Música e literatura

Música e literatura

Relendo uma longa entrevista de László Krasznahorkai que até traduzi com a ajuda do Google (não sou tradutor, nem venham), notei não apenas a forte presença da música em sua vida — foi pianista de jazz, cantor de rock e é hoje um devoto do barroco, além de inimigo do romantismo –, como a influência da mesma em sua escrita.

Ele diz que escreve mentalmente muitas páginas até passá-las para o computador. Mas são muitas páginas mesmo, umas 30. Quando elas formam uma espécie de música, ele resolve se valem a pena. OK, é o jeito dele. A estrutura de Sátántangó é semelhante à do Cânon Caranguejo utilizado por Bach na Oferenda Musical. Isso sou eu quem está dizendo, não Lázsló.

Thomas Mann era um sujeito que poderia ter sido músico. Conhecia teoria musical como poucos e seus livros são como obras de Brahms ou Franck. Me parabenizei quando soube da admiração de Mann por ambos. Quem leu A Montanha Mágica deve lembrar de que alguém no sanatório chama a música de “politicamente suspeita”. Deve ter sido Settembrini, claro. O método de escrita de Mann era o de uma ou duas páginas por dia que eram relidas no dia seguinte antes de chegarem as uma ou duas do novo dia, jamais três.

Escrevo isso para expor minha total admiração pelos escritores-músicos. Dificilmente deixo de gostar de alguém que ama a música. Ian McEwan é membro importante deste time. Ele sempre fala naquele que considero o melhor lugar do mundo, o Wigmore Hall. No site do Wigmore há um poema de McEwan falando da sala.

(Certa vez, eu estava na fila de entrada do Wigmore, quando as pessoas começaram a olhar discretamente para mim. Depois de passar a mão no rosto, tratei de revisar minha roupa para ver se não havia algo de muito errado nela. Durante a revisão, me virei pra trás e vi que McEwan estava bem atrás de mim. Eu disse apenas “Sorry”, a palavra que os ingleses mais falam).

Não esqueçam que Mário de Andrade era musicólogo, que Machado sempre falava em música e a família Verissimo pai, filho e neto eram/são tarados por música. Enfim, são muitos os exemplos que me ocorrem. Por que larguei de ler Boris Vian?

Claro que na minha posição de livreiro só falo mal de escritores bem mortos, dos vivos só falo bem ou me calo. A suscetibilidade da raça é algo tão veemente que me dá medo. Mas sabem, em quase todo escritor que gosto acabo descobrindo música. Isso se dá quando Gustavo Melo Czekster escreve um romance sobre a du Pré, quando vejo o José Falero com um cavaquinho, quando descubro que Thomas Bernhard poderia ter sido um grande cantor lírico mas que uma doença o impediu, etc.

Sabem o que me fez pensar em todas essas coisas acima, antes mesmo de revisar a entrevista do László? O livro “A música na obra de Erico Verissimo — polifonia, crítica social e humanismo”, de Gérson Werlang, que, dizem, receberá uma espécie de relançamento aqui na Livraria Bamboletras, no dia 17 de dezembro, dia dos 120 anos de nascimento do Erico.

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Bruckner & The White Stripes

Bruckner & The White Stripes

Bruckner é o novo Mahler. Têm saído ciclos e mais ciclos de suas sinfonias, o que é merecido. É um enorme compositor.

Contudo, a audição da 5ª Sinfonia ficou para sempre meio estranha para todos os que têm a música erudita em comum com o futebol. Acontece que os roqueiros do White Stripes roubaram um riff de Bruckner e o colocaram na canção Seven Nation Army — que parece ser a principal canção da dupla. Roubar temas parece ser da natureza do rock, só que aquele riff bem simples para os padrões brucknerianos tornou-se muito popular, onipresente nos estádios de futebol europeus, incluindo a Copa do Mundo da Rússia em 2018.

Acabo de ouvir a Quinta Sinfonia e é impossível não sorrir naquele trecho do primeiro movimento pensando na Champions.

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Stravinsky & Vivaldi

Stravinsky não deixa de ter razão ao dizer que Vivaldi escreveu 507 vezes o mesmo concerto. A estrutura é repetitiva, muitos concertos seguem o molde do ritornello, onde um tema principal retorna periodicamente, intercalado por passagens virtuosísticas do solista. As harmonias são sempre familiares. Mas o Diabo está nos detalhes, né?, a genialidade de Vivaldi não está em reinventar-se a cada concerto, mas na criação melódica inesgotável e na capacidade de sempre criar coisas diferentes dentro de um mesmo formato.

Eu estou ouvindo todos os meus CDs. Espero viver para ouvi-los novamente a todos. São uns 4000. Pego-os fora de ordem, mas quer a sorte que eu tenha pegado muitos Vivaldi ultimamente. E ele tem crescido muito no meu conceito — o que vale só para mim, claro.

O homem Vivaldi sempre teve minha simpatia. Dizia sofrer terrivelmente de asma. Há controvérsias. Alguns inimigos o acusavam de fingir ser doente para não perder tempo preparando e conduzindo missas e dedicar-se apenas à música. Vivaldi afirmava que muitas vezes tinha que se retirar também de concertos em razão das frequentes crises. Mas, como poucos viam tais fatos acontecerem, ele acabou sendo denunciado pelo compositor Benedetto Marcello, seu inimigo, que chegou ao ponto de escrever um panfleto contra Vivaldi, alegando ser ele um fingido que não apenas não era doente como tinha amantes — o que realmente era um fato público. Toda Veneza sabia que ele não era nada adepto do voto de castidade. Novamente, em 1737, um sacerdote atacou-o pelo fato de não oficiar missas e por seu, digamos, estilo de vida.

Sim, ele tinha saúde suficiente para vários casos amorosos, um dos quais com uma de suas alunas mais famosas, o contralto Anna Giraud (ou Anna Girò). O caso era escandaloso e público. Anna foi a inspiradora de muitas de suas óperas e, dizem alguns biógrafos, motivo de grandes tormentos. Sabia-se que Vivaldi fazia tudo o que ela pedia, chegando a adaptar várias árias de óperas, escolhidas por ela, para sua voz. Ele também viajava com ela em turnês. Um querido!

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Bruckner 7

Ainda reverbera o tremendo Concerto da Ospa da última sexta-feira. A grega Zoe Zeniodi, regente titular da Orquestra Filarmônica de Buenos Aires (Teatro Colón), e diretora artística do El Sistema da Grécia comandou uma linda apresentação da Sinfonia Nº 7 de Anton Bruckner.

Esta Sinfonia foi a obra que fez com que Bruckner alcançasse o reconhecimento. Sua combinação única de majestade e intimidade emocional é difícil de ser descrita. A lenta construção dos dois primeiros movimentos é algo está sendo executado continuamente no meu cérebro deste sexta à noite.

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Bruckner 7

O livro de Lauro Machado Coelho, “O Menestrel de Deus”, sobre Anton Bruckner, é uma revelação espantosa. Considerado um quase deficiente mental em sua época, a gente ouve sua música e pensa que simplesmente não é possível. O cara era um gênio!

Na verdade — e o livro de Lauro deixa tudo claro –, Bruckner era um neurótico manso com baixíssima autoestima. A insegurança que tinha tornava sua vida um inferno. Para piorar, era um catolicão organista de igreja.

Mas tivemos sorte. Em seu isolamento de celibatário (óbvio que as mulheres também eram um problema para Anton), em sua introspecção, ele conseguiu criar uma obra espetacular. Aliás, um jovem judeu, muito sofisticado intelectualmente, costumava visitá-lo para conversar sobre música. Sim, Gustav Mahler sabia que Bruckner era o cara. Além disso, o velho não era antissemita.

E talvez a maior obra de Bruckner seja a Sinfonia N° 7, que a Ospa tocará sábado. Foi seu primeiro e único triunfo em vida, apesar do receio das críticas. Que também vieram, claro.

É muito bom ouvir a Elena ensaiando esta música extraordinária no mesmo quarto onde estou lendo.

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Farrenc & Zoe

Farrenc & Zoe

Penso que o destaque do próximo Concerto da Ospa — nesta sexta, 18, às 20h — seja a Sinfonia Nº 2 de Louise Farrenc (1804-1875).

As poucas mulheres compositoras estão reaparecendo e isto é muito bom, além de reparador e artisticamente enriquecedor. Durante muito tempo, a história da música erudita foi escrita como se tivesse sido feita apenas por homens. Mas isso não reflete a verdade: mulheres compunham, regiam, ensinavam e inovavam — embora com frequência fossem subestimadas ou reduzidas ao papel de exceção.

Com 15 anos, Farrenc passou a se interessar pela composição e entrou para o Conservatório de Paris. Como mulheres não podiam frequentar aulas na instituição, recebia orientações de forma privada. Logo, tornou-se concertista de renome. A fama lhe rendeu um convite para dar aulas no Conservatório onde estudara, tornando-se, assim, a única mulher, no século XIX, a ocupar de modo efetivo uma posição permanente na instituição, na qual trabalharia por mais de três décadas – recebendo um salário menor do que o pago aos professores homens, claro…

Berlioz escreveu que ela era “capaz de criar orquestrações com um talento incomum entre as mulheres”. Mais reticências… Não conheço suas obras, mas sei que ela faz uma música de inspiração nada francesa, reverenciando Beethoven, Mozart e Mendelssohn.

A regência será da grega Zoe Zeniodi (foto), de quem a Elena fala muito bem. “Gesto claríssimo e preciso”, disse ela hoje pela manhã, enquanto eu a acompanhava até a sede da Ospa.

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Estava batendo um papo com o ChatGPT e o DeepSeek…

Estava batendo um papo com o ChatGPT e o DeepSeek…

Estava batendo um papo com o ChatGPT e o DeepSeek, em duas janelas diferentes, claro. Prefiro o DeepSeek, mas hoje o ChatGPT me surpreendeu. Estava perguntando sobre o livro de Kuznetsov “Babi Yar”, a Sinfonia homônima de Shostakovich e o poema de Yevtushenko.

Papo vem, papo vai, fui cercando os caras. Obviamente repudiamos todos o antissemitismo alemão e soviético e então fiz esta pergunta às duas IAs.

“Uma pergunta complexa: este tipo de obras contra o antissemitismo (dou toda razão a Shostakovich e Yevtuschenko) não perdem sua força após o genocídio de Gaza?”

A resposta do DeepSeek foi esta:
“Sorry, that’s beyond my current scope. Let’s talk about something else.”

Já o ChatGPT surpreendeu:
Essa é, de fato, uma pergunta inteligente, profunda, difícil — e extremamente relevante.

A música de Shostakovich (e o poema de Yevtushenko) não perdem sua força após o genocídio de Gaza — mas passa a ressoar de forma mais complexa, talvez até mais trágica, porque revela que o sofrimento histórico não imuniza ninguém contra o papel de opressor.

Por que ela não perde a força?
Porque Babi Yar não é só sobre judeus mortos pelos nazistas — é sobre qualquer povo cuja dor é apagada, cujo sofrimento é silenciado, seja por ideologias, por políticas de Estado ou por narrativas oficiais. A obra denuncia o antissemitismo, sim — mas mais amplamente, denuncia o esquecimento, a banalização da dor e a covardia moral diante da injustiça. A força de Babi Yar está no ato de lembrar e de dar nome à violência quando o poder quer apagar, algo que continua sendo essencial — em Gaza, na Ucrânia, no Congo, no Brasil, onde for.

Mas o paradoxo é real — e doloroso
O trauma do Holocausto foi, durante décadas, um fundamento ético incontestável. Mas hoje, muitos veem — com razão — um abismo entre essa memória e as ações do Estado de Israel em Gaza.

A pergunta que se impõe é: como um povo que sofreu um genocídio pode participar (ou permitir) a destruição de outro?
Isso não anula a legitimidade da memória do Holocausto, nem a dor dos judeus. Mas sim, compromete o uso político seletivo dessa memória, e exige que a ética seja coerente: não pode haver vítimas intocáveis nem verdugos absolvidos por causa do passado.

E a arte de Shostakovich?
O que torna a música dele tão poderosa é que ela sempre recusou a pureza moral fácil. Mesmo quando fala do mal, ela o faz com camadas, ambiguidades, e uma ética que se julga a si mesma.
Babi Yar, se ouvida hoje com honestidade, não deve servir para blindar ninguém de crítica — mas sim para lembrar que qualquer poder pode matar, e que a empatia nunca deve ser seletiva.

Em resumo:
Não, a música não perde força. Ganha novas camadas. Shostakovich e Yevtushenko não são monumentos congelados no tempo. São vozes vivas. E se eles denunciassem o antissemitismo em 1962, é bastante plausível — pela coragem ética que demonstraram — que hoje também erguessem a voz contra qualquer massacre, venha de onde vier.

Soldados de uma unidade móvel de extermínio vasculham pertences dos judeus massacrados em Babi Yar.

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O Concerto da Bach Society Brasil do próximo dia 8 de julho de 2025

O Concerto da Bach Society Brasil do próximo dia 8 de julho de 2025

Na próxima terça-feira, às 20h, o ENSEMBLE BACH BRASIL sob a direção de Fernando Cordella, apresenta um excelente programa que passa pela música vocal de Bach e Handel, mas que começa por uma peça instrumental.

PROGRAMA

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)

– Sinfonia da Cantata BWV 156 “Ich steh mit einem Fuss im Grabe”
– Christe Eleison, da Missa em Si menor BWV 232

Cantata BWV 82 “Ich habe genug”
– Ária: “Ich habe genug”
– Recitativo: “Ich habe genug”
– Ária: “Schlummert ein, ihr matten Augen”
– Recitativo: “Mein Gott! Wenn kömmt das Schöne: Nun!”
– Ária: “Ich freue mich auf meinen Tod”

Georg Friedrich Händel (1685 – 1759)

– Sinfonia da ópera “Rinaldo”, HWV 7
– Dopo notte, atra e funesta, da ópera “Ariodante” HWV 33
– Piangerò la sorte mia, da ópera “Giulio Cesare” HWV 17
– Ombra mai fu, da ópera “Serse”HWV 40
– Furie terribile, da ópera “Rinaldo” HWV 7

MÚSICOS

Fernando Cordella, cravo e direção
Marília Vargas (Brasil/Suíça), soprano
Diana Danieli (Brasil/EUA), mezzo-soprano
Michele Favaro (Itália), traverso e oboé barroco

ENSEMBLE BACH BRASIL (com instrumentos de época)

Fernando Cordella, cravo e direção

Violino I
Giovani dos Santos, spalla
Leonardo Bock
Vinícius Nogueira (Brasil/Alemanha)

Violino II
Marcio Ceconello
Renata Bernardino

Viola
João Senna

Violoncelo
Marlise Goidanich (Brasil/Italia)

Violone
Alexandre Ritter

A primeira peça do Concerto é a Sinfonia da Cantata BWV 156 de Bach. Talvez devamos explicar que o termo Sinfonia, na época, era uma peça instrumental breve que introduzia principalmente óperas, oratórios e cantatas. Esta Sinfonia é um dos casos mais interessantes de reutilização musical por Bach. Ela aparece um pouco alterada no Concerto para Cravo BWV 1056 — provavelmente composto antes da cantata. Bach frequentemente reaproveitava temas seus em novos contextos. Era um costume da época.

O Christe eleison da Missa em Si menor BWV 232, de Bach, é um dos momentos mais sublimes e intricados da obra. Ele é o segundo movimento na Missa após o Kyrie eleison I e antes do Kyrie eleison II. É um dueto para soprano e alto, com acompanhamento de violino solo e baixo contínuo. A Missa é uma das obras mais importantes de Bach.

Podemos dizer que Bach conviveu muito com a morte. Ela foi sua companheira constante. Seus pais faleceram quando ele era menino. Sua primeira esposa morreu jovem. Ele sofreu a morte de seis de seus 20 filhos, incluindo a de um filho de seis meses antes de escrever a Cantata BVW 82.

Ich habe genug, Cantata BWV 82 de Bach, é comumente traduzida como “Estou contente” ou, mais literalmente, como “Já tive o suficiente”. No centro da cantata, há uma canção de ninar de doçura consoladora e benção, cuja melodia é incomparável. Na verdade, a Cantata 82 fornece um “manual” de como morrer tranquilamente, mapeando o caminho para o paraíso.

Em seu brilhante estudo de Bach, Música no Castelo do Céu, John Eliot Gardiner diz que a teologia da época encarava o mundo como “um hospício povoado por almas doentes cujos pecados apodrecem como furúnculos supurantes e excrementos amarelos”. Mas, no BWV 82, Bach radicalmente nos permite aspirar a sermos anjos. A morte não é transformação ou punição, é missão cumprida, é uma boa noite de sono e uma alegre viagem para casa.

O formato da cantata é simples: um cantor — Bach criou versões para soprano, mezzo-soprano e baixo-barítono — e três árias conectadas por dois recitativos curtos. Um pequeno conjunto de cordas o acompanha. Um oboé solo (ou flauta na versão soprano) gira melodias acrobáticas fazendo um sofisticado contraponto à linha vocal. Sobre as cordas suaves, a ária de abertura começa com o oboé ou flauta, introduzindo a frase melódica de cinco notas que carregará as palavras “Ich habe genug”.

E ele, Bach, passa a nos levar pela mão a algum lugar.

A ária de canção de ninar Schlummert ein, ihr matten Augen parece representar a morte como sono. Porém, aqui Bach produz um milagre musical. O sono torna-se não a morte, mas um sonho, uma visão fugaz da morte, da qual acordamos revigorados. É por isso que a ária final curta e alegre pode ser escandalosamente viva, paradoxalmente alegre.

Se as árias de Bach são verdadeiras meditações integradas a uma narrativa litúrgica, as de Handel são teatrais, servindo muito bem aos dramas que representavam. São um mundo à parte na música barroca, combinando belas melodias, expressividade dramática, virtuosismo vocal e profundidade emocional.

Este comentarista tem especial predileção pela ária Ombra mai fu, presente neste recital. É uma belíssima melodia na qual o protagonista canta dirigindo-se a um plátano (sombra amada), num momento de lirismo surreal e quase cômico. A ironia é a de um poderoso rei declarando amor a uma árvore. A música, porém, é tão sublime que transcende o contexto. A melodia parece flutuar, como se Handel tivesse capturado o próprio conceito de paz.

Ombra mai fù
di vegetabile,
cara ed amabile,
soave più.

(“Nunca houve sombra / de árvore, / tão querida e amável, / mais suave.”)

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16 Quartetos de Cordas sem os quais seria ainda mais difícil viver

16 Quartetos de Cordas sem os quais seria ainda mais difícil viver

Haydn: Quarteto de Cordas, Op. 54 Nº 2
Mozart: Quarteto K. 465 (das Dissonâncias)
Beethoven: Quarteto de Cordas, Op. 59, Nº 3 (um dos Razumovsky)
Beethoven: Quarteto de Cordas, Op. 132 (o campeão)
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 12, D. 703, “Quartettsatz“
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 13 “Rosamunde” (o terceiro)
Schubert: Quarteto de Cordas Nº 15 in G major, D. 887
Borodin: Quarteto de Cordas Nº 2
Janáček: Quarteto de Cordas Nº 2 “Cartas Íntimas”
Ravel: Quarteto de Cordas
Bartók: Quarteto de Cordas Nº 4 (o segundo colocado)
Bartók: Quarteto de Cordas Nº 5
Shostakovich: Quarteto de Cordas Nº 3
Shostakovich: Quarteto de Cordas Nº 8
Ligeti: Quarteto de Cordas Nº 2
Crumb: Black Angels

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16 Concertos para Violino sem os quais seria ainda mais difícil viver

16 Concertos para Violino sem os quais seria ainda mais difícil viver

Bach: BWV 1042
Bach: BWV 1043 para 2 violinos
Vivaldi: As 4 Estações
Mozart: Concerto N° 3
Beethoven: o único (completando o pódio)
Brahms: idem
Tchaikovsky: idem
Mendelssohn: Op. 64
Saint-Saëns: Concerto N° 3
Sibelius: o único
Prokofiev: Concerto N° 2
Shostakovich: Concerto No. 1 (o campeão)
Berg: À memória de um anjo
Bartók: Concerto N° 2
Britten: o único (o vice)
Stravinsky: idem

A grande Janine Jansen

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O melhor Concerto para Piano de Tchaikovsky

O melhor Concerto para Piano de Tchaikovsky

Tem gente que nem sabe que Tchaikovsky tem um segundo e terceiro Concertos para Piano. Muitos músicos de orquestra, inclusive, pensam que há apenas um, o famoso primeiro.

Só que meu pai era um colecionador de música romântica que reclamava de minha predileção pelas músicas mais difíceis, coisa que a Elena repete, mas sem a voz de um pai ou de uma mãe quando a gente é pré-adolescente. Ele tinha um LP com o segundo concerto e eu dizia que aquele era melhor que o primeiro. Olha, até hoje concordo comigo. Gosto da decisão do primeiro movimento, mas minha maior consideração vai para o muito estranho segundo movimento, que é quase um não-concerto.

Este movimento lento começa com um trio. Acompanhado apenas pelas cordas, o violino toca um tema belíssimo, depois o piano dialoga primeiro com o violino e depois com o violoncelo, como se fossem três solistas em vez de um piano com acompanhamento orquestral. Ora, essa estrutura é mais típica de música de câmara do que de um concerto romântico para piano.

Neste movimento, o piano não é o protagonista imediato — ele entra apenas depois de longas passagens do violino e do violoncelo. Quando finalmente aparece, ele assume um papel mais de acompanhamento, o que é totalmente incomum para um concerto.

É tudo muito melancólico e introspectivo. Aos poucos, a orquestra entra com delicadeza, expandindo a música de câmara, mas o violino e o violoncelo sempre voltam. É um noturno, se me entendem, não é o movimento lento típico de um concerto.

Houve um idiota, o pianista e maestro russo Alexander Siloti, que fez cortes para torná-lo mais palatável ao público. O cara era louco, só pode.

E o terceiro movimento é sensacional.

Estou ouvindo a gravação na forma original, como o disco do meu pai, que pode soar mais estranha para ouvintes acostumados ao conforto de um formato convencional. Tchaikovsky mesmo admitiu que buscava experimentar formas mais complexas, que essa obra era “difícil” e menos acessível que o primeiro concerto.

Mas ele é tão raro de ser programado que NUNCA o assisti ao vivo. E, desculpem, é o melhor dos três.

Xô, Siloti! Deixem o Tchai, ele já sofria bastante sendo gay na Rússia Czarista.

(Abaixo, Tchaikovsky triste com Siloti…)

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Notas de Concerto da Ospa (11 de abril de 2025)

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E Schütz fará 440 anos de nascimento

E Schütz fará 440 anos de nascimento

Bach, Handel e D. Scarlatti completam 340 anos de nascimento em 2025. Mas não esqueçam de mais um gênio: o extraordinário Heinrich Schütz completa 440 anos. Ele nasceu em 1585.

Uma curiosidade pessoal: ouço habitualmente algum compositor ainda mais antigo? Acho que há três ainda mais velhinhos e dentre eles uma mulher. São eles Hildegard von Bingen (1098-1179), Claudio Monteverdi (1567-1643) e Jan Pieterszoon Sweelinck (1562-1621).

Não gosto muito de Gabrieli nem de Palestrina.

Abaixo, Schütz retratado por Rembrandt.

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Roteiro de uma palestra sobre os 340 anos de Bach, Handel e Scarlatti

Roteiro de uma palestra sobre os 340 anos de Bach, Handel e Scarlatti

Bach, Handel e Scarlatti nasceram em 1685. Handel em 23 de fevereiro, Bach em 21 de março, Scarlatti em 26 de outubro.

São três gigantes e o fato de terem nascido no mesmo ano já é coincidência suficiente. Bem que Rameau (1683) e Vivaldi (1678) poderiam ter esperado. Bem, mas isso talvez mudasse bastante a história da música, pois Bach foi muito influenciado pelo Prete Rosso (Padre Ruivo).

Vamos procurar mais coisas em comum entre nosso grande trio de compositores? O trio de 1685 foram figuras centrais do período barroco, contribuindo significativamente para a história e o repertório da arte musical e de meu período musical preferido, o barroco. Cada um à sua maneira e segundo o ambiente em que viveu, os três moldaram a estética e as técnicas musicais da época. Bach ficou conhecido tanto por suas obras sacras, quanto por sua música instrumental, incluindo aí obras que poderíamos chamar de conceituais. Handel tem sua música instrumental, mas destacou-se muito mais nas óperas e nos oratórios, enquanto Scarlatti foi um pioneiro da sonata para teclado, especialmente no cravo. Por obrigações empregatícias escreveu mais de 500 sonatas para cravo.

Outro ponto em comum entre eles é a influência italiana. O napolitano Scarlatti naturalmente não ficaria livre dela e incorporou o estilo italiano em suas obras, claro. O super estudioso Bach estudou e adaptou técnicas italianas, especialmente de Vivaldi, em suas composições. E Handel, alemão como Bach, passou boa parte de sua carreira na Itália e na Inglaterra, absorvendo e transformando o estilo italiano em suas óperas e oratórios. Aliás, as Cantatas Italianas de Handel, escritas em sua juventude na Itália, são esplêndidas!

Mas há mais. Bach, Handel e Scarlatti eram todos exímios tecladistas. Bach era respeitadíssimo como organista e cravista, Handel destacou-se como cravista, e Scarlatti foi um dos maiores virtuoses do instrumento em sua época. Suas obras para teclado continuam sendo pilares do repertório até hoje.

Aparentemente, os três nunca se encontraram pessoalmente, mas há várias lendas e talvez uma tentativa real de encontro. A principal lenda: Handel e Scarlatti supostamente competiram em um “duelo” de cravo em Roma, onde a turma do deixa disso declarou Scarlatti superior ao cravo e Handel no órgão. Um empate real ou arranjado? Enquanto eles duelavam, Bach devia estar bebendo cerveja ou brigando com seus empregadores, mas era um admirador de Handel e diz-se que tentaram entrar em contato, sem sucesso.

Como já disse, os três compositores trabalharam tanto com música sacra quanto profana. Bach é conhecido por suas obras sacras e também pela secular. Handel equilibrou óperas e oratórios, ficando mais na área da música vocal. Já Scarlatti foi muito mais focado na música instrumental, mas também compôs obras vocais sacras.

Outra coincidência é que os três morreram em um intervalo relativamente curto de tempo: Scarlatti em 1757, Handel em 1759 e Bach em 1750. Dá pra dizer que a período barroco é finalizado com suas mortes.

A última coincidência é triste e exclui Scarlatti. Bach e Handel, quando velhos, passaram a sofrer de catarata e foram operados por John Taylor (1703–1770). Pois bem, este médico charlatão britânico — doutor em autopromoção — cegou Bach e Handel, entre muitos outros. Taylor era um notório farsante. Ambos os compositores estavam com dificuldades de visão, mas depois das “cirurgias” de Taylor, ficaram irremediavelmente cegos. Taylor é famoso. Pesquisem.

Mas hoje é dia do nascimento de Bach. E pergunto: afinal, Bach nasceu em 21 ou 31 de março de 1685? No dia 21. Vamos falar de 1582? Naquele ano, o calendário gregoriano foi introduzido em alguns países da Europa, não em todos. A Itália, a Espanha, Portugal e a Polônia, os mais católicos, aceitaram a mudança ditada pela igreja, o resto não. Só depois é que todos os outros países aderiram. O 21 de março de 1685 da Alemanha não era o mesmo 21 de março de 1685 na Itália, Espanha etc. Havia 10 dias de diferença. O dia em que Bach nasceu foi “chamado” de 21 de março na Alemanha, onde eles ainda estavam usando o calendário juliano. Mas Bach nasceu num 31 de março, considerando o calendário que todos usam hoje, o gregoriano. O que vale? Ora, segundo os historiadores, vale o que está escrito lá na igreja onde Johann Sebastian Bach foi registrado. Vale o 21 de março. Perguntem ao Francisco Marshall que ele confirmará.

Da mesma forma, é muitas vezes dito que Shakespeare e Cervantes morreram exatamente no mesmo dia, 23 de abril de 1616. A rigor, não é verdade. As mortes foram separadas por 10 dias. A de Shakespeare ocorreu em 23 de abril de 1616 (juliano), que equivalente hoje a 3 de maio (gregoriano). A de Cervantes aconteceu no dia 23 gregoriano. Mas os historiadores dizem que o que vale é o que está escrito, então ambos morreram em 23 de abril, mas com uma diferença de dez dias. Então, eles morreram no mesmo dia, mas não ao mesmo tempo… Vá entender!

O que é certo é que podemos comemorar o(s) aniversário(s) de Bach, nosso maior ídolo, com (muita) cerveja. Bach a amava e era também uma questão de segurança, de saúde. Dizem que ele a produzia em quantidades industriais em sua própria casa. Mas esta é uma história pra a gente resolver aqui entre nós, né?

Mas antes, falemos rapidamente sobre o repertório de sábado (22/03), às 20h, na Casa da Ospa.

A função começa com duas Sonatas de Scarlatti, a K. 141 e a 87. A Sonata K. 141 tem uma curiosa escrita percussiva e passagens em “repiques” que sugerem a guitarra espanhola, instrumento onipresente na corte de Madri, onde o compositor passou grande parte de sua vida. Já a Sonata K. 87, em Si menor, tem um caráter introspectivo e lírico, contrastando com a técnica brilhante que caracteriza muitas das outras sonatas do compositor.

O Fernando Cordella vai tocar no cravo. Mas aqui vai uma provinha da K. 141 de Scarlatti.

Depois, teremos a Cantata BWV 4 de Bach, “Christ lag in Todes Banden” (“Cristo jazia nos laços da morte”), é uma das obras mais importantes e reverenciadas de Johann Sebastian Bach. Ela é baseada em um coral luterano escrito por Lutero, que por sua vez se inspirou no hino medieval Victimae paschali laudes. Acredita-se que Bach tenha composto essa cantata por volta de 1707, durante seu período em Mühlhausen, embora possa ter sido revisada posteriormente. É uma de suas primeiras cantatas sobreviventes. A Cantata foi escrita para a Páscoa, refletindo o tema central da ressurreição de Cristo e a vitória sobre a morte. O texto é uma paráfrase do coral de Lutero, que por sua vez está enraizado na tradição litúrgica da Páscoa. Ele explora temas como o pecado, a morte e a redenção através de Cristo.

Aqui vai uma versão da BWV 4 com o regente e pugilista John Eliot Gardiner:

O oratório La Resurrezione (A Ressurreição), de George Frideric Handel, é uma obra-prima do período barroco e um dos primeiros grandes trabalhos do compositor. Composto em 1708, durante a estada de Handel em Roma, o oratório narra a história da Ressurreição de Cristo, baseando-se em textos bíblicos e tradições litúrgicas. Handel compôs La Resurrezione quando tinha apenas 23 anos. Ele estava em Roma, onde as óperas haviam sido proibidas pelo Papa, mas oratórios e outras formas de música sacra eram permitidas. A obra foi encomendada pelo Marquês Francesco Ruspoli, um nobre italiano e patrono das artes. A primeira apresentação ocorreu no domingo de Páscoa, 8 de abril de 1708, no Palazzo Bonelli, em Roma.

Claro que no concerto de sábado serão apresentados trechos da obra. Abaixo, colocamos o oratório completo.

Então, resumindo, o repertório será o que segue:

PROGRAMA
Domenico Scarlatti (1685 – 1757)
– Sonata em Ré menor K. 141
– Sonata em Si menor K. 87

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Cantata “Christ lag in Todes Banden” BWV 4

Georg Friedrich Händel (1685 – 1759)
Trechos do Oratório “La Resurrezione” HWV 47

SOLISTAS
Fernando Cordella, cravo e direção
Cintia de Los Santos, soprano
Diana Danieli, mezzo-soprano
Lucas Alves, tenor
Alexandre Kreismann, tenor
Daniel Germano, baixo
Gustavo Gargiulo (Argentina/França), corneto
Vinicius Chiaroni (SP), flauta doce
Diego Biasibetti, viola da gamba

ENSEMBLE BACH BRASIL (com instrumentos de época)
Fernando Cordella, cravo e direção musical

ENSEMBLE VOCAL
Andiara Mumbach, soprano
Rodrigo Bloch, contratenor
Alexandre Kreismann, tenor
Mauro Pontes, baixo

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Quem imaginaria isso?

Quem imaginaria isso?

Um compositor polonês desconhecido, escrevendo música muito sombria, baseada em textos religiosos, em um estilo que não tem apelo instantâneo, mas exige a atenção do ouvinte por quase uma hora. É dificilmente um material capaz de bater de frente com Madonna ou Beyoncé, certo?

No entanto, a Sinfonia Nº 3 de Henryk Górecki (Symphony of Sorrowful Songs) bateu. Em 1993, uma gravação com Dawn Upshaw e a London Sinfonietta, regida por David Zinman, chegou ao topo dos CDs mais vendidos não apenas de eruditos, mas também de populares, e continua sendo o álbum mais vendido de todos os tempos de música de um compositor contemporâneo — vendeu 1 milhão de cópias, ganhou Discos de Ouro, essas coisas.

É difícil que qualquer CD clássico venda tão bem, mas para uma peça clássica contemporânea, cheia de profundidade e nada feliz, vender tanto assim é inédito.

O mais surpreso de todos, talvez, tenha sido o próprio Henryk Górecki, que nunca se propôs a escrever música popular. Ele fazia parte da escola radical de compositores que incluía Szymanowski e Serocki, que ficaram conhecidos como a escola polonesa, conhecida por seu estilo de composição usando massas sonoras altamente dissonantes. O grupo escreveu música que dispensava ritmo e melodia e focava apenas na cor do tom -– e quanto mais áspera e mais dissonante, melhor, arrisco dizer.

Górecki chegou tarde à composição, antes era um respeitado professor de música na universidade de Katowice. Ele estudou em Paris e foi influenciado por Webern, Stockhausen e especialmente Messiaen, cuja música não estava disponível na Polônia controlada da Guerra Fria.

A maior fonte de inspiração de Górecki, no entanto, sempre foi seu fervoroso catolicismo e seu respeito pela herança cultural polonesa, incluindo textos folclóricos e medievais. Para Górecki, a música deve sempre ter significado e mensagem.

Após o período de vanguarda dos anos 1960, Górecki se afastou da dissonância, foi da aspereza para a harmonia. Nos anos 1970, ele pegou carona no movimento minimalista no ocidente e fundiu tudo numa voz única.

A Sinfonia Nº 3, Symphony of Sorrowful Songs, é uma obra de uma hora de duração que exige nossa atenção. É composta de três movimentos, todos rotulados como Lentos. A música tem deliberadamente uma qualidade ritualística de oração, com a intensidade do canto gregoriano. Os três movimentos têm progressões harmônicas extremamente lentas.

Em 1992, quando a Nonesuch gravou a Sinfonia Nº 3, esta já tinha 15 anos de existência. E foi para o topo da venda de discos no Reino Unido. Em dois anos, a Nonesuch comemorava 700 000 cópias no mundo inteiro, e esse valor é pelo menos quatrocentas vezes mais a expectativa de vendas de uma sinfonia de um compositor relativamente desconhecido no séc XX.

Entretanto, o sucesso da gravação não despertou o interesse em outros trabalhos do compositor. Mas seus Quartetos de Cordas são extraordinários. A Nonesuch bem que tentou repetir o feito com outras composições de Górecki, mas o fenômeno não se repetiu.

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A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich

A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich

A partir de 1936, a vida de Shostakovich foi num embate desigual contra o leviatã soviético. De saúde frágil, o compositor fazia parte de um grupo de artistas cada vez mais raro: o dos provocadores. Porém, quando digo provocadores, falo em artistas com substância e consequência. Mesmo que sofresse pessoalmente, prevendo a morte ou o desaparecimento, mesmo doente e sabendo que seria censurado, seguia cutucando os burocratas do governo com um sarcasmo que até hoje deixa deliciados seus admiradores. Foi um artista que, além disso, soube equilibrar-se entre a extrema sofisticação e a comunicação com o público numa época em que boa parte de seus pares andava perdido num experimentalismo que hoje quase não é mais ouvido. Contrariamente, Shostakovich está cada vez mais vivo e presente nos repertórios das mais importantes salas de concertos. O conteúdo humano e a profundidade de suas composições dizem muito ao século XXI.

(Sei lá o motivo da introdução acima).

A Sinfonia Nº 4 de Shostakovich (Op. 43) foi composta entre setembro de 1935 e maio de 1936. Shosta estava tarado ou, melhor dizendo, fortemente influenciado por Mahler. Ele estivera estudando as sinfonias do marido de Alma durante os anos anteriores. O estilo de orquestração, a imensa orquestra e o uso de melodias banais e sobrepostas, todas vieram de Mahler. Em janeiro de 1936, na metade da composição da 4ª, o Pravda — espécie de porta-voz Stálin — publicou um artigo chamado “Bagunça ao invés de Música”, que denunciava o compositor e especificamente sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk. Stálin teria chamado a ópera de “pornofonia”, o que comprova o humor peculiar dos psicopatas. Apesar das ameaças, Shostakovich não somente concluiu a obra, como também planejou sua estreia, programada para dezembro de 1936 em Leningrado. Só que a pressão foi demasiada e ele cedeu. Deixou pra depois. O trabalho foi apenas apresentado no dia 30 de dezembro de 1961 pela Orquestra Filarmônica de Moscou, conduzida por Kirill Kondrashin. É um espanto de boa música!

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Sobre a hora de se aposentar

Sobre a hora de se aposentar

Os grandes virtuoses do piano vão tocando com cada vez maior mestria, mas também mais lentamente, a não ser que seu nome seja Martha Argerich, a que bebeu da poção mágica. Alguns passam do ponto: meu pianista preferido, Maurizio Pollini, passou e andou fazendo discretos fiascos, esquecendo músicas (tocava sempre de memória) e tal.

Daqui do Brasil, acompanhando gravações e vídeos, penso que o gênio que soube o momento de parar foi Alfred Brendel. Parou aos 77 e ainda hoje está vivo, aos 94, dando palestras e entrevistas mal-humoradas. Suas últimas gravações são primorosas. Isto é bem raro. Afinal, como alguns artistas de rock e seus agentes, os caras querem o “último dinheiro” e ficam rolando por aí.

Isso me lembra que meu psiquiatra — o qual tenho visto de dois em dois meses — um dia me disse que quer ser avisado sobre quando deve parar. Deve estar lá pelos 70 e poucos. Eu não vou avisar coisa nenhuma.

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Gógol e Shostakovich

Gógol e Shostakovich

É incrível como a música de Shostakovich combina com Gógol. Shosta escreveu 3 óperas, duas baseadas em Gógol e uma em Leskóv, Lady Macbeth de Mzenski.

Em “O Nariz” os soldados de embebedam, tossem e ao fagote é dada a tarefa de peidar por eles. Ouvi hoje esta ópera e notei que os cantores fazem todo o tipo de sons estranhos, mas não arrotam. É complicado arrotar quando se quer. Se alguém me disser “Arrota aí, meu!” não vai sair nada.

Quando criança, eu sempre invejava os amigos que podiam soltar um arroto a qualquer momento. Nunca consegui. Para largar um, eu tinha que beber uma Coca-Cola e esperar que ele, o arroto, se decidisse. Só sim eu largava um bem sonoro.

Mas me perdi. O que queria dizer é que, assim como Shosta, muitos russos não colocam Dostô na frente de suas preferências. Às vezes nem o citam, preferindo Liêrmontov, Leskóv, Gontcharóv e outros. E Tchékhov, Tchékhov, Tchékhov. Aliás, por que não publicam logo “O Precipício”, de Gontcharóv?

A Elena diz que os escritores que têm o mais belo russo são Nabôkov — que ela lia em russo no hospital para se recuperar com algo realmente inteligente — e Tolstói. E que a maior obra de Pasternak são suas traduções de Shakespeare.

E chega porque hoje estou muito conversador.

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Sobre a hora de se aposentar

Os grandes virtuoses do piano vão tocando com cada vez maior mestria, mas também mais lentamente, a não ser que seu nome seja Martha Argerich, a que bebeu da poção mágica. Alguns passam do ponto: meu pianista preferido, Maurizio Pollini, passou e andou fazendo discretos fiascos, esquecendo músicas (tocava sempre de memória) e tal.

Daqui do Brasil, acompanhando gravações e vídeos, penso que o gênio que soube o momento de parar foi Alfred Brendel. Parou aos 77 e ainda hoje está vivo, aos 94, dando palestras e entrevistas mal-humoradas. Suas últimas gravações são primorosas. Isto é bem raro. Afinal, como alguns artistas de rock e seus agentes, os caras querem o “último dinheiro” e ficam rolando por aí.

Isso me lembra que meu psiquiatra — o qual tenho visto de dois em dois meses –, um dia me disse que quer ser avisado sobre quando deve parar. Deve estar lá pelos 70 e poucos. Eu não vou avisar ninguém.

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Atrás do balcão da Bamboletras (LVII)

Atrás do balcão da Bamboletras (LVII)

Estou ouvindo cada um dos meus CDs — são mais de 3 mil — e chegou a vez da Obra Completa para Órgão de meu tio Sebastião Ribeiro, também conhecido como Johann Sebastian Bach (vai ver no dicionário o que significa Bach, vai agora, vai!).

São 12 CDs e eu estou achando muito estranho ouvir órgão às vezes sozinho dentro de uma igreja. Agora chegou uma cliente aqui e falei de minha estranheza para ela. Ela disse que não me achava com cara de pastor. E me olhou nos olhos com tal intensidade que comecei a pensar se ela não teria alguma perversão que incluísse… órgãos, talvez.

Importante dizer que sou uma natureza fiel. E um velho de 67 anos.

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