Bach, Handel e Scarlatti nasceram em 1685. Handel em 23 de fevereiro, Bach em 21 de março, Scarlatti em 26 de outubro.
São três gigantes e o fato de terem nascido no mesmo ano já é coincidência suficiente. Bem que Rameau (1683) e Vivaldi (1678) poderiam ter esperado. Bem, mas isso talvez mudasse bastante a história da música, pois Bach foi muito influenciado pelo Prete Rosso (Padre Ruivo).
Vamos procurar mais coisas em comum entre nosso grande trio de compositores? O trio de 1685 foram figuras centrais do período barroco, contribuindo significativamente para a história e o repertório da arte musical e de meu período musical preferido, o barroco. Cada um à sua maneira e segundo o ambiente em que viveu, os três moldaram a estética e as técnicas musicais da época. Bach ficou conhecido tanto por suas obras sacras, quanto por sua música instrumental, incluindo aí obras que poderíamos chamar de conceituais. Handel tem sua música instrumental, mas destacou-se muito mais nas óperas e nos oratórios, enquanto Scarlatti foi um pioneiro da sonata para teclado, especialmente no cravo. Por obrigações empregatícias escreveu mais de 500 sonatas para cravo.
Outro ponto em comum entre eles é a influência italiana. O napolitano Scarlatti naturalmente não ficaria livre dela e incorporou o estilo italiano em suas obras, claro. O super estudioso Bach estudou e adaptou técnicas italianas, especialmente de Vivaldi, em suas composições. E Handel, alemão como Bach, passou boa parte de sua carreira na Itália e na Inglaterra, absorvendo e transformando o estilo italiano em suas óperas e oratórios. Aliás, as Cantatas Italianas de Handel, escritas em sua juventude na Itália, são esplêndidas!
Mas há mais. Bach, Handel e Scarlatti eram todos exímios tecladistas. Bach era respeitadíssimo como organista e cravista, Handel destacou-se como cravista, e Scarlatti foi um dos maiores virtuoses do instrumento em sua época. Suas obras para teclado continuam sendo pilares do repertório até hoje.
Aparentemente, os três nunca se encontraram pessoalmente, mas há várias lendas e talvez uma tentativa real de encontro. A principal lenda: Handel e Scarlatti supostamente competiram em um “duelo” de cravo em Roma, onde a turma do deixa disso declarou Scarlatti superior ao cravo e Handel no órgão. Um empate real ou arranjado? Enquanto eles duelavam, Bach devia estar bebendo cerveja ou brigando com seus empregadores, mas era um admirador de Handel e diz-se que tentaram entrar em contato, sem sucesso.
Como já disse, os três compositores trabalharam tanto com música sacra quanto profana. Bach é conhecido por suas obras sacras e também pela secular. Handel equilibrou óperas e oratórios, ficando mais na área da música vocal. Já Scarlatti foi muito mais focado na música instrumental, mas também compôs obras vocais sacras.
Outra coincidência é que os três morreram em um intervalo relativamente curto de tempo: Scarlatti em 1757, Handel em 1759 e Bach em 1750. Dá pra dizer que a período barroco é finalizado com suas mortes.
A última coincidência é triste e exclui Scarlatti. Bach e Handel, quando velhos, passaram a sofrer de catarata e foram operados por John Taylor (1703–1770). Pois bem, este médico charlatão britânico — doutor em autopromoção — cegou Bach e Handel, entre muitos outros. Taylor era um notório farsante. Ambos os compositores estavam com dificuldades de visão, mas depois das “cirurgias” de Taylor, ficaram irremediavelmente cegos. Taylor é famoso. Pesquisem.
Mas hoje é dia do nascimento de Bach. E pergunto: afinal, Bach nasceu em 21 ou 31 de março de 1685? No dia 21. Vamos falar de 1582? Naquele ano, o calendário gregoriano foi introduzido em alguns países da Europa, não em todos. A Itália, a Espanha, Portugal e a Polônia, os mais católicos, aceitaram a mudança ditada pela igreja, o resto não. Só depois é que todos os outros países aderiram. O 21 de março de 1685 da Alemanha não era o mesmo 21 de março de 1685 na Itália, Espanha etc. Havia 10 dias de diferença. O dia em que Bach nasceu foi “chamado” de 21 de março na Alemanha, onde eles ainda estavam usando o calendário juliano. Mas Bach nasceu num 31 de março, considerando o calendário que todos usam hoje, o gregoriano. O que vale? Ora, segundo os historiadores, vale o que está escrito lá na igreja onde Johann Sebastian Bach foi registrado. Vale o 21 de março. Perguntem ao Francisco Marshall que ele confirmará.
Da mesma forma, é muitas vezes dito que Shakespeare e Cervantes morreram exatamente no mesmo dia, 23 de abril de 1616. A rigor, não é verdade. As mortes foram separadas por 10 dias. A de Shakespeare ocorreu em 23 de abril de 1616 (juliano), que equivalente hoje a 3 de maio (gregoriano). A de Cervantes aconteceu no dia 23 gregoriano. Mas os historiadores dizem que o que vale é o que está escrito, então ambos morreram em 23 de abril, mas com uma diferença de dez dias. Então, eles morreram no mesmo dia, mas não ao mesmo tempo… Vá entender!
O que é certo é que podemos comemorar o(s) aniversário(s) de Bach, nosso maior ídolo, com (muita) cerveja. Bach a amava e era também uma questão de segurança, de saúde. Dizem que ele a produzia em quantidades industriais em sua própria casa. Mas esta é uma história pra a gente resolver aqui entre nós, né?
Mas antes, falemos rapidamente sobre o repertório de sábado (22/03), às 20h, na Casa da Ospa.
A função começa com duas Sonatas de Scarlatti, a K. 141 e a 87. A Sonata K. 141 tem uma curiosa escrita percussiva e passagens em “repiques” que sugerem a guitarra espanhola, instrumento onipresente na corte de Madri, onde o compositor passou grande parte de sua vida. Já a Sonata K. 87, em Si menor, tem um caráter introspectivo e lírico, contrastando com a técnica brilhante que caracteriza muitas das outras sonatas do compositor.
O Fernando Cordella vai tocar no cravo. Mas aqui vai uma provinha da K. 141 de Scarlatti.
Depois, teremos a Cantata BWV 4 de Bach, “Christ lag in Todes Banden” (“Cristo jazia nos laços da morte”), é uma das obras mais importantes e reverenciadas de Johann Sebastian Bach. Ela é baseada em um coral luterano escrito por Lutero, que por sua vez se inspirou no hino medieval Victimae paschali laudes. Acredita-se que Bach tenha composto essa cantata por volta de 1707, durante seu período em Mühlhausen, embora possa ter sido revisada posteriormente. É uma de suas primeiras cantatas sobreviventes. A Cantata foi escrita para a Páscoa, refletindo o tema central da ressurreição de Cristo e a vitória sobre a morte. O texto é uma paráfrase do coral de Lutero, que por sua vez está enraizado na tradição litúrgica da Páscoa. Ele explora temas como o pecado, a morte e a redenção através de Cristo.
Aqui vai uma versão da BWV 4 com o regente e pugilista John Eliot Gardiner:
O oratório La Resurrezione (A Ressurreição), de George Frideric Handel, é uma obra-prima do período barroco e um dos primeiros grandes trabalhos do compositor. Composto em 1708, durante a estada de Handel em Roma, o oratório narra a história da Ressurreição de Cristo, baseando-se em textos bíblicos e tradições litúrgicas. Handel compôs La Resurrezione quando tinha apenas 23 anos. Ele estava em Roma, onde as óperas haviam sido proibidas pelo Papa, mas oratórios e outras formas de música sacra eram permitidas. A obra foi encomendada pelo Marquês Francesco Ruspoli, um nobre italiano e patrono das artes. A primeira apresentação ocorreu no domingo de Páscoa, 8 de abril de 1708, no Palazzo Bonelli, em Roma.
Claro que no concerto de sábado serão apresentados trechos da obra. Abaixo, colocamos o oratório completo.
Então, resumindo, o repertório será o que segue:
PROGRAMA
Domenico Scarlatti (1685 – 1757)
– Sonata em Ré menor K. 141
– Sonata em Si menor K. 87
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Cantata “Christ lag in Todes Banden” BWV 4
Georg Friedrich Händel (1685 – 1759)
Trechos do Oratório “La Resurrezione” HWV 47
SOLISTAS
Fernando Cordella, cravo e direção
Cintia de Los Santos, soprano
Diana Danieli, mezzo-soprano
Lucas Alves, tenor
Alexandre Kreismann, tenor
Daniel Germano, baixo
Gustavo Gargiulo (Argentina/França), corneto
Vinicius Chiaroni (SP), flauta doce
Diego Biasibetti, viola da gamba
ENSEMBLE BACH BRASIL (com instrumentos de época)
Fernando Cordella, cravo e direção musical
ENSEMBLE VOCAL
Andiara Mumbach, soprano
Rodrigo Bloch, contratenor
Alexandre Kreismann, tenor
Mauro Pontes, baixo