16 Quartetos de Cordas sem os quais seria ainda mais difícil viver

16 Quartetos de Cordas sem os quais seria ainda mais difícil viver

Haydn: Quarteto de Cordas, Op. 54 Nº 2
Mozart: Quarteto K. 465 (das Dissonâncias)
Beethoven: Quarteto de Cordas, Op. 59, Nº 3 (um dos Razumovsky)
Beethoven: Quarteto de Cordas, Op. 132 (o campeão)
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 12, D. 703, “Quartettsatz“
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 13 “Rosamunde” (o terceiro)
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 15 in G major, D. 887
Borodin: Quarteto de Cordas Nº 2
Janáček: Quarteto de Cordas Nº 2 “Cartas Íntimas”
Ravel: Quarteto de Cordas
Bartók: Quarteto de Cordas Nº 4 (o segundo colocado)
Bartók: Quarteto de Cordas Nº 5
Shostakovich: Quarteto de Cordas Nº 3
Shostakovich: Quarteto de Cordas Nº 8
Ligeti: Quarteto de Cordas Nº 2
Crumb: Black Angels

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16 Concertos para Violino sem os quais seria ainda mais difícil viver

16 Concertos para Violino sem os quais seria ainda mais difícil viver

Bach: BWV 1042
Bach: BWV 1043 para 2 violinos
Vivaldi: As 4 Estações
Mozart: Concerto N° 3
Beethoven: o único (completando o pódio)
Brahms: idem
Tchaikovsky: idem
Mendelssohn: Op. 64
Saint-Saëns: Concerto N° 3
Sibelius: o único
Prokofiev: Concerto N° 2
Shostakovich: Concerto No. 1 (o campeão)
Berg: À memória de um anjo
Bartók: Concerto N° 2
Britten: o único (o vice)
Stravinsky: idem

A grande Janine Jansen

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O melhor Concerto para Piano de Tchaikovsky

O melhor Concerto para Piano de Tchaikovsky

Tem gente que nem sabe que Tchaikovsky tem um segundo e terceiro Concertos para Piano. Muitos músicos de orquestra, inclusive, pensam que há apenas um, o famoso primeiro.

Só que meu pai era um colecionador de música romântica que reclamava de minha predileção pelas músicas mais difíceis, coisa que a Elena repete, mas sem a voz de um pai ou de uma mãe quando a gente é pré-adolescente. Ele tinha um LP com o segundo concerto e eu dizia que aquele era melhor que o primeiro. Olha, até hoje concordo comigo. Gosto da decisão do primeiro movimento, mas minha maior consideração vai para o muito estranho segundo movimento, que é quase um não-concerto.

Este movimento lento começa com um trio. Acompanhado apenas pelas cordas, o violino toca um tema belíssimo, depois o piano dialoga primeiro com o violino e depois com o violoncelo, como se fossem três solistas em vez de um piano com acompanhamento orquestral. Ora, essa estrutura é mais típica de música de câmara do que de um concerto romântico para piano.

Neste movimento, o piano não é o protagonista imediato — ele entra apenas depois de longas passagens do violino e do violoncelo. Quando finalmente aparece, ele assume um papel mais de acompanhamento, o que é totalmente incomum para um concerto.

É tudo muito melancólico e introspectivo. Aos poucos, a orquestra entra com delicadeza, expandindo a música de câmara, mas o violino e o violoncelo sempre voltam. É um noturno, se me entendem, não é o movimento lento típico de um concerto.

Houve um idiota, o pianista e maestro russo Alexander Siloti, que fez cortes para torná-lo mais palatável ao público. O cara era louco, só pode.

E o terceiro movimento é sensacional.

Estou ouvindo a gravação na forma original, como o disco do meu pai, que pode soar mais estranha para ouvintes acostumados ao conforto de um formato convencional. Tchaikovsky mesmo admitiu que buscava experimentar formas mais complexas, que essa obra era “difícil” e menos acessível que o primeiro concerto.

Mas ele é tão raro de ser programado que NUNCA o assisti ao vivo. E, desculpem, é o melhor dos três.

Xô, Siloti! Deixem o Tchai, ele já sofria bastante sendo gay na Rússia Czarista.

(Abaixo, Tchaikovsky triste com Siloti…)

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Notas de Concerto da Ospa (11 de abril de 2025)

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E Schütz fará 440 anos de nascimento

E Schütz fará 440 anos de nascimento

Bach, Handel e D. Scarlatti completam 340 anos de nascimento em 2025. Mas não esqueçam de mais um gênio: o extraordinário Heinrich Schütz completa 440 anos. Ele nasceu em 1585.

Uma curiosidade pessoal: ouço habitualmente algum compositor ainda mais antigo? Acho que há três ainda mais velhinhos e dentre eles uma mulher. São eles Hildegard von Bingen (1098-1179), Claudio Monteverdi (1567-1643) e Jan Pieterszoon Sweelinck (1562-1621).

Não gosto muito de Gabrieli nem de Palestrina.

Abaixo, Schütz retratado por Rembrandt.

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Roteiro de uma palestra sobre os 340 anos de Bach, Handel e Scarlatti

Roteiro de uma palestra sobre os 340 anos de Bach, Handel e Scarlatti

Bach, Handel e Scarlatti nasceram em 1685. Handel em 23 de fevereiro, Bach em 21 de março, Scarlatti em 26 de outubro.

São três gigantes e o fato de terem nascido no mesmo ano já é coincidência suficiente. Bem que Rameau (1683) e Vivaldi (1678) poderiam ter esperado. Bem, mas isso talvez mudasse bastante a história da música, pois Bach foi muito influenciado pelo Prete Rosso (Padre Ruivo).

Vamos procurar mais coisas em comum entre nosso grande trio de compositores? O trio de 1685 foram figuras centrais do período barroco, contribuindo significativamente para a história e o repertório da arte musical e de meu período musical preferido, o barroco. Cada um à sua maneira e segundo o ambiente em que viveu, os três moldaram a estética e as técnicas musicais da época. Bach ficou conhecido tanto por suas obras sacras, quanto por sua música instrumental, incluindo aí obras que poderíamos chamar de conceituais. Handel tem sua música instrumental, mas destacou-se muito mais nas óperas e nos oratórios, enquanto Scarlatti foi um pioneiro da sonata para teclado, especialmente no cravo. Por obrigações empregatícias escreveu mais de 500 sonatas para cravo.

Outro ponto em comum entre eles é a influência italiana. O napolitano Scarlatti naturalmente não ficaria livre dela e incorporou o estilo italiano em suas obras, claro. O super estudioso Bach estudou e adaptou técnicas italianas, especialmente de Vivaldi, em suas composições. E Handel, alemão como Bach, passou boa parte de sua carreira na Itália e na Inglaterra, absorvendo e transformando o estilo italiano em suas óperas e oratórios. Aliás, as Cantatas Italianas de Handel, escritas em sua juventude na Itália, são esplêndidas!

Mas há mais. Bach, Handel e Scarlatti eram todos exímios tecladistas. Bach era respeitadíssimo como organista e cravista, Handel destacou-se como cravista, e Scarlatti foi um dos maiores virtuoses do instrumento em sua época. Suas obras para teclado continuam sendo pilares do repertório até hoje.

Aparentemente, os três nunca se encontraram pessoalmente, mas há várias lendas e talvez uma tentativa real de encontro. A principal lenda: Handel e Scarlatti supostamente competiram em um “duelo” de cravo em Roma, onde a turma do deixa disso declarou Scarlatti superior ao cravo e Handel no órgão. Um empate real ou arranjado? Enquanto eles duelavam, Bach devia estar bebendo cerveja ou brigando com seus empregadores, mas era um admirador de Handel e diz-se que tentaram entrar em contato, sem sucesso.

Como já disse, os três compositores trabalharam tanto com música sacra quanto profana. Bach é conhecido por suas obras sacras e também pela secular. Handel equilibrou óperas e oratórios, ficando mais na área da música vocal. Já Scarlatti foi muito mais focado na música instrumental, mas também compôs obras vocais sacras.

Outra coincidência é que os três morreram em um intervalo relativamente curto de tempo: Scarlatti em 1757, Handel em 1759 e Bach em 1750. Dá pra dizer que a período barroco é finalizado com suas mortes.

A última coincidência é triste e exclui Scarlatti. Bach e Handel, quando velhos, passaram a sofrer de catarata e foram operados por John Taylor (1703–1770). Pois bem, este médico charlatão britânico — doutor em autopromoção — cegou Bach e Handel, entre muitos outros. Taylor era um notório farsante. Ambos os compositores estavam com dificuldades de visão, mas depois das “cirurgias” de Taylor, ficaram irremediavelmente cegos. Taylor é famoso. Pesquisem.

Mas hoje é dia do nascimento de Bach. E pergunto: afinal, Bach nasceu em 21 ou 31 de março de 1685? No dia 21. Vamos falar de 1582? Naquele ano, o calendário gregoriano foi introduzido em alguns países da Europa, não em todos. A Itália, a Espanha, Portugal e a Polônia, os mais católicos, aceitaram a mudança ditada pela igreja, o resto não. Só depois é que todos os outros países aderiram. O 21 de março de 1685 da Alemanha não era o mesmo 21 de março de 1685 na Itália, Espanha etc. Havia 10 dias de diferença. O dia em que Bach nasceu foi “chamado” de 21 de março na Alemanha, onde eles ainda estavam usando o calendário juliano. Mas Bach nasceu num 31 de março, considerando o calendário que todos usam hoje, o gregoriano. O que vale? Ora, segundo os historiadores, vale o que está escrito lá na igreja onde Johann Sebastian Bach foi registrado. Vale o 21 de março. Perguntem ao Francisco Marshall que ele confirmará.

Da mesma forma, é muitas vezes dito que Shakespeare e Cervantes morreram exatamente no mesmo dia, 23 de abril de 1616. A rigor, não é verdade. As mortes foram separadas por 10 dias. A de Shakespeare ocorreu em 23 de abril de 1616 (juliano), que equivalente hoje a 3 de maio (gregoriano). A de Cervantes aconteceu no dia 23 gregoriano. Mas os historiadores dizem que o que vale é o que está escrito, então ambos morreram em 23 de abril, mas com uma diferença de dez dias. Então, eles morreram no mesmo dia, mas não ao mesmo tempo… Vá entender!

O que é certo é que podemos comemorar o(s) aniversário(s) de Bach, nosso maior ídolo, com (muita) cerveja. Bach a amava e era também uma questão de segurança, de saúde. Dizem que ele a produzia em quantidades industriais em sua própria casa. Mas esta é uma história pra a gente resolver aqui entre nós, né?

Mas antes, falemos rapidamente sobre o repertório de sábado (22/03), às 20h, na Casa da Ospa.

A função começa com duas Sonatas de Scarlatti, a K. 141 e a 87. A Sonata K. 141 tem uma curiosa escrita percussiva e passagens em “repiques” que sugerem a guitarra espanhola, instrumento onipresente na corte de Madri, onde o compositor passou grande parte de sua vida. Já a Sonata K. 87, em Si menor, tem um caráter introspectivo e lírico, contrastando com a técnica brilhante que caracteriza muitas das outras sonatas do compositor.

O Fernando Cordella vai tocar no cravo. Mas aqui vai uma provinha da K. 141 de Scarlatti.

Depois, teremos a Cantata BWV 4 de Bach, “Christ lag in Todes Banden” (“Cristo jazia nos laços da morte”), é uma das obras mais importantes e reverenciadas de Johann Sebastian Bach. Ela é baseada em um coral luterano escrito por Lutero, que por sua vez se inspirou no hino medieval Victimae paschali laudes. Acredita-se que Bach tenha composto essa cantata por volta de 1707, durante seu período em Mühlhausen, embora possa ter sido revisada posteriormente. É uma de suas primeiras cantatas sobreviventes. A Cantata foi escrita para a Páscoa, refletindo o tema central da ressurreição de Cristo e a vitória sobre a morte. O texto é uma paráfrase do coral de Lutero, que por sua vez está enraizado na tradição litúrgica da Páscoa. Ele explora temas como o pecado, a morte e a redenção através de Cristo.

Aqui vai uma versão da BWV 4 com o regente e pugilista John Eliot Gardiner:

O oratório La Resurrezione (A Ressurreição), de George Frideric Handel, é uma obra-prima do período barroco e um dos primeiros grandes trabalhos do compositor. Composto em 1708, durante a estada de Handel em Roma, o oratório narra a história da Ressurreição de Cristo, baseando-se em textos bíblicos e tradições litúrgicas. Handel compôs La Resurrezione quando tinha apenas 23 anos. Ele estava em Roma, onde as óperas haviam sido proibidas pelo Papa, mas oratórios e outras formas de música sacra eram permitidas. A obra foi encomendada pelo Marquês Francesco Ruspoli, um nobre italiano e patrono das artes. A primeira apresentação ocorreu no domingo de Páscoa, 8 de abril de 1708, no Palazzo Bonelli, em Roma.

Claro que no concerto de sábado serão apresentados trechos da obra. Abaixo, colocamos o oratório completo.

Então, resumindo, o repertório será o que segue:

PROGRAMA
Domenico Scarlatti (1685 – 1757)
– Sonata em Ré menor K. 141
– Sonata em Si menor K. 87

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Cantata “Christ lag in Todes Banden” BWV 4

Georg Friedrich Händel (1685 – 1759)
Trechos do Oratório “La Resurrezione” HWV 47

SOLISTAS
Fernando Cordella, cravo e direção
Cintia de Los Santos, soprano
Diana Danieli, mezzo-soprano
Lucas Alves, tenor
Alexandre Kreismann, tenor
Daniel Germano, baixo
Gustavo Gargiulo (Argentina/França), corneto
Vinicius Chiaroni (SP), flauta doce
Diego Biasibetti, viola da gamba

ENSEMBLE BACH BRASIL (com instrumentos de época)
Fernando Cordella, cravo e direção musical

ENSEMBLE VOCAL
Andiara Mumbach, soprano
Rodrigo Bloch, contratenor
Alexandre Kreismann, tenor
Mauro Pontes, baixo

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Quem imaginaria isso?

Quem imaginaria isso?

Um compositor polonês desconhecido, escrevendo música muito sombria, baseada em textos religiosos, em um estilo que não tem apelo instantâneo, mas exige a atenção do ouvinte por quase uma hora. É dificilmente um material capaz de bater de frente com Madonna ou Beyoncé, certo?

No entanto, a Sinfonia Nº 3 de Henryk Górecki (Symphony of Sorrowful Songs) bateu. Em 1993, uma gravação com Dawn Upshaw e a London Sinfonietta, regida por David Zinman, chegou ao topo dos CDs mais vendidos não apenas de eruditos, mas também de populares, e continua sendo o álbum mais vendido de todos os tempos de música de um compositor contemporâneo — vendeu 1 milhão de cópias, ganhou Discos de Ouro, essas coisas.

É difícil que qualquer CD clássico venda tão bem, mas para uma peça clássica contemporânea, cheia de profundidade e nada feliz, vender tanto assim é inédito.

O mais surpreso de todos, talvez, tenha sido o próprio Henryk Górecki, que nunca se propôs a escrever música popular. Ele fazia parte da escola radical de compositores que incluía Szymanowski e Serocki, que ficaram conhecidos como a escola polonesa, conhecida por seu estilo de composição usando massas sonoras altamente dissonantes. O grupo escreveu música que dispensava ritmo e melodia e focava apenas na cor do tom -– e quanto mais áspera e mais dissonante, melhor, arrisco dizer.

Górecki chegou tarde à composição, antes era um respeitado professor de música na universidade de Katowice. Ele estudou em Paris e foi influenciado por Webern, Stockhausen e especialmente Messiaen, cuja música não estava disponível na Polônia controlada da Guerra Fria.

A maior fonte de inspiração de Górecki, no entanto, sempre foi seu fervoroso catolicismo e seu respeito pela herança cultural polonesa, incluindo textos folclóricos e medievais. Para Górecki, a música deve sempre ter significado e mensagem.

Após o período de vanguarda dos anos 1960, Górecki se afastou da dissonância, foi da aspereza para a harmonia. Nos anos 1970, ele pegou carona no movimento minimalista no ocidente e fundiu tudo numa voz única.

A Sinfonia Nº 3, Symphony of Sorrowful Songs, é uma obra de uma hora de duração que exige nossa atenção. É composta de três movimentos, todos rotulados como Lentos. A música tem deliberadamente uma qualidade ritualística de oração, com a intensidade do canto gregoriano. Os três movimentos têm progressões harmônicas extremamente lentas.

Em 1992, quando a Nonesuch gravou a Sinfonia Nº 3, esta já tinha 15 anos de existência. E foi para o topo da venda de discos no Reino Unido. Em dois anos, a Nonesuch comemorava 700 000 cópias no mundo inteiro, e esse valor é pelo menos quatrocentas vezes mais a expectativa de vendas de uma sinfonia de um compositor relativamente desconhecido no séc XX.

Entretanto, o sucesso da gravação não despertou o interesse em outros trabalhos do compositor. Mas seus Quartetos de Cordas são extraordinários. A Nonesuch bem que tentou repetir o feito com outras composições de Górecki, mas o fenômeno não se repetiu.

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A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich

A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich

A partir de 1936, a vida de Shostakovich foi num embate desigual contra o leviatã soviético. De saúde frágil, o compositor fazia parte de um grupo de artistas cada vez mais raro: o dos provocadores. Porém, quando digo provocadores, falo em artistas com substância e consequência. Mesmo que sofresse pessoalmente, prevendo a morte ou o desaparecimento, mesmo doente e sabendo que seria censurado, seguia cutucando os burocratas do governo com um sarcasmo que até hoje deixa deliciados seus admiradores. Foi um artista que, além disso, soube equilibrar-se entre a extrema sofisticação e a comunicação com o público numa época em que boa parte de seus pares andava perdido num experimentalismo que hoje quase não é mais ouvido. Contrariamente, Shostakovich está cada vez mais vivo e presente nos repertórios das mais importantes salas de concertos. O conteúdo humano e a profundidade de suas composições dizem muito ao século XXI.

(Sei lá o motivo da introdução acima).

A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich (Op. 43) foi composta entre setembro de 1935 e maio de 1936. Shosta estava tarado ou, melhor dizendo, fortemente influenciado por Mahler. Ele estivera estudando as sinfonias do marido de Alma durante os anos anteriores. O estilo de orquestração, a imensa orquestra e o uso de melodias banais e sobrepostas, todas vieram de Mahler. Em janeiro de 1936, na metade da composição da 4ª, o Pravda — espécie de porta-voz Stálin — publicou um artigo chamado “Bagunça ao invés de Música”, que denunciava o compositor e especificamente sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk. Stálin teria chamado a ópera de “pornofonia”, o que comprova o humor peculiar dos psicopatas. Apesar das ameaças, Shostakovich não somente concluiu a obra, como também planejou sua estreia, programada para dezembro de 1936 em Leningrado. Só que a pressão foi demasiada e ele cedeu. Deixou pra depois. O trabalho foi apenas apresentado no dia 30 de dezembro de 1961 pela Orquestra Filarmônica de Moscou, conduzida por Kirill Kondrashin. É um espanto de boa música!

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Sobre a hora de se aposentar

Sobre a hora de se aposentar

Os grandes virtuoses do piano vão tocando com cada vez maior mestria, mas também mais lentamente, a não ser que seu nome seja Martha Argerich, a que bebeu da poção mágica. Alguns passam do ponto: meu pianista preferido, Maurizio Pollini, passou e andou fazendo discretos fiascos, esquecendo músicas (tocava sempre de memória) e tal.

Daqui do Brasil, acompanhando gravações e vídeos, penso que o gênio que soube o momento de parar foi Alfred Brendel. Parou aos 77 e ainda hoje está vivo, aos 94, dando palestras e entrevistas mal-humoradas. Suas últimas gravações são primorosas. Isto é bem raro. Afinal, como alguns artistas de rock e seus agentes, os caras querem o “último dinheiro” e ficam rolando por aí.

Isso me lembra que meu psiquiatra — o qual tenho visto de dois em dois meses — um dia me disse que quer ser avisado sobre quando deve parar. Deve estar lá pelos 70 e poucos. Eu não vou avisar coisa nenhuma.

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Gógol e Shostakovich

Gógol e Shostakovich

É incrível como a música de Shostakovich combina com Gógol. Shosta escreveu 3 óperas, duas baseadas em Gógol e uma em Leskóv, Lady Macbeth de Mzenski.

Em “O Nariz” os soldados de embebedam, tossem e ao fagote é dada a tarefa de peidar por eles. Ouvi hoje esta ópera e notei que os cantores fazem todo o tipo de sons estranhos, mas não arrotam. É complicado arrotar quando se quer. Se alguém me disser “Arrota aí, meu!” não vai sair nada.

Quando criança, eu sempre invejava os amigos que podiam soltar um arroto a qualquer momento. Nunca consegui. Para largar um, eu tinha que beber uma Coca-Cola e esperar que ele, o arroto, se decidisse. Só sim eu largava um bem sonoro.

Mas me perdi. O que queria dizer é que, assim como Shosta, muitos russos não colocam Dostô na frente de suas preferências. Às vezes nem o citam, preferindo Liêrmontov, Leskóv, Gontcharóv e outros. E Tchékhov, Tchékhov, Tchékhov. Aliás, por que não publicam logo “O Precipício”, de Gontcharóv?

A Elena diz que os escritores que têm o mais belo russo são Nabôkov — que ela lia em russo no hospital para se recuperar com algo realmente inteligente — e Tolstói. E que a maior obra de Pasternak são suas traduções de Shakespeare.

E chega porque hoje estou muito conversador.

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Sobre a hora de se aposentar

Os grandes virtuoses do piano vão tocando com cada vez maior mestria, mas também mais lentamente, a não ser que seu nome seja Martha Argerich, a que bebeu da poção mágica. Alguns passam do ponto: meu pianista preferido, Maurizio Pollini, passou e andou fazendo discretos fiascos, esquecendo músicas (tocava sempre de memória) e tal.

Daqui do Brasil, acompanhando gravações e vídeos, penso que o gênio que soube o momento de parar foi Alfred Brendel. Parou aos 77 e ainda hoje está vivo, aos 94, dando palestras e entrevistas mal-humoradas. Suas últimas gravações são primorosas. Isto é bem raro. Afinal, como alguns artistas de rock e seus agentes, os caras querem o “último dinheiro” e ficam rolando por aí.

Isso me lembra que meu psiquiatra — o qual tenho visto de dois em dois meses –, um dia me disse que quer ser avisado sobre quando deve parar. Deve estar lá pelos 70 e poucos. Eu não vou avisar ninguém.

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Atrás do balcão da Bamboletras (LVII)

Atrás do balcão da Bamboletras (LVII)

Estou ouvindo cada um dos meus CDs — são mais de 3 mil — e chegou a vez da Obra Completa para Órgão de meu tio Sebastião Ribeiro, também conhecido como Johann Sebastian Bach (vai ver no dicionário o que significa Bach, vai agora, vai!).

São 12 CDs e eu estou achando muito estranho ouvir órgão às vezes sozinho dentro de uma igreja. Agora chegou uma cliente aqui e falei de minha estranheza para ela. Ela disse que não me achava com cara de pastor. E me olhou nos olhos com tal intensidade que comecei a pensar se ela não teria alguma perversão que incluísse… órgãos, talvez.

Importante dizer que sou uma natureza fiel. E um velho de 67 anos.

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As canções

As canções

Há algumas canções que, quando cruzo com elas, tenho que ouvir umas seis ou sete vezes. Ontem, dei de cara com Samba e Amor, de Chico Buarque, cantada pelo Caetano. Pronto, meia hora de Samba e Amor. Hoje ocorreu o mesmo com Dancing Days (Page & Plant) do Led Zeppelin. E é sempre assim com umas 934 canções…

Simplesmente a vida não pode seguir sem que eu as ouça várias vezes.

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Notas de Concerto da Ospa (30/11/24)

Notas de Concerto da Ospa (30/11/24)

O programa:

Concerto em homenagem ao Bicentenário da Imigração Alemã

Programa:

Wagner, Richard | Abertura “O Navio Fantasma”

Strauss, Richard | Quatro Últimas Canções, TrV 296

Wagner, Richard | Prelúdio “Lohengrin”

Wagner, Richard | Prelúdio e Morte de Amor, de “Tristão & Isolda”, WWV 90

Regência:  Daniel Geiss (ALE)
Solista: Eiko Senda (Soprano – JAP)
Direção Artística: Manfredo Schmiedt

O pai de Richard Strauss (1864-1949), Franz Joseph, foi um excelente trompista. Richard Wagner (1813-1883) frequentemente pedia-lhe conselhos sobre o instrumento. Mas, apesar disso, e do fato de Franz Strauss ter tocado a primeira trompa na estreia de Parsifal em Bayreuth, no ano de 1882, ele não gostava da música de Wagner. Franz era um adepto da primeira escola de Viena e considerava Mozart o maior compositor que já existiu. Maior que Beethoven, Haydn e até mesmo Bach. Em família, ele dizia detestar Wagner, “o Mefistófeles da música”. E foi com algum cuidado que ele trouxe seu filho Richard para Bayreuth em 1882. Naquela ocasião, o pequeno Richard conheceu o grande Richard, caindo de amores por sua música. Papai Franz deve ter ficado contrariado com a conversão do filho à chamada música do futuro. Ele lhe dera uma educação musical no estrito estilo clássico, longe do modernismo.

Deste modo e dentro da enorme tradição do romantismo alemão, o Concerto em homenagem ao Bicentenário da Imigração Alemã é profundamente coerente. Apesar dos 50 anos que separam o nascimento dos compositores, ambos são expoentes do romantismo tardio.

As peças de Wagner do Concerto são partes de óperas que costumam ser também apresentadas em forma de concerto. Já as Quatro últimas canções de Strauss foram escritas quando o compositor já tinha 84 anos e, logo após sua estreia post mortem, em 1950, tornou-se um dos mais famosos ciclos de canções do repertório lírico. Sem dúvida, este é um programa onde o êxtase e o sublime estarão presentes.

Mas há mais conexões entre Wagner e Strauss além do nome e da admiração do segundo pelo primeiro. Há a grande música de ambos, mas antes devemos falar sobre algo mais espinhoso. Uma das conexões é que ambos estão ligados, na mente de muitos de nós, ao nazismo. Façamos duas perguntas sobre Wagner:

1) Essa mancha em seu legado é justificada?, e

2) Se a pergunta 1 for verdadeira, sua música deve ser evitada?

Wagner morreu em 1883, meio século antes dos nazistas chegarem ao poder, então seria temporalmente impossível para ele ter tido qualquer contato direto com os nazistas. Ele, no entanto, teve um impacto direto no movimento nazista. Wagner era um notório antissemita, e sua alta posição na cultura do século XIX lhe dava uma plataforma proeminente para seus discursos. Para piorar, sua esposa Cosima era ainda mais raivosa em seu antissemitismo do que o marido. Ela garantiu que os filhos e netos de Wagner seguissem a tradição. Cosima viveu até 1930 e manteve pulso firme na direção de Bayreuth e na defesa da (grande) obra do ex-marido. Ela evitava solistas, regente e músicos judeus… E alguns de seus descendentes mantiveram o famoso Festival de Bayreuth (centro-sul da Alemanha), que Wagner havia fundado enquanto vivo, num local de exclusão de artistas judeus.

(Fofoca) Cosima, filha de Franz Liszt, era casada com o célebre maestro Hans Von Bülow quando, durante os ensaios de uma ópera, apaixonou-se por Wagner. A Alemanha toda e mais a torcida do Flamengo sabiam do caso e que Cosima havia pedido o divórcio, que só lhe foi dado quando ela ficou grávida de Richard Wagner. Von Bülow seguiu trabalhando com Wagner durante e depois do caso, não obstante o ocorrido. Ela e Wagner eram um casal curioso. Ela tinha 1,80m; ele, 1,65m. (Fim  da fofoca)

Wagner e Cosima, seguidos por seu marido Hans von Bülow, com a partitura de Tristão e Isolda debaixo do braço.

Na época em que os nazistas chegaram ao poder, em 1933, as credenciais antissemitas dos Wagner estavam tão bem estabelecidas que Hitler abriu várias janelas em sua agenda para se insinuar com a família. E, para garantir que a influência de Wagner continuasse ininterrupta, ele cuidou para que suas óperas fossem executadas continuamente, mesmo quando o Terceiro Reich estava em chamas.

E Richard Strauss? Ele estava vivo e muito bem quando os nazistas tomaram o poder. Embora sua reputação como o compositor tivesse caído um pouco desde os dias de Der Rosenkavalier, ele ainda era uma figura internacional altamente respeitada, alguém que os nazistas queriam ter ao seu lado.

Foi-lhe oferecido o cargo de presidente do Reichsmusikkammer, o departamento governamental que tinha jurisdição sobre todos os assuntos musicais. Strauss, que não era imune à bajulação e cujas algumas visões fechavam muito bem com o regime nazista inicial, aceitou. Mas Strauss nunca realmente se juntou ao Partido Nacional Socialista. Ele se via como um grande artista, acima da briga política. Há aqueles que acusam Strauss de ter sido um oportunista. OK. Mas ele é bem diferente de Wagner. Há ampla evidência de que havia algo que ele não era um antissemita. Ele tinha netos judeus e recusou-se em deixar de trabalhar com seu libretista judeu, Stefan Zweig, mesmo quando as autoridades sugeriram fortemente que ele parasse. (Por esse pecado grave, ele foi removido de sua posição no Reichsmusikkammer.)

Então Wagner não era nazista, era, no entanto, um antissemita que influenciou Hitler e cuja progênie continuou seu legado. Já Strauss não era antissemita, mas aceitou cargos dos nazistas por interesse pessoal. A história não exonera nenhum dos compositores. Mas se eu tivesse que escolher qual desses homens deveria ir para o inferno, diria que Wagner ganha fácil.

Thomas Mann tinha uma opinião que resumia muito bem quem era Wagner. Ele dizia que Wagner era um “gnomo fungador da Saxônia com talento bombástico e caráter desprezível”. Wagner tinha 1,65m.

Já o maestro e pianista judeu Daniel Barenboim — grande admirador de Wagner — escreve: “A pessoa de Wagner é absolutamente horrenda, desprezível e, de certo modo, muito difícil de conciliar com a música que ele escreveu, que com frequência expressa sentimentos totalmente opostos: nobreza, generosidade.”

O regente Arturo Toscanini tinha uma frase curiosa para dizer sobre Richard Strauss: “Para Strauss, o compositor, tiro meu chapéu. Para Strauss, o homem, coloco-o novamente.”

Mas é possível escutar Wagner sem levar em conta o antissemitismo? O ódio ao judeus repercute também em seu trabalho de palco? A maioria dos pesquisadores de Wagner afirma que não. Os que discordam dizem que, apesar de Wagner não ter escrito nenhuma ópera antissemita, sua atitude antijudaica se reflete no caráter de alguns personagens: “Existem em algumas de suas figuras referências subliminares que apontam para estereótipos judeus, principalmente no anão Mime de O Anel dos Nibelungos e no crítico pedante Beckmesser de Os Mestres Cantores de Nuremberg.”

Ambas as figuras incorporam nas peças teatrais os oponentes das personagens heroicas. Os contemporâneos de Wagner teria compreendido o “código antissemita” embutido nesses papéis. Hoje em dia, as óperas de Wagner raramente são vistas como antissemitas. Quando se encena Wagner, atualmente, não se pensa em obras com tal conotação, mas de obras de um grande compositor e teatrólogo. Indiscutível gênio musical e inimigo dos judeus, Richard Wagner continua a ser uma das mais controversas figuras alemãs.

Desde jovem, Wagner estudava música e era um homem fascinado pelo teatro, pelo mundo do espetáculo, dos cenários e figurinos. A este amor pelo teatro veio somar-se o amor à poesia, quando descobriu Shakespeare e Goethe, que, além disso, também eram homens de teatro. Muito moço, falava em poesia teatral. Mas foi a descoberta de Beethoven, sobretudo de suas sinfonias, que levou Wagner a optar por este gênero de carreira e por buscar chegar àquilo que ele chamava de “obra de arte total”. Ou seja, ele escreveria os versos e a música e a ópera levaria tudo ao teatro.

Qual é a sinopse de O Navio Fantasma? O nome da ópera em alemão é Der fliegende Holländer (O Holandês Voador). A ópera tem libreto (texto) e música de Richard Wagner. É ambientada em uma aldeia pesqueira da Noruega e conta a história de um navegador holandês punido por Deus por blasfemar contra seu nome, perdendo-se de sua pátria para sempre, a menos que surja em sua vida uma mulher que lhe seja plenamente fiel. Ao atracar no porto, o holandês ancora sua nau ao lado da de Daland, outro navegador. O holandês oferece a enorme riqueza em ouro e joias que carrega na embarcação para Daland em troca da mão de Senta, sua filha. Senta já conhecera previamente a história do “Holandês Voador”, mas é cortejada pelo caçador Erik, que fica enciumado toda vez que ela faz qualquer referência a ele, seja observando insistentemente seu retrato, seja cantando a Balada do Holandês – esta, uma das árias mais célebres da ópera. Daland apresenta o holandês a Senta, e ela lhe jura eterna fidelidade, mas Erik ainda tenta persuadir Senta a voltar para ele. A certa altura, o holandês encontra Erik abraçando Senta e julga que esta rompeu com seu voto de fidelidade eterna, e parte novamente para o mar. À medida que a nau do holandês se afasta, Senta olha cada vez mais longe e se atira ao mar, na direção onde está a nau do holandês, tentando unir sua alma à dele. Ou seja, a ópera é concebida em torno da oposição entre o tema da “maldição” (que sofre o Holandês) e a “redenção pelo amor” (a libertação do Holandês através do amor de Senta).

Em O Navio Fantasma e em Tannhãuser, Wagner desenvolve suas concepções da “melodia contínua” ou “melodia infinita”, e também do leitmotiv. Em oposição à concepção tradicional da ópera fundada na alternância de árias e recitativos, Wagner introduz a noção de continuidade melódica — espécie de dinamismo que foge às amarras dos habituais recitativos — calcada na continuidade da vida, na duração de nossa consciência. Não há divisão da ópera em “números” (árias, duetos, trios, etc.). Já o leitmotiv é um tema melódico ou harmônico destinado a caracterizar um personagem, uma situação, um estado de espírito e que, na forma original ou por meio de transformações desta, acompanha os seus múltiplos reaparecimentos ao longo de uma obra, especialmente em óperas; motivo condutor.

Para Lohengrin, Wagner recorreu à lenda popular. A história é um mergulho na mitologia alemã: O filho de Parzifal, cavaleiro da ordem do Graal, chega num barco puxado por um cisne para defender Elesa de Brabante de uma acusação injusta, mas não pode completar sua missão porque Elsa obriga-o e revelar sua identidade. Vamos detalhar um pouco mais: Lohengrin é uma ópera de Richard Wagner que conta a história do cavaleiro Lohengrin, que chega ao ducado de Brabante para proteger a princesa Elsa, acusada de matar o irmão — que na realidade está vivo e reaparece no final da obra. De acordo com a interpretação de Wagner, o Santo Graal fornece ao Cavaleiro do Cisne poderes místicos que só podem ser mantidos se sua natureza permanecer em segredo, justificando o perigo da quebra do tabu da pergunta sobre seu nome e sua origem. A história se passa em torno do sentimento de insegurança nos relacionamentos amorosos. Elsa é acusada pelo Conde Friedrich von Telramund de ter assassinado o irmão mais novo, herdeiro do ducado. Para se defender, Elsa invoca um sonho em que um nobre cavaleiro a inocenta. Nesse momento, Lohengrin surge em um pequeno bote puxado por um cisne. Lohengrin é um cavaleiro do Santo Graal, filho de Parsifal. Ele é enviado para resgatar Elsa e fica em Brabante como seu novo soberano e esposo. A condição para o casamento é que Elsa não faça perguntas sobre o nome ou a origem de Lohengrin. A ópera é marcada pelo uso do simbolismo de que o amor deve estar acima da dúvida sobre a origem do herói. A obra é mais conhecida pelo seu coro nupcial, que é frequentemente usado em cerimônias de casamento.

Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda. De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em muitas diferentes versões ao longo dos séculos. Tristão, excelente cavaleiro a serviço de seu tio, o rei Marcos da Cornualha, viaja à Irlanda para trazer a bela princesa Isolda para casar-se com seu tio. Durante a viagem de volta à Grã-Bretanha, os dois acidentalmente bebem uma poção de amor mágica, originalmente destinada a Isolda e Marcos. Devido a isso, Tristão e Isolda apaixonam-se perdidamente, e de maneira irreversível, um pelo outro. De volta à corte, Isolda casa-se com Marcos, mas ela mantém com Tristão um romance que viola as leis temporais e religiosas e escandaliza todos. Tristão termina banido do reino, casando-se com Isolda das Mãos Brancas, princesa da Bretanha, mas seu amor pela outra Isolda não termina. Depois de muitas aventuras, Tristão é mortalmente ferido por uma lança e manda que busquem Isolda para curá-lo de suas feridas. Enquanto ela vem a caminho, a esposa de Tristão, Isolda das Mãos Brancas, engana-o, fazendo-o acreditar que Isolda não viria para vê-lo. Tristão morre, e Isolda, ao encontrá-lo morto, morre também de tristeza.

É sempre bom notar a longevidade de Richard Strauss. Ele foi, efetivamente, um músico dos séculos XIX e XX, um criador que foi contemporâneo de Wagner, que viu aparecerem as últimas obras de Brahms e Liszt e, bem, também as primeiras de Pierre Boulez e da Segunda Escola de Viena. E ele usa tudo o que estava acontecendo a sua volta e mais o romantismo para criar esta verdadeira obra-prima que são suas Quatro Últimas Canções (em alemão: Vier letzte Lieder). Trata-se de um conjunto de obras para soprano e orquestra onde tudo é serenidade e equilíbrio. Três delas são compostas sobre poemas de Hermann Hesse e outra sobre poema de von Eichendorff. O ciclo tem absoluta coerência, perfeita adequação entre a meditação sobra a morte e sua transformação em música, refinamento instrumental e pureza do canto. Aliás, Eiko Senda é uma gênia neste repertório, confiram! Estas Canções estão entre as últimas peças de Richard Strauss, compostas em 1948, quando o compositor tinha 84 anos. A estreia ocorreu em Londres em 1950, regida pelo grande Wilhelm Furtwängler. Strauss não viveu para ouvir sua obra apresentada. Poucos anos depois sua morte, já havia se tornado um dos mais famosos ciclos de canções (lieder) do repertório lírico.

Strauss havia-se deparado com o poema Im Abendrot (No Crepúsculo) de Joseph von Eichendorff e sentira que o texto tinha um significado especial para si. Daí porque o transformou em música em maio de 1948. Logo depois, o compositor recebeu uma cópia de uma antologia de poemas de Hermann Hesse e usou três deles: Frühling (Primavera), September (Setembro), e Beim Schlafengehen (Indo Dormir). Uma quinta canção restou inacabada com a morte de Strauss.

Não há indicação de que Strauss tenha concebido as quatro canções como uma obra unificada. Em dicionários de música publicados até 1954, as três canções sobre poemas de Hesse eram ainda listadas como um só grupo, separadamente da canção anterior baseada em Eichendorff. O título de Quatro Últimas Canções (Vier Letzte Lieder) foi criado pela editora de música Boosey & Hawkes. Foi ela quem as categorizou com uma obra conjunta com o título Quatro Últimas Canções e as colocou na ordem que se tornaria a mais habitualmente apresentada: FrühlingSeptemberBeim Schlafengehen e, por fim, Im Abendrot.

Como disse o maestro alemão Daniel Geiss, as Quatro Últimas Canções são o belíssimo ponto final do romantismo.

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Amandine Beyer: “Tentamos descobrir onde Bach escondeu as suas surpresas”

Amandine Beyer: “Tentamos descobrir onde Bach escondeu as suas surpresas”

A Sala de Câmara do Auditório Nacional de Música da Madrid acolherá no dia 18 de novembro um concerto extraordinário no âmbito da temporada musical da Fundação Scherzo: trata-se do concerto beneficente Non sei solo in memoriam Javier Rodríguez-Miñón Falero, cuja receita irá para o National Organização de Transplantes e bolsas de estudo para jovens artistas. O programa é composto por cinco concertos de Johann Sebastian Bach para diferentes solistas, em versões da violinista francesa Amandine Beyer e do seu grupo Gli Incogniti, principais intérpretes do repertório barroco.

Entrevista concedida à revista Scherzo
Tradução de Milton Ribeiro, auxiliado pelo Juraci

O que a música de Bach representa para você?

Tenho uma relação muito longa com este compositor. Pela minha parte, tenho imensa admiração, fascínio e renovado espanto pela sua forma de captar em notas a sua visão do universo. Mas também muito respeito, porque compôs as Sonatas e Partitas para violino solo: peças tão complexas com as quais passei tantas horas da minha vida que já não sei o que pensar delas!

Felizmente, Bach também escreveu muitas outras coisas que envolvem o violino, e elas são muito mais acessíveis. Como por exemplo as que incluímos no programa Non sei solo . Este título brinca com o subtítulo que o próprio Bach deu às sonatas e partitas, Sei solo, o que por si só é um mistério (ele queria dizer “seis solos” mas se enganou, porque em italiano seria sei soli, ou ele queria dizer você está sozinho, o que parece um pouco desafiador?).

Como você concebeu o programa Non sei solo?

Este é o segundo volume de uma trilogia de programas onde apresentamos praticamente a totalidade dos concertos compostos por Bach em Köthen. O primeiro teve a presença de flautas e oboés, este segundo limitamos às cordas e o terceiro será repleto de fogos de artifício com os metais e outros sopros. Foi um período extraordinariamente criativo para o compositor, onde pôde contar com uma pequena orquestra de virtuosos a seu serviço, e onde, apesar das vicissitudes da sua vida, “nunca esteve sozinho ” .

O programa bachiano que apresenta em Madrid inclui o Concerto BWV 1064R , que funciona maravilhosamente na reconstrução para três violinos solo. Você pode nos contar sobre ela?

Com muito prazer! É um imenso privilégio poder tocar esta música em Madrid em breve. É uma peça que acabamos de adicionar ao nosso repertório. Apesar de já termos várias reconstruções disponíveis, decidimos fazer a nossa própria “receita” e voltar à partitura de Bach e ver como poderia funcionar para nós. E adoro o processo, porque este concerto, quando tocado na versão para três violinos, ganha uma dimensão completamente diferente. Já tinha feito este trabalho na versão para violino do Concerto em Ré menor para cravo , e tinha sido uma experiência enriquecedora. Obviamente, existem padrões de solo que são pensados ​​para teclado e que devem ser “traduzidos” para o violino, mas também tentando combinar o estilo do compositor e o gosto do intérprete, então, por exemplo, transformei meus solos um pouco a meu gosto e deixei os outros dois solistas, Yoko Kawakubo e Vadym Makarenko, livres para adaptar suas partes aos seus gostos e necessidades. Também fizemos algumas pequenas alterações no acompanhamento orquestral que, na minha opinião, produzem uma textura muito mais italiana. Em tutti, ainda estamos experimentando a oitava adequada e é um trabalho muito divertido. Parece que, afinal, há mais liberdade do que às vezes pensamos…

Em muitos concertos de Bach é evidente a influência italiana, o espírito de Vivaldi, que o compositor combina com uma densidade orquestral mais “alemã”, como no Concerto de Brandemburgo Nº 3 . Na sua abordagem a estas peças, que componente gosta de destacar?

Acho que gostaria de destacar o que acho que Bach gostava na música italiana (ele e todos nós!): a vitalidade, o frescor, a leveza da complexidade e a ludicidade. Existe também esse culto ao violino virtuoso que gera cordas muito enérgicas… sem falar na luz totalmente sulista!

A sua abordagem da música de Vivaldi e da música de Bach é muito diferente?

É difícil dizer como abordo um repertório, um compositor. Há muito carinho, carinho, respeito, humildade, vontade, vontade de fazer bem, em todos os casos. Mas é como amizade. É uma questão de dois! e também depende do momento… Para mim a música do Vivaldi é mais imediatamente acessível, porque ele era violinista. E o de Bach tem que passar por outro filtro, porque sempre sai a veia harmônica do tecladista. Ter sempre um órgão em mente não é o mesmo que pensar nas possibilidades (também infinitas, mas de uma forma diferente) de um violino… Com Vivaldi tudo parece imediato: o lirismo, a genialidade, a surpresa… Em Bach , tudo isso é muito mais elaborado, mas no fundo tudo está lá e deve ser destacado. Às vezes, como a própria música de Bach é excepcionalmente rica, parece que apenas tocar as notas seria suficiente e que uma versão puramente “informatizada” (sem intervenção humana) seria suficiente para mostrar a genialidade por trás dela. Obviamente este não é o nosso caminho. Tentamos descobrir onde Bach escondeu as suas surpresas num complexo tecido contrapontístico, onde está aquela harmonia que nos acaricia cada vez que a alcançamos, e onde a aparente simetria e ordem são interrompidas muito ligeiramente para mostrar uma direção inesperada. E uma vez encontrados, pretendemos transmiti-los ao público para que possam experimentar o mesmo prazer que nos proporcionam.

Você pode nos contar algo sobre os solistas que atuam ao seu lado neste concerto?

No Gli Incogniti tenho a sorte de compartilhar a vida musical e os palcos com pessoas especiais. Tocamos muito juntos em partes iguais, ou acompanhando um ao outro, ocasionalmente em tutti, ocasionalmente solo, e adoro essa flexibilidade. A todo momento surge a amizade, e isso é o mais importante para mim. Além disso, fico hipnotizada cada vez que Anna Fontana deixa as harmonias de seu fantástico continuo para exibir seu solo no imenso Concerto para cravo em Fá menor, quando Marco Ceccato assume a liderança com seu violoncelo para Haydn ou Vivaldi ou o que posso dizer? Tenho também as notáveis Alba Roca e Marta Páramo. Já mencionei Yoko e Vadym, mas há também Ottavia Rausa e Baldomero Barciela, sem esquecer Francesco Galligioni e Dmitri Kindynis, nossos convidados especiais em duplo papel de violoncelo/viola da gamba… Todo um grupo de pessoas deliciosas e talentosas com quem me relacionei. ter a sorte de viajar, rir (às vezes de excitação, às vezes de frustração ou cansaço), comer e ensaiar, porque um grupo não é só concerto. São acima de tudo pessoas que se unem pelo amor de divulgar músicas maravilhosas.

Você planeja gravar este programa? O que mais você planeja trazer para o álbum em breve?

Bom, não é exatamente o mesmo programa, mas em janeiro próximo gravaremos um álbum com quase todas as obras desta noite e algumas de outros compositores (Vivaldi, Marcello) que serviram de modelo para Bach, vamos colocá-los um na frente do outro. Eles permitem que você ouça essa música sob uma luz diferente. E é claro que também temos em mente um novo projeto de Vivaldi que achamos que poderia ser divertidamente “polêmico”.

Em entrevista ao nosso saudoso Eduardo Torrico realizada em fevereiro do ano passado, você afirmou que com Gli Incogniti gostaria de fazer música clássica (CPE Bach, Haydn…) com uma equipe maior. Você está trabalhando nisso ou ainda é um objetivo distante?

Embora não o conhecesse muito bem, as conversas com o Eduardo foram sempre muito enriquecedoras e lamento muito a sua perda. Quanto ao repertório clássico, estamos fazendo aos poucos. Não é tão fácil movimentar uma orquestra grande, mas estou muito animada com isso. Já apresentamos um programa completo de sinfonias de Carl Philipp Emanuel Bach, como fizemos no Festival Torroella de Montgrí neste verão, ou uma mistura de Haydn, e CPE Bach em Brühl (na Alemanha), também no verão passado. Fiquei muito feliz.

Stefano Russomanno

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Violino

Violino

Um dos melhores dias da minha vida ocorreu em 2017, próximo do meu aniversário de 60 anos. Eu e a Elena tínhamos ido para um hotel no interior a final de descansar. Ela levou o violino. Nós já conhecíamos a cidade da Salvador do Sul e ela me dissera que uma igrejinha de lá possuía uma acústica incrível.

Ela pegou seu violino e fomos. Pedimos permissão e entramos na igreja — quase uma capela — vazia. Ela abriu o estojo do violino e pediu que eu fosse ouvi-la do balcão, lá em cima.

E começou a tocar a Chaconne de Bach. É uma obra lindíssina, dificílima e longa, de uns 15 min. Pensei que ela tocaria apenas o início… Afinal, não devia saber de cor. Mas ela não parava e a interpretação era realmente muito boa. Pensava que a Elena não se apresentava em grupos que não a Ospa por não gostar de panelinhas…. De repente, me veio a certeza: aquilo era o meu presente. Era. Pedi-lhe para que ela tocar tudo novamente, para poder ouvir com mais calma.

Quando desci do balcão para lhe agradecer, um padre estava atônito na plateia. Ele disse que tinha vindo fazer suas orações mas que, depois daquilo, achava que já estavam feitas.

Hoje, à convite do Bernardo Frederes Kramer Alcalde, voltei a assistir uma Chaconne ao vivo. Tenho sorte com a peça porque foi novamente maravilhoso. O violinista foi o alemão Oscar Bohórquez, filho de um fagotista peruano e de uma pianista uruguaia. A promotora do recital foi a Bach Society Brasil, entidade porto-alegrense que você deveria apoiar.

Valeu muito a pena e eles farão novo Concerto em 4 de dezembro, agora com orquestra.

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Pequena nota sobre a Sinfonia Nº 5 de Mahler

Pequena nota sobre a Sinfonia Nº 5 de Mahler

Gustav Mahler dirigiu a Orquestra Gürzenich em Colônia na estreia de sua Sinfonia Nº 5. Depois de passar por uma doença quase fatal no inverno anterior, ele encontrou conforto na música de Johann Sebastian Bach, e o rico contraponto da sinfonia mostra claramente a influência de Bach. Esta obra marca o início de uma trilogia de sinfonias puramente instrumentais. Ao contrário das três anteriores, que eram orientadas pela narrativa e incluíam elementos vocais, as Sinfonias 5, 6 e 7 não trazem a voz humana.

A estreia não correu nada bem. Em carta à sua esposa, Mahler expressou sua decepção, afirmando: “Ninguém entendeu. Gostaria de poder reger a primeira apresentação desta peça cinquenta anos após minha morte.”

O quarto movimento, o célebre Adagietto tocado pelas cordas e harpa, é originalmente uma canção de amor para sua esposa Alma, em comemoração ao recente casamento, o que sugere que deveria ser executada em um ritmo adequado para o canto. Isso é apoiado por marcações na partitura do maestro Willem Mengelberg, que assistiu à execução da sinfonia por Mahler. Porém, embora as interpretações modernas do Adagietto possam variar de 10 a 14 minutos, o próprio Mahler conduziu-a em apenas 7 minutos e 30 segundos. Mengelberg devia ser muito criativo, pois a versão lenta criou a tradição plenamente aceita hoje, tendo o trecho sido tocado no filme A Morte em Veneza, de Visconti, em modo 100% Mengelberg.

Mas eu fiquei assobiando com a Elena hoje pela manhã um Adagietto em velocidade duplicada. Não gostei…

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Violistas

Violistas

Piadas de fagote, piadas de trompete, piadas de violino, piadas de oboé — todas funcionam como ferramentas de ligação que reforçam a hierarquia social da orquestra. E, nesse sentido, não há coleção mais extensa dessas paródias do que a piada de viola (ou de violista).

As piadas de viola vieram do século XVIII e surgiram com a criação da orquestra moderna. logo ficou enraizada a crença de que o instrumento era pesado e seus músicos lamentavelmente incompetentes. Esta implacável da reputação dos violistas, escrita em 1752 pelo eminente compositor e flautista Johann Joachim Quantz, era típica:

A viola é comumente considerada de pouca importância no meio musical. A razão pode muito bem ser o fato de ser frequentemente tocada por pessoas que ainda são principiantes ou não têm dons específicos para se distinguirem no violino. O instrumento proporciona muito poucas vantagens aos seus executantes, de modo que pessoas capazes não são facilmente persuadidos a aceitá-lo.

Estes estereótipos permanecem firmemente em vigor, apesar da presença atual de violistas virtuosos que amam as qualidades úde seus instrumentos. Só que as piadas são boas demais para serem desperdiçadas.

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A criação do monograma (selo) de Johann Sebastian Bach

A criação do monograma (selo) de Johann Sebastian Bach

J. S. Bach desenhou este monograma para si mesmo, na esperança de ser nomeado Compositor da Corte do Eleitor da Saxônia (daí a coroa). O selo de Bach é composto por suas iniciais JSB sobrepostas à imagem espelhada e encimadas pela citada coroa. Foi uma tentativa de alcançar mais um cargo. Não conseguiu. Mas ficou lindo, né?

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Sobre o nome do grupo de Amandine Beyer, Gli Incogniti

O grupo de música barroca da genial Amandine Beyer chama-se Gli Incogniti, que significa Os Desconhecidos ou Os Incógnitos. Parece uma brincadeira meio boba, mas vocês têm que saber mais da história da humanidade, meus amados leitores.

A Accademia degli Incogniti (Academia dos Desconhecidos, ou Incógnitos), também chamada de Academia Loredaniana, foi uma sociedade erudita de intelectuais livres pensadores, principalmente nobres, que influenciou significativamente a vida cultural e política de Veneza de meados do século XVII . A sociedade foi fundada em 1630 por Giovanni Francesco Loredan e Guido Casoni. A sociedade incluía historiadores, poetas e libretistas. A academia atraiu para si as principais figuras literárias de Veneza e outras de fora que simpatizavam com um programa libertino e com a independência política e cultural de Veneza. O nome ‘Incogniti’ alude ao uso de máscaras em muitas reuniões, além de se referir a subterfúgios como obras anônimas, alegorias e ironia, a fim de desviar a censura religiosa. Segundo a historiadora Ellen Rosand, a academia, fazendo jus ao seu nome, geralmente funcionava nos bastidores. Os membros muitas vezes escreviam numa linguagem secreta e frequentemente publicavam os seus trabalhos anonimamente.

O espírito libertino da academia foi fortalecido pelo naturalismo aristotélico (ligado às correntes céticas e epicuristas) ensinado na Universidade de Pádua, frequentado pelas classes altas venezianas. A sua filosofia geral era que nada é cognoscível além do mundo natural ao qual temos acesso apenas pela razão. Mais: eles defendiam que a alma era mortal e que os prazeres dos sentidos e a satisfação dos instintos sexuais faziam parte da vida natural. Maquiavel influenciou-os ao formular uma visão da religião como um produto da história humana, e não como uma revelação divina, exercida por uma elite com o propósito de controle social. Não é de surpreender que os censores frequentemente colocassem obras Incogniti no Index. Essas obras incluíam composições satíricas em prosa e versos, histórias bíblicas transformadas em romances de aventura erótica, coleções de novelas elogiando os instintos naturais e o prazer, narrativas históricas (muitas vezes antipapais) e uma série de gêneros muitas vezes híbridos, misturando elementos históricos, alegóricos, epistolares e picarescos. Dando continuidade a uma prática estabelecida por Aretino, os autores Incogniti escreveram num idioma simples, vivo e contemporâneo, geralmente desprovido da bagagem clássica e do vocabulário arcaico tão em voga na época. Eles escreviam sobre temas de interesse contemporâneo para o maior número possível de leitores. Muitos de seus escritos satíricos eram anônimos, com datas e locais de publicação falsos e, portanto, deliberadamente clandestinos. Os escritos históricos da academia foram inspirados em Paolo Sarpi, bem como em Maquiavel e Guicciardini, sempre expondo o funcionamento da tirania e, assim, alertando os leitores para os abusos de poder, tanto políticos quanto religiosos. A Accademia degli Incogniti foi particularmente ativa na promoção do teatro musical em Veneza a partir da década de 1630, fundando o seu próprio teatro, o Teatro Novíssimo, que floresceu entre 1641 e 1645. Nos seus libretos para dramas musicais, os intelectuais iconoclastas da academia estabeleceram um tom que era frequentemente franco, chocante e amoral. Entre esses libretistas estavam Giacomo Badoaro, que escreveu Il ritorno d’Ulisse in patria para Claudio Monteverdi, e Giovanni Francesco Busenello, que forneceu a Monteverdi o libreto para a última e maior obra operística do compositor, L’incoronazione di Poppea. Embora a academia seja frequentemente descrita como um grupo de “libertinos céticos exaltando um tipo peculiarmente veneziano de imoralidade”, Loredan era um respeitado senador da República de Veneza. Outros membros também serviram à República como senadores ou vereadores, e a academia permaneceu um centro não oficial de poder político durante várias décadas. Sua influência começou a diminuir no final da década de 1650 e, em 1661, deixou de se reunir.

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