Porque hoje é sábado, Eva Green

Porque hoje é sábado, Eva Green

E então vemos esta mulher de delgada e interessante silhueta sob uma roupa leve…

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…e não conseguimos acreditar na frase da foto abaixo.

Timidez? Olha até pode ser. Mas Eva Green não desaponta ninguém.

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Ops!

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Você fica desapontado ou desconcertado com ela?

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Mais para o desconcertado e atraído, não?

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Só para variar, ela é francesa, filha da atriz Marlène Jobert com um dentista sueco.

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Na verdade, ela é loira e resolveu ser atriz ao ver Isabelle Adjani em A História de Adèle H., de François Truffaut, aos 14 anos. Então, pintou os cabelos como os de Isabelle.

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Nos créditos de Os Sonhadores, de Bertolucci — uma grande estreia! –, ela figura…

Eva Green

…como co-autora do roteiro. E considera-se uma nerd, outro equívoco.

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Seu filme favorito é Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman.

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E é fã dos diretores François Truffaut, Ingmar Bergman, Lars von Trier e David Lynch.

Mas, apesar de seus gostos, atualmente costuma estrelar maus filmes americanos.

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Dão $, claro. O destino das novas estrelas europeias é fazer filmes com diretores…

Eva Green

…sem personalidade. Green, Eva Green, Bond girl.

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Sabemos que um dia, se quiser ficar na história, voltará a fazer bons filmes.

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Isto é necessário para que possamos — sem achar que estamos perdendo tempo –, …

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… conviver com este verdadeiro sorvedouro de olhares.

Eva-Green

Né?

Post de fevereiro de 2008, totalmente recauchutado.

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Os primórdios do gonzo em Diário de um Jornalista Bêbado

Publicado em 2 de junho de 2012 no Sul21.

Foto: Peter Mountain/The Rum Diary

O filme Diário de um Jornalista Bêbado reúne algumas importantes celebridades. A primeira é o autor do livro que deu origem ao filme, Hunter S. Thompson (1937-2005). Thompson não é apenas o autor do livro The Rum Diary, mas também um dos jornalistas que criou o gonzo. O jornalismo gonzo é um estilo de narrativa jornalística ou cinematográfica onde o autor abandona a objetividade ou o distanciamento, misturando-se à ação, argumentação ou enredo. Além de Thompson, o diretor Bruce Robinson é uma dupla ou tripla celebridade. Diretor de cinema de mão cheia, roteirista e dramaturgo de sucesso, Robinson também é ator – muitos devem lembrar-se dele como o ator principal do clássico A História de Adèle H., de François Truffaut. Como artista de múltiplos talentos, Robinson é competente porém bissexto em tudo o que faz, tanto que dirigiu apenas quatro filmes nos últimos 25 anos.  E a terceira celebridade é o ator que encarna Thompson, Johnny Depp, que dispensa apresentações e que acumula em si o fato de ter sido amigo pessoal do jornalista. Em 1998, Depp atuou na adaptação de outro livro de Thompson, Medo e delírio (Fear end loathing in Las Vegas), lisérgico filme de Terry Gilliam.

Hunter S. Thompson

Para além do jornalista e escritor, Thompson ficou conhecido pelo consumo intensivo de bebidas alcoólicas, LSD, mescalina e cocaína, entre outras substâncias. Também era sobejamente conhecido seu amor às armas de fogo, 0 ódio a Richard Nixon e o constante combate ao autoritarismo. Sofrendo graves problemas de saúde, cometeu suicídio em 2005, aos 67 anos.

O termo “gonzo” foi criado por Bill Cardoso, repórter do Boston Sunday Globe, para se referir a um artigo de Thompson. Segundo Cardoso, a palavra seria uma gíria irlandesa do sul de Boston para designar o último homem em pé após uma bebedeira generalizada. Por exemplo, a reportagem Fear and Loathing in Las Vegas — lançado em livro no Brasil em 1984 como Las Vegas na Cabeça – , era planejado como uma matéria sobre uma corrida no deserto, a Mint 400, que fora encomendada pela revista Rolling Stone. Porém Thompson gastou todo o dinheiro com drogas e álcool, fez dívidas, destruiu quartos e fugiu sem pagar. Em lugar da matéria que deveria escrever — sobre um evento esportivo — , o resultado foi a descrição de um ambiente, digamos, bastante distorcido pelo original ponto de vista do autor.

Hunter S. Thompson

O jornalismo gonzo costuma favorecer o estilo em detrimento da realidade a fim de alcançar outro tipo de precisão, ou de imprecisão,  permeada pelas experiências pessoais e as emoções do autor, fornecendo um contexto parcial — apesar de profundo — do evento ou tema que está sendo coberto. O equilíbrio e equidistância da edição são deixadas de lado em favor de uma abordagem participativa. A personalidade e a opinião do autor interagem com o tema e o uso de citações, sarcasmo, humor e palavrões é comum.

Thompson baseou seus trabalhos no conceito de William Faulkner de que “a ficção é frequentemente o melhor fato”. Apesar de Thompson não ter criado ficção, ele sempre fazia uso da sátira e do exagero em seus textos. O termo “gonzo” também é muitas vezes utilizado pejorativamente para descrever uma espécie de fluxo de consciência nada joyceano, regido menos pela erudição do que pelo álcool e as drogas. Na verdade, o New Journalism proposto por Thompson é uma radicalização do já existente jornalismo literário, uma abordagem que se utiliza da literatura, da arte e do humor negro a fim de afrontar o senso comum americano.

Tom Wolfe afirmou em entrevista que a cena jornalística entre os anos 60 e 70 estava cheia de literatos em busca de escrever “o grande romance”. O emprego numa redação era algo passageiro, algo que lhes daria inspiração para este texto seminal. Wolfe descreve aquele ambiente como “um enxame de fantasias fervendo, proliferando no húmus do ego da América”. Foi neste contexto que prosperou o talento de Thompson.

Foto: Peter Mountain/The Rum Diary

Obviamente, as tentativas de Thompson seriam ignoradas se ele fosse um escritor menor. Não era o caso. De escrita exagerada e sempre imerso no ambiente da notícia, Thompson era dotado de  uma visão artística dos fatos que se aliava a um notável talento descritivo. Recorria muitas vezes às hipérboles, como dissemos. Thompson costumava fazer-se acompanhar não de um fotógrafo, mas de um ilustrador. Uma lente seria realista demais. Então, o desenhista Ralph Steadman dava-lhe um gênero de apoio que nenhum fotógrafo obteria, o de adaptar-se perfeitamente ao texto, vendo os acontecimentos sob a perspectiva dos exageros e da literatura do autor. Seus textos giravam basicamente sobre sexo, drogas, política e esportes – raramente saía deste quarteto – e habitualmente eram iniciados por uma citação literária, fruto de uma memória digna de outro grande jornalista que consumia toneladas de álcool, Christopher Hitchens. Ele também não recusava as aspas e travessões para explicitar diálogos. Como um romance.

O filme de Bruce Robinson é consistente e bastante fiel ao livro e à personalidade de Thompson. Paul Kemp é evidentemente um alter ego do autor. Assim como Kemp, Thompson foi a Porto Rico no começo dos anos 60 para trabalhar como jornalista num periódico que logo fechou. De início é complicado ver em Johnny Depp, de 48 anos, um jovem jornalista de menos de 30 anos, mas sua atuação é tão convincente que esquecemos rapidamente do fato. Vendo vídeos de Thompson no YouTube, notamos o quanto não são casuais os tiques nervosos de Deep no filme de Robinson. Deep era efetivamente íntimo do jornalista, tanto que foi ele quem incentivou a publicação de The Rum Diary, escrito nos anos 60 e só publicado em 1998.

A história é simples: Paul Kemp candidata-se a uma vaga num jornal de San Juan, Porto Rico. Sempre bêbado e provavelmente com o mercado fechado para ele nos EUA, Kemp é admitido, recebendo a missão de escrever a coluna de horóscopo. Então, é convidado por um investidor americano para auxiliar em um grande e abusivo empreendimento imobiliário. Ele escreveria textos que levariam a opinião pública a simpatizar com a mega-construção. Assim, ele passa a viver entre o trabalho, o frila, a péssima moradia que arranja, o interesse na mulher do investidor e o rum, principalmente o último. Várias cenas com seus colegas Sala e Moberg (Michael Rispoli e Giovanni Ribisi) são hilariantes, tanto pelas bebedeiras quanto pelas situações em que se metem. Como  trata-se de um texto de juventude, Thompson ainda gira em torno do rum, sem experimentar as drogas presentes em Medo e Delírio, livro posterior e filme mais antigo.

Hunter S. Thompson

Mas há uma cena que liga Medo e Delírio ao Diário. É quando Kemp experimenta ácido e, sob sua influência, vê o amigo Sala sob um formato delirante e engraçadíssimo. Se Medo e Delírio levava isso ao extremo, Diário de um Jornalista Bêbado encaminha o gonzo com maior sutileza, mas nunca sem defini-lo ou demonstrá-lo.

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François Truffaut, o homem que amava o cinema

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Publicado sábado no Sul21.

Durante esta semana, François Truffaut (6 de Fevereiro de 1932) teria completado 80 anos. Em apenas 52 anos de vida – o cineasta faleceu em outubro de 1984, vítima de um tumor cerebral – e 25 de carreira, Truffaut deixou 26 filmes, muitos dos quais figuram de forma definitiva entre os clássicos da arte cinematográfica. Filmes como Jules e Jim (1962), A Noite Americana (1973), Fahrenheit 451 (1966), O homem que amava as mulheres (1977), A Idade da Inocência (1976), A História de Adèle H. (1975) e O Último Metrô (1980), além dos cinco que percorrem os anos de formação de Antoine Doinel, sempre vivido pelo alter ego de Truffaut, o ator Jean-Pierre Léaud – Os Incompreendidos (1959), O Amor aos Vinte Anos (1962), Beijos Proibidos (1968), Domicilio Conjugal (1970) e Amor em Fuga (1979) – , deveriam fazer parte de qualquer cinemateca que tente compreender a evolução do cinema como arte.

Jacqueline Bisset e Francois Truffaut em A Noite Americana, um dos filmes que Truffaut dirigiu e atuou

A seu modo, Truffaut foi um erudito, um estudioso, um sujeito absolutamente tarado por cinema. Vivendo de sala em sala, de cinemateca em cinemateca, afirmou em 1975, numa entrevista durante o lançamento de Adèle H., que vira 15.000 filmes (tinha 43 anos) em sua vida e que às vezes tinha a impressão de que seus trabalhos eram colagens do que fizeram antes outros cineastas. Pura modéstia. Autor sempre original, Truffaut esteve permanentemente na ponta de lança, mesmo que a partir dos anos 70 tenha recuado seu estilo para algo mais clássico, afastando-se da postura de seu amigo e colega Jean-Luc Godard. Anos depois, jovens americanos inspiraram-se em Truffaut não apenas ao ver filmes sem parar, mas fazendo arte e graça ao exporem suas também enormes culturas cinematográficas. Sim, falo de dois dos grandes fãs de Truffaut, Quentin Tarantino e Steven Spielberg.

Doinel na casa da mãe: solidão, cinema, literatura e roubos

Truffaut jamais conheceu seu pai biológico. Foi criado por seus avós maternos, já que a mãe o rejeitara. Aos 10 anos, perdeu a avó e foi morar com a mãe, que estava casada com Roland Truffaut. Este acabou registrando o garoto com seu sobrenome. Porém, rechaçado tanto pelo pai adotivo quanto pela mãe, era péssimo aluno e passava seu tempo vendo filmes e arranjando dinheiro através de pequenos furtos. O primeiro filme que conta a história de Antoine Doinel e seu primeiro longa como diretor, Os Incompreendidos, é a história da adolescência de Truffaut. Ali, na cena final, ao deixar Léaud, ainda um menino, caminhar sem rumo pela praia, o francês captura de forma inesquecível a angústia e as dúvidas do adolescente. Contextualizado, o olhar de Doinel para o espectador é uma surpresa e um questionamento como poucas vezes se vira antes no cinema. Trata-se de um pedido silencioso da mais alta carga emocional.

Esta estreia de Truffaut aos 27 anos ocorreu após alguns anos como crítico de cinema na revista Cahiers du cinéma, fundada por André Bazin. Bazin foi efetivamente o pai tardio de Truffaut. O futuro cineasta tornou-se secretário pessoal de Bazin aos 18 anos, quando obteve a emancipação legal dos pais. Bazin foi quem lhe orientou, introduzindo-o no Objectif 49, um seleto grupo de jovens estudiosos do novo cinema da época, leia-se, principalmente, Orson Welles e Roberto Rossellini. Mais tarde, integrariam o grupo nomes como Jean-Luc Godard e Suzanne Schiffman — roteirista de quase todos os filmes de Truffaut. Ele também participava do Ciné club du Quartier Latin, boletim sobre cinema coordenado por Eric Rohmer. Ali, daria seus primeiros passos como crítico.

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E que crítico! Estreou causando enorme polêmica ao atacar o velho cinema francês com sua “tradição de qualidade”. Une Certaine tendance du cinéma française (Uma certa tendência do cinema francês) era um manifesto contra aquela tal “tradição de qualidade”, na verdade um cinema literário muito pobre em termos de dramaturgia e… cinema. Como crítico, Truffaut desenvolveu a noção dos filmes autorais. Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia de uma única pessoa, o diretor. O grande representante de sua teoria era Alfred Hitchcock. Tal conceito foi a base para o surgimento de um movimento que revolucionaria o cinema francês. Criada por jovens cineastas franceses, a Nouvelle Vague (Nova Onda) defendia a produção autoral de filmes intimistas e de baixo custo. E a nova geração, formada principalmente por jovens críticos de publicações especializadas, comprovaram suas teorias através de filmes que se veem até hoje. O início não poderia ser mais espetacular. Os Incompreendidos e, logo depois, ainda em 1959, À bout de souffle (Acossado), dirigido por Godard sobre roteiro de François Truffaut.

Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg em Acossado (1959)

Depois de mais dois filmes, Truffaut chegou ao leve e ousado, talvez discretamente indecente para a época, Jules e Jim. A produção, que recebeu o ridículo título de Uma Mulher para Dois no Brasil, é baseado num romance de Henri-Pierre Roché. Visto hoje, parece uma antologia de cenas clássicas, tanto que foi citado ou copiado por filmes mais recentes. Lembram por exemplo da célebre sequência de Butch Cassidy na qual Paul Newman e Katherine Ross andam de bicicleta ao som de Raindrops keep falling on my head? Está em Jules e Jim. É só procurar. O filme trata do triângulo amoroso entre Jules (Oskar Werner), Jim (Henri Serre) e Catherine (Jeanne Moreau, em magnífico trabalho).

Truffaut e Moreau conversam durante as filmagens de Jules e Jim

Durante as filmagens, aconteceu com Truffaut o que aconteceria com qualquer um: ele se apaixonou por Moreau, então casada com o estilista Pierre Cardin. Fez mais: apaixonou-se e deixou todos nós apaixonados por ela em diversas cenas, mas talvez especialmente naquela em que a faz correr travestida numa ponte. Abaixo, um dos muitos trailers do filme:

http://youtu.be/oPWTJsO89-M

Mais intimista e poético a cada trabalho, Truffaut afastava-se de Godard, que tornava seu cinema cada vez mais político, separando-se de Truffaut tanto em sua obra como pessoalmente. Brigaram. Porém, após dar sequência à saga autobiográfica de Antoine Doinel em 1962, com Amor aos 20 anos, ele paradoxalmente abriu uma exceção em 1966, quando foi à Inglaterra filmar Fahrenheit 451, pesadelo futurista baseado num romance de Ray Bradbury com Oskar Werner e Julie Christie nos papéis principais. É um filme sobre o amor aos livros num futuro totalitário em que eles são sistematicamente queimados. “Por que não popularizar, com a ajuda do cinema, bons títulos literários”, disse na época. Aliás, repassar livros para a linguagem cinematográfica era algo em que era mestre.

Cena de Fahrenheit 451

Outro grande filme foi A Noite Americana, de 1973. Talvez em função no título, é sua obra mais celebrada nos EUA. O título refere-se à técnica de iluminação para simular a noite em filmagens durante o dia. Recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1974. É um filme sobre a realização de outro filme, Je Vous Presente Pamela, ou, melhor dizendo, há um filme dentro do filme. Além de mostrar os bastidores da produção, vemos o próprio diretor atuando. A história acompanha a produção e os problemas das vidas particulares de toda a equipe. É uma bela crônica de amor ao cinema e também sobre o descontrole de um artista sobre a obra. O diretor vivido por Truffaut só busca “salvar o filme”. Deliciosa e leve sem ser fútil, A Noite Americana, deixa-nos ainda mais apaixonados pelo cinema. Dos filmes metalinguísticos, que procuram refletir sobre o cinema através do cinema, A Noite Americana é o melhor exemplar. A alegria que o filme transmite pode ser entendida por uma resposta que Truffaut deu a um jornalista em 1970, falando sobre suas obras: “Eu sou da família de diretores para os quais o cinema é um prolongamento da juventude”.

http://youtu.be/ZnZ_8sjta3I

A elegância clássica e o apuro visual de A História de Adèle H. remete a um outro filme do próprio cineasta, As Duas Inglesas e o Amor. Ambos são fotografados por Nestor Almendros e, além de contar boas histórias, têm cenas que mais parecem quadros. Adèle H. narra o amor e a loucura de Adèle Hugo, a filha de Victor Hugo que persegue um militar pelo qual é apaixonada na França, Canadá e em Barbados. De quebra, apresenta Isabelle Adjani no papel trágico que tentou repetir sem sucesso durante toda sua carreira. Esta love story solitária, esta história de amor protagonizada por apenas um personagem que vai atrás de seu objetivo inatingível, é um dos mais belos estudos sobre o amor e a solidão.

A Idade da Inocência, de 1976, é totalmente diferente. Despojado, livre e improvisado, é metade documentário e metade ficção, da mesma forma que fez antes em O Garoto Selvagem. Aqui, Truffaut acompanha uma turma de adolescentes e pré-adolescentes, observando suas relações, casos amorosos, piadas e brincadeiras. São contadas muitas histórias de jovens de várias classes sociais. Como ensaiavam? “Ora, eu lhes dizia muito poucas palavras para explicar o que elas tinham que fazer e dizer. Queria que elas usassem suas próprias palavras e que fossem naturais em suas atitudes. Funcionou bem mas foi muito cansativo, elas falavam demais e, juntas, faziam muito barulho…”, disse Truffaut sobre o set de filmagens.

Truffaut e algumas das centenas de crianças que participam de "A Idade da Inocência"

1977 foi o ano de outro extraordinário filme, O homem que amava as mulheres. Charles Denner faz o papel de um Don Juan que procura e quase sempre consegue conquistar as mulheres que lhe interessam — quase todas. O filme começa com o funeral de Bertrand (Denner). Mais parece um exército de saias e saltos altos. A seguir, o filme é um catálogo de seduções. Cada mulher é abordada de uma forma diferente, a começar pela moça do serviço de despertador que lhe telefona todos os dias pela manhã e que é chamada de Aurora por Bertrand. “George Simenon afirmava ter ‘conhecido’ 10.000 mulheres… Meu personagem é um aprendiz perto dele. É um poeta que diz que ‘as pernas das mulheres são como hastes de compassos que cavalgam o globo terrestre em todos os sentidos, dando-lhe equilíbrio e harmonia’. Não sei como Simenon conseguia tantas mulheres, mas Bertrand não é alguém vulgar que pega mulheres nos corredores ou no chão. Ele joga o jogo da sedução”.

Para finalizar, destacamos O Último Metrô, que trata da ocupação de um teatro de Paris por parte dos nazistas. O teatro é dirigido por Lucas Steiner (Heinz Bennent), um bem sucedido diretor judeu que supostamente fugiu da França. Sua esposa Marion (Catherine Deneuve), faz de conta assumiu a direção do teatro e da nova peça. Ela contrata o ator Bernard Granger (Gerard Depardieu). Para dirigi-lo em cena, Marion se socorre das orientações de seu marido, que, na verdade, está escondido no porão do teatro. É mais um trio amoroso proposto por Truffaut. Com uma extraordinária trinca de atores nos papéis principais — os citados Deneuve, Depardieu e Bennent –, o filme funciona como poucos.

Catherine Deneuve e Heinz Bennent em cena de "O Último Metrô" (1980)

Truffaut manteve durante toda a sua carreira a marca da paixão: amava o cinema, os livros, as mulheres e sua produção demonstra como poucas o autor que há por trás dos filmes. Vale a pena conhecê-lo.

Abaixo, todos os longas do diretor:

1983 De Repente, Num Domingo (Vivement Dimanche!)
1981 A Mulher do Lado (La Femme d’à Côté)
1980 O último metrô (Le dernier metro)
1979 O amor em fuga (L’amour en fuite)
1978 O Quarto Verde (La chambre verte)
1977 O homem que amava as mulheres (L’homme qui aimait les femmes)
1976 Na idade da inocência (L’argente de poche)
1975 A História de Adèle H. (L’Histoire d’Adèle H.)
1973 A noite americana (La nuit americaine)
1972 Uma jovem tão bela como eu (Une belle fille comme moi)
1971 As duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent)
1970 Domicílio conjugal (Domicile conjugal)
1969 O Garoto Selvagem (L’Enfant Sauvage)
1969 A Sereia do Mississipi (La Sirène du Mississipi)
1968 Beijos Proibidos (Baisers Volés)
1967 A noiva estava de preto (La mariée etait en noir)
1966 Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451)
1964 Um Só Pecado (La Peau Douce)
1962 Amor aos 20 anos (Antoine et Colette)
1962 Uma Mulher Para Dois (Jules et Jim)
1960 Atirem no Pianista (Tirez Sur le Pianiste)
1959 Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups)

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