenários e figurinos. A este amor pelo teatro veio somar-se o amor à poesia, quando descobriu Shakespeare e Goethe, que, além disso, também eram homens de teatro. Muito moço, falava em poesia teatral. Mas foi a descoberta de Beethoven, sobretudo de suas sinfonias, que levou Wagner a optar por este gênero de carreira e por buscar chegar àquilo que ele chamava de “obra de arte total”. Ou seja, ele escreveria os versos e a música e a ópera levaria tudo ao teatro.
Qual é a sinopse de O Navio Fantasma? O nome da ópera em alemão é Der fliegende Holländer (O Holandês Voador). A ópera tem libreto (texto) e música de Richard Wagner. É ambientada em uma aldeia pesqueira da Noruega e conta a história de um navegador holandês punido por Deus por blasfemar contra seu nome, perdendo-se de sua pátria para sempre, a menos que surja em sua vida uma mulher que lhe seja plenamente fiel. Ao atracar no porto, o holandês ancora sua nau ao lado da de Daland, outro navegador. O holandês oferece a enorme riqueza em ouro e joias que carrega na embarcação para Daland em troca da mão de Senta, sua filha. Senta já conhecera previamente a história do “Holandês Voador”, mas é cortejada pelo caçador Erik, que fica enciumado toda vez que ela faz qualquer referência a ele, seja observando insistentemente seu retrato, seja cantando a Balada do Holandês – esta, uma das árias mais célebres da ópera. Daland apresenta o holandês a Senta, e ela lhe jura eterna fidelidade, mas Erik ainda tenta persuadir Senta a voltar para ele. A certa altura, o holandês encontra Erik abraçando Senta e julga que esta rompeu com seu voto de fidelidade eterna, e parte novamente para o mar. À medida que a nau do holandês se afasta, Senta olha cada vez mais longe e se atira ao mar, na direção onde está a nau do holandês, tentando unir sua alma à dele. Ou seja, a ópera é concebida em torno da oposição entre o tema da “maldição” (que sofre o Holandês) e a “redenção pelo amor” (a libertação do Holandês através do amor de Senta).
Em O Navio Fantasma e em Tannhãuser, Wagner desenvolve suas concepções da “melodia contínua” ou “melodia infinita”, e também do leitmotiv. Em oposição à concepção tradicional da ópera fundada na alternância de árias e recitativos, Wagner introduz a noção de continuidade melódica — espécie de dinamismo que foge às amarras dos habituais recitativos — calcada na continuidade da vida, na duração de nossa consciência. Não há divisão da ópera em “números” (árias, duetos, trios, etc.). Já o leitmotiv é um tema melódico ou harmônico destinado a caracterizar um personagem, uma situação, um estado de espírito e que, na forma original ou por meio de transformações desta, acompanha os seus múltiplos reaparecimentos ao longo de uma obra, especialmente em óperas; motivo condutor.
Para Lohengrin, Wagner recorreu à lenda popular. A história é um mergulho na mitologia alemã: O filho de Parzifal, cavaleiro da ordem do Graal, chega num barco puxado por um cisne para defender Elesa de Brabante de uma acusação injusta, mas não pode completar sua missão porque Elsa obriga-o e revelar sua identidade. Vamos detalhar um pouco mais: Lohengrin é uma ópera de Richard Wagner que conta a história do cavaleiro Lohengrin, que chega ao ducado de Brabante para proteger a princesa Elsa, acusada de matar o irmão — que na realidade está vivo e reaparece no final da obra. De acordo com a interpretação de Wagner, o Santo Graal fornece ao Cavaleiro do Cisne poderes místicos que só podem ser mantidos se sua natureza permanecer em segredo, justificando o perigo da quebra do tabu da pergunta sobre seu nome e sua origem. A história se passa em torno do sentimento de insegurança nos relacionamentos amorosos. Elsa é acusada pelo Conde Friedrich von Telramund de ter assassinado o irmão mais novo, herdeiro do ducado. Para se defender, Elsa invoca um sonho em que um nobre cavaleiro a inocenta. Nesse momento, Lohengrin surge em um pequeno bote puxado por um cisne. Lohengrin é um cavaleiro do Santo Graal, filho de Parsifal. Ele é enviado para resgatar Elsa e fica em Brabante como seu novo soberano e esposo. A condição para o casamento é que Elsa não faça perguntas sobre o nome ou a origem de Lohengrin. A ópera é marcada pelo uso do simbolismo de que o amor deve estar acima da dúvida sobre a origem do herói. A obra é mais conhecida pelo seu coro nupcial, que é frequentemente usado em cerimônias de casamento.
Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda. De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em muitas diferentes versões ao longo dos séculos. Tristão, excelente cavaleiro a serviço de seu tio, o rei Marcos da Cornualha, viaja à Irlanda para trazer a bela princesa Isolda para casar-se com seu tio. Durante a viagem de volta à Grã-Bretanha, os dois acidentalmente bebem uma poção de amor mágica, originalmente destinada a Isolda e Marcos. Devido a isso, Tristão e Isolda apaixonam-se perdidamente, e de maneira irreversível, um pelo outro. De volta à corte, Isolda casa-se com Marcos, mas ela mantém com Tristão um romance que viola as leis temporais e religiosas e escandaliza todos. Tristão termina banido do reino, casando-se com Isolda das Mãos Brancas, princesa da Bretanha, mas seu amor pela outra Isolda não termina. Depois de muitas aventuras, Tristão é mortalmente ferido por uma lança e manda que busquem Isolda para curá-lo de suas feridas. Enquanto ela vem a caminho, a esposa de Tristão, Isolda das Mãos Brancas, engana-o, fazendo-o acreditar que Isolda não viria para vê-lo. Tristão morre, e Isolda, ao encontrá-lo morto, morre também de tristeza.
É sempre bom notar a longevidade de Richard Strauss. Ele foi, efetivamente, um músico dos séculos XIX e XX, um criador que foi contemporâneo de Wagner, que viu aparecerem as últimas obras de Brahms e Liszt e, bem, também as primeiras de Pierre Boulez e da Segunda Escola de Viena. E ele usa tudo o que estava acontecendo a sua volta e mais o romantismo para criar esta verdadeira obra-prima que são suas Quatro Últimas Canções (em alemão: Vier letzte Lieder). Trata-se de um conjunto de obras para soprano e orquestra onde tudo é serenidade e equilíbrio. Três delas são compostas sobre poemas de Hermann Hesse e outra sobre poema de von Eichendorff. O ciclo tem absoluta coerência, perfeita adequação entre a meditação sobra a morte e sua transformação em música, refinamento instrumental e pureza do canto. Aliás, Eiko Senda é uma gênia neste repertório, confiram! Estas Canções estão entre as últimas peças de Richard Strauss, compostas em 1948, quando o compositor tinha 84 anos. A estreia ocorreu em Londres em 1950, regida pelo grande Wilhelm Furtwängler. Strauss não viveu para ouvir sua obra apresentada. Poucos anos depois sua morte, já havia se tornado um dos mais famosos ciclos de canções (lieder) do repertório lírico.
Strauss havia-se deparado com o poema Im Abendrot (No Crepúsculo) de Joseph von Eichendorff e sentira que o texto tinha um significado especial para si. Daí porque o transformou em música em maio de 1948. Logo depois, o compositor recebeu uma cópia de uma antologia de poemas de Hermann Hesse e usou três deles: Frühling (Primavera), September (Setembro), e Beim Schlafengehen (Indo Dormir). Uma quinta canção restou inacabada com a morte de Strauss.
Não há indicação de que Strauss tenha concebido as quatro canções como uma obra unificada. Em dicionários de música publicados até 1954, as três canções sobre poemas de Hesse eram ainda listadas como um só grupo, separadamente da canção anterior baseada em Eichendorff. O título de Quatro Últimas Canções (Vier Letzte Lieder) foi criado pela editora de música Boosey & Hawkes. Foi ela quem as categorizou com uma obra conjunta com o título Quatro Últimas Canções e as colocou na ordem que se tornaria a mais habitualmente apresentada: Frühling, September, Beim Schlafengehen e, por fim, Im Abendrot.
Como disse o maestro alemão Daniel Geiss, as Quatro Últimas Canções são o belíssimo ponto final do romantismo.
A Sala de Câmara do Auditório Nacional de Música da Madrid acolherá no dia 18 de novembro um concerto extraordinário no âmbito da temporada musical da Fundação Scherzo: trata-se do concerto beneficente Non sei solo in memoriam Javier Rodríguez-Miñón Falero, cuja receita irá para o National Organização de Transplantes e bolsas de estudo para jovens artistas. O programa é composto por cinco concertos de Johann Sebastian Bach para diferentes solistas, em versões da violinista francesa Amandine Beyer e do seu grupo Gli Incogniti, principais intérpretes do repertório barroco.
Entrevista concedida à revista Scherzo
Tradução de Milton Ribeiro, auxiliado pelo Juraci
O que a música de Bach representa para você?
Tenho uma relação muito longa com este compositor. Pela minha parte, tenho imensa admiração, fascínio e renovado espanto pela sua forma de captar em notas a sua visão do universo. Mas também muito respeito, porque compôs as Sonatas e Partitas para violino solo: peças tão complexas com as quais passei tantas horas da minha vida que já não sei o que pensar delas!
Felizmente, Bach também escreveu muitas outras coisas que envolvem o violino, e elas são muito mais acessíveis. Como por exemplo as que incluímos no programa Non sei solo . Este título brinca com o subtítulo que o próprio Bach deu às sonatas e partitas, Sei solo, o que por si só é um mistério (ele queria dizer “seis solos” mas se enganou, porque em italiano seria sei soli, ou ele queria dizer você está sozinho, o que parece um pouco desafiador?).
Como você concebeu o programa Non sei solo?
Este é o segundo volume de uma trilogia de programas onde apresentamos praticamente a totalidade dos concertos compostos por Bach em Köthen. O primeiro teve a presença de flautas e oboés, este segundo limitamos às cordas e o terceiro será repleto de fogos de artifício com os metais e outros sopros. Foi um período extraordinariamente criativo para o compositor, onde pôde contar com uma pequena orquestra de virtuosos a seu serviço, e onde, apesar das vicissitudes da sua vida, “nunca esteve sozinho ” .
O programa bachiano que apresenta em Madrid inclui o Concerto BWV 1064R , que funciona maravilhosamente na reconstrução para três violinos solo. Você pode nos contar sobre ela?
Com muito prazer! É um imenso privilégio poder tocar esta música em Madrid em breve. É uma peça que acabamos de adicionar ao nosso repertório. Apesar de já termos várias reconstruções disponíveis, decidimos fazer a nossa própria “receita” e voltar à partitura de Bach e ver como poderia funcionar para nós. E adoro o processo, porque este concerto, quando tocado na versão para três violinos, ganha uma dimensão completamente diferente. Já tinha feito este trabalho na versão para violino do Concerto em Ré menor para cravo , e tinha sido uma experiência enriquecedora. Obviamente, existem padrões de solo que são pensados para teclado e que devem ser “traduzidos” para o violino, mas também tentando combinar o estilo do compositor e o gosto do intérprete, então, por exemplo, transformei meus solos um pouco a meu gosto e deixei os outros dois solistas, Yoko Kawakubo e Vadym Makarenko, livres para adaptar suas partes aos seus gostos e necessidades. Também fizemos algumas pequenas alterações no acompanhamento orquestral que, na minha opinião, produzem uma textura muito mais italiana. Em tutti, ainda estamos experimentando a oitava adequada e é um trabalho muito divertido. Parece que, afinal, há mais liberdade do que às vezes pensamos…
Em muitos concertos de Bach é evidente a influência italiana, o espírito de Vivaldi, que o compositor combina com uma densidade orquestral mais “alemã”, como no Concerto de Brandemburgo Nº 3 . Na sua abordagem a estas peças, que componente gosta de destacar?
Acho que gostaria de destacar o que acho que Bach gostava na música italiana (ele e todos nós!): a vitalidade, o frescor, a leveza da complexidade e a ludicidade. Existe também esse culto ao violino virtuoso que gera cordas muito enérgicas… sem falar na luz totalmente sulista!
A sua abordagem da música de Vivaldi e da música de Bach é muito diferente?
É difícil dizer como abordo um repertório, um compositor. Há muito carinho, carinho, respeito, humildade, vontade, vontade de fazer bem, em todos os casos. Mas é como amizade. É uma questão de dois! e também depende do momento… Para mim a música do Vivaldi é mais imediatamente acessível, porque ele era violinista. E o de Bach tem que passar por outro filtro, porque sempre sai a veia harmônica do tecladista. Ter sempre um órgão em mente não é o mesmo que pensar nas possibilidades (também infinitas, mas de uma forma diferente) de um violino… Com Vivaldi tudo parece imediato: o lirismo, a genialidade, a surpresa… Em Bach , tudo isso é muito mais elaborado, mas no fundo tudo está lá e deve ser destacado. Às vezes, como a própria música de Bach é excepcionalmente rica, parece que apenas tocar as notas seria suficiente e que uma versão puramente “informatizada” (sem intervenção humana) seria suficiente para mostrar a genialidade por trás dela. Obviamente este não é o nosso caminho. Tentamos descobrir onde Bach escondeu as suas surpresas num complexo tecido contrapontístico, onde está aquela harmonia que nos acaricia cada vez que a alcançamos, e onde a aparente simetria e ordem são interrompidas muito ligeiramente para mostrar uma direção inesperada. E uma vez encontrados, pretendemos transmiti-los ao público para que possam experimentar o mesmo prazer que nos proporcionam.
Você pode nos contar algo sobre os solistas que atuam ao seu lado neste concerto?
No Gli Incogniti tenho a sorte de compartilhar a vida musical e os palcos com pessoas especiais. Tocamos muito juntos em partes iguais, ou acompanhando um ao outro, ocasionalmente em tutti, ocasionalmente solo, e adoro essa flexibilidade. A todo momento surge a amizade, e isso é o mais importante para mim. Além disso, fico hipnotizada cada vez que Anna Fontana deixa as harmonias de seu fantástico continuo para exibir seu solo no imenso Concerto para cravo em Fá menor, quando Marco Ceccato assume a liderança com seu violoncelo para Haydn ou Vivaldi ou o que posso dizer? Tenho também as notáveis Alba Roca e Marta Páramo. Já mencionei Yoko e Vadym, mas há também Ottavia Rausa e Baldomero Barciela, sem esquecer Francesco Galligioni e Dmitri Kindynis, nossos convidados especiais em duplo papel de violoncelo/viola da gamba… Todo um grupo de pessoas deliciosas e talentosas com quem me relacionei. ter a sorte de viajar, rir (às vezes de excitação, às vezes de frustração ou cansaço), comer e ensaiar, porque um grupo não é só concerto. São acima de tudo pessoas que se unem pelo amor de divulgar músicas maravilhosas.
Você planeja gravar este programa? O que mais você planeja trazer para o álbum em breve?
Bom, não é exatamente o mesmo programa, mas em janeiro próximo gravaremos um álbum com quase todas as obras desta noite e algumas de outros compositores (Vivaldi, Marcello) que serviram de modelo para Bach, vamos colocá-los um na frente do outro. Eles permitem que você ouça essa música sob uma luz diferente. E é claro que também temos em mente um novo projeto de Vivaldi que achamos que poderia ser divertidamente “polêmico”.
Em entrevista ao nosso saudoso Eduardo Torrico realizada em fevereiro do ano passado, você afirmou que com Gli Incogniti gostaria de fazer música clássica (CPE Bach, Haydn…) com uma equipe maior. Você está trabalhando nisso ou ainda é um objetivo distante?
Embora não o conhecesse muito bem, as conversas com o Eduardo foram sempre muito enriquecedoras e lamento muito a sua perda. Quanto ao repertório clássico, estamos fazendo aos poucos. Não é tão fácil movimentar uma orquestra grande, mas estou muito animada com isso. Já apresentamos um programa completo de sinfonias de Carl Philipp Emanuel Bach, como fizemos no Festival Torroella de Montgrí neste verão, ou uma mistura de Haydn, e CPE Bach em Brühl (na Alemanha), também no verão passado. Fiquei muito feliz.
Um dos melhores dias da minha vida ocorreu em 2017, próximo do meu aniversário de 60 anos. Eu e a Elena tínhamos ido para um hotel no interior a final de descansar. Ela levou o violino. Nós já conhecíamos a cidade da Salvador do Sul e ela me dissera que uma igrejinha de lá possuía uma acústica incrível.
Ela pegou seu violino e fomos. Pedimos permissão e entramos na igreja — quase uma capela — vazia. Ela abriu o estojo do violino e pediu que eu fosse ouvi-la do balcão, lá em cima.
E começou a tocar a Chaconne de Bach. É uma obra lindíssina, dificílima e longa, de uns 15 min. Pensei que ela tocaria apenas o início… Afinal, não devia saber de cor. Mas ela não parava e a interpretação era realmente muito boa. Pensava que a Elena não se apresentava em grupos que não a Ospa por não gostar de panelinhas…. De repente, me veio a certeza: aquilo era o meu presente. Era. Pedi-lhe para que ela tocar tudo novamente, para poder ouvir com mais calma.
Quando desci do balcão para lhe agradecer, um padre estava atônito na plateia. Ele disse que tinha vindo fazer suas orações mas que, depois daquilo, achava que já estavam feitas.
Hoje, à convite do Bernardo Frederes Kramer Alcalde, voltei a assistir uma Chaconne ao vivo. Tenho sorte com a peça porque foi novamente maravilhoso. O violinista foi o alemão Oscar Bohórquez, filho de um fagotista peruano e de uma pianista uruguaia. A promotora do recital foi a Bach Society Brasil, entidade porto-alegrense que você deveria apoiar.
Valeu muito a pena e eles farão novo Concerto em 4 de dezembro, agora com orquestra.
Gustav Mahler dirigiu a Orquestra Gürzenich em Colônia na estreia de sua Sinfonia Nº 5. Depois de passar por uma doença quase fatal no inverno anterior, ele encontrou conforto na música de Johann Sebastian Bach, e o rico contraponto da sinfonia mostra claramente a influência de Bach. Esta obra marca o início de uma trilogia de sinfonias puramente instrumentais. Ao contrário das três anteriores, que eram orientadas pela narrativa e incluíam elementos vocais, as Sinfonias 5, 6 e 7 não trazem a voz humana.
A estreia não correu nada bem. Em carta à sua esposa, Mahler expressou sua decepção, afirmando: “Ninguém entendeu. Gostaria de poder reger a primeira apresentação desta peça cinquenta anos após minha morte.”
O quarto movimento, o célebre Adagietto tocado pelas cordas e harpa, é originalmente uma canção de amor para sua esposa Alma, em comemoração ao recente casamento, o que sugere que deveria ser executada em um ritmo adequado para o canto. Isso é apoiado por marcações na partitura do maestro Willem Mengelberg, que assistiu à execução da sinfonia por Mahler. Porém, embora as interpretações modernas do Adagietto possam variar de 10 a 14 minutos, o próprio Mahler conduziu-a em apenas 7 minutos e 30 segundos. Mengelberg devia ser muito criativo, pois a versão lenta criou a tradição plenamente aceita hoje, tendo o trecho sido tocado no filme A Morte em Veneza, de Visconti, em modo 100% Mengelberg.
Mas eu fiquei assobiando com a Elena hoje pela manhã um Adagietto em velocidade duplicada. Não gostei…
Piadas de fagote, piadas de trompete, piadas de violino, piadas de oboé — todas funcionam como ferramentas de ligação que reforçam a hierarquia social da orquestra. E, nesse sentido, não há coleção mais extensa dessas paródias do que a piada de viola (ou de violista).
As piadas de viola vieram do século XVIII e surgiram com a criação da orquestra moderna. logo ficou enraizada a crença de que o instrumento era pesado e seus músicos lamentavelmente incompetentes. Esta implacável da reputação dos violistas, escrita em 1752 pelo eminente compositor e flautista Johann Joachim Quantz, era típica:
A viola é comumente considerada de pouca importância no meio musical. A razão pode muito bem ser o fato de ser frequentemente tocada por pessoas que ainda são principiantes ou não têm dons específicos para se distinguirem no violino. O instrumento proporciona muito poucas vantagens aos seus executantes, de modo que pessoas capazes não são facilmente persuadidos a aceitá-lo.
Estes estereótipos permanecem firmemente em vigor, apesar da presença atual de violistas virtuosos que amam as qualidades úde seus instrumentos. Só que as piadas são boas demais para serem desperdiçadas.
J. S. Bach desenhou este monograma para si mesmo, na esperança de ser nomeado Compositor da Corte do Eleitor da Saxônia (daí a coroa). O selo de Bach é composto por suas iniciais JSB sobrepostas à imagem espelhada e encimadas pela citada coroa. Foi uma tentativa de alcançar mais um cargo. Não conseguiu. Mas ficou lindo, né?
O grupo de música barroca da genial Amandine Beyer chama-se Gli Incogniti, que significa Os Desconhecidos ou Os Incógnitos. Parece uma brincadeira meio boba, mas vocês têm que saber mais da história da humanidade, meus amados leitores.
A Accademia degli Incogniti (Academia dos Desconhecidos, ou Incógnitos), também chamada de Academia Loredaniana, foi uma sociedade erudita de intelectuais livres pensadores, principalmente nobres, que influenciou significativamente a vida cultural e política de Veneza de meados do século XVII . A sociedade foi fundada em 1630 por Giovanni Francesco Loredan e Guido Casoni. A sociedade incluía historiadores, poetas e libretistas. A academia atraiu para si as principais figuras literárias de Veneza e outras de fora que simpatizavam com um programa libertino e com a independência política e cultural de Veneza. O nome ‘Incogniti’ alude ao uso de máscaras em muitas reuniões, além de se referir a subterfúgios como obras anônimas, alegorias e ironia, a fim de desviar a censura religiosa. Segundo a historiadora Ellen Rosand, a academia, fazendo jus ao seu nome, geralmente funcionava nos bastidores. Os membros muitas vezes escreviam numa linguagem secreta e frequentemente publicavam os seus trabalhos anonimamente.
O espírito libertino da academia foi fortalecido pelo naturalismo aristotélico (ligado às correntes céticas e epicuristas) ensinado na Universidade de Pádua, frequentado pelas classes altas venezianas. A sua filosofia geral era que nada é cognoscível além do mundo natural ao qual temos acesso apenas pela razão. Mais: eles defendiam que a alma era mortal e que os prazeres dos sentidos e a satisfação dos instintos sexuais faziam parte da vida natural. Maquiavel influenciou-os ao formular uma visão da religião como um produto da história humana, e não como uma revelação divina, exercida por uma elite com o propósito de controle social. Não é de surpreender que os censores frequentemente colocassem obras Incogniti no Index. Essas obras incluíam composições satíricas em prosa e versos, histórias bíblicas transformadas em romances de aventura erótica, coleções de novelas elogiando os instintos naturais e o prazer, narrativas históricas (muitas vezes antipapais) e uma série de gêneros muitas vezes híbridos, misturando elementos históricos, alegóricos, epistolares e picarescos. Dando continuidade a uma prática estabelecida por Aretino, os autores Incogniti escreveram num idioma simples, vivo e contemporâneo, geralmente desprovido da bagagem clássica e do vocabulário arcaico tão em voga na época. Eles escreviam sobre temas de interesse contemporâneo para o maior número possível de leitores. Muitos de seus escritos satíricos eram anônimos, com datas e locais de publicação falsos e, portanto, deliberadamente clandestinos. Os escritos históricos da academia foram inspirados em Paolo Sarpi, bem como em Maquiavel e Guicciardini, sempre expondo o funcionamento da tirania e, assim, alertando os leitores para os abusos de poder, tanto políticos quanto religiosos. A Accademia degli Incogniti foi particularmente ativa na promoção do teatro musical em Veneza a partir da década de 1630, fundando o seu próprio teatro, o Teatro Novíssimo, que floresceu entre 1641 e 1645. Nos seus libretos para dramas musicais, os intelectuais iconoclastas da academia estabeleceram um tom que era frequentemente franco, chocante e amoral. Entre esses libretistas estavam Giacomo Badoaro, que escreveu Il ritorno d’Ulisse in patria para Claudio Monteverdi, e Giovanni Francesco Busenello, que forneceu a Monteverdi o libreto para a última e maior obra operística do compositor, L’incoronazione di Poppea. Embora a academia seja frequentemente descrita como um grupo de “libertinos céticos exaltando um tipo peculiarmente veneziano de imoralidade”, Loredan era um respeitado senador da República de Veneza. Outros membros também serviram à República como senadores ou vereadores, e a academia permaneceu um centro não oficial de poder político durante várias décadas. Sua influência começou a diminuir no final da década de 1650 e, em 1661, deixou de se reunir.
Vamos começar falando de um compêndio que influenciou gerações de melômanos no Brasil. O tal livro é Nova História da Música, de Otto Maria Carpeaux. Muita gente da minha geração e das anteriores (talvez também das posteriores) leram este livro. Na parte que fala de Bach, Carpeaux o colocava como o maior compositor de todos os tempos (OK), mas dizia ousadamente que a Missa em si menor era a maior obra de todos os tempos. Carpeaux gostava de afirmativas bombásticas e de comparar alhos com bugalhos, mas era um cara tão respeitado — era colunista o autor de uma História da Literatura Ocidental em oito volumes, reconhecera Grande Sertão: Veredas com um clássico absoluto 15 dias após seu lançamento e já tinha feito o algo parecido com outros autores — que todo mundo até se vestia melhor em casa para ouvir a tal maior obra de todos os tempos. E, mesmo que ele tenha se enganado na medição das obras — eu sei lá! –, está muito próximo de ter falado a verdade. Na verdade, a Missa em Si Menor, foi primeiramente aclamada como a “maior composição musical de todos os tempos e todas as culturas” por seu primeiro editor, Hans-Georg Nägeli, de Zurique em 1818. E é isso que vocês vão ouvir hoje.
Talvez algum desavisado espere um padre hoje na Ospa, então acho que mais do que natural explicar o que é uma Missa em música. Pode-se dizer que a Missa é uma obra musical religiosa cantada por solistas e/ou coral que, diferentemente da maioria dos Oratórios, Paixões — como o Messias de Handel — e Cantatas, não possui recitativos. O que é o recitativo? Trata-se de gênero de canto declamado, surgido no final do século XVI, que passou a integrar óperas, cantatas e oratórios. Servem de conexão entre as árias cantadas. OK, e o que é uma ária? Ária é qualquer composição musical escrita para um cantor solista, tendo quase o mesmo significado de canção. Podem ser duetos, tercetos, etc. tb. E o que é um coral? É uma composição escrita para coro ou coro e orquestra. Geralmente (mas não necessariamente) usa-se o termo “ária” quando está contida dentro de uma obra maior, como uma ópera, cantata ou oratório e “canção” quando é uma peça avulsa. Existe canção em música erudita? Certamente. Purcell, Richard Strauss e principalmente Schubert praticaram o gênero com resultados magníficos. A Missa em si menor é formada de magníficas árias e corais.
Mas a Missa possui outra característica: ela, teoricamente, tem uma estrutura e texto padrão em latim. A estrutura básica compõe-se do Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. E quem compôs Missas? Quase todos os grandes compositores: Palestrina, Bach, Haydn, Rossini, Beethoven, Schubert, Bruckner, Janáček, etc.
I. Missa (Kyrie & Gloria)
Intervalo
II. Symbolum Nicenum (Credo) III. Sanctus IV. Osanna, Benedictus, Agnus Dei et Dona nobis pacem
Outra espécie de Missa é o Réquiem. Todos nós conhecemos os famosos Réquiens de Mozart, o de Verdi, o Réquiem Alemão, de Brahms e o War Requiem, de Britten, etc. Além disso, há obras sobre partes da missa ou outros textos litúrgicos, como o Gloria (Vivaldi e Poulenc), o Magnificat (Bach), o Te Deum (Purcell, Haydn, Mozart, Bruckner), o Stabat Mater (Vivaldi, Pergolesi), o Exsultate, jubilate (Mozart), entre outros.
Agora, vamos a Bach. É verdadeiramente notável o porte e o grau de influência de Bach, assim como sua colocação como pedra fundamental de toda a nossa cultura musical. O mundo criado por Bach foi desenvolvido numa época em que não havia plena noção de obra; ou seja, Bach não se colecionava para servir à posteridade como os autores passaram a fazer logo depois. Ele escrevia para si, para seus alunos e contemporâneos. Sabe-se pouco a seu respeito como pessoa. Sabe-se que estava sempre procurando cargos mais bem reminerados, que era brigão, que bebia (e produzia) muita cerveja, que teve muitos filhos. Muitos mesmo.
Teve 7 com a primeira esposa Maria Barbara que viveu e trabalhou com ele de 1707 e 1720 (13 anos). Três caíram na alta mortalidade infantil da época. E teve 13 com Anna Magdalena, com quem ficou casado entre 1721 e 1750 (29 anos), dos quais sete faleceram prematuramente. Quatro dos filhos tornaram-se compositores (Wilhelm Friedemann, Carl Philipp Emanuel, Johann Christian e Johann Christoph Friedrich), um filho tinha problemas mentais e havia quatro meninas que chegaram à idade adulta.
Com tantos filhos, era natural que Bach procurasse sempre melhores empregos. À época, fazer isso poderia ser um grande problema. Os empregadores consideravam traidores quem fazia isso. Por exemplo, quando Bach recebeu uma oferta do Príncipe Leopold, de Köthen, Bach pediu permissão para deixar Weimar, onde trabalhava. Mas o Duque de Weimar não quis perder os serviços de seu brilhante músico e recusou o pedido. Como Bach insistisse, o Duque não teve dúvidas em colocá-lo na prisão, isso sem nenhum processo. Bach passou trinta dias preso. Porém, ao sair da prisão, em dezembro de 1717, partiu imediatamente para Köthen com sua família já de quatro filhos, sendo nomeado mestre de capela da corte do Príncipe Leopold.
Mesmo com os filhos e os alunos, a perfeição e o número de obras que Bach criava e que era rápida e desatentamente fruída pelos habitantes das cidades onde viveu, era inacreditável. Tentaremos dar dois exemplos:
(1) Suas obras completas, presentes na coleção Bach 2000, estão gravadas em 153 CDs. Grosso modo, 153 CDs são 153 horas ou 6 dias e nove horas ininterruptas de música… original,
(2) como se não bastasse, ele parecia divertir-se criando dificuldades adicionais em seus trabalhos. Muitas vezes o número de compassos de uma ária de Cantata ou Paixão, corresponde ao capítulo da Bíblia onde está o texto daquilo que está sendo cantado. Em seus temas também aparecem palavras — pois a notação alemã (não apenas a alemã) é feita com letras. Ou seja, pode-se dizer que ele sobrava…
E imaginem que durante boa parte de sua vida Bach escrevia uma Cantata por semana. Em média, cada uma tem 20 minutos de música. Tal cota, estabelecida por contrato, tornava impossível qualquer “bloqueio criativo”. Pensem que ele tinha que escrever a música, copiar as partes e ainda ensaiar para apresentar domingo, todo domingo.
Mas se ele era tão ocupado, por que escreveu uma Missa de grandes proporções? Há duas teses:
Bach escreveu-a em 1733 (revisou-a em 1749) com a intenção de que ela fosse uma obra ecumênica. Seria a coroação de sua carreira de compositor sacro. Quando a Bach, roubou de si mesmo ou fez retornar alguns de seus melhores trabalhos de sua longa obra. Imaginem que ele trouxe para a Missa uma ária que compusera em 1714! Naquele momento ele fazia uma revisão de si mesmo e, por isso, a Missa também é um sumário de sua obra sacra. Para completar, o trechos compostos especialmente foram criados por um compositor no auge de sua capacidade. O que apoia esta tese do ecumenismo, da unidade cristã é o fato da Missa ter sido escrita em latim, contrariamente às Cantatas e Paixões, sempre escritas em alemão. Tal fato deixaria a Missa mais próxima dos católicos.
Mas hoje a tese mais aceita é muito outra. Na verdade, pleiteava um emprego junto ao Rei “católico” em Dresden, Augusto III) em 1733. Isso explica a linguagem católica. Ele cobiçava um cargo em Dresden, loucamente. Era a melhor corte musical da Europa, repleta de Vivaldi, dinheiro, bons amigos… Bach correu a vida toda atrás de melhores postos, e ficou sempre, infelizmente, aquém. Assim, ao apresentar da Missa em Dresden, fez uma aposta alta e reuniu seus melhores materiais, reciclando muito de seus arquivos, o que sempre fez com perícia. O Kyrie e o Gloria foram compostos naquele ano, o primeiro como um lamento pela doença de Augustus, o Forte, que veio a falecer em 1 de fevereiro de 1733, e o segundo para celebrar a ascensão de seu sucessor, o Eleitor da Saxônia e mais tarde rei da Polônia, o Rei Augusto III, que, para assumir o trono da Polônia, se converteu ao catolicismo. Estas duas seções foram apresentadas por Bach a Augustus III, junto com uma nota datada de 27 de julho de 1733, como uma Missa com as partes Kyrie e Gloria, na esperança de obter o título de Compositor da Corte da Saxônia, lamentando-se de que havia sofrido imerecidamente, uma injúria após outra em Leipzig. Provavelmente, estas partes da Missa foram executadas em 1733, na Sophienkirche, em Dresden, onde Wilhelm Friedemann Bach trabalhava como organista desde junho, sem a presença daqueles a quem eram dedicados.
— O Sanctus foi composto em 1724
— O Credo pode ter sido escrito em 1732.
— Em 1747 ou 1749, Bach copiou toda a partitura.
A Missa em Si menor, BWV 232, de Johann Sebastian Bach, é uma obra monumental que merece ser ouvida por várias razões:
Síntese do Gênio de Bach: Esta obra é frequentemente vista como o ápice da carreira de Bach, sintetizando suas habilidades como compositor de música sacra. Ela combina estilos e técnicas que Bach desenvolveu ao longo de sua vida, unindo elementos de música coral, orquestral e solos vocais em uma obra magistral.
Diversidade Estilística: A Missa em Si menor abrange uma impressionante variedade de estilos musicais. Desde o uso do contraponto renascentista até elementos do barroco tardio, Bach demonstra sua capacidade de fundir e elevar diferentes tradições musicais. Isso faz da Missa uma verdadeira enciclopédia de técnicas musicais da época.
Profundidade Espiritual: Embora Bach tenha sido um luterano devoto, a Missa em Si menor é uma obra universal em seu alcance. Ela transcende divisões confessionais, oferecendo uma expressão profunda da espiritualidade cristã. A música é emocionalmente poderosa, capturando desde a solenidade do “Kyrie” até a exultação do “Gloria”.
Complexidade Técnica e Beleza Harmônica: A complexidade técnica da Missa é extraordinária. As fugas, as sobreposições harmônicas, e a interação entre vozes e instrumentos são de uma sofisticação raramente igualada na música. No entanto, apesar dessa complexidade, a obra nunca perde sua beleza melódica e harmônica, sendo ao mesmo tempo acessível e profundamente rica.
Legado Histórico: A Missa em Si menor é uma das obras mais influentes da música ocidental. Ela foi redescoberta e valorizada no século XIX, e desde então, tem sido um pilar do repertório coral e orquestral. Sua importância histórica e musical a coloca entre as maiores composições já escritas.
Experiência Emocional: Ouvir a Missa em Si menor é uma experiência emocional poderosa. A combinação de vozes, orquestra e a arquitetura musical de Bach cria um impacto que vai além das palavras. Cada seção da Missa evoca uma gama diferente de emoções, desde a penitência até a glória, fazendo dela uma obra completa e emocionalmente envolvente.
Esses aspectos fazem da Missa em Si menor uma obra que não só deve ser ouvida, mas também estudada e apreciada como uma das maiores realizações da música clássica.
Hoje, 4 de setembro, é o dia dos 200 anos de nascimento de um dos compositores que mais amo: Anton Bruckner.
Ele nasceu em Linz, na Áustria, e foi uma figura estranhíssima. Este ano, li a biografia que Lauro Machado Coelho escreveu sobre ele. Muitas coisas começaram a fazer sentido.
Dizia a lenda que Bruckner era quase um idiota. Nada disso. Mas havia o ambiente rural e quase tacanho em que o compositor nasceu, a desgraça de ser um jeca, a sua insegurança neurótica, seu alto conhecimento e seus incríveis — de modo positivo — resultados como aluno. Porém, mesmo sendo um espetacular improvisador ao órgão, professor e compositor, Bruckner era um ingênuo que propunha casamento às moças mais inatingíveis, era hiper religioso, anotava tudo o que fazia, gastava e recebia, sabia quantas árvores existiam em todos os seus caminhos diários, pois as contava, além de outras esquisitices absolutamente originais. Quando transferiu-se de Linz para Viena, quis ter certeza de que seria aceito de volta caso fosse um insucesso em Viena. Insegurança total, sempre.
Também ficava agradecido a quem regia sua música, a ponto de se submeter a humilhações. Halb Genie, halb Trottel (metade gênio, metade pateta) era o que se dizia dele. Podem imaginar esse homem saído da pequena Linz (Sankt Florian) para a sofisticada Viena? Pois ele adquiriu o respeito de gente como, por exemplo, Gustav Mahler. Sua música foi adotada por Hitler como símbolo da força e da pureza arianas, mas logo os historiadores descobriram que, Bruckner, devoto de Richard Wagner, não era nem um pouco antissemita e o nazismo desgrudou dele assim que a guerra acabou. Quando os maestros judeus começaram a ser preteridos, Bruckner passou a convidá-los para estrear suas sinfonias, deixando de lado os “alemães”.
Compondo sinfonias imensas, realizou grandes esforços para ver sua obra aceita – inclusive revisando-a incessantemente… Não podia ouvir uma opinião contrária que já saía reescrevendo tudo. E criou imensa obra, cheia de diferentes versões. Um prato delicioso para os musicólogos.
Sou muito Bruckner e minhas sinfonias preferidas são a 3, 4, 5, 7 e 9. Ele tem 11, mas parou na nona. Ele tem uma Sinfonia de Estudo, que não era para ser publicada. Insegurança. Era tão boa que tornou-se a Sinfonia N° 0 (Nullte). Teve outra a qual ele também não deu número. Bruckner declarou que ela “gilt nicht” (não contava)… Hoje, é tocada, claro.
Sua música trazia a estranheza de parecer por vezes imitar o órgão, seu instrumento, sempre com muitas pausas significativas e entradas em fortíssimo para alegria dos metais da orquestra.
Bem, esta é minha pequena homenagem a este gênio. Abaixo, uma boa piada sobre suas incontáveis revisões.
É notável a mudança de gosto trazida pela música historicamente informada, principalmente no barroco. De forma genérica, tudo o que foi gravado antes dos anos 70 é simplesmente absurdo. Estou ouvindo uma velha gravação da Missa em si menor de Bach na Rádio da Ufrgs onde os cantores parecem estar todos desesperados. Estão cantando Bach como um bando de loucos sem noção, como se cantassem Verdi em momento de morte iminente ou paixão avassaladora. Além de coro e orquestra enormes, anabolizados. A coisa é insuportável e ainda está na metade. Quero até saber quem fez isso. Vou tratar de aguentar.
(Era Otto Klemperer. Com Janet Baker, Hermann Prey, Nova Philharmonia e Coro da BBC. Um Bach com molho pesadíssimo de 1967).
Hoje, já estou já no quarto CD de obras de Bach para teclado, interpretadas ao cravo.
Eu adoro o som do cravo. Posso passar horas ouvindo, mas o cravo é um instrumento estranhamente polêmico, que divide opiniões.
Para alguns, ele sempre trará à mente o tema da Família Addams, uma associação que alguns podem considerar inteiramente correta.
O maestro Thomas Beecham comparou o som do instrumento ao barulho feito por “dois esqueletos copulando em um telhado de zinco”. O compositor John Cage comparou-o a uma máquina de costura.
Lauro Machado Coelho (1944-2018) foi um Jornalista Cultural — assim mesmo, com maiúsculas. Ele escreveu incontáveis artigos e colunas em jornais, vários livros sobre ópera, um livro extraordinário sobre Shostakovich e outros não menos sobre Sibelius, Berlioz, Liszt, Bartók e Akhmátova, além deste sobre Bruckner.
O texto de Lauro é delicioso e nos traz todo o contexto dos compositores sem cair em preconceitos pré-moldados pelas posições políticas ou estéticas do autor e outros. Seu livro sobre Bruckner é uma joia até para quem não se interessa pelo compositor.
Pois ele é uma figuraça! Em O Menestrel de Deus temos o ambiente rural e quase tacanho em que o compositor nasceu, a descrição de sua insegurança, seu alto conhecimento e seus incríveis — de modo positivo — resultados como aluno. Porém, mesmo sendo um genial improvisador ao órgão, professor e compositor, Bruckner era um ingênuo que propunha casamento às moças mais inatingíveis, era hiper religioso, anotava tudo o que fazia, gastava e recebia, e sabia quantas árvores existiam em todos os seus caminhos diários, pois as contava, além de outras esquisitices. Quando transferiu-se de Linz para Viena, quiser saber se seria aceito de volta caso fosse um insucesso em Viena.
Também ficava agradecido a quem regia sua música, a ponto de se submeter a humilhações. Halb Genie, halb Trottel (metade gênio, metade pateta) era o que se dizia dele. Podem imaginar esse homem saído da pequena Linz (Sankt Florian) para a sofisticada Viena? Pois ele adquiriu o respeito de gente como, por exemplo, Gustav Mahler. Sua música foi adotada por Hitler como símbolo da força e da pureza arianas, mas logo os historiadores descobriram que, Bruckner, devoto de Richard Wagner, não era nem um pouco antissemita e o nazismo desgrudou dele assim que a guerra acabou.
O livro de Lauro Machado Coelho passa por tudo isso: por toda a biografia deste homem genial e inseguro, por suas influências e por quem ele acabou influenciando. Temos toda sua formação como músico, seus esforços para fazer aceitar a sua obra – inclusive revisando e deixando revisar tantas vezes as suas sinfonias… Mas também da obra única de um homem que, animado por uma fé sem conflitos em seu “bom Senhor Deus”, deixou uma obra esplêndida.
Ou seja, para quem se interessa por música, este livro é um banquete.
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Anton Bruckner tem um fato post mortem muito curioso. Adotada por Hitler, sua música tornou-se um autêntico símbolo do nazismo. Hitler achava sua música muito poderosa, séria, pura e, portanto, ariana. Só que Bruckner, ao contrário de Wagner e Orff, “destornou-se” muito rapidamente.
Imaginem que o Adágio da Sétima Sinfonia foi o tema escolhido por algumas emissoras de rádio remanescentes para anunciar a morte de Hitler. Imaginem que Hitler entrava nos Congressos sob fanfarras da Terceira Sinfonia…
Ocorre que o velho Bruckner — morto em 1896 — entrou nessa de gaiato, pois nunca foi antissemita, mesmo sendo wagneriano de quatro costados. Pelo contrário, muitas de suas obras foram estreadas por maestros judeus, a convite do compositor, além de ser amigo do jovem Gustav Mahler.
Hoje é o dia em que a Paixão Segundo João, de Johann Sebastian Bach, completa 300 anos. Digo Paixão Segundo João traduzindo à perfeição o título da obra. A outra grande Paixão de Bach também chama-se Paixão Segundo Mateus e não “Segundo São Mateus”.
A obra é uma representação dramática do texto contido no Evangelho de João, interpretada por coro, solistas e orquestra dentro de árias, corais e recitativos. O dia de sua primeira apresentação, em 7 de abril de 1724, foi a sexta-feira da Semana Santa daquele ano.
Ambas, Mateus e João, são obras belíssimas, perfeitas e insuperáveis em seu gênero. Porém, se eu tivesse que escolher uma delas para levar para a ilha deserta, levaria a aniversariante de hoje, que é menos monumental e mais moderna.
Bach sempre teve notáveis intérpretes e, dentre os vivos, ninguém supera a gravação abaixo, que será postada hoje no PQP Bach.
Conheci o Dr. Herbert Caro numa loja de discos eruditos de Porto Alegre, a King`s Discos. Lá, eu, ele, o Júlio – que trabalhava na loja – e outros, tínhamos um encontro não marcado mas sempre repetido aos sábados pela manhã. Nós, o grupo dos tarados por música, ficávamos ouvindo as novidades e aprendendo com a inacreditável sabedoria do velho. Quando o conheci, ele já tinha mais de 70 anos. Lembro que tinha 51 a mais do que eu. Não lembro em que ano morreu, deve ter sido entre 1986 e 1990. Creio que Caro não viu a falência do jornal Correio do Povo, onde por décadas publicou suas compreensivas (expressão dele) e lindamente escritas críticas musicais. Como convivi com ele entre meus 20 e 30 anos, era tratado pelo mestre como a criança curiosa que era. Ele tinha atenção especial para comigo e o Júlio, os jovens do grupo, e gostava de me orientar na obra de meus amados Bach e filhos, Mozart, Brahms e Beethoven. Deu-me alguns discos, sempre sob o pretexto de servirem como comprovação de suas opiniões, nunca pelos motivos reais, que eram a amizade e o carinho. Era um alemão que dava de presente um disco e dizia com meio sorriso: “Para aplacarr tua ignorrância”. E se alguém faltasse àqueles encontros, ele reclamava.
Chamávamos o Dr. Caro de “Doktor Carro”, apelido de duplo sentido, pois ao mesmo tempo em que nos referíamos a seu forte sotaque, homenageávamos o grande tradutor de Doutor Fausto (Doktor Faustus) e A Montanha Mágica de Thomas Mann, Auto-de-fé de Elias Canetti, A Morte de Virgílio de Hermann Broch, O Lobo da Estepe e Sidarta de Hermann Hesse, etc. Ele era conhecido por ser de difícil trato, mas gostava de nós e creio que nos levava livres por receio de nossa ironia. Uma vez, pareceu-nos que ele auto-elogiava a tradução (a qual é impecável, insuperável mesmo!) de A Montanha Mágica (uma obra-prima!) e nós começamos a falar sobre a inutilidade de se traduzir uma bosta de livro em que nada acontecia, em que as pessoas ficavam falando sobre o tempo, doenças, guerra e que inaugurava o riquíssimo gênero do erotismo tuberculoso… (Se você não entendeu isto, leia o livro). Depois começamos a falar sobre a “metáfora da Europa” contida na obra e a bobajada alcançou níveis planetários. Viram? Para nós, era facílimo conversar com ele. Ele primeiro ficava com aquela cara escandalizada de alemão rígido: de estão-brrincando-com-algo-que-é-sagrrado-parra-mim. Depois ria conosco. Voltava todos os sábados para nos ensinar e, eventualmente, para apanhar mais um pouquinho.
Inesquecível foi o sábado quando chegaram os 3 LPs com últimas Sonatas de Beethoven tocadas por Maurizio Pollini, pianista falecido há 4 dias. Ele brandia os discos e dizia que aquele monumento não serria esquecido tão cedo. Tinha razão.
Creio que todas as vezes que vi o Doktor Carro foi na loja de discos, a exceção das palestras que ele deu no Goethe sobre a pintura dos mestres holandeses. Ele sabia tudo e ficava irritado quando sua esposa projetava uma página ou um detalhe errado. Não a ofendia, mas ficava visivelmente contrariado.
Outra característica dele era o fato de odiar o calor de Porto Alegre. “A canícula” como ele dizia. Em todos os anos de sua velhice, viajava dia 1° de dezembro e retornava ao final de março quando nossa cidade voltava a ficar suportável. (Eu adoraria poder fazer isso…)
É óbvio que me sinto nostálgico e gratíssimo a ele pelas lições. Sei que muitas opiniões que solto no blog PQP Bach e no Notas de Concerto da Ospa são do Doktor Carro e não minhas.
“Não dê ouvidos à sua mãe”, meu pai sussurrava para mim quando ela criticava Pollini pelo que ela descreveu como excessivo perfeccionismo. Para o pai, arquiteto e compositor, a abordagem estrutural de Pollini revelou novas verdades até mesmo sobre os cavalos de guerra mais familiares, tornando qualquer peça musical uma parte essencial do nosso tempo.
Com Pollini as coisas nunca foram simples – Chopin tornou-se o arquiteto musical, Stockhausen o poeta, Beethoven o filósofo. Muitos de nós nos tornamos melhores ouvintes e intérpretes. Que ele descanse em paz.
Esta manhã, estava ouvindo o Quinteto K. 515 de Mozart na Rádio da Ufrgs, admirando a proeminência das violas. Contrariamente à maioria dos compositores, ele admirava o instrumento e muitas vezes o assumia ao tocar em quartetos de cordas.
Mozart aparentemente não gostava era do violoncelo, mas o que detestava mesmo era o trompete.
Quando criança, quando ouviu pela primeira vez um trompete de perto, ficou nauseado e vomitou.
Estamos retomando nossa newsletter lembrando você de que temos a solução para quem foge de shopping lotado e precisa comprar um presentinho de final de ano — nem que seja para si mesmo.
A Bamboletras tem livros para todos os bolsos e mais: neste fim de semana haverá dois recitais sen-sa-cio-nais cujos ingressos são a compra de um livro para cada um deles. Ou seja, você vê um baita espetáculo e ainda fica com um livro! Onde mais tem isso?
Confira abaixo porque tem muita coisa — livros e música!
Este é o primeiro recital:
Homenagem ao Centenário do Compositor Bruno Kiefer
I – Canção de garoa (1957/76)
II – Canção de inverno (1957/76)
III – Canção para uma valsa lenta (1958/76)
para voz aguda e piano – poemas de Mário Quintana
IV – Terra Selvagem (1971), para piano
V – Saudade (1956), para clarinete e piano
VI – Monólogo (1981), para clarinete solo
VII – Notas Soltas (1978), para flauta solo
VIII – Música para Dois (1984/1985), para flauta e clarinete
– Traquinice
– Pequena Fuga
– Espirituoso
IX – Pobre velha música! (1957/76)
X – No ouro sem fim da tarde morta (1958/76)
para voz aguda e piano – poemas de Fernando Pessoa
Soprano: Luciana Kiefer (I, II, III, IX e X)
Flauta: Henrique Amado (VII e VIII)
Clarinete: Diego Grendene de Souza (V, VI e VIII)
Piano: Guilherme Goldberg (I, II, III, IV, V, IX e X)
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E este é o segundo:
Recital em Fá – Pela Saúde da Terra 🌎
BACH, J. S.
Concerto Italiano em fá maior
Allegro / Andante / Presto
MOZART, W. A.
Sonata Nº 12, K. 332 em fá maior
Allegro / Adagio / Allegro assai
BEETHOVEN, L. von
Sonata Op. 57, Appassionatta, em fá menor
Allegro assai / Andante con moto / Allegro ma non troppo
PROKOFIEV, S.
Sonata, Op. 1, em fá menor
Allegro
André Carrara, piano
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E é claro que agora vamos deixar três dicas de livros para você.
A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr — Esse livro foi indicado pelo Chico Buarque, que disse que não sabia como continuaria a escrever após ler esta maravilha. Não bastou? Bem, O livro recebeu o prêmio Goncourt e foi traduzido para mais de trinta idiomas. Em 2018, Diégane Latyr Faye, um jovem escritor senegalês, descobre em Paris um livro mítico publicado em 1938: O labirinto do inumano. Seu autor, o misterioso T.C. Elimane, desapareceu sem deixar vestígios depois que uma escandalosa acusação de plágio mobilizou a comunidade literária francesa dos anos 1940. De Dakar a Paris, passando por Amsterdam e pela Buenos Aires dos salões literários das irmãs Ocampo, que verdade o espera no centro deste labirinto?
Livros de Annie Ernaux — Aqui você pode escolhar entre os vários livros da autora, publicados desde que ela recebeu o Nobel. Todo mundo que lê um, acaba lendo mais um e mais um. Experimente! Os que mais são elogiados? Ora, Os Anos, A Vergonha, O Acontecimento, O Lugar, A Outra Filha, etc. Sua obra descortina as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos — principalmente os femininos — da memória pessoal. A autora é um referencial inquietante de coerência, rompendo não apenas com tudo que podia, no passado, ser escrito por mulheres, como invadindo questões de classe. Imperdível!
Oblómov, de Ivan Gontcharóv – Desconfie de quem diz conhecer os russos e não conhece a obra-prima Oblómov. O livro trata de um indolente latifundiário russo que passa seus dias fazendo planos para enfrentar seus muitos e graves problemas, principalmente os relativos a sua fazenda, que cada vez mais gera menos benefícios e onde é claramente roubado por seu administrador e servos. Só que ele não age. Oblómov é um Ulisses de roupão que opta por ficar imóvel, na contracorrente dos eventos. Quando deita no sofá, sente-se protegido de toda a grosseria e da confusão que rege as ações humanas. Porém, sua atividade mental é grande. Não nasceu para ser um gladiador na arena, mas um pacífico espectador que deixa a inércia guiar sua vida. Só não pense que é um livro monótono. Bah, aí é que você se engana!
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